O FILHO DO DUQUE

Fazia um mês que o viajante trabalhava naquela fazenda e sempre achara curioso como o filho caçula de Manoel, dono da fazenda, era diferente dos outros filhos, estes tinham a pele queimada, cabelos e olhos castanhos, tal e qual seus pais, já o caçula era muito branco e seus olhos eram azul escuro, mas há alguns dias tinha ouvido uma história enquanto fazia compras na vila e desde então desconfiava que havia alguma coisa muito errada ali.

A história que ouvira dizia que o duque de Viseu fora enganado no nascimento de seu primogênito, pois lhe disseram que os dois haviam morrido no parto, quando na verdade o menino havia sobrevivido e o irmão do duque havia mandado um dos criados sumir com a criança e colocara um bebê morto no lugar dele, mas o criado, incapaz de fazer mal ao recém - nascido, o levara para sua casa e, com sua esposa, o criara como se fosse seu filho.

O viajante estava decidido a descobrir se o caçula do Manoel era o filho do duque ou não e para isso começou por falar com a mulher dele, parecia meio ingênua e se escondesse alguma coisa não seria tão difícil fazê - la falar.

- Olá dona Mirtes, eu notei que muitas pessoas daqui da região trabalham para o duque de Viseu - mentiu -, deve ser um homem muito poderoso…

- É sim.

- E vocês? Por que não trabalham para ele também?

- Não precisamos, o que nós produzimos aqui e vendemos na cidade nos é suficiente.

- Mas nunca trabalharam para ele?

- O Manoel trabalhou a muitos anos.

- E por que parou?

- Ele comprou essa fazenda e pediu demissão.

- Deve ter ganhado um bom dinheiro naquele tempo, não?

- Um pouco. Por quê?

- Só curiosidade.

- Está pensando em tentar trabalhar para ele?

- Não, estou feliz aqui - sorriu.

O viajante fez mais algumas perguntas e depois voltou aos seus afazeres. Enquanto trabalhava tentava imaginar um simples criado de um duque comprando uma fazenda e se demitindo. Por mais que fosse um bom funcionário, que o duque gostasse dele e lhe desse uma boa soma em dinheiro não seria o suficiente para comprar uma fazendo como aquela e ainda ter como sobreviver e poder se demitir. À noite ele foi conversar com Manoel:

- Posso lhe fazer uma pergunta? - começou.

- Acho que pode - respondeu-lhe Manoel.

- Por que seu filho mais novo é tão diferente dos irmãos?

- Ah, é… uma doença, não é contagiosa, nem perigosa, nem nada, mas deixa ele mais claro que os meninos - o camponês respondeu hesitante.

- Ah sim. Sua mulher me falou que o senhor trabalhou para o duque a muitos anos, em que o senhor trabalhou?

- Era o cocheiro dele e de sua família.

- E essa fazenda? Como conseguiu comprá - la e mantê - la?

- Com muito trabalho duro.

- As pessoas na cidade parecem não gostar muito do duque, inclusive as que trabalham para ele.

- Acho que não.

- Eu acho normal que um homem ocupando a posição que ele ocupa, tendo perdido a esposa e filho recém-nascido e vivendo cercado por pessoas que gostariam de vê-lo morto, não seja muito simpático.

- Provavelmente não.

Manoel se mostrava meio distante, com um desinteresse claramente falso e o único sinal de que estava desconfortável com aquela conversa e talvez até nervoso era sua mão apertando a caneca com o chá que estava bebendo.

- Ouvi muitas coisas na cidade, sabe? Ouvi uma história muito interessante do dono de um pequeno armazém sobre esse filho natimorto do duque, o senhor já ouviu?

- Acho que sim, mas são só histórias.

- Se fosse verdade e eu fosse o irmão do duque, teria dado muito dinheiro para o criado sumir com essa criança.

- É? - disse nervoso.

- É, e se eu fosse o criado daria o menino para alguém criar ao invés de matá-lo e com o dinheiro eu iria embora, talvez comprasse um pedaço de terra por aí.

- Eu preciso entrar, tenho algumas coisas para fazer - Manoel levantou-se, o viajante achou, então, que devia ser mais direto.

- É ele não é?

- O quê?

- Seu filho, é ele o filho do duque e você é o criado que o levou, não é?

- Não. Que imaginação a sua!

- Eu sei que é. - forçou-o o viajante - O que eu não entendo é como ninguém nunca associou essa história a vocês.

- Nunca viram o Miguel - afirmou Manoel sentando-se novamente. O viajante sorriu, o camponês acabara de confessar seu crime.

- Ninguém?

- Você já deve ter percebido que moramos bem afastados de tudo e o Miguel nunca saiu daqui.

- Por favor, me conte como aconteceu.

