01 › Malditos roqueiros


OIII, MEUS NENÉNS!!

Pra quem estiver lendo o capítulo na hora que saiu e pra quem estiver lendo só daqui a um ano, é uma honra ter vocês por aqui 💙

Vou fazer uma promessa aqui pra vocês: se conseguirem fazer esse capítulo bater 2k de comentários em 24 horas, eu lanço o próximo capítulo ainda essa semana!

Se conseguirem fazer chegar a 300 votos também, eu ficaria muito feliz e agradecida 🥺

(Vou postar o capítulo mesmo que não bata a meta hehe, mas por favorzinho, ajudem a incentivar uma autora que escreve de graça e com muito carinho!!)

Agradecimentos especiais à diva @laymagal pelo trabalho incrível betando esse capítulo ✨

Boa leitura!! Vejo vocês nas notas finais, se sobreviverem ao sofrimento de ver Park Jimin passando vergonha com suas cantadas horrorosas kkkkkk

#SuasEstrelas

JIMIN

Tenho boas memórias de infância neste festival.

Na época, ele parecia enorme. É estranho pensar que minha maior preocupação na vida, certa vez, já foi em qual barraquinha eu ia gastar os cinco dólares que minha mãe me deu ou se a conseguiria convencer a me deixar andar no carrossel pela terceira vez. Coisa de criança. Talvez tivessem sido meus 120 centímetros de altura que tornavam tudo maior e mágico, ou talvez seja apenas melancolia adulta distorcendo minha visão, mas o festival agora parece tão minúsculo. Tão sem graça. Na vista da entrada, sinto que posso agarrá-lo com a palma de uma mão só.

Não piso aqui há anos. A única coisa familiar que resta é a mistura caótica de músicas vindas de quatro direções diferentes, assim como a roda-gigante — nem tão gigante assim —, que está sempre no mesmo lugar. Uma náusea dá indícios de tentar me derrubar, mas avanço mesmo assim. Torro os sete dólares que tinha na carteira em um doce inflacionado para encher o estômago, enquanto caminho entre as barracas e carrosséis barulhentos, esperando encontrar um lugar para encher a cara.

Céus. Espero que tenha álcool por aqui.

Após percorrer o festival de uma ponta à outra e quase perder as esperanças, a primeira placa de "servimos bebidas alcoólicas" surge em uma barraca perto de um palco afastado da área principal. Acho que entrei na zona para adultos sem perceber. É lá onde me sento. O lugar não é muito convidativo, como os bares do interior da cidade. Mas, para a minha sorte, encontro o balcão de atendimento vazio, uma vez que a maior multidão por perto está concentrada próximo ao palco vazio.

Talvez estejam esperando que uma banda mequetrefe se apresente, com aquelas maquiagens exageradas e gritos que eles chamam de melodia. São roqueiros, é claro. Não é difícil perceber pela ausência de roupas coloridas e pela aura de melancolia exalando a um quilômetro de distância.

Quase me levanto para procurar outro lugar quando percebo que estou sujeito à tortura de afundar as mágoas ao som de rock. Quase.

Assim que me vê sentado, uma bartender de tranças longas se dirige a mim e apoia os cotovelos no outro lado balcão, bem descontraída. Tento não encarar demais, mas sua manga arregaçada permite que eu veja a tatuagem de uma medusa na pele retinta dela. Disperso o olhar antes que minha curiosidade seja confundida com julgamento.

— O que vai querer, loirinho? — ela pergunta, com um sorriso divertido tomando seus lábios.

A postura da mulher, de certa forma, me transmite um pouco de paz de espírito. Ela não tem o jeito intimidante que pensei que os atendentes de uma barraquinha de álcool em lugar cercado por roqueiros teriam.

— Me vê a bebida mais forte que tiver aí, por favor.

Ela não se mostra muito surpresa com meu pedido. Talvez pessoas desoladas que buscam um refúgio temporário para os problemas sejam bem comuns naquele lugar. Sinto-me um pouco observado quando ela estuda minha face por alguns segundos e, depois, parece chegar a uma conclusão. Não sei qual.

