Capítulo 30
Mamãe toma um susto quando vê Jameson na cozinha, na frente do fogão.
— Ah, meu Deus! Quase achei que fosse um ladrão. — Estamos rindo com ela quando vem se sentar comigo à mesa, vestida em suas recatadas roupas de dormir. — Desculpe, Jameson, mas não estamos muito acostumadas a ter homens nesta casa, sabe? — Sinto a indireta me beliscando quando mamãe move suas sobrancelhas para mim, para cima e para baixo. — Vejo que Ellie ficou convencida dessa vez... ou você a convenceu? Como foi essa história?
Giro os olhos prendendo um sorriso.
— Foi uma história normal. — Pensando melhor... certo, nem tão normal assim.
Jameson é a representação do fruto proibido enfiado em uma camiseta branca e na cueca samba-canção pendendo deliciosamente de seus quadris. Eu suspiro. Mamãe suspira. E depois me cutuca por baixo da mesa quando ele caminha até nós com um prato de panquecas cheirosas e suculentas.
Rio baixinho da excitação de mamãe.
— Espero que goste de panquecas, Mary Ann. — Jameson se senta na cadeira ao meu lado. — Fazia tempo que eu não cozinhava algo tão...
— Ordinariamente comum? — completo e ele sorri, dando uma piscadela para mim.
— E quem não gosta? — Mamãe se serve de uma panqueca no prato e começa a comê-la com o garfo que Jameson oferece a ela. — Está delicioso. O que mais sabe fazer? Preciso saber pelo que exatamente tenho que parabenizar Ellie por causa do grande achado.
— Mamãe! — censuro, às risadas, com o sangue esquentando minhas bochechas. — Nós não queremos espantar nosso convidado, certo?
Estou realmente feliz que mamãe saiba agir com Jameson como a pessoa única que ele é. Seria um desastre que, além de mim, ela também tivesse problemas porque os irmãos são gêmeos. Eu a adoro ainda mais por isso e por ser bastante a favor de nossa felicidade.
Nós comemos e conversamos à mesa. Estou rindo uma vez e outra, das anedotas de Jameson na Inglaterra. Ele nos conta de sua experiência, primeiras impressões e faz piada de situações embaraçosas pelas quais já passou quando ainda era um adolescente. Narra ainda como teve de se acostumar com o uso de palavras que não costumamos usar no inglês americano para certas situações e que, ao chegar aqui novamente, passou por mais situações que causariam vergonha alheia a qualquer um que as ouvisse.
Eu não paro de rir e mamãe me acompanha. Jackie desce momentos mais tarde, com uma carinha fofa de sono e toma café conosco. E eu me sinto tão feliz, com todos conversando com animação. A mesa está cheia e parecemos uma família de verdade.
Talvez realmente sejamos, porque sinto como se Jameson já fosse um membro da casa. A pergunta é: ele também se sente da mesma forma? Gostaria que sim, porque eu o adoro.
Em uma ocasião nossos olhares se encontram e ele pisca para mim. Sorrio. O tempo me tem feito uma especialista em Jameson Carver e agora mesmo posso dizer que ele também se sente à vontade e muito feliz. Entrelaça nossas mãos por baixo da mesa, sobre minha coxa, sem interromper a conversa com mamãe, e delicadamente aperta meus dedos.
Inclino o corpo em direção à cadeira e relaxo com o calor emanando de sua pele para a minha. Pode o dia ficar melhor?
Em um momento mamãe se levanta, coloca os pratos na pia e se prepara para levar Jackie consigo para cima, para tomarem banho. Seis anos sem levar um cara para casa e percebo como ela não sabe como se despedir quando nos vê abraçados e pendurados no pescoço um do outro.
— Ah... divirtam-se!
— Mamãe! Ele não é um amigo de escola. Jameson é meu... — Olho para ele. — Namorado? Podemos colocar assim?
Jameson faz um movimento de cabeça.
— Acho o uso do termo perfeitamente adequado.
Mamãe ergue as mãos para cima dramaticamente.
— Tudo bem! Então divirtam-se... namorados. — Dá uma última olhada em nós dois e depois pisca para mim.
Ela vai embora com Jackie e me deixa com uma reflexão.