- Por quê? O senhor já sabe mais do que devia.

- Estou só curioso. Garanto - lhe que de minha boca nada sairá. - O camponês olhou - o por alguns instantes e depois começou a falar:

- Eu trabalhava para o conde, mas ganhava algumas moedas do irmão dele para lhe servir de espião, eu precisava de dinheiro sabe e não via mal nenhum nisso. Então, numa madrugada, ele apareceu com um bebê no colo, um saco de moedas na mão e disse que ele seria meu se eu sumisse com bebê…

- Mas o senhor não teve coragem de machucar o menino então o criou como se fosse seu, às escondidas, não foi?

- Foi, nunca tive a intenção de machucá-lo, mas sabia que se eu não aceitasse a proposta alguém sem escrúpulos aceitaria e o mataria, eu não podia deixar.

- E não pensou em levar o pequeno até o pai e contar-lhe o que aconteceu?

- Eu não perguntei de quem ele era, sabia que não devia. Só soube do que havia acontecido à família do conde depois e só liguei um fato ao outro anos mais tarde quando o menino começou a ficar cada vez mais parecido com o pai, mas eu temia pelo que podia acontecer com a minha família se ele reaparecesse, e ainda temo.

- Mas pelo que eu sei o conde tem uma família agora.

- Sim, ele casou de novo e a condessa já lhe deu três filhos.

- O garoto sabe dessa história?

- Ele começou a perguntar por que era diferente e eu achei que era melhor dizer alguma coisa a ele, minha mulher não queria, mas mesmo eu disse mesmo assim. Contei que não era nosso filho de verdade, que sua mãe havia morrido no parto e seu pai o amava muito, mas não podia ficar com ele na época, só isso.

- Já se passaram 12 anos, talvez seja hora da verdade aparecer, não pode esconder o menino para sempre. - disse o viajante encarando-o.

- Eu sei, mas…

- Ninguém vai fazer mal ao menino e acredito que o duque ficará muito agradecido, você salvou a vida do filho dele.

- Não é só isso.

- Vocês amam o menino e não querem se separar dele?

- Oh Deus! - Manoel chorou.

- O duque não os impedirá de vê-lo quando quiserem, vocês são a única família que Miguel teve e ele os ama também, sempre amará.

- Eu não sei se consigo e a Mirtes nunca vai aceitar isso.

- O senhor é um bom homem e sabe que é a coisa certa a se fazer, pai nenhum merece ficar longe do filho, muito menos passar a vida toda chorando uma perda que nunca aconteceu, é cruel.

- Eu vou pensar, mas por favor não conte a ninguém sobre isso.

- Não contarei.

Mais do que pensar o camponês passou a noite discutindo com a esposa, falavam tão alto que o viajante ouviu partes da conversa e na manhã seguinte, quando Manoel veio falar com ele, já sabia qual era sua decisão:

- Vou levar o menino para conhecer o pai de verdade.

- O senhor continuará sendo o pai dele.

- Talvez.

- Posso ir com o senhor se quiser.

- Obrigado.

Manoel contou tudo ao menino, era muito novo para entender o que aconteceria consigo, mas mesmo assim sabia que tudo mudaria e estava assustado com isso. No dia seguinte partiram sob o olhar confuso dos outros filhos e as lágrimas da dona Mirtes. Uma semana depois estavam no palácio do duque de Viseu.
Foram levados até o duque e contaram toda a história, acharam que ele não acreditaria, mas o duque conhecia o irmão que tinha sabia que ele era capaz de qualquer coisa para ficar no seu lugar e quando olhou para o menino não teve dúvidas de que era seu, não só por que era a sua cara, mas também por que sentiu isso no fundo do seu coração, coisa de pai.

O duque garantiu ao camponês que nada aconteceria com ele ou sua família e os convidara para morar no palácio, mas Manoel recusara, no entanto aceitou que passassem um tempo lá até o menino se acostumar com sua nova vida, depois desse tempo viriam visitá-lo sempre que pudessem.

O viajante achou que era hora de seguir viagem, despediu-se de Manoel e partiu. Convencera o homem a revelar a verdade ao duque sobre o filho dele por que, ao contrário do que dissera a Manoel, todos gostavam dele, era um homem bom, generoso e, a despeito de todo seu poder, humilde.

Antes do camponês confirmar toda aquela história o viajante já sabia que não haveria perigo para ele, sua família ou Miguel se este reaparecesse para seu pai, o duque, pois o irmão deste havia sido acometido por uma grave doença e a mais de um ano não saía da cama, quase em estado vegetativo. Jamais lhe faria mal algum e não tivera filhos para herdar sua sede de poder. É como dizem: a justiça tarda, mas não falha e pode ser feita de diversas formas.

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