[ Epílogo ]

Infantilismo é uma psicopatologia não muito popular, em que um indivíduo, graças a um determinado trauma de infância, passa a portar-se de modo infantil. É como se em sua mente não desejassem crescer. Não digo com precisão, mas é como se desejasse resgatar o que perderam. É um modo pelo qual as suas mentes resolveram lidar com a dor. Não é necessariamente algo ruim, mas pode fazer mal dependendo da forma com que é lidado. Não é algo que tenha cura, mas também não é algo que não tenha tratamento. Em todos os casos que estudei, os infantilistas tinham tendência a fugir de mesmos, do que realmente são, e isso é algo que os machuca profundamente. O tratamento para infantilistas é para autoaceitação e ajudar no processo para encontrar um equilíbrio entre o lado infantil e o lado mais maduro.

Como identificar um infantilista? Bem, eles geralmente possuem problemas com a figura materna e possuem certa inocência característica, que pode lhes atrapalhar de certo modo. Em todo caso, eles preferem esconder ao máximo isso, utilizando quando necessário seu lado maduro. Costumam temer muito a rejeição e a crítica, o que é altamente compreensível, já que estamos vivendo uma era em que o nome da patologia também é usado para definir fetiches sexuais e lifestyles. Aliás, este é um dos maiores medos dos infantilistas: serem usados ou abusados por pessoas com interesse puramente sexual neles.

Joey suspirou ao terminar de ler suas anotações do que seu novo mentor, O Dr. O'neil, havia falado durante uma conversa sobre a psicopatologia que seu namorado carregava. Havia feito a prova para uma Universidade na cidade e esperava a nota. Faria psicologia. Jason havia lhe ajudado indiretamente a encontrar o amor pela ciência. Queria cuidar dele e de outras pessoas, aquilo era natural. Havia desenvolvido um sentido de carinho por pessoas diferentes.

A porta do apartamento tocou. Estranhou o toque, já que seu pai geralmente marcava com os amigos num dia que sabia que estaria em casa e ele não estava. Abriu-a, pronto para dizer que Clover não estava, mas se engoliu em seco ao ver quem estava a sua frente.

— Podemos conversar?   - O rapaz loiro perguntou, coçando o cabelo.

— O-o que faz aqui, Ezekiel?   - Gaguejou, amedrontado.

— Eu preciso falar com você.  - Fitou o outro com os olhos verdes brilhando.

O Whaters fechou a porta rapidamente com a chave.

— Você não vai me bater, Ezekiel! Saia, ou chamarei a polícia!   - Exigiu.

— Eu não quero te bater, Whaters! Pelo contrário, eu quero pedir desculpas. Por favor me deixe entrar.

Desconfiado, Joey abriu a porta. Ezekiel sorriu ao entrar, mas o sorriso sumiu ao ver um jarro de vidro na mão do outro.

— Não se aproxime de mim.   - Joey exigiu, se sentando no sofá, ainda segurando o jarro de vidro.

Ezekiel suspirou, cansado.

— Eu quero te pedir desculpas por todo mal que eu fiz a você.   - Foi direto.  - Meu pai era homofóbico e se algum dos meninos contasse algo para ele, eu seria expulso de casa.

O garoto de cabelos azuis suspirou e esfregou a mão na testa. Sua cabeça começava a doer.

— Então você e seus amiguinhos quebram meus ossos e deixam meu rosto deformado e você vem na minha casa pedir para que eu te perdoe, porque você não assumiria o problema para não desagradar o seu papai?

— Eu sei que não tem desculpas pra isso, mas seu pai pagou um cara para cuidar de mim e não foi tão indolor também.   - O loiro rebateu.

— Não ouse falar do meu pai!   - Joey apontava o dedo em seu rosto, quando se deu conta de algo.  - Mas espera, você disse que seu pai era homofóbico. Não é mais? Abriu a mente?

— Não, queria eu.   - Ezekiel riu fraco, sem graça.  - Ele morreu homofóbico. Descobriu um tumor no cérebro, não deu tempo de tratar.

— Eu lamento, Ezekiel.   - Falou, sincero.

O ex-atleta anuiu, um pouco contrariado, apenas acreditando em suas palavras. Então, tomou coragem para se aproximar, sentando a seu lado. Joey apertou o jarro nas mãos.

— Joey, eu estou aqui tentando conseguir o seu perdão. Eu não sou mais o que eu era antes e bem, eu sinto a sua falta... eu venho pensando muito em você durante meses. Eu queria pedir uma chance. Eu sou louco por você. Sei que te fiz muito mal, mas eu posso compensar isso.

A boca do menino de cabelos coloridos se entreabriu. É assim que mulheres agredidas pelos seus companheiros "arrependidos" se sentem? - Pensou, indignado.