Provavelmente deve ter percebido que apresentações de rock não são meu habitat natural e que eu preferia estar em meu quarto ouvindo algum álbum de Miles Davis enquanto olho para a parede, e não ali. O desgosto deve estar bem óbvio na minha cara. Nem sequer tento esconder.

— Pode deixar — a bartender diz com indiferença, antes de se virar para preparar meu pedido.

Vejo-a remexer a coqueteleira de um lado para o outro, mas não presto muita atenção. Embora tente me distrair julgando o estilo dos roqueiros na multidão, a combinação de roupas escuras com penteados coloridos, meus pensamentos viajam de volta para a minha irmã. Ah... Ela com certeza gostaria de estar aqui agora. Seria a primeira a acampar com três horas de antecedência na frente do palco para pegar o melhor lugar.

A vontade de chorar volta com tudo. Droga.

Minha mente retorna à realidade quando a bartender regressa a mim, trazendo um drink azul em suas mãos.

— Sua cara me diz que está tendo um dia difícil. — Ela dá seu palpite e pousa o copo na minha frente.

— Tá tão óbvio assim? — Passo as mãos pela testa, erguendo um sorriso tão miserável, que acho que até a mulher se sentiu tentada a me dar um abraço.

— Nada que uma bebida não resolva. Eu chamo esse drink de Artic Rose. É a especialidade da casa. Uma mistura de vodca, licor, mirtilo e limão.

— Ele vai cair para o lado com essa, Cora — Outro bartender de passagem comenta, e ela solta uma risada.

É mesmo isso que eu preciso. Algo que me faça esquecer até meu próprio nome. Algo que me apague as memórias por uma noite.

— Não esquenta, loirinho. — Cora apoia os cotovelos no balcão e se aproxima um pouco, como quem está prestes a me contar um segredo de estado. — Se ficar podre de bêbado e passar vexame, no pior dos cenários, você vira o novo meme viral na internet porque, provavelmente, vai ter alguém gravando. Boa sorte com isso.

Isso deveria me tranquilizar? Porque acho que o efeito foi o completo oposto.

Como se não fosse nada, a bartender me dá uma piscada rápida antes de se virar para atender outro cliente, e eu sou finalmente deixado a sós com minha bebida.

Não tenho mais nada a perder, tampouco um horário para retornar a casa, então não hesito em dar o primeiro gole. O líquido azul borbulha na minha garganta e meu rosto se transforma em uma careta com o sabor amargo. Nunca desejei tanto que um copo fosse substituído por uma xícara de café.

O problema é que cafeína não me faria esquecer os problemas. O álcool, sim.

Estou prestes a dar outro gole quando, por livre e espontânea vontade, um indivíduo recém-chegado se senta. Bem do meu lado. Com a porra de seis cadeiras vazias na frente do balcão. Quase me engasgo com a tamanha ousadia.

De repente, não é mais o cheiro de álcool que entra em minhas narinas. O ar foi tomado por um aroma de pêssego, tão doce quanto o açúcar puro, e é agradável, não combina com a atmosfera pesada do ambiente — onde tenho certeza que há pessoas fumando maconha e outros tipos de droga por perto. De súbito, percebo que o cheiro vem do homem que acabou de se sentar.

Não satisfeito em ocupar somente meu espaço de tristeza pessoal, ele chega e ocupa também meus pulmões com esse perfume tão adocicado que me faz querer vomitar arco-íris pelo nariz.

Eu mereço.

— Cora, me passa uma latinha de Coca-Cola, por favor. — Ouço-o pedir à bartender quando ela passa perto de nós. Sua entonação é de quem conversa com um amigo de longa data.

Estou ficando louco ou ele acabou de pedir uma Coca-Cola em um lugar que serve álcool? Nem me lembro de ter visto isso no cardápio de bebidas pendurado no topo da barraca.

Qual é a desse maluco? Eu apostaria que é um roqueiro, mas tenho minhas dúvidas com esse perfume de pêssego.

Sequer me atrevo a olhar para ele, tampouco arrisco tirar os olhos da minha bebida, porque sei as consequências perigosas que um deslize de atenção poderia ter. Procuro a bartender com o olhar e percebo que ela já foi buscar o pedido dele. Estamos sozinhos.

