XVIII - Segredo

Joey estava com parte dos cabelos cobertos pelo tecido do gorro. O moletom vermelho e fino caía bem no corpo pequeno e fofinho. Jason ficou sem palavras ao ver o garoto ali. Havia se acostumado a ideia de o outro não viria. De repente, todo o nervosismo voltou.

— Só um pouco, mas tá tudo bem.

Joey estendeu a caixa, que foi recebida pelo mestiço rapidamente.

— É só alguns livros que eu acho que você gostaria. Foi meio rápido, não deu muito tempo de escolher.   - Whaters explicou.

— Okay, okay. Isso é...ótimo.  - Falou nervoso.

Se dirigiu a mesa de presentes, corado. Sentia as pernas bambearem e o coração bater a mil por segundo. Não poderia fugir agora. Passou dias fugindo daquela conversa inevitável e não fora saudável.

— A-acho que a gente tem que conversar, sabe?   - Indagou, de cabeça baixa.

Joey concordou, sem encarar seus olhos.

— Você quer conversar aqui mesmo, ou...

— Não! Não!   - Jason foi rápido em negar.  - Eu só vou avisar o meu pai que a gente vai se afastar um pouco.

Jason se aproximou sorrateiramente de onde o pai conversava com sua tia. Yago estranhou o ato, mas permitiu desde que voltasse logo, afinal aquela era a festa dele e seria falta de educação abandoná-la.

Se aproximou do antigo amigo e segurou-lhe o pulso com pouco força, puxando-o e lhe chamando para sair dali. Joey o seguiu, mesmo sem saber onde o outro o levava.

Caminharam alguns minutos, com os pés na areia fina e limpa, dando a volta na praia, se afastando da casa dos Yoshida. O cheiro salgado do mar tocava suas narinas. Era fim de tarde, o céu estava numa mistura de roxo e laranja devido ao Sol que se punha majestosamente ao oeste, a direção contrária dos garotos. Subiram uma grande rocha e sentaram no topo alto. Dava para ver a casa dali, num tamanho pequenininho, como uma miniatura.

— Como podemos começar isso?   - Indagou Joey.

Jason pensou por um tempo. Havia uma pergunta, que fora respondida mais cedo por Clover, mas desejava ouvir de sua boca.

— Por que?   - Indagou.  - Por que você me deixou daquele jeito?

Joey suspirou, cansado.

— Eu tive medo, é só isso. Sabe, eles te maltratam quando eles suspeitam, mas quando eles têm certeza é três vezes pior. Sabe por que os outros caras gays da nossa escola não sofreram tanto quanto a gente?   - Indagou, recebendo uma negação do outro.  - Porque eles seguem um padrão hetero de comportamento. A sociedade acha que pode definir o gay que merece respeito e o gay que não merece. Se eles me destruíam por eu ser um cara com "jeito de gay",   - Fez aspas com os dedos.  - se eles tivessem a certeza disso fariam da minha vida um Inferno.

Jason ouviu, calmamente. Sabia o que o outro passava antes de começar a namorar com Lucy.

— Sabe...eu nunca gostei da Lucy Andrews, porque desde quando eu pisei na escola, ela me perseguia. Ela teve uma estranha obsessão comigo que nenhuma outra garota teve. Quando você me beijou, ela foi na minha casa, dizendo que iria limpar a minha barra, ela disse que iria me curar. Foi aí que eu comecei a pensar se era realmente assim que as pessoas me viam: como alguém doente. E se eu estivesse realmente doente? E se eu estivesse realmente errado por simplesmente gostar de caras? Por estar apaixonado por você? Sabe o que é querer se sentir normal?

A última oração grudou na sua cabeça, lhe fazendo refletir. Sim, ele sabia. Jason Yoshida sabia muito bem o que era se sentir uma aberração. E sabia muito bem o quanto desejava ser normal. Porém não era sua bissexualidade que o fazia pensar nisso.

— Eu sei, mais do que imagina. E eu entendo você.   - Falou.  - Eu só me senti usado. Eu me senti um lixo. Algo fútil e jogado fora. E eu...eu gosto de você, mais do que deveria gostar. Então, doeu. Doeu pra caramba, entende?

Joey anuiu rapidamente.

— Eu sei que o que eu fiz com você foi injusto. E eu sabia que você era ingênuo e aberto, mas eu não imaginava que você teria coragem de me beijar na frente das outras pessoas.

— Não imaginava que isso pudesse ser errado aos olhos de alguém. Você me disse que era um ato de amor. Amor é errado?   - Indagou, sentindo-se confuso.

