Capítulo 31
Ano de 2007
A vida pode ser o que você quiser que ela seja: o céu ou até mesmo o inferno.
Estou trabalhando como assistente em um pequeno escritório de finanças. Quando dá a hora do intervalo, eu me tranco no banheiro. Lá, o meu céu começa, sem ninguém saber. No entanto, o meu inferno é ter que aguentar os constantes assédios do meu chefe.
Uma vez meu coração ficou na garganta quando ele trancou a porta da sala e veio por trás de mim, imprensando a ereção na minha bunda. Eu me virei, arquejando de susto e horrorizada, pois era a primeira vez que ele ultrapassava os limites dessa forma. Abriu um sorriso falso e se desculpou. Disse que estava apenas passando por ali ao acaso para buscar uma coisa.
Não conto nada a Jerome, porque precisamos do dinheiro. Vendemos quase todos os móveis do apartamento para pagar um mês de aluguel. Mesmo assim, o dono do imóvel ameaçou nos despejar, pois estamos com três meses de aluguel atrasado.
O carro é uma das poucas coisas que ainda tentamos manter, por necessidade de locomoção. Como encanador, Jerome atende a qualquer chamado, a qualquer hora, em qualquer lugar. Trabalha os três períodos do dia e não sei como ainda não enlouqueceu.
Está tarde, mas ainda estou acordada. Deitada na cama, olho para o teto quando ouço o rangido de uma porta sendo aberta. Sei que é ele. Acordou no meio da noite para fazer alguns reparos no encanamento de um clube noturno.
Fecho os olhos, suspirando, ao ouvi-lo se despir para ir se deitar comigo. Quando não sou eu que estou por cima dele, sob efeito de alguma droga, é ele quem está em cima de mim. Me fodendo pela frente ou por trás — a questão é que nunca lembro quando acordo no dia seguinte.
Passamos a nos servir do sexo com o propósito de nos livrarmos de nossos tormentos, angústias e compensar fracassos pessoais. O amor pode ser tão feio quanto bonito. A parte bonita é a parte que todos anseiam ter. E a feia — a parte inescrupulosa e crua — é a parte para a qual desejamos fechar os olhos e fingir que não existe.
Sinto cheiro de cigarro. Um gemido baixinho vem do fundo de minha garganta conforme sou montada. Sou preenchida, em seguida, esvaziada. A cama faz um barulho de mola rangendo à medida que sou golpeada contra o colchão. Ele mete e tira cada vez mais forte e rápido até gozarmos no silêncio da noite.
Jerome paira o rosto sobre o meu, sem me beijar, e estende o braço para a mesinha de cabeceira, de onde apanha um cigarro aceso para segurá-lo entre o indicador e o dedo médio. Puxa um pouco de fumaça para a boca e não a libera até roçar meus lábios com os seus.
Obediente, separo os lábios e inalo a nuvem de fumaça que ele solta dentro de minha boca. Então nos beijamos. Não sei mais dizer que sabor tem seu beijo ou por que seria importante registrar um detalhe como esse.
Sou posta de costas. Seguro os lençóis acima de minha cabeça e então nossa brincadeira começa novamente.
Os meses passam com uma lentidão perturbadora. Para aguentá-los, continuo fazendo uso de qualquer coisa que funcione como morfina. Às vezes acordo com Jerome, na sala deserta do apartamento, com algumas garrafas vazias de bebida barata ao nosso redor. E às vezes, sou apenas a assustada e assombrada Ellie.
Mais meses correm e percebo que, inexplicavelmente, Jerome começa a agir estranho, um comportamento gradativo que de início me passa despercebido. Parece sempre estar distante em pensamento, a um milhão de quilômetros daqui. Mas não tenho muito tempo para pensar no porquê, pois, num dia aparentemente comum, estou atravessando a porta do banheiro para sentar no vaso e fazer xixi na parte indicada do bastão branco.
Momentos depois fito o resultado. Duas linhas rosas.
Verifico as instruções novamente.
Duas linhas rosas... grávida.