Não vou ser hipócrita e fingir que não estou a fim de pegar alguém — na verdade, essa era minha intenção desde o primeiro momento, ou nem sequer teria colocado os pés aqui. E suspeito que, se ele se sentou tão perto de mim com tantos lugares livres, é porque se interessou, de alguma forma. Não sei. Tenho pensamentos conflitantes sobre isso. Minhas habilidades sociais não são muito boas. As vezes em que peguei alguém foram um mero golpe de sorte e talvez porque as luzes dos bares eram sempre baixas demais.

Meu ponto é: continuo sóbrio demais para iniciar uma conversa com um desconhecido e perceber as intenções dele. Sóbrio demais para ter paciência. É por isso que apenas sigo saboreando o amargor da minha bebida, sem dizer nada.

Ainda assim, eu não paro de julgá-lo em minha mente, nem quando a bartender chega com a latinha dele e vai embora.

— Curioso. Não sabia que roqueiros bebiam Coca-Cola — sem perceber que estou falando em voz alta, converso comigo mesmo. Uma constatação burra, de fato. Mas não podem me culpar por estar interessado em explorar os hábitos de outra espécie.

— Você não parece saber muito sobre roqueiros.

A voz que ouço, carregada de sarcasmo, é tão adocicada quanto o perfume. E, é claro... vem do cara ao meu lado.

Revoltado, meus olhos colidem com o dele, no momento em que me viro para o xingar por puro impulso do álcool, achando que ele acabou de ler meus pensamentos. No entanto, os palavrões na ponta da língua somem em uma velocidade digna de Usain Bolt. Minha mente vira um papel em branco, os lábios travam ao tentar falar, e não sei mais distinguir se o que vejo é realidade ou alucinação.

Afinal, não é possível que a pessoa diante de mim seja real.

Apesar de ser bem resolvido com minha bissexualidade, não costumo me sentir verdadeiramente atraído por gente aleatória com muita frequência. É um acontecimento raro. Mas essa pessoa acabou de elevar meus padrões de atração a níveis astronômicos com somente seus longos cabelos azuis e sardas na cara toda. Elas lembram uma constelação que eu gostaria de explorar com a ponta dos dedos. A maquiagem em tons pretos realça ainda mais a beleza das íris castanhas que me encaram com tanta intensidade — ou um certo desprezo. Ou talvez eu só esteja bêbado demais.

Nossa senhora. Até perdi o ar.

— Uau. Você caiu do céu?

Meus pensamentos se verbalizam antes que eu possa evitar. Mais uma vez, uma frase que deveria ter guardado apenas para mim.

É de meu triste conhecimento, desde os tempos da minha adolescência em que eu saía para muitos bares e festas com meus amigos, que eu nunca me dei bem com o álcool. Alguns goles já são suficientes para que eu perca o controle completo de minhas falas e ações.

Ele pisca, um tanto confuso, mas depois parece divertido quando apoia o queixo na mão e curva os lábios em um sorriso.

— De tantas cantadas, você me joga logo essa? — É a maior preocupação dele.

— Perdão. Minha cantada não parece estar no seu nível. Prefere que eu cite Shakespeare? Há mais perigo em teus olhos do que em trinta espadas — declamo.

O homem solta uma gargalhada. Até sua risada é irritantemente doce quanto o perfume e, por um segundo, me dá uma estranha vontade de ter o som dela como toque de despertador. Acho que não me importaria de acordar todas as manhãs assim.

— São só vinte espadas. De onde tirou as outras dez? — Ele apoia o queixo na mão; se demonstra fascinado, entretido pela minha burrice. Pelo visto, sabe mais de Shakespeare do que eu. — Você parece um pouco bêbado, príncipe.

Por que todo mundo está me chamando por nomes esquisitos? É alguma moda entre os fãs de rock inventar um apelido para desconhecidos?

— Bêbado, não. — Balanço o dedo no ar. E, se esta afirmação fosse verídica, as próximas palavras jamais teriam saído: — Me perguntando se a sua boca também tem sabor de pêssego, sim.

Tenho a certeza de que, amanhã, vou me arrepender de todas as minhas ações de agora em diante. Mas gostaria de culpar a bartender bonita e musculada que me serviu essa mistura de... Espera, o que ela disse mesmo?

— Quer experimentar para descobrir? — Eu quase me engasgo com as palavras que escapam da boca dele.