— Faz tempo que não sei o que é ter um namorado. — Consigo sentir até os arrepios brincando com meus pelos da nuca. — Assustador.
Jameson ri de mim e me puxa mais para si, até eu decidir me sentar sobre seu colo. Estamos tão melosamente agarrados, com ele me sussurrando gracinhas no ouvido, mas a sensação é muito boa e me faz sentir alguém importante e querida por ele.
Ficamos namorando na cozinha, depois lavamos os pratos da maneira tradicional, jogamos água um no outro às gargalhadas e então a magia acaba quando ele está se preparando para ir embora. Convido-o para passar o fim de semana todo conosco, ao que ele recusa e diz que tem que trabalhar em casa.
Sou atraída para um beijo com gosto de Jameson. Meu sabor favorito.
— Não quero que vá — choramingo mais uma vez.
— Então não vou.
Meu rosto se ilumina.
— Está falando sério?
— Não.
Faço um muxoxo de frustração e depois dou um safanão no bastardo que me enganou e agora está rindo de mim.
— Estou com umas coisas que acho que lhe pertencem. — Subitamente muda de assunto, com um brilho triste nos olhos. — São de Jerome, mas acho que ele gostaria que você desse uma olhada.
O modo como me olha me diz que parece ser algo muito importante. Como se fosse um segredo pós-morte que eu deveria saber sobre meu falecido marido e Jameson está me deixando finalmente ter contato com isso. Quero muito saber o que Jerome me escondia sempre que eu olhava dentro daqueles olhos indecifráveis em todo o tempo que convivi com ele.
Aceno com a cabeça e olho para trás.
— Se importa se eu for com você para ver isso agora?
Jameson abre um pequeno sorriso e toma minha mão para me guiar até seu carro. Mesmo na estrada, minhas mãos estão suando sem parar. Sinto como se eu estivesse prestes a descobrir o maior segredo bombástico de todos os tempos.
Assim que chegamos na casa do lago, Jameson desaparece por alguns minutos e depois entrega nas minhas mãos uma pequena caixa cheia de envelopes das mais diversas cores. Estão todos abertos e dá para ver que guardam papéis dobrados.
Quando puxo um envelope, prendo a respiração ao ver que o remetente é Jerome e percebo do que se trata. São as cartas que ele escrevia para o irmão na Inglaterra.
Lágrimas chegam aos meus olhos sem minha autorização. Deixo-me cair no sofá, coloco a caixa ao meu lado, e, com as mãos trêmulas, começo a ler o texto escrito com a inconfundível letra de Jerome.
É uma carta datada do ano de 2005.
Querido irmão,
Você se lembra da época, quando ainda éramos duas crianças, em que brincávamos com nossos ridículos carros e trens de brinquedo, e de como gostávamos de promover uma colisão entusiástica entre eles?
Pois bem, hoje fui atingido por um trem de carga. Mas não se preocupe, estou bem. Pelo menos acho que estou bem, mas os sintomas de desorientação estão persistindo.
Com algumas perseguições (sim, agora virei perseguidor e inclusive me descobri ser muito bom nisso), descobri que o nome desse trem ridiculamente bonito é Ellie e tudo em que eu consegui pensar quando a vi foi no quanto gostaria de roubá-la para mim. Ali mesmo, naquela festa que a Sra. Carver insistiu para que fôssemos.
A propósito, você está ferrado por não ter vindo. Nem preciso dizer que a Dama de Ferro vai fazê-lo pagar com sangue e ossos, certo? Estou prevendo uma desforra cheia de chantagem emocional, então vá se preparando.
Mas a verdadeira razão desta carta é que acho que sou eu o ferrado da situação. Ria de mim (e eu sei que você está), mas jamais vi alguém como Ellie. Tão corajosa, atrevida e aventureira. Eu a conheci, sei onde mora e quero mais dela. Quero tudo o que posso e não posso ter, ainda que isso me mate, porque nada é tão divertido ou interessante como quando estou com ela.
Conte para mim, você acha que eu tenho chance?
Sei o que está pensando e confesso que não estou nem um pouco preocupado com a possibilidade de ser paixão à primeira vista, exceto se isso me levar à falência de ego e orgulho. Não quero ter que me humilhar pela garota rebelde e complicada. Mas a gente sabe que, quando não tem jeito, nós, homens, sabemos ser bem flexíveis nesse quesito, não é mesmo?
