IV - Sonhos de Uma Noite de Verão


     — Onde está sua mamãe? - Jason indagou de forma infantil.

    Ele e o mais novo estava deitados na grama alta e quase intocada. Flores silvestres estavam por toda a parte sendo iluminadas apenas pelo brilho esbranquiçado do luar. Jason sequer entendia como fora parar ali, lado à lado com o mendigozinho maltrapilho.

     — Ela está em casa. - Respondeu, direto.

    Ficaram calados por um tempo.

     — E o seu papai? - Jason voltou a perguntar.

     — Ele está na casa dele. - O Medicine Boy repetiu.

     — Eles são divorciados? - Jason continuou o interrogatório.

     — Sim. - Disse curto.

     — Mamãe e papai também já se separaram.

     — Eu sei. - Disse, o surpreendendo.

     — Como sabe?

     — Sabendo.

    Jason Yoshida se irritou com a resposta, mas resolveu tentar mais.

     — Por que não quer me mostrar onde o encontrou? - Perguntou novamente. - Estou procurando Saturno há um longo tempo.

     — Não posso dizer, você ainda não está pronto. - Respondeu, o pequeno.

    Yoshida sentiu seu rostinho corar de raiva.

     — Você sempre diz isso! Por que eu não estaria pronto?

     — Apenas por não perceber já é o suficiente. Confia em mim!

    Como sempre fazia quando estava irritado, o mais velho socou as pernas e tirou Hiaboo de dentro da mochila, logo vendo os olhinhos do outro asiático brilharem.

     — Peça para sua mamãe comprar um para você! - Disse, escondendo o brinquedo.

     — Eu não vou roubar ele, seu bobo! - O outro retrucou, indignado.

     — Eu não sou bobo, seu bobo! - Gritou, assustando-o. - Desculpa! É que o Hiaboo é meu melhor amigo.

    O outro fez um sinal de concordância, para indicar que estava tudo bem.

     — Pode olhar, se quiser. - Para se redimir, esticou os braços, oferecendo o pinguinzinho azul.

    O Medicine Boy aceitou de prontidão, abraçando-o fortemente.

     — E quanto ao Joey?

    Jason queria perguntar de onde ele sabia sobre Joey Whaters, mas sabia que o outro iria desviar do assunto em questão, então apenas respondeu com outra pergunta.

     — Por que está perguntando sobre ele?

     — Porque ele é um dos motivos para o oitavo item da sua lista. - Disse o outro, com convicção.

    Jason Yoshida arregalou os olhinhos puxados, mas não perguntou como ele sabia de sua lista, nem como sabia do que ele representava.

     — E qual é o outro motivo? - Testou.

     — Lucy. - Acertou o alvo. - Mas não é apenas culpa deles.

    Yoshida concordou mentalmente.

    Jason Yoshida odiava sua aparência por causa dos vestígios históricos que seu rosto representava para parte dos americanos. E ele poderia culpar o governo japonês por ter feito parte do Eixo e atacado a Pearl Harbor. Poderia culpar os EUA por ter enviado bombas à Heroshima e Nagazaki. Mas a verdade é que a culpa era sua por se render aos comentários e olhares de desprezo que alguns americanos lhe lançavam.

    Porém, Lucy e Joey contribuíram para aquilo e como contribuíram.

ㄴ°ㄱㄴ·ㄱㄴ°ㄱㄴ·ㄱㄴ°ㄱ

    Joey Whaters entrou na vida do japonês-americano antes da insônia.

    A aula de biologia mal havia começado quando um moleque baixinho, tão magricela quanto ele, de cabelos tingidos de azul celeste, abriu a porta num estrondo, chamando a atenção de toda a turma.

     — Appa*! - Se dirigiu a professora de biologia.

     — O que fez no seu cabelo?! Você pintou o mês passado. - O Senhor Whaters exclamou.

     — Eu quis mudar. - Disse, acariciando os fios azuis.

