Capítulo 14

No meu carro. Incrível como o Sr. Controle e Perfeição decidiu arriscar uma aventura comigo dirigindo na estrada. Não que eu dirija mal, ao menos não que eu saiba. Tracy vive me falando que meus clientes devem ficar aliviadíssimos depois de um passeio de carro comigo, e que os pedestres de Atlanta deveriam ser alertados toda vez que eu usasse o carro. Mas ela é minha amiga. E amigos fazem esse tipo de brincadeira só para nos irritar, certo?

Arrisco uma olhadela para Jameson sentado no banco do passageiro. Ele é aquela pedra dura sem um pingo de emoção de novo. O silêncio entre nós é tão alto que está me dando nos nervos. Seu humor parece estar sempre na borda, deslizando pela lâmina fina do limite entre a introversão e a extroversão.

Resolvo ligar o rádio para descontrair e tento sintonizá-lo, os olhos fixos nas estações enquanto o carro corre na estrada.

— Ellie — ele chama, cauteloso.

Viro o rosto para fitá-lo e o volante acompanha o movimento. Encontro pavor nos olhos de Jameson.

— O que é?

— A não ser que queira que aconteça um desastre automobilístico, mantenha os olhos na estrada.

Bufo discretamente, e sintonizo na estação que quero. Volto a me reclinar contra o banco, atenta à direção. Satisfeita, começo a cantarolar com o rádio que está tocando Ordinary World. Uma clássica. Minha preferida.

— Minha nossa, essa é antiga. Anos 90, certo? — Ele não perde a oportunidade de implicar com meus gostos.

Com uma olhada no retrovisor, reparo que meu rosto está vermelho.

— Eu gosto, está bem? Além do mais, se você a conhece, também é antigo — disparo com irritação.

Ouço-o resmungar baixinho. Com um suspiro descontente, resolvo desligar o rádio. Ficamos em silêncio de novo, apenas o som do vento cortando em nossas janelas e o motor do carro rugindo alto a cada vez que piso mais no acelerador.

— Diminua — Jameson ordena, de repente, e olha para trás da estrada. Confusa, apenas olho-o sem entender. — Você acabou de ultrapassar um automóvel que estava dentro dos limites de velocidade permitidos.

Rio e o encaro.

— Não precisa ficar com medo. É meu dever saber o que estou fazendo. — Gostaria de sentir a mesma confiança que exibo. — Tem um mapa no porta-luvas. Abra-o para mim, sim?

— Está perdida — acusa.

— Não estou.

Estamos há horas na estrada, mas continuo achando que estar perdido é uma expressão muito relativa. Alguém querer morar tão longe da civilização é algo que não entra na minha cabeça. No entanto, o valor da casa é altíssimo. Se ele realmente comprá-la, isso já vale muito mais do que os gastos com a gasolina.

— Está óbvio que está perdida e não quer admitir! Onde está o GPS? — Ele se inclina para o painel do carro e torce o nariz quando não encontra o que procura.

— Não tenho.

Não tem? Em que século você vive?

Dou uma risada.

— No século da realidade. Estou atolada de dívidas até o pescoço porque finalmente consegui comprar minha casa. Em um ótimo bairro, diga-se de passagem. Sabia que o mercado imobiliário tem sido supervalorizado ultimamente? Me senti roubada quando fechei a compra, como se tivessem levado todos os meus órgãos.

— Fala a corretora de imóveis que quer me vender uma casa... — diz, irônico.

— Sou um ser humano, antes de mais nada. Tenho minhas necessidades e anseios e não tenho vergonha de mostrá-los. Diferente de você, não sou alérgica à emoção humana — jogo a indireta.

— Mas é tão orgulhosa que não sabe admitir quando está perdida. Não sei dizer se estamos saindo do estado ou se estamos entrando cada vez mais nele, já que aparentemente não sabe a diferença entre os pontos cardeais.

Fico inquieta ao passar por uma placa. Jameson me distraiu com toda a conversa e não consegui lê-la.

— Engraçadinho. Eu não estou perdida. — Mas estou suando frio. — Agora pegue o mapa, sim?

Encolhido no pequeno e apertado banco do passageiro, observo Jameson pegar o mapa que eu havia comprado para casos de emergência. Ele leva alguns longos minutos tentando desdobrar o mapa da forma certa. Ao olhar, traço algumas linhas na folha colorida que ocupa quase todo o interior do carro.

— Ellie, a estrada...

— Só um momento. — Concentrada, estudo as rotas e reconheço a área onde sei que foi construída a residência. — Aqui! Fica bem aqui a casa! — Aponto, entusiasmada.

Jameson encara o mapa, subitamente interessado.

— E onde estamos nesse mapa?

Engulo a saliva.

— Bem, nós estamos... estamos em algum ponto deste lugar. — Faço gestos vagos na folha colorida.

— Mas você está apontando para o estado inteiro da Geórgia! — reclama, impaciente. — Nós nem ao menos estamos mais em Atlanta, estamos?