Não. Oh, Deus, não. Eu não posso estar grávida. Tenho apenas 19 anos e sou uma viciada em drogas. Mal posso cuidar de mim mesma. Mal tenho condições de criar um ser humano. Vou acabar perdendo esse bebê para a gravidez de risco. Eu vou...
Há um estrondo que vem da sala do apartamento quando uma porta é fechada, indicando que alguém chegou. Empurro o teste de volta para a caixa com as mãos trêmulas. Tento convencer a mim mesma de que Jerome saberá o que fazer.
Ele é mais velho e experiente. Vai consertar isso.
Mas um bebê não estava em nossos planos. O que faremos agora de nossas vidas? Teremos forças e recursos suficientes para cuidar de uma vida?
Um lembrete distante me avisa que estamos completando um ano de casados hoje.
Depois de lavar as mãos, puxo a tranca e abro a porta. Respiro fundo e então saio para encontrar Jerome olhando através da janela da sala. Ele está tão pensativo, com uma expressão dolorosa abatendo seus traços que ainda continuam tão bonitos como quando nos vimos pela primeira vez.
— O que estava fazendo? — Ele se vira, os olhos enfraquecidos, e percebo que não há nenhuma desconfiança em sua voz, que parece conter uma reflexão. — O que estivemos fazendo?
Eu paro. Tem alguma coisa errada. Ele esteve agindo de forma esquisita e agora decide manifestar suas preocupações mais profundas para mim. Meu coração afunda por vê-lo assim, tão fragilizado.
Não havia percebido o quão machucado ele estava por dentro até nos colocarmos frente a frente. Acho que ambos de nós estivemos.
Lágrimas enchem meus olhos. Eu sei o que ele vai dizer. Estive esperando por esse dia desde que começamos a nos envolver e agora ele finalmente viu o quão saudável e vantajoso seria se afastar de mim.
— Vai me mandar embora? — balbucio de forma quase ininteligível.
Dor e sofrimento preenchem suas feições.
— Jameson, por alguma razão, tem dado bastante atenção à minha vida aqui ultimamente — diz com pesar, como se tocar no nome do irmão fosse difícil o suficiente para ele. — Temos conversado por telefone durante todo esse tempo. Eu não queria que ficasse pensando coisas ruins, que eu fosse abandoná-la ou algo do tipo, então fazia isso longe e escondido de você.
— E então? — Um soluço escapa de meus lábios.
Jerome dá um sorriso triste.
— Chame de intuição de gêmeo, mas ele sabia que eu estava em apuros. A Sra. Carver provavelmente deve ter contado algo a ele, no entanto, após alguns minutos de conversa, descobri que Jameson não sabia nem da metade das coisas. Eu sempre as escondia dele para não preocupá-lo... até o dia em que recebi uma ligação de Londres. Não sei o que houve comigo, talvez fosse a saudade ou puro descontrole emocional, e terminei vomitando as palavras desenfreadamente. Contei tudo o que esteve guardado dentro de mim.
Limpo as lágrimas do meu rosto.
— Contou sobre nós — murmuro baixinho.
— Sim, sobre nossa situação — confirma.
Tomo uma respiração profunda. Se não sabia, agora o irmão de Jerome sabe. Jameson Carver, neste momento, deve ser a pessoa que mais me odeia no mundo.
— O que vai fazer agora? — pergunto com os olhos baixos, já prevendo a resposta.
— Ellie — ele precipita um passo à frente —, eu não estaria fazendo isso se não fosse por nós. Jameson só estava querendo me ajudar quando ofereceu uma segunda chance para mim, de terminar os estudos na Europa. É uma oportunidade de retomar as coisas que deliberadamente ousei deixar para trás.
— Vai me deixar — concluo, as lágrimas voltando com tudo.
A bile sobe pela minha garganta. Estou grávida. Ele vai me deixar. E não é como se eu tivesse o direito de destruir de novo um futuro que ele quer construir, um que eu sei que ele merece. Deus, como sei.
— Eu te amo, Ás de Copas. — Ele seca minhas lágrimas com seus dedos carinhosos. — Prometo que voltarei por você. Eu só preciso de um tempo para dar um jeito na minha vida e ficar pronto por nós dois.
— Não acredito. Você já tomou sua decisão — digo, consternada, e me afasto. — Está na cara que tomou sua decisão!
