Capítulo 34

Faz algum tempo desde que nos conhecemos, mas cada dia ao lado dele é um aprendizado. Sobre mim, sobre ele... sobre tudo ao nosso redor. Acho que o amor é isso. Este sentimento que vai além da dimensão física, pois também proporciona um conhecimento espiritual sobre nós mesmos.

Não consigo evitar ficar toda boba ao vê-lo jantando comigo na minha sala de estar. Jackie está conosco. Rimos, damos comida na boca um do outro assim cada um pode provar a delícia diferenciada que estamos comendo. Mamãe chega em casa depois de ter visitado e jantado na casa de uma velha amiga, e se junta a nós para assistir a um filme na TV.

Jameson escolhe o filme da vez. Um lançamento de ficção. Está tarde quando Jackie dorme no início do filme, toda encolhida com sua cabecinha apoiada em minha barriga. Já imaginava que mamãe fosse cochilar na metade do longa-metragem. Quanto a Jameson... meu amor está me olhando. Está ao meu lado, com Jackie entre nós, seu olhar profundo provocando tudo o que há de bom dentro de mim.

Olho para baixo, para meu braço em torno dela, e noto sua mão acarinhando paternalmente as omoplatas de Jackie. Ela solta um suspiro e outro em seu sono, e se ajeita melhor no sofá. Subo novamente o olhar, encontrando o dele.

— Imagino que, devido à morte prematura dele, ela não teve tempo para o reconhecimento de paternidade — fala num tom baixo e cuidadoso, para não acordar ninguém.

— Ela não foi reconhecida. Não há registro de um pai em sua certidão. Jerome morreu antes que pudesse fazer isso — confirmo e olho mais uma vez para Jackie. Um sorriso fica pendurado ao redor de meus lábios ao ver seu rosto fofo. — Acho que isso faz de mim as duas coisas. Mãe e pai... Tem sido assim ao longo dos últimos anos.

— A não ser que queira compartilhar isso comigo — sibila em um tom baixo e gutural.

O quê? Volto lentamente a mim, refeita do susto momentâneo, e observo como ele não desfaz a expressão decidida de seu rosto. Respiro com dificuldade. Isso é o que eu acho que é? Oh, nossa. Jameson quer assumir minha filha? Quer ser o pai de Jackie... um pai verdadeiro e presente. Tudo a que ela tem direito.

Estou tão sem ar que minha respiração é quase um ofego.

— Jameson, eu... — começo inutilmente.

— Quero ser o pai dela — interrompe suavemente, ainda mantendo o tom de voz baixo. — Sei que se Jerome estivesse aqui, faria o mesmo. Mas não está e eu não sou ele. Eu quero ser o pai dela — repete, com olhos pretos incisivos. — Desejo que Jackie seja minha filha. Legalmente. Faça-me um homem completo, Ellie, e me dê esta chance.

Se antes eu achava que nada mais no mundo poderia me surpreender, agora percebo estar totalmente enganada. Jameson é esta caixinha de surpresas capaz de me deixar sem palavras. Só ao imaginá-lo como o pai de Jackie, legalmente... isso me dá um frio no estômago. Um docemente nervoso frio no estômago, porque eu não poderia dizer outra coisa a ele.

— Sim. — Eu sorrio um sorriso que alcança minha alma. — Ela adoraria... e eu também. — Penso em todas as coisas que ele tem feito. Seu carinho, sua esperteza, sua presença, seu bom humor enchendo nossa casa de alegrias. — Acho que somos duas sortudas por termos você.

Jameson nega com a cabeça, seus lábios presenteando-me com seu sorriso lindo.

— Não, Ellie — diz com tenacidade. — Eu sou o sortudo aqui. Por ter vocês, por ter muito mais do que eu poderia pedir.

É preciso muito autocontrole para eu não me deixar ser reduzida a uma pobre mulher em lágrimas. Quero dizer mil coisas, mas não posso interromper este momento maravilhoso em que nossos olhos transmitem a felicidade plena que estamos compartilhando silenciosamente.

Ele abre a boca e fecha de novo, como se não conseguisse encontrar as palavras certas para dizer. Seus olhos cintilam e então se inclina em direção a mim para me beijar no canto do olho e nossas mãos se encontram sobre Jackie, os dedos enroscando-se numa apaixonada promessa de amor e carinho e permanecem assim.

Com muito esforço, nos forçamos a nos concentrar no filme e assisti-lo até o fim, mas eu, particularmente, não estou prestando muita atenção, porque não consigo pensar em mais nada. Ao final, colocamos Jackie para dormir. Acordo mamãe e Jameson a ajuda a guiá-la até seu quarto em seu estado de sonolência.

Quando termino de usar o banheiro, Jameson está sob as cobertas cobrindo metade do seu corpo. Seu peito nu está exposto e as mãos cruzadas atrás da cabeça enquanto olha para o teto com a graça de um sorriso saciado brincando em seus lábios.

Ao me aproximar da cama, ele abre os lençóis para mim e me aconchego contra seu corpo. Envolvida em seu braço, eu o olho de perto e percebo na penumbra que ainda está com aquele sorriso bobo no rosto.