— Você me espanca, me xinga, faz da minha vida um inferno e agora vem dizer que gosta de mim?   - Joey indagou, bravo.

— Joey, eu...

— Ezekiel, eu não sou um idiota. Eu não te odeio, mas nunca poderia amar alguém que me tratou como um lixo. Eu mudei, você mudou, eu estou com outra pessoa agora.  - Cortou, direto.

— Espera, você está...

— Namorando!   - Completou, afirmando.   - Estou namorando alguém a quem eu amo muito e que me ama de volta. E eu peço por favor que saia da minha casa. Eu te perdoo por tudo o que você fez, mas não quero proximidade.

Ezekiel respirou fundo. Estava desistindo, não tinha o que fazer. Apenas se dirigiu até a porta.

— Foi bom ter te visto de novo, Whaters.

— Digo o mesmo, Jeffrey.   - Murmurou em resposta, o dono da casa.

Suspirou aliviado ao ver o seu passado sair pela porta da frente. Talvez precisasse daquilo para se sentir liberto.

Assustou-se ao olhar o relógio da parede marcar três da tarde. Tinha que buscar Jason no aeroporto.

Jason sorriu ao ver seu irmão, pai e namorado o esperando de longe. Os parentes reparavam em sua aparência. Seis meses haviam passado e seu cabelo estava grande comparado a antigamente. Parte dele estava preso num coque e outra caía pelo pescoço magro. As olheiras que antes dominavam seu rosto agora estavam tão claras, como se nunca houvesse tido problemas com sono. Sorriu, fechando os olhos pequenos. Foi agarrado pelos três homens a sua frente, ao mesmo tempo.

— Você não sabe como faz falta, pirralho!   - James reclamou, bagunçando seus cabelos.

Observou o irmão mais velho. Havia engordado um pouco mais, parecia mais jovial. O mesmo sorriso misterioso de sempre parecia mais feliz. Tinham pedido uma licença para ele na clínica de reabilitação.

— Eu também senti sua falta.  - Disse ao outro, o abraçando forte.

— Eu me arrumei todo para você simplesmente me ignorar?   - A vozinha veio de baixo a seus ouvidos.

Joey tinha um topete nos cabelos. Um lindo topete azul. Um jogo de sombra laranja e dourada pintava as pálpebras, combinando com o tom rosinha que o hidratante labial deixou nos lábios bonitos. Jason Yoshida segurou seu rosto delicadamente e grudou os lábios nos do outro, que segurou com força o coque em sua cabeça.

— Você gostou?   - O mestiço indagou.

— Você ficaria lindo até calvo.  - Riu o outro.

Uma tosse forçada interrompeu o momento do casal.

— Seu velho aqui ainda não morreu.  - Yago disse, recebendo logo um abraço forte.  - Cabelo tradicional asiático, ficou lindo em você, meu amor.

— É o que o senhor usava na minha idade.

— Não me lembre disso. Era ridículo em mim.  - Riu, lembrando-se daquela época.

O sorriso murchou um pouco no rosto do caçula.

— A mamãe...

— Ela me pediu pra te pedir desculpas pelo que disse no teu aniversário, mas não se sente confortável em te ver, nem ver o seu irmão.  - Murmurou, Yago.

Deveria ser como um band-aid. Doloroso, porém rápido.

Jason anuiu, tentando não demonstrar tristeza.

— Vamos para a casa de praia?   - Chamou, Joey.  - Temos que comemorar o meu aniversário do ano passado, que o Jason perdeu.

Os outros três riram. Joey havia feito muito drama quando fez o aniversário de dezessete anos e Jason não pôde estar. Tomariam alguns potes de sorvete juntos para comemorar de forma bem atrasada.

Era noite quando Joey, de banho tomado, esperava Jason sair para que pudessem dormir. Sentia-se mal. Algo em si dizia que não poderia esconder o acontecimento de mais cedo do outro.

— Por que está pensando tanto?  - Indagou o mestiço, se aproximando e sentando na cama, a seu lado.

Os cabelos longos, agora completamente soltos, caíam sobre os olhos pequenos. Joey tocou-os e levou uma mecha para trás da orelha do outro.

— Eu tenho que te contar algo.  - Falou.

Jason virou a cabeça para o lado, como um cachorrinho contrariado.

— Sabe aquele menino que eu ficava antes de mudar de escola? Ele foi lá em casa, hoje.

— Ele te machucou?   - Jason se desesperou, procurando machucados no rosto do outro.

— Não, Jay-Jay, não. Ele...bem, ele veio pedir desculpas e dizer que gostava de mim.

Uma expressão surpresa tomou o rosto do outro, mas logo se acalmou.

— O que você sentiu quando ele disse isso?