Jerome olha para o lado, a culpa transformando seu rosto em uma máscara sombria.
— No início, eu não quis aceitar nada. Achava que a Sra. Carver podia estar por trás disso. Fiquei furioso e ignorei as ligações dele por diversas vezes. Mas agora, eu penso em nós... Quero ser alguém por você, Ellie.
Por mais que eu esteja lutando contra a intensidade do que sinto por ele, não consigo aceitar a ideia de tê-lo longe por tanto tempo. Só pode ser um plano maligno da Sra. Carver para tentar nos separar de novo. Ela tem feito isso. Deve estar satisfeita, porque conseguiu.
— Jameson é meu irmão e só quer o meu bem. Não pense besteiras — ele trata de falar assim que vê meu rosto mudar. Depois suspira com força e fecha os olhos brevemente. — Nós não podemos ficar juntos agora. Acho que somos duas pessoas que tiveram a infelicidade de se conhecer no lugar e na hora errada. Ainda há tempo para consertarmos isso. Olhe para mim, Ás de Copas. — Eu faço. Estou completamente destruída. — Você vai esperar por mim?
É fácil perceber que está sendo difícil para ele tanto quanto está sendo para mim ouvir tudo. Ele me ama com tudo o que tem e não quer me deixar, e não quero deixá-lo ir embora também, mas minha consciência está me dizendo o que tenho que fazer se realmente o amo.
Existem pessoas que não estão destinadas a ficar para sempre ao nosso lado e existem aquelas que temos que deixar ir embora de nossas vidas, para o próprio bem delas. Nosso amor é tão forte e intenso que machuca um ao outro e chega a se tornar destrutivo.
— Ás de Copas — chama em silenciosa expectativa.
Eu o olho, arrasada. Ele quer que eu diga sim. Quer que eu prometa que continue sendo sua, para sempre. Não posso ser a garota que o impedirá, pela segunda vez, de conseguir um futuro decente. Não quero mais ser alguém desprezível.
Prendo a respiração antes de falar:
— Não, não posso esperar por você.
Silêncio. Decepção se estabelece em seus olhos.
— Eu não te amo mais, Jerome.
Mais silêncio. Ele não precisa dizer nada. Eu o escuto naquele silêncio esmagador. Eu o matei com minhas palavras. Convenço a mim mesma que fazê-lo me odiar é a melhor maneira de fazê-lo me esquecer. Isso é como eu lido com as coisas.
Eu o assisto hesitar, varrido pela amargura.
— Ellie...
— Eu não te amo mais — repito e também tento convencer a mim mesma de minha mentira, para tornar as coisas mais fáceis. — Isso era algo que queria ter dito já há algum tempo, mas não tinha coragem. Agora você sabe.
Há um limite muito tênue entre o amor e o ódio. Acho que faço Jerome atravessá-lo continuamente.
Seu silêncio se quebra quando ele fala alto e irado:
— Está mentindo! Você me ama!
— Não amo mais. Eu traí você.
Ele estanca, absolutamente devastado, cortado em pedaços.
— Está brincando comigo?
Minha respiração falha. Eu quero retroceder e correr para seus braços.
Você não pode fazer isso, Ellie. Precisa seguir em frente. Por ele.
— Não. — É tão difícil dar uma resposta. — Eu estava carente e você não estava aqui... estava na sua excursão de merda na Inglaterra, aproveitando suas férias em família. — Meu sarcasmo é amargo. — Uma coisa levou à outra e então me tornei uma droga de bola de neve sentimental. Não tive controle. Aconteceu.
Eu vejo um abismo rancoroso se abrir nele mesmo, seus olhos lacrimejando de ódio e a mandíbula travada.
Não, eu jamais o trairia, meu amor. Nem por todo o dinheiro do mundo.
Meu estômago se aperta. A dor é tão forte que está se espalhando por todo meu corpo.
— Tínhamos acabado de nos casar! — Eu quase fico surda com seu grito explosivo. — Como pôde?
Permaneço calada. Não sei mais o que dizer para fazê-lo ir embora de uma vez.
Ele me pega pelos ombros e me sacode com violência.