Ah, como eu gostaria.

É por isso que estou aqui.

Em um movimento quase inconsciente, passo a língua pelos lábios enquanto me viro com o corpo para ele, fazendo mais malabarismos estranhos e engraçados com o meu drink. Fica evidente que estou um pouco fora de mim quando um pedaço de gelo sem querer cai da minha bebida para cima do balcão. Disfarço. Logo em seguida, meus olhos o percorrem de cima a baixo.

— Você me daria essa honra, azulzinho?

O malandro se atreve a rir de novo.

Que inferno. Não preciso de outras pessoas rindo da minha cara quando a própria vida já faz isso por si só.

— Era brincadeira, príncipe. Você é encantador, mas não estou interessado.

Droga. Meu palpite estava errado.

O que ele quer de mim, então?

Alheio às suas intenções, escolho mudar de assunto antes que eu passe ainda mais vergonha. Volto a me virar para o balcão, onde pouso o copo e observo o gelo flutuando na bebida.

— Perdão. Qual é o seu nome? — É a primeira coisa em que consigo pensar.

Ele dá um gole longo na sua Coca-Cola e, pela falta de caretas, presumo que já esteja acostumado com o borbulhar refrescante que a bebida faz na garganta. Não muito tempo depois, coloca uma mecha de cabelos azuis atrás da orelha cheia de piercings, fixando seus olhos em mim.

— As pessoas me chamam de Azura — revela.

Ajuda?

Isso foi um pedido de socorro? Eu deveria chamar a polícia?

O olhar que ele me redireciona é digno de quem encara o palhaço de uma festa infantil. Talvez esteja me achando burro e me julgando por não saber falar esse nome chique. Ou, talvez, sinta dó da situação deplorável a que o álcool me fez chegar. Seja lá o que estiver pensando, Azura — Ajuda, Azuma, sei lá — encerra o contato visual com um suspiro.

— Rock não parece ser a sua praia. É sua primeira vez por essas bandas, não é? — Ele se mostra confiante quanto ao seu palpite.

— Primeira e última. — Corrijo.

— É o que todos dizem.

— Minha mãe sempre me disse que eu não sou todo mundo — rebato com um sorriso convencido e dou outro gole no drink.

Azura agora me olha pelo canto do olho, com a cabeça apoiada na mão, e sua face sardenta transborda um interesse ainda misterioso para mim. Há um sorriso em seus lábios que não desaparece, por mais baboseiras que eu fale. Não entendo. Parece genuinamente divertido com a visão de um bêbado triste e sem autocontrole. Cada detalhe e respiração maléfica deste homem parece estar prestes a me carregar para as profundezas do inferno com um simples vislumbre. É tão lindo que chega a ser insuportável.

Quero socar a cara dele.

De repente, um celular toca, roubando todo meu raciocínio.

Ah... é o meu.

Por que sequer achei que esse pirralho metido a gótico teria uma música decente como toque de celular?

— Não vai atender? — pergunta Azura, depois que me vê tatear os bolsos e passar mais de vinte segundos olhando o nome de Hoseok na tela.

— Não tô afim — resmungo, meio bêbado e revoltado, e desligo o celular, jogando-o para cima do balcão. — Onde estávamos mesmo? — Giro na cadeira até ficar de frente para ele.

— Você estava me dizendo sobre como é a sua primeira e última vez aqui. — Pousa a Coca-Cola. — Me conte mais.

Esse sorriso cínico dele não me engana. Se o álcool não me humilhar hoje, Azura, com certeza, irá.

— Veja bem, não é que eu tenha preconceito com rock. Tenho até amigos que gostam. — Faço uns gestos esquisitos com a mão, como se tivesse um pingo de consciência do que estou falando. Agora, a voz não é mais minha. É do álcool. Não costumo ser tão babaca quando estou sóbrio e de bem com a vida. — Só não acho que rock tenha algo de tão especial quanto as pessoas fazem parecer. Não passa de gritos e batidas desordenadas e quase faz meus ouvidos sangrarem. Prefiro músicas que acrescentem cultura na minha vida, se é que me entende. Estou aqui só porque...

