A BRUXA DE ALCANHÕES

O viajante trabalhara quase dois meses numa fazenda perto de Alcanhões, lá ficara amigo de um outro empregado, com quem passava horas conversando depois de concluídas suas obrigações, e foi numa dessas conversas que ficara sabendo daquela história.

- O amigo já ouviu falar da bruxa de Alcanhões? - o empregado perguntou ao viajante.

- Não. Quem é?

- Uma mulher que vivia de na freguesia e foi acusada de fazer um feitiço para a esposa de um comerciante muito rico perder seu bebê. Ele mandou prendê-la, mas ela se escondeu na floresta e ninguém consegue encontrá-la.

- Qual a graça dessa história?

- A graça meu amigo, é que esse tal comerciante ofereceu uma recompensa para quem a entregar a ele.

- Quanto?

- 50 mil-réis se ela estiver viva, 25 mil-réis se estiver morta.

- Nossa!

- É, até eu já tentei encontrá-la.

- Ah sim?

- Sim. Mas a floresta é grande, não apanhei nem um rastro dela.

- Que pena!

- Pois sim...

Agora, enquanto deixava a fazenda, ia pensando naquela conversa, mais especificamente no valor da recompensa. Trabalhara muito e receberá um pagamento miserável, aqueles réis lhe seriam bem vindos. Mas como encotraria a tal bruxa naquela floresta? E então lembrou-se do monte pelo qual passara antes de chegar nessa fazenda, talvez de lá de cima pudesse ver alguma coisa.

Uma hora mais tarde ele estava lá no alto do monte olhando em todas as direções, frustrado por não ver nada além de árvores, precisava de um lugar mais alto. Sem pensar muito subiu em uma das árvore o mais que pode e procurou algum sinal de presença humana, a única coisa que viu foi uma fumaça ao longe, podia não ser nada, mas decidiu ir até lá, se não fosse nada mesmo desistiria de encontrar a bruxa.

Levou mais quase uma hora se embrenhando na floresta para chegar na fonte da fumaça, era a chaminé de uma casinha que ficava numa espécie de clareira. Sabia que se fosse a casa da tal bruxa ela não o receberia com medo de que tivesse vindo prendê-la, mas mesmo assim se aproximou da casa, sua ideia era fingir-se perdido e pedir abrigo. Mal dera dois passos e um cachorro pôs-se a latir, com todo aquele alvoroço a porta da casa abriu-se e um rosto tenso espreitou por ela:

- Quem é você? O que quer aqui?

- Estou perdido - começou o viajante - e já está escurecendo, vi a casa e achei que pudesse me ajudar.

- O que está fazendo na floresta? - O viajante tinha um plano e precisava da ajuda dela por isso optou pela verdade.

- Procurando a bruxa de Alvinhões. - A mulher olhou para todos os lados, parou nele e o encarou por alguns segundos desconfiada depois pareceu relaxar um pouco, abriu ainda mais a porta e lhe fez sinal para entrar.

Era uma casa simples, na sala havia uma mesa com algumas cadeiras em frente a uma lareira, havia restos de comida na mesa, ela devia estar a comer e a um canto havia uma estante com alguns livros. A mulher que o recebera tinha um rosto muito bonito e era meio rechonchuda, vestia um vestido simples, amarrotado e remendado em alguns lugares, tinha um lenço vermelho escondendo-lhe uma parte dos cabelos negros e encaracolados. Não parecia haver mais ninguém ali.

- É você? A bruxa?

- Sou.

- Como podes confiar num estranho assim?

- Argos gostou de você e ele só gosta de pessoas boas.

- Quem?

- O cachorro.

- Mas ele latiu para mim, achei que fosse me atacar.

- Só estava me avisando que tinha alguém lá fora, se não tivesse gostado de você teria te atacado imediatamente.

- Entendi. Fez mesmo aquela mulher perder seu filho?

- Fiz.

- Por quê?

- Ela me pediu.

- Como assim?

- O bebê seria fruto de uma traição e ela temia que o marido percebesse quando nascesse por isso me pediu ajuda para não ter o bebê, dei - lhe um chá e o resto o senhor já deve saber.

- Como o marido soube da senhora?

- Alguém deve ter visto ela aqui.

- Ela não a defendeu por que não podia dizer a verdade ao marido, não foi?

- Acho que sim.

- Preciso daquele dinheiro e tenho um plano para ganhá-lo sem lhe fazer mal, mas preciso da sua ajuda.

- Que plano?

- Então… - O viajante contou-lhe seu plano e ela ouviu atentamente, no fim sorriu-lhe discretamente.

- Tentarás bancar o esperto com um homem poderoso, tem certeza de que quer fazer isso?

- Tenho, mas não posso garantir-lhe que vá funcionar.

- Eu sei, mas aceito participar desse plano, sei até como posso fazê-lo dar certo.

- Que bom. - o viajante sorriu-lhe de volta.

Na manhã seguinte foram até Alcanhões à procura do tal comerciante que ofereceu a recompensa. Não foi muito difícil encontrá-lo e ele ficou surpreso quando o viajante apareceu em seu estabelecimento arrastando a bruxa presa por uma corda.

- Aqui está sua bruxa senhor, agora dê-me os meus 50 mil réis.

- Preciso ter certeza de que é ela mesmo. - disse o homem e logo depois chamou por sua esposa, ao ver a bruxa a mulher arregalou os olhos assustada, na certa com medo de que sua tramóia fosse descoberta.

- Foi ela quem matou nosso filho? - perguntou o comerciante, mas, ainda em choque, a esposa levou um tempo para responder:

- Sim, foi ela.

- Muito bem, leve-na para os fundos e a prenda lá - ordenou o comerciante a um gigante que se encontrava na frente do armazém, depois entrou num quarto e saiu minutos depois com um pequeno saco na mão.

- Estava só esperando senhor, muito obrigado.

- Não foi nada. Ouça, minha mulher está muito doente e esse dinheiro vai nos ajudar muito, mas gostaria que a bruxa visse ela, talvez tenha uma cura para ela.

- Essa bruxa não vai a lugar nenhum.

- Não posso trazer a minha mulher aqui, por favor me deixe levá- la até minha casa junto com alguns homens seus, eles a trarão de volta o mais rápido possível. Eu lhe suplico, pode ser a única chance da minha mulher sobreviver. - O viajante ajoelhou-se à beira das lágrimas, o comerciante vendo seu desespero compadeceu-se e concordou.

Partiram imediatamente, o viajante, a bruxa e mais dois homens encarregados de vigiá-la. Quando já estava na floresta o viajante pediu que parassem um pouco para descansar, precisava de água e comida. Sentaram-se à sombra de uma árvore, o viajante tirou um pão de sua bolsa, comeu um pedaço e ofereceu o resto aos homens que aceitaram sem reservas, oferecera-lhes também uma garrafa pela metade de vinho barato e eles também aceitaram, dez minutos depois dormiam profundamente.

O viajante desamarrou a bruxa, dividiu a recompensa com ela e agradeceu-lhe por ter aceitado fazer parte daquela encenação. O vinho fora batizado com um sonífero em forma de chá sem gosto nenhum, mas o efeito não duraria muito tempo, por isso se despediram e seguiram caminhos diferentes, para bem longe dali.

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