    Dava para ver de longe que havia intimidade entre os dois.

     — Dane-se! - Soltou o homem. - Depois conversamos sobre este atraso. Sente-se!

    O novato revirou os olhos e se dirigiu à carteira vaga ao lado de Jason Yoshida.

     — Oi, moço! - Abriu um sorriso que o japonês não retribuiu.

     — Oi. - Respondeu, por educação.

    Ninguém tentou um diálogo durante a aula. Pelo visto, o garoto não queria problemas com o pai.

    Deve ser difícil, a pressão. - Pensou, Jason.

    Quando a aula finalmente acabou, soube que o professor de Literatura havia faltado e estavam todos liberados para frequentar qualquer lugar longe dos corredores.

    Jason Yoshida se pôs a caminho da biblioteca. Havia pegado um exemplar de Sonhos de Uma Noite de Verão de William Shakespeare. Precisava devolvê-lo. Sinceramente, não se encantou com a obra. Achou aquele romance todo intediante, assim como a obra shakespeariana mais exaltada vulgo Romeu e Julieta.

     — Hey, você! - Ouviu de longe, mas não achou que estivessem falando com ele. - Estou falando com você, Senhor Torre Eiffel! Prédio ambulante! Poste de luz!

    Jason Yoshida arregalou os olhos. Como aquele anão de jardim tinha coragem de chamar por si assim no meio da escola?

     — Eu não sou um poste, seu...seu... - Tentava encontrar uma palavra que se encaixasse, mas seu vocabulário de xingamentos não era lá muito vasto. - Seu bobão!

    O outro lhe olhou por alguns segundos com uma expressão séria e em seguida caiu em gargalhadas.

     — Hey, mocinho! Se acalma, não quis ofender. - Sorriu de lado. Estava achando aquele gigante uma graça.

     — Eu não tenho culpa que você é uma boneca pequenininha. - Jason Yoshida fez um biquinho ao falar.

     — Qual o seu nome, Golias? - O garoto perguntou, sem remorso algum pelos apelidos.

     — Jason Yoshida. - Respondeu, desistindo de tentar fazer o outro parar com as provocações.

     — Jason... - O outro pronunciou seu nome como um mantra. - É bonito, mas não combina com você. Posso te chamar de Jay, JY ou Jay-Jay?

    Yoshida se acanhou. Aquele tipo de comportamento íntimo com recém-conhecidos não era comum na natureza social americana, muito menos na natureza social japonesa. Mesmo assim, concordou.

     — Pode me chamar de Joey. É difícil arranjar um apelido para um nome pequeno e sem graça. - O outro disse. - Para onde vamos, Jay-Jay.

     — Eu vou para a biblioteca. - Respondeu, secamente.

    O outro lhe seguiu até a sala escolar, com um um sorriso largo no rosto, que aumentou ao ver o exemplar nas mãos alheias.

     - Sonhos de Uma Noite de Verão! - exclamou. - Minha mãe era professora de Literatura e amava esse livro. Eu sempre quis ler ele.

     — É chato! - O mais alto respondeu, cortando o barato do outro.

     — Mesmo assim eu vou pegar. - Disse, fazendo um bico.

    Ambos saíram da biblioteca e se dirigiram ao pátio, onde algumas pessoas conversavam animadamente. Ficaram calados até que Jason refletisse sobre algo.

     — Se você é filho de professora de literatura, como que nunca leu este livro?

     — O exemplar que ela tinha foi enterrado com ela quando eu ainda não tinha idade para me interessar nesse tipo de leitura.

    Jason Yoshida se sentiu envergonhado e culpado por ter tocado naquela ferida inchada e sensível. Algumas lágrimas escorreram involuntariamente em razão de seus sentimentos. O outro secou suas lágrimas rapidamente e o mais alto se sentiu aliviado por ninguém mais ter visto sua cena.

     — Não fique triste, JY! - Pediu, sorrindo. - Eu ainda estou vivo.

* Appa - pai em coreano.

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