Meu monólogo é interrompido:

— Porque sua vida é triste e você quer descontar no álcool? — Ele analisa meu rosto e descobre uma resposta positiva sem que eu sequer abra a boca. — Hm. Saquei.

Que olhar julgador é esse? Sinto que ele está observando através da minha alma.

— Você também está bebendo aqui. Estamos no mesmo barco. — Tento desviar o assunto, mesmo sabendo que uma lata de Coca-Cola não conta como bebida alcoólica.

Porque, sim, minha vida é triste e lamentável. Porque, sim, estou descontando no álcool. Ele só não precisa estar tão ciente disso.

— Pode apostar que não estamos aqui pelo mesmo motivo. — Antes que eu possa questionar, Azura checa o horário em seu celular, e vejo os olhos dele brilharem em animação. — Bem, já tive minha dose de diversão. Parece que está na minha hora. — Quando se levanta da cadeira, tenho uma súbita percepção do quão alto ele é. Acho que uns centímetros maior que eu, se tirar as botas de plataforma alta em seus pés. — Foi uma honra te ver de novo.

De novo?

Tento me questionar sobre o significado disso, pois tenho a certeza de nunca ter visto este homem antes em toda a minha vida — eu me lembraria, sem dúvida. Porém, meu foco se desvia para uma guitarra branca, que agora reparo que esteve o tempo todo ao lado dele.

E então, a percepção da realidade me atinge como um balde de água e gelo: ele não é um roqueiro qualquer. Azura é a pessoa que tocará naquele palco gigante, na frente desta multidão, e eu acabei de esculachar quase cem anos de cultura do rock na frente dele.

Puta merda.

Observo Azura enquanto ele agarra a guitarra pela alça e a coloca no ombro, chocado demais para abrir a boca. Não me surpreendo muito ao ver um adesivo da bandeira LGBTQ+ colado no instrumento, do lado de uma caveira sinistra em preto e branco.

— Muito obrigado pelas risadas. Espero que fique para apreciar o show, senhor não-tenho-nada-contra-rock. — Ele pisca o olho, ao mesmo tempo que exibe um sorriso charmoso. Droga, o maldito é bonito demais. — Carpe noctem.

— Carpe o quê?

Tento perguntar, mas minha voz sai tarde demais e, quando meu raciocínio volta, percebo que ele já virou as costas. Agora está longe demais para poder me ouvir com o barulho dessa gente histérica. Apesar de tudo, seu perfume adocicado permanece no ambiente mais um pouco. Inspiro fundo para sentir o aroma de pêssego pela última vez — eu espero — e gravo-o na minha memória.

Estou meio zonzo, quase sem equilíbrio. Ainda assim, forço meu olhar a acompanhá-lo à medida que ele desfila com suas botas altas no meio da multidão de pessoas chapadas e roupas pretas. Em uma questão de segundos, perco-o de vista.

Céus, é cada um que me aparece.

Decido não dar atenção para a estranha interação que acabei de ter e volto a focar em minha bebida azulada. Me lembra os cabelos dele. Dou um gole frustrado, e mais outro, e mais outro, até esvaziar o copo por completo. Bato-o com força na mesa, chamando a bartender para o encher de novo.

Repetirei este ciclo quantas vezes forem necessárias para o álcool apagar da minha memória o dia horrível que tive.

Assim que Cora me entrega uma nova bebida, eu agarro o copo e apenas jogo todo o líquido pela garganta abaixo, sem me importar com a ressaca que terei amanhã. Talvez seja efeito da embriaguez, mas, de repente, o ambiente parece ficar estranhamente silencioso.

A confusão me faz virar a cabeça como uma barata tonta e sem rumo. Pelo menos, continuo lúcido o suficiente para perceber que todas as pessoas antes sentadas na grama, na frente do palco, já estão de pé. Todo mundo ficou em silêncio porque a música começará em pouco tempo, e isso me faz pensar no quão famoso Azura deve ser entre essas pessoas. Será que ele toca sozinho? Será que é conhecido apenas na comunidade roqueira de Costa Azurine? Será que toca em uma banda de fundo de garagem?

Vou dar uma olhada de perto.