— Olá, papai — digo para mexer com ele, um sussurro se misturando ao silêncio noturno.

Ouço seu único e tolo riso abafado. Em seguida debruço-me sobre ele, tomo seu rosto com as mãos e ficamos namorando, até adormecermos.

A♥

É com um aperto no coração que descubro que Jameson precisa viajar novamente para Londres. Isso significa mais dias sem ele. Depois de conversarmos com Jackie e esclarecermos suas ansiosas dúvidas, decidimos resolver toda a papelada burocrática de paternidade quando Jameson retornar de viagem.

Dessa vez eu o deixo no aeroporto, para pegar um voo na terça de manhã. Telefona-me várias vezes enquanto está fora, entre uma reunião e outra, e pede para falar com Jackie quando ela está por perto. Acho linda sua atitude de se importar de verdade. Não paro de pensar sobre como nosso relacionamento está tão evoluído em relativamente pouco tempo que nos conhecemos.

Mantenho-me ocupada com o trabalho, saio para correr com Tracy e uma atualiza a outra sobre as novidades. Tento não pensar muito nele para não sentir tanta falta, e por vezes falho com isso.

Ansiosamente volto ao aeroporto para buscá-lo na segunda, em um fim de tarde. Meu coração quase explode quando o reconheço na multidão de pessoas. Abro um sorriso e vou correndo até ele, que me levanta no ar, abraça-me com força e gira comigo, rindo, como se eu fosse a coisa mais importante de sua vida.

Muitas cabeças se voltam para nós e pares de olhos se detêm no pequeno escândalo que estamos fazendo como um casal apaixonado. Mas isso realmente não importa no momento além da falta que sentimos um do outro.

Uma vez na estrada, conduzo-o até a casa do lago. Conversamos no meio do caminho, ele me pergunta como estão as coisas e o que tenho feito. Reviro os olhos e respondo sorrindo que já disse tudo isso a ele pelo telefone. Jameson coça a mandíbula e diz um "É mesmo". Dou uma risadinha. Aparentemente o forasteiro está um pouco perdido geograficamente, com alguns lapsos de memória atacando-o devido aos dias maçantes que teve.

Como sei que ainda não teve uma refeição decente, resolvo preparar algo gostoso na cozinha assim que chegamos. Enquanto ele está no andar de cima desfazendo a mala, faço uso dos meus dotes culinários na frente do fogão. Consigo um frango ao molho de curry, que surpreendentemente constato estar muito bom a princípio.

Jameson desce vestindo uma camisa cinza de manga comprida e jeans azuis-escuros. Seus cabelos estão molhados. Deve ter tomado um banho rápido. Cheira a colônia e sabonete.

Aguardo até toda a comida estar pronta e coloco sobre a mesa a travessa montada com os legumes. No momento em que passo por Jameson, sou detida e ele é rápido quando cruza minha frente para abrir o armário cheio de pratos e o outro compartimento superior com taças de vinho e espumante.

— Sente-se, Ellie — pede, enquanto organiza a mesa com louça para dois. — Você já fez muito. Nada mais justo do que eu colocar a mesa.

Caio na cadeira e espero, observando-o se refestelar com seu perfeccionismo angular. Ele coloca meu copo no lado direito, de modo a combinar com a posição do dele, e é quase que instantâneo eu mudá-lo para o lado esquerdo, porque sou canhota e logicamente gosto de beber as coisas com a mão esquerda.

Seus olhos caem em mim como se eu estivesse provocando o caos.

— Bem, havia me esquecido de que não era destra — comenta pensativamente, unindo as sobrancelhas em confusão e cansaço, e muda o copo para a sua direita.

Eu bufo. Nossos lugares são de frente para o outro, de modo que nossos pratos, copos e talheres estão coincidindo do outro lado como se fossem reflexo no espelho.

— Está tentando formar uma linha reta entre nossas louças?

— Quase isso.

Levanto a cabeça e meus olhos alcançam o teto. Ele está brincando comigo, certo? Posso ouvi-lo rindo de mim. Atrevido! Mas sua alegria é contagiante. Antes que me dê conta, também estou rindo com ele, e faço questão de devolver seu copo para a sua esquerda.

Quando volta da cozinha, estende-me uma taça de vinho e a enche com um floreio propositalmente exagerado que me faz rir.

— Tinto — diz ele, com a garrafa sobre seu antebraço, completando uma quantidade razoável em meu copo. Recolhe a garrafa com outro floreio e pisca sedutoramente para mim. — Espero que seja de seu agrado.

Aceito a taça e a giro delicadamente, antes de dar um gole.

— Está ótimo — elogio, os cantos de meus lábios se elevando quando nossos olhares se encontram pela enésima vez.

Jameson enche uma taça para ele e, ao se sentar, estende-a na minha direção, brindando:

— A nós.

— A nós — repito.

Encosto a taça suavemente na dele e dou outro gole. Pegamos nossos pratos e começamos a nos servir do frango enquanto conversamos sobre sua viagem. Sou bombardeada com elogios ao longo de todo o jantar, por causa da comida que fiz.