— Pena e raiva ao mesmo tempo.  - Respondeu, sincero.  - Pena, porque ele vai ficar com a consciência pesada, lembrando que estragou tudo entre eu e ele. Raiva, porque isso foi muito cara de pau.

— Você...você gostaria que tivesse dado certo? Sabe, que ele nunca tivesse te batido?   - Indagou, Jason, as mãos suando levemente.

Joey pensou por uns dez segundos.

— Não.  - Disse ele.  - Tudo na vida tem um motivo. Se eu não tivesse apanhado dele, eu não teria mudado de escola e te conhecido. Atualmente, eu não te trocaria por nada.

Um sorriso brincou no rosto do mais alto. Joey beijou-lhe o rosto diversas vezes e o puxou para se deitar no seu ombro.

— Como foi no Japão?  - Indagou.

— Eu encontrei Saturno, Jojo! Finalmente!   - Sorriu ele.

Jason respirou fundo o ar da casa de sua avó. Ela vivia numa vila muito próxima à Floresta de Nagoya. O ar era tão puro que seus pulmões agradeciam. Sem contar que o quintal de sua avó era enorme e cheio de árvores. Havia tomado chá com ela e falado sobre sua sexualidade. Ela estranhou um pouco, mas não lhe xingou, nem falou nada demais. Sabia que era estranho pra ela, uma mulher de outra época, então compreendia perfeitamente.

Rodava o ursinho Yoey e o Hiaboo juntos, no quintal, quando viu uma figura feminina surgir. Kamura continuava linda depois de tantos anos. Os cabelos lisos, longos e negros esbanjavam feminilidade. Ela sorriu ao vê-lo. Seu antigo melhor amigo, seu antigo namoradinho de infância.

— Yoshida Hiroshi!   - Gritou ela, chamando-o pelo nome japonês, o abraçando com força. Os olhos brilhavam.

— Hayauta Kamura!  - Gritou de volta, largando as pelúcias ao chão e rodando com ela.

— Eu senti tanto a sua falta.  - Falava a menina, em japonês.  - O que faz de volta aqui? Achei que nunca mais fosse te ver.

— Preciso encontrar Saturno. Acho que o lugar certo é aqui.   - Falou ele na mesma língua.

— Ainda lembra dela? Lembra da poesia?   - Perguntou ela.

— Que poesia?   - Indagou, confuso.   - Faz tanto tempo.

Kamura sorriu e pegou em sua mão, o puxando para correr com ele. E correram juntos, pela grama alta. Jason Yoshida ria, não entendia o motivo, apenas ria.

Chegaram na árvore. Aquela árvore enorme.

Hachiro + Kamura + Hiroshi

Seus nomes estavam gravados naquela árvore. As raízes grandes saíam um pouco do solo. Kamura pôs a mão delicada debaixo da raiz. Uma pasta pequena guardava uma folha de papel. Jason pegou a pasta. Pela transparência viu que os traços que compunha os ideogramas e katakanas não eram só dele, como de Hachiro também.

— Onde está Hachiro? Sinto falta dele.

A felicidade sumiu do rosto bonito de Kamura, ao ouvir o nome do irmão.

— Vocês não souberam?   - Perguntou, sussurradamente.  - Meus pais não tiveram coragem de contar.

— O que houve?  - Um aperto tomou seu coração.

— Hachiro está morto, Hiroshi.   - As lágrimas começavam a aparecer nos olhos dela.  - Se matou há dois anos atrás quando viram ele e o namorado dele juntos e começaram a machucá-lo na escola.

A boca do mestiço se abriu, num espanto. A respiração tornou-se irregular. As lágrimas caíram. Por que aquilo parecia tão comum? Por que odiavam tanto eles? Hachiro era seu melhor amigo de infância. Se sentia culpado. Culpado por ter ficado distante, culpado por não estar com ele quando se descobriu. Culpado por não ter sido o refúgio dele. E então lembrou de quando eram pequenos. De todos os mochis e tempuras roubados para devorem os três debaixo daquela árvore. Do chocolate quente a três, das corridas, os três indo dormir com James. Seu trauma de infância havia lhe dominado tanto, que havia preferido esquecer tudo. Sua mente havia decidido ignorar Kamura, ignorar Hachiro. A xenofobia que sofria na escola fazia-lhe odiar as memórias do Japão. Por quanto tempo quis esconder de si mesmo suas origens? Por quanto tempo quis deixar pra lá o passado mal resolvido? E então chorou. Chorou muito. Chorou pelos motivos que havia tentado não chorar durante tanto tempo. Chorou, porque doía. Kamura lhe abraçou forte. Escondeu o rosto do pescoço dela. Ela chorou com ele. Talvez se sentisse culpada também.

— Você não tem culpa.   - Ela falou.

— Você também não.   - Ele rebateu.

Ela sorriu pequeno, sorriso doloroso.