Joey se aproximou um pouco mais, tentando escolher as palavras certas para falar sobre aquilo.

— Não é que o amor seja errado, mas as pessoas hoje em dia estão lotadas de ódio, entende? Elas não conseguem mais compreender o amor direito.

Jason balançou a cabeça positivamente.

— Sabe...quando seu pai me contou aquelas coisas, eu me senti um monstro. Eu quero pedir desculpas por não ter deixado você se explicar naquele dia.   - Comentou.

— Não tinha como você saber. E aliás, você não foi errado. Eu não posso te deixar e depois voltar querendo te ter como se nada tivesse acontecido.   - Whaters falava, enquanto brincava com os dedos numas conchas que haviam sido trazidas pelas ondas e ficado presas na rocha.  - Pelo menos agora você sabe de tudo. Zero segredos entre nós, não.

Jason ficou calado por um tempo, tentando descobrir sozinho se deveria contar ou não.

— Não é bem assim, Joey.   - Murmurou.  - Eu tenho algo a te contar.

Joey fez uma expressão surpresa. Dava para ser notada de longe. Sinceramente, ele não pensava que Jason Yoshida escondesse muita coisa, tamanha a naturalidade que acabou revelando a sexualidade perante muita gente.

— Se você não se sentir confortável, não precisa contar.   - Falou ele.

— Não é isso, eu só tenho medo.   - Desabafou, o americano-japonês.   - Está longe de ser algo comum. Eu tenho medo de como você vai reagir. Não quero que olhe pra mim como uma aberração.

O Whaters simplesmente segurou sua mão e virou seu rosto para que o encarasse.

— Independente de qualquer coisa, está tudo bem, Jay-Jay.

Respirou fundo, antes de dizer:

— Eu tenho infantilismo, Joey.

Um silêncio se fez presente, sendo ouvido apenas o barulho feito pelas ondas calmas do mar.

— O que é isso, Jason?

Respirou fundo.

— Os ursos de pelúcia, meu jeito, minhas roupas...são infantis demais para a minha idade. Eu não consigo mudar. Eu me sinto mal, me sinto em outra pele fora disso. É uma psicopatologia.

O Whaters tentava assimilar a situação, era coisa demais, mas não iria sair correndo dali. Queria entender.

— Como isso aconteceu?   - Indagou.   - Você já nasceu assim?

Jason suspirou.

— Minha infância não foi fácil. Isso geralmente acontece quando há algum trauma durante essa época. É como se a gente quisesse se dar uma segunda chance. A gente descobriu quando eu fiz catorze anos. Eu não cresci mentalmente da mesma forma que deveria crescer.

— No caso, é só nisso que se caracteriza? O jeito de agir e se vestir?

Jason suspirou. Era algo estranho de se falar, visto que seu psicólogo havia explicado para seus pais, e eles que explicaram para sua família.

— Alguns gostam de agir infantilmente de forma explícita o tempo todo. Outros usam fraudas e chupetas. Eu tive trauma com fraudas quando eu era criança, eu nem gosto de ver uma. E quanto a chupetas, eu só uso quando eu surto. Acabei desenvolvendo transtorno de ansiedade quando eu soube disso. Apenas nesses momentos eu uso isso, porque me traz a sensação de tranquilidade. Não tem cura, só tratamento para aceitação, mas a minha mãe diz que isso é mentira e eu não preciso.

Joey estava boquiaberto, sem palavras para a revelação. O Yoshida estava a ponto de chorar.

— Olha eu vou entender se você não quiser mais olhar pra mim, eu sei que é estranho, eu sei que é bizarro...   - Seus olhos se enchiam de água, sentindo-se rejeitado.

— Jason, durante o tempo em que estivemos juntos, você fingiu ser outra pessoa?   - Indagou, Joey se aproximando ainda mais do outro. Recebeu logo uma negativa.   - Então, está tudo bem assim. Eu amo você desse jeito e é isso que importa.

Jason Yoshida ficou estático, assimilando a boa reação do outro. Aquilo era o que menos imaginara.

— Você sabe que é complicado conviver com pessoas assim, não é?   - Indagou, Jason.

— Eu vou pesquisar mais sobre. Eu vou cuidar de você e te ajudar a lidar com isso.  - Respondeu, determinado.  - Você não pense que vai fugir de mim dessa vez.

E então os lábios se encontraram, vagarosamente. Com mais sinceridade e calmaria que nunca.

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