— Você tem uma forte tendência a exagerar — brinco com ele.

Intercalamos vinho e água para não ficarmos embriagados tão cedo. Paro na primeira taça. Minha tolerância à álcool nunca foi das melhores, nem mesmo quando eu era mais nova. Jameson toma uma segunda e já estamos namorando no sofá depois que levou uma terceira consigo.

Entre risos e sussurros ao pé do meu ouvido, tento levá-lo a sério quando me conta sobre a maratona sexual que tem em mente para nós a fim de compensarmos os dias em que não nos vimos. Balanço a cabeça, tentando fazer parecer que estou repreendendo sua ideia, e então ele começa a me provocar mordendo a cartilagem de minha orelha.

Eu me inclino para o lado, às risadas, tentando fugir de seus dentes cujo dono parece querer me morder a qualquer custo. Estou praticamente deitada de bruços no sofá, enquanto Jameson continua rosnando atrás de mim perto do meu ouvido ao mesmo tempo em que segura sua taça com uma mão.

Sou de repente atacada com cócegas mortais e começo a convulsionar em risos, até eu estar de frente para ele, deitada com uma perna para fora do sofá e a outra, sobre seu colo.

Nossos sorrisos se desvanecem com o túrgido desejo.

— Ellie... — Sua rouca voz é como uma nota suave.

Estremeço quando me acaricia até o interior de minha coxa. Senti tanto a falta dele. Antes mesmo que incline o rosto para mim, eu ergo metade do corpo e começo a beijá-lo loucamente. Agarro a parte de trás de sua cabeça, enterro os dedos em seus cabelos escuros e macios, aspiro seu cheiro limpo e saboreio o gosto do vinho na união de nossas bocas.

Não sei como aconteceu, mas um sofá certamente não foi feito para casais namorarem, pois estou sentada de lado, com minhas pernas sobre suas coxas, tentando conseguir a posição perfeita para a troca de nossas carícias. Exalo respirações lentas e irregulares. Estamos nos movendo com desespero naquele sofá, exercendo nossas forças um contra o outro. Não satisfeita com a distância de nossos corpos, faço um movimento sem controle e vou para cima dele, bruscamente. Meu braço bate em algo que vira e deixa sua camisa ensopada. Tombo para o lado por instinto e olho.

Há uma mancha escura em sua camisa, na parte da frente. Derrubei a taça de vinho que ele segurava. Fecho os olhos, descontente. Estraguei todo o clima.

— Desculpe — murmuro e tiro a taça vazia de suas mãos já me levantando.

Ele faz o mesmo antes que suje o sofá com a bebida. Não parece chateado ao ver a grande mancha de vinho tinto em sua impecável camisa cinza. Na verdade, ele está sorrindo.

— Eu derrubei bebida em você e está rindo? — pergunto, chocada.

— É só uma roupa, Ellie. — Seu tom de voz está descontraído. — Para falar a verdade, seria um prazer ver isso acontecer de novo. Você estava bastante empenhada em dar início aos meus planos sexuais. — Pisca com galanteio.

Certo, eu quero rir, porque ele está certo. Suas ideias sussurradas em meu ouvido me deixaram muito ansiosa sexualmente. Eu o culpo.

Balanço a taça vazia.

— Estou indo encher uma nova para você. — Detenho demoradamente meus olhos na camisa grudada àquele peitoral. — Deveria ir se trocar. — Então me retiro antes que eu esqueça o que ia fazer.

Encontro a garrafa de vinho esquecida em cima da mesa. Abasteço seu copo com uma dose da bebida e rapidamente volto para a sala, incapaz de largar a ansiedade me beliscando.

Paro.

Descubro que Jameson está nu da cintura para cima, analisando os estragos da camisa esticada em suas mãos, e só essa visão me deixa zonza. Então ele de repente se vira para ver melhor o tecido na luz da sala e meus olhos veem suas costas pela primeira vez.

Saio do meu transe e volto ao momento presente.

Ele tem uma cicatriz, uma grande. É uma reta inclinada que atravessa suas costas musculosas de um ponto a outro, de um lado de cima para o outro de baixo. Exatamente como a que eu tenho no mesmo lugar.

A taça de vinho cai das minhas mãos e se espatifa no chão.

Ao ouvir o barulho do vidro quebrando, ele imediatamente se vira, com o semblante preocupado. Tenho agora uma visão completa de sua fisionomia. E meus olhos finalmente veem o que antes não viam.

Sinto como se mil toneladas de aço tivessem caído sobre mim.

Minhas mãos estão trêmulas, meu coração bate descompassado, as palavras estão engasgadas.

Minha garganta dói com o grito sufocado.

Eu respiro e sou capaz de sentir as lágrimas enchendo as bordas de meus olhos, mas tento manter minha voz firme e sólida quando pergunto:

— Por quanto tempo pretendia esconder isso de mim?

E ele fica petrificado quando se dá conta de seu erro, fruto de um ingênuo descuido.

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