É o que eu queria fazer, mas o desequilíbrio, por um bem maior, me prende na cadeira. Estou bêbado demais para me levantar sem tropeçar em meus próprios pés. Uma pena. Em um vira e mexe, acabo apenas girando a cadeira de modo a poder enxergar melhor o palco. Depois, saboreio o que resta da minha bebida enquanto espero que alguém suba nele.

Eu odeio rock. Odeio desde que minha irmã entrou na fase roqueira aos quatorze anos e passou a tocar músicas do Nirvana e AC/DC no volume máximo no quarto dela. Essa fase infeliz, no final, não era só uma fase. Para mim, se tornou um ódio inexplicável, imensurável. Não entendo como alguém consegue denominar essa coisa de gênero musical e colocar no mesmo nível que os clássicos de Armstrong. É um insulto ao jazz e às músicas que prestam.

Ainda assim, suponho que o álcool esteja mexendo demais com a minha cabeça, pois não consigo tirar os olhos do palco e meu coração acelera em expectativa. Um magnetismo desconhecido parece me atrair na direção daquele espaço vazio.

Quando dou por mim, estou roendo as unhas de ansiedade. Que bicho me mordeu?

Após longos minutos, a multidão explode em gritos assim que uma banda de quatro pessoas sobe no palco. Até que enfim. Me ajeito na cadeira, procurando o pirralho da Coca-Cola entre os roqueiros que estão prestes a tocar, e o encontro em um milissegundo. Seus cabelos azuis são indistinguíveis; agora estão lindamente amarrados em um coque que revela um undercut por baixo.

Apesar de estar tocando no festival de uma cidade pequena no fim do mundo, Azura sorri com a determinação de um cantor famoso pisando no palco do Coachella.

Ele brilha como uma estrela.

Vejo-o avançar até ao microfone, onde apresenta, um por um, todos os membros da banda Deviant Souls. Desde a nanica de mechas roxas que toca o baixo e o compositor pianista, até ao baterista com cara de sonso que parece ter sido forçado a subir ali. Sinto dizer isso, mas todos eles parecem tão ofuscados pelo carisma e presença de palco de Azura. Ele rouba a minha atenção toda sem sequer perceber. Sem fazer muito esforço.

E então, o show começa.

Azura começa a dedilhar as cordas da guitarra com grande maestria, em movimentos tão rápidos que meus olhos embriagados não conseguem acompanhar. Toca Smells Like Teen Spirit, do Nirvana. Tenho a infelicidade de conhecer a música porque ela me perseguiu em minha própria casa por muito tempo — e, por isso, temo que sua voz se transforme nos típicos berros do rock quando ele começar a cantar. Com Kiara era assim.

No entanto, não é o que acontece. Me surpreendo ao perceber um tom suave saindo dos lábios dele. Não há sinal dos esperados gritos incompreensíveis e das cordas vocais roucas que parecem ter sido causadas por uma gripe. Apenas uma voz angelical, tão doce que poderia me causar diabetes e eu não me importaria nem um pouco. Durante o refrão, sou pego desprevenido de novo. A multidão começa a cantar junto e celulares com a lanterna ligada são erguidos no ar. É como um mar de estrelas. É como se centenas de astros se reunissem ao redor de um palco somente para testemunhar o brilho de Azura.

Ele é como um anjo. Me sinto subindo as escadas para o paraíso.

Deus, pode me levar agora.

O corpo dele se move no ritmo da música, ele pula ao redor do microfone, os fios azuis esvoaçam com o vento. E, quando percebo, já estou fazendo o mesmo: me balançando discretamente ao som do estilo musical que mais odeio na face da terra. Não sei mais se culpo a bartender por isso, ou se assumo que o pirralho me jogou um feitiço de hipnose com aquele sorriso boa pinta.

— Aquela do cabelo roxo é minha namorada! — De repente, Cora surge atrás de mim com uma informação animada à qual não consigo prestar muita atenção. — Ela é incrível, não é?

Hipnotizado e fora de mim, eu sussurro para mim mesmo:

— É... ele é.

Desculpe, Cora. Gostaria que meus olhos também estivessem apreciando sua namorada, mas eles não me obedecem mais: o vocalista roubou o controle deles. Perco a percepção de tempo, de espaço, de tudo. Perco a conta de quantas músicas o Deviant Souls tocou naquele palco antes de minha mente voltar à realidade com a despedida deles.