— Posso ficar com isso?  - Jason pediu, falando da poesia.

Ela anuiu.

— Ele gostaria que ficasse com você.

Depois disso, Jason deixou um beijo na testa dela eles se afastaram. Esperou a noite chegar. Estaria fugindo de casa durante a madrugada talvez pela última vez. Pôs a pasta e o Hiaboo na mochila e correu. Depois de correr o quintal todo, contemplou a Floresta de Nagoya. Adentrou ela, vendo as árvores e sua magnificência. Era perfeito. Talvez ainda mais bonito que o parque de sua vizinhança.

Correu lá, sem saber pra onde ía. Até que cansou e se deixou cair no chão. Fechou os olhos, sem se preocupar com os animais florestais. Sentiu algo pequeno tocar seu rosto e finalmente abriu os olhos. Foi aí que viu algo que nunca mais havia visto: os famosos vagalumes daquela floresta. Pareciam brilhar só para ele naquela madrugada fria. Eram tantos que luz deles lhes passava um calorzinho pequeno. Era chegada a hora. Apesar da luz ser escassa, conseguia ler com a luz verde vinda dos vagalumes. Abriu a pasta e começou a ler a poesia em japonês.

Durante muito tempo nós olhamos pelo céu,
Perguntando o que é certo e errado.
O amor é complicado,
Principalmente se amar.
Aceitar as origens de Saturno é complicado,
Amar Saturno é complicado.
Saturno é grande e sabe-se pouco dele.
E Saturno está perdido,
Ele saiu do Sistema Solar.
Os outros planetas o acham diferente demais para formarem um único conjunto.
Mas Saturno está errado?
Ou será que tudo isso é inveja?
Inveja porque Saturno encontrou os anéis.
Inveja porque Saturno é apaixonante.
O tom de amarelo de Saturno esbanja beleza e alegria.
Saturno é brilhante.
Saturno brilha por si só.
Saturno não precisa dos outros planetas,
Mas talvez os outros planetas precisem de Saturno.
Não podes fugir de si, Saturno,
Pois sois perfeito ao teu modo.
Não ouça o que os outros dizem, Saturno.
Porque você merece todo amor do mundo.

As lágrimas voltavam a surgir pequenininhas nos olhos dele.

— Saia de onde estiver!   - Gritou.  - Eu sei que está aí! Eu encontrei!

— Eu estou aqui, eu sempre estive.   - A criança respondeu.

Jason virou, vendo-o ali e puxou-o para um abraço.

— Eu o amo! Medicine Boy, você me curou. Eu o amo!

— Fale do jeito certo!  - A criança apertava seus cabelos.

— Eu me amo! Eu amo minhas origens! Eu amo quem eu sou, por completo. Eu amo quem eu sou e eu amo você.

Se afastaram um pouco e Jason pode tirar o cabelo dos olhos do menino. Era ele ali, o Medicine Boy era o equilíbrio. Era a representação de tudo que fugia. De tudo que odiava. Porque no início, Jason Hiroshi Yoshida não conseguia se amar e tentava achar isso em outra pessoa, sendo que a o Curandeiro esteve sempre ali. O único que podia cuidar de si e melhorar as coisas era ele mesmo.

— Saturno é o meu passado.   - Jason falou.

— Às vezes é necessário criar uma boa relação com o passado para poder aproveitar o  presente e se apaixonar pelo futuro.   - O Medicine Boy falou, com um sorriso.

As lágrimas escorriam do rosto do Yoshida.

— Eu vou sentir a falta dele.  - Falou com dor.

— Eu também.   - O Medicine Boy resmungou.  - Mas precisamos seguir em frente. Olhe para cima.

Jason olhou e encontrou ali. Saturno brilhava, parecendo uma estrela. Não precisou de telescópio algum.

— Obrigada.  - Agradeceu, grudando sua testa ao do menor.  - Eu sentirei tanto a sua falta.

— Eu estou com você. Eu sou você. Não completamente, mas sou, ainda que você sempre tenha achado que não.

Lágrimas escorriam um pouco do rostinho pequeno.

— Eu me amo.  - Jason murmurou.

— Eu me amo também.   - O Medicine Boy sorriu.  - Nunca se esqueça de mim. Nunca se esqueça de se por em primeiro lugar. Prometa!

— Eu prometo.

Um beijo casto foi depositado no rosto do mais velho e então este se viu "sozinho" novamente. Um sorriso foi aberto em meio as lágrimas. Muita coisa machucava, mas estava tudo bem agora. Sabia que a paz não duraria para sempre, mas não haveria graça se durasse. Naquela noite, Jason Yoshida não precisou de mais noites em claro, pois estava tudo bem, estava tudo equilibrado. E se Hachiro não havia conseguido equilibrar as coisas, ele equilibraria por ele.

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