Que porcaria estou falando agora?
Merda, tenho que ir. Já estou na agência, então a carta vai assim mesmo.
Se cuida, esquisitão.
Volto a dobrar a carta com os dedos tremendo. Então penso em Jerome escrevendo-a aos seus tenros 20 anos, todo altivo e cheio de esperança, sobre como sentiu a intensidade das coisas entre nós da mesma forma que senti. Ele também foi o meu trem de carga. Nossa colisão significou um choque de mundos, de valores, de emoções e sentimentos.
Quando me acalmo, fico sentada por um longo tempo olhando para Jameson, que se sentou ao meu lado. Me pego imaginando ele esperando por essa carta e o dia em que tornaria a ver o irmão...
Com uma respiração profunda, pego outra carta, escrita no ano de 2006.
Querido irmão,
Eu já mencionei que ela foi a coisa mais bonita que me aconteceu?
Já, não é? Que bom, então tenha isso mente quando digo que a vida com uma garota como ela não é fácil. Ellie é diferente de qualquer mulher com que eu tenha me envolvido. Traz consigo uma imensa bagagem de sofrimento e dor que ainda persistem, não importa quantas vezes ela me diga que está tudo bem.
Eu sei que não está.
Eu a vejo caminhando por aí, de cabeça baixa, e sei que há este peso em seus ombros que ela não quer admitir que está fraca demais para aguentar o que mais a vida lhe dá como punição. Porque para coisas ruins acontecerem com uma pessoa tão boa, linda e de grande potencial como ela, eu só posso ver como um castigo injusto.
Minha fé está bastante balançada agora.
Ter entrado na vida dela significou ter saído da segura zona de conforto na qual fomos criados. Admito que às vezes me pego perdido em situações perigosas e extremamente perturbadoras que a ouço ter se colocado. Situações que nós, dois garotos mimados e protegidos, jamais imaginaríamos ou entenderíamos. Não duvido que ela tenha percebido meu desgosto por suas narrações ou o meu olhar reprovador, o que a levou a esconder certas coisas de mim, e tampouco posso brigar com ela por isso porque não quero perdê-la agora que conquistei sua confiança.
Por outro lado, faltam cinco meses para completarmos um ano juntos e eu não vejo a hora de surpreendê-la com meu presente. Lembra o que discutimos uma vez sobre casamento? Eu não queria chegar a este nível de conversa humilhante, mas, você estava certo e eu estava enganado. Totalmente enganado sobre seu discurso de união e sentimentos frescos como amor e carinho, que, a propósito, não são sentimentos ridículos.
Imagine só! Eu admitindo estar enganado... para VOCÊ.
Sinto sua falta, seu paspalhão.
Estou lutando contra meu ego para não rasgar esse papel neste exato momento.
A fim de que isso não aconteça e eu permaneça sendo sincero em cada carta, estou indo enviar essa merda de uma vez por todas.
Até a próxima, irmão.
Estou chorando com as palavras de Jerome sobre mim, mas estou contente em poder finalmente saber como ele me via e me descrevia para o irmão. Pego outras cartas para ler e percebo com um aperto no coração que em nem um momento sequer ele mencionou que eu era uma viciada, ou chantagista emocional, ou o quão estúpida eu sabia ser às vezes. Ele foi o único homem que me amou sem reservas. Amou todas as coisas feias em mim.
Leio sobre seu carinho, seu amor verdadeiro pela garota por quem ele era louco. Leio suas palavras bonitas e suaves e, por um momento, quase consigo gostar do que um dia já fui, aos olhos de Jerome. Conheço seu ponto de vista e identifico com surpresa que pareço ter significado alguém muito mais do que especial em sua vida, alguém que o fez gostar de si mesmo por continuar de pé ao meu lado, lutando comigo e por mim.
Pouco a pouco ele me chama de "minha Ellie" e depois de "meu amor" e eu sinto como se passasse horas e horas mergulhada na escrita poética de Jerome. Nunca pensei que ele fosse tão bom com palavras e sentimentos. É quase como se eu conseguisse sentir as coisas da forma bonita que ele narra. Agora entendo Jameson quando me disse que sentia com profundidade o que seu irmão lhe contava.