— Com quem?
Não respondo. A dor profunda de saber que foi traído pela mulher que ama o destrói em mil pedaços. Eu poderia dar um nome falso, ou citar Boozy ou qualquer outro cara do meu bairro, mas então sei que Jerome iria atrás dele e as coisas ficariam muito feias.
— Com quem! — Sou sacudida novamente por um Jerome completamente embravecido e enciumado.
Lágrimas estão escorrendo pelas minhas bochechas. Não é fácil abrir mão da pessoa que se ama.
— Você nunca saberá — digo palavra por palavra.
Sou largada num ímpeto que quase me faz perder o equilíbrio. Não precisamos dizer mais nada um ao outro. Tudo já foi dito. Ele bate a porta do apartamento tão forte que penso que por pouco as dobradiças não se soltaram do batente de madeira.
Eu o ouço descendo furiosamente a escadaria do prédio.
Não sei o que vai fazer no estado em que se encontra. Jamais o vi tão descontrolado desse jeito, totalmente fora de seu juízo como um animal indomável. Meu coração está batendo muito forte, a adrenalina correndo nas veias.
Estou com um mau pressentimento. Algo está errado. O que Jerome vai fazer?
Sem pensar, saio em disparada pela porta e desço os degraus da escada correndo ao som dos meus próprios gritos chamando por Jerome. Minha cabeça está a mil por hora.
Passo pela portaria em direção à saída e, em seguida, estou sem fôlego olhando para os dois lados da rua. Não encontro nenhum sinal, mas... então o vejo. Está no fim do quarteirão, vindo a pé, e parece um pouco perdido.
Franzo as sobrancelhas, confusa.
Jerome não estava usando uma camisa polo azul e calças cáqui.
Mas o homem é idêntico a ele, e ao mesmo tempo não é ele. Tem um jeito próprio de se mover diferente do andar descontraído de Jerome. Cada passo firme parece ser controlado e friamente premeditado. Então, ao olhar para longe, ele começa a correr.
Quase não consigo respirar com a descoberta. O irmão gêmeo dele está aqui.
O ronco familiar de um motor chama a minha atenção para o outro lado e acabo encontrando o carro de Jerome. Minha pulsação aumenta quando o vejo no volante, prestes a dar partida.
Antes que isso aconteça, Jameson o alcança e bate na porta do carro, pedindo que ele pare, e então os dois estão gritando, discutindo tão alto que consigo ouvir o que estão falando de onde estou.
Estão brigando por minha causa. Petrificada demais para fazer alguma coisa, sinto que meus pés estão criando raízes no chão.
Assisto Jerome fechar os olhos, respirando fundo, e se debruça sobre o banco do carro para destravar a porta para Jameson, que entra e a fecha quando o carro já está em movimento.
Então, nada.
Ele foi embora.
Para longe de mim.
Depois de algum tempo, caio na cama chorando tudo o que esteve dentro de mim. Choro durante todos os dias que não tenho notícias dele. Tento recuperar minhas forças, a força de vontade, e não consigo nada além de mais sofrimento a cada vez que penso no que aconteceu.
Ele foi embora para a Inglaterra? Para sempre?
Não mereci nem mesmo uma despedida adequada.
As respostas para as minhas perguntas permanecem como incógnitas para mim. A noite chega e penso em me distrair assistindo um pouco de TV, mas então lembro que não temos mais TV. Não temos quase nada. Eu me sinto ilhada, como se não soubesse o que está acontecendo no mundo.
Sou acordada de meu sono no meio da noite quando ouço algo vibrar no quarto. É o celular que Jerome havia deixado. Pode ser um cliente querendo solicitar os serviços dele, achando que ainda está nos Estados Unidos. Olho para a tela brilhando. O número não está registrado na agenda telefônica dele.
Acendo as luzes e atendo com as mãos trêmulas.
— Alô?
— Ellie Carver? — Um homem fala e imediatamente estranho. Como ele sabe meu nome?
— Sim? — Sai quase como um sussurro amedrontado.
— Sinto muito, Ellie — ouço sua respiração pela linha —, mas seu marido morreu em um acidente de carro.
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