O que diabos estou fazendo? Eu não sou assim.

Até me sinto meio enjoado.

Frustrado comigo mesmo, com a vida, com Azura, com a porra do maldito rock, com meu aniversário de merda, passo meu cartão para pagar as não-sei-quantas bebidas que consumi. Depois, me levanto da cadeira, cambaleante e tonto. Preciso encontrar uma saída. Agora.

Dou tantas voltas pelo festival que acabo perdido nas traseiras de algumas barraquinhas, onde encontro um casal sem vergonha transando loucamente. Meu rosto se contorce em uma careta que não desaparece mais. Fecho os olhos e dou meia volta. Tento encontrar a saída por meio de umas placas que não consigo ler, mas o álcool me confunde e me leva até uma área escura e afastada com banheiros químicos.

Nessa altura do campeonato, vou cair de bunda no chão se não me segurar em algum lugar. A voz do garoto de cabelos azuis roubou minha estabilidade e não devolveu mais. É por isso que me apoio na parede do banheiro mais próximo, decidido a fazer uma pausa. Pelo menos, já estou longe da multidão. O oxigênio puro, sem o fedor de fritos, volta a entrar em minhas narinas.

Respiro tão fundo, que quase me engasgo com um estranho cheiro de fumaça que invade o ar de repente.

Não parece ser de cigarro.

Eu fumava durante a minha fase de adolescente rebelde que saia para festas de madrugada sem os pais saberem. Portanto, sei muito bem distinguir a fumaça de cigarro de outras substâncias. Não que me orgulhe desse talento, é claro. Lembrar que essa época existiu me dá vontade de enfiar a cabeça dentro de um buraco e nunca mais tirar.

Mesmo assim, forço minha visão para enxergar no breu dos fundos do festival. E aí, encontro mais quatro roqueiros. Estes parecem mais furiosos e agressivos do que aqueles que vi na frente do palco, talvez porque acabei de pegar eles fumando coisas ilegais.

Um deles, que parece ser o líder do grupo, avança até mim ao perceber a minha presença. Juro que ele parece ter, tipo, um metro e meio de altura.

— Qual é, princesa? Tá perdida? — ele pergunta.

Princesa?

Ah...

Encaro-o de cima a baixo, julgando até as roupas caríssimas que esse mauricinho e sua gangue usam. Dá para perceber que não passam de um bando de adolescentes. Com certeza, mentiram para os pais que iam estudar matemática na casa de algum amigo para ficarem fumando nos fundos de um festival.

Quem ele pensa que é para me chamar assim?

— Me chama de princesa de novo pra ver se eu não quebro a sua cara, pirralhinho de merda — me atrevo a dizer, assumindo uma posição de briga nada convincente. Mal consigo ficar de pé sem tropeçar, quem dirá lutar contra quatro trombadinhas no auge da juventude.

Bem, o que importa é a intenção.

— Tá me tirando, velhote?

Agora é velhote? Eu não era uma princesa dez segundos atrás?

— Eu ainda não cheguei nos trinta. Você que vai parecer um idoso aos vinte anos se não parar de fumar essas merdas!

Me arrependo de ter aberto a boca no mesmo instante em que um deles vem até mim, balançando seus músculos de forma engraçada, e para na minha frente. Estou prestes a gargalhar com a sua postura ridícula de adolescente exibido após sair da academia, mas o que sai da minha boca não é uma risada, como eu gostaria.

É vômito.

Céus... eu vou apanhar muito.

Continua... 💫

NOTAS FINAIS:

O que acharam do capítulo? Comentem aqui!! 💙

Confesso que eu tava meio nervosa porque é um gênero de história que vocês não tão acostumades a ver no meu perfil, mais tranquila e soft (nem tão tranquila assim kkk), mas é uma fanfic que eu tenho muito apego e tava querendo postar faz um tempão!! Espero demais que vocês tenham gostado 🥺

Sigam os personagens no Instagram, porque essa semana vai sair uns spoilers dos próximos capítulos por lá hehe. Os users são @estrelazura e @naosoujimin

Até ao próximo capítulo, talvez ainda essa semana! Amo vocês, beijinhos pra todes 💖✨

Com amor,
Jude.

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