Ao pegar outra carta, identifico a data com um sorriso.
— Eu me lembro desse dia. Eu estava tão louca da vida e enciumada por ter visto Jerome com outra mulher que resolvi que fazer ciúmes nele era o melhor plano para conseguir minha vingança estúpida. — Balanço a cabeça numa repreensão para mim mesma e começo a ler as linhas em voz alta: — "Querido irmão, pode uma pessoa ser tão possessiva, ciumenta e apaixonada? Porque eu acabei de me identificar com essa descrição. Eu sei que Ás de Copas sabe disso, sabe que sou malditamente louco por ela, mas gosto de fingir que não. Fingir que não a amo. Fingir que não tenho essa necessidade constante de mantê-la para mim, minha, perto demais, e beijá-la até arrancar todo o seu fôlego, fazê-la gritar ao possuí-la incontáveis vezes..."
Eu leio o resto e paro, meu coração ribombando em meu peito e meus dedos voltando a tremer como nunca. Jameson deve ter lido várias vezes as cartas de seu irmão a ponto de sabê-la de cor, pois recita exatamente o que eu hesitei ler:
— "Pode o ciúme de um homem levá-lo à morte? Se sim, então eu já sou um homem morto. Marcado pelas trevas e destinado a vagar no mundo das sombras, guiado por este louco amor que não me deixa viver em sossego." — Calmamente gira o rosto para me olhar. — Confesso que nunca entendi o que ele quis dizer com isso. Quanto mais eu tentava, menos compreendia a razão para a escolha de palavras.
Dobro o papel e o enfio no envelope sentindo o ar escapar de meus pulmões. Pressinto o grande momento chegando, mas quero evitá-lo com todas as minhas forças. Não, por favor. Agora não. Estamos indo tão bem, tivemos uma ótima manhã e não quero estragar todas essas coisas boas com a verdade feia sobre o que fiz. Mesmo assim, sei que preciso contar, pois sou campeã em saber que coisas mal resolvidas sempre voltam a atormentar em algum momento, como um espinho encravado na carne.
— Quando eu estava no carro com ele, no dia do acidente — continua, o rosto inexpressivo —, Jerome me contou coisas sobre vocês que escondia de mim. Acredito que foi pouco, em comparação a tudo o que viveram juntos. Muito pouco. — Seu tom de voz me causa arrepios que descem pelo meu corpo.
Guardo a carta na caixa, inclino-me contra o sofá e me abraço.
— Havia uma razão para ele estar naquele carro. Certo?
Inquieta, eu me levanto e ele faz o mesmo. Começo a andar pela sala como um animal enjaulado, sentindo seu olhar cravado em mim.
— Por que minha intuição me diz que tem a ver com isso? Com essa única pergunta? "Pode o ciúme de um homem levá-lo à morte?" Jerome morreu por causa da intensidade do que sentia por você? Olhe para mim!
Eu paro e o olho. Jameson está tão destruído. Falar sobre a morte do irmão não é bem um assunto fácil para nós dois, especialmente quando ele sabe que eu tenho algo a ver com isso.
— O que você disse a ele? — pergunta-me com a voz muito alta.
— Disse coisas terríveis — dou-lhe uma resposta baixa, murchando sob seu olhar acusatório.
— Que coisas? — rebate com raiva e dá alguns passos em minha direção, como uma pantera pronta para atacar.
— Contei mentiras. Duas mentiras que não devia ter inventado, porque, assim como eu, Jerome estava enfraquecido. Éramos duas pessoas que continuavam se machucando, mesmo nos amando e estando juntos. Chegou a um ponto em que não conseguíamos mais colar os cacos.
— Conte-me. — É sua ordem decidida e autoritária.
Fecho os olhos, exalando, e sacudo a cabeça sentindo meu peito doer.
— Você vai me odiar por isso.
Sou segurada pelos ombros com firmeza e, com os dedos em meu queixo, ele me obriga a olhá-lo. Seus olhos são duas esferas pretas endurecidas.
— Preciso saber. Conte-me tudo — ordena entre dentes.
E eu faço.
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