— Claro que não! Já deixamos a cidade há muito tempo — informo, sabendo que é razoável ele não ter ideia de onde estamos porque viveu grande parte da vida na Inglaterra.

Furioso, Jameson amassa o mapa até transformá-lo em uma irregular bola de papel e o atira pela janela do veículo.

— O que você fez! — exclamo, horrorizada. — De todas as coisas estúpidas que poderia ter feito... — começo.

— Do que adianta um mapa se não sabe lê-lo? Vamos embora! — Sua ordem alta me assusta.

E de repente uma grande quantidade de fumaça saindo pelo capô sucede as palavras severas de Jameson. Sabendo como devo proceder, paro o carro no acostamento com cuidado e desligo o motor.

— Que porra aconteceu agora? — explode.

Ele desce comigo e dá a volta para esperar o momento propício para abrir o capô. Uma leve nuvem morna de fumaça branca dissipada nos envolve. Ele parece saber o que está fazendo quando, inclinado na frente do carro, checa uma coisa e outra com a perícia de um mecânico, até que estou ouvindo mais xingamentos.

Jameson xingando tanto em um dia é uma grande surpresa.

— É o radiador — explica e fecha o capô do carro com outro palavrão. — Quando foi a última vez que colocou água no reservatório?

Merda. Dou uma risadinha nervosa.

— Hã... ontem? — Não faço ideia. Minha memória não anda muito bem ultimamente.

Ele balança a cabeça em reprovação pela minha desatenção.

— Mulheres. Gostam de ter carros, de dirigir carros, mas não sabem dar o devido cuidado.

Cruzo os braços, ofendida com o comentário.

— Acha que eu queria estar presa aqui com você? — Meu tom sai ligeiramente alto. — Essa não é bem minha ideia de diversão. Na realidade, está mais para tédio! — Abro a bolsa no interior do carro para apanhar o celular. Franzo a testa ao ver a tela desligada. — Ah, ótimo. Meu telefone está descarregado — informo a Jameson e mergulho o aparelho dentro da bolsa.

Encaro-o, esperançosa.

— Deixei o meu no meu carro. — Ele encolhe os ombros.

— Melhor seria impossível! Estou presa nesse fim de mundo. Com você. Meu sonho de consumo!

— Você acabou de me chamar de homem tedioso?

— O que você acha? — Ergo o queixo, desafiante.

— Controle-se, moça. Está passando dos limites. — Seu tom é duro e cortante como uma navalha.

Não me dou por satisfeita.

— Eu? Me controlar? Não estou fazendo nada de mais. Mas você? O Rei dos X-Burgers precisa ser sempre desagradável, não é mesmo?

Jameson pisca, confuso.

— Rei do quê?

— Ah, desculpe. Esqueci que na Europa vocês comem coisas mais refinadas — debocho com um riso sem emoção.

Calado, ele apenas me observa com olhos aquilinos. Odeio quando ele faz isso. Jerome e Jameson são pessoas diferentes, é verdade, mas foram criados na mesma casa e herdaram costumes comportamentais parecidos.

Giro nos calcanhares, suficientemente irritada, e caminho até a beira da estrada. Sem mais delongas, levanto o polegar num gesto conhecido por qualquer viajante.

Jameson dá um berro, antes de correr até mim gritando:

— O que pensa que está fazendo?

— Pedindo carona. Não é óbvio?

Meu braço é forçado a ser baixado.

— Não vai pedir carona.

Insisto com o polegar mesmo assim. Mais uma vez ele toma meu pulso e me força a deixar o braço no lado do corpo como uma garotinha bem-comportada.

— Ninguém nunca ensinou você a não aceitar carona de estranhos? — Cruzo os braços e bufo, porque ele é um estranho, segui estrada com ele e estou bem até agora. Na medida do possível de bem, porque esse homem está me matando. — Esses motoristas de caminhões costumam ser maníacos e tarados sexuais, especialmente com mulheres novas e atraentes. — Registro o elogio com surpresa. — Ninguém nunca lhe disse isso?

Suspiro. Estou nervosa, admito, mas preciso me controlar ao invés de ficar procurando qualquer motivo para tensão. Jameson não tem culpa, o que significa que tudo recai em meus ombros, pois supostamente sou a corretora que conhece a área onde vende. Mas é o seu comportamento arrogante que me tira do sério.

Coloco as mãos nos quadris.

— E qual é a sua sugestão, turista?

Ele toma um momento preciso para pensar.

— A quantos quilômetros acha que estamos da casa que você queria me mostrar?

É uma surpresa que ele ainda confie no meu senso de direção depois de tudo. Reparo na estrada, nos carros que estão passando em alta velocidade e reconheço um caminhão de comida que costumava abastecer algumas casas naquela área. Se ele está indo naquela direção, então isso só pode significar que eu estava certa.

— Poucos — chuto e não gosto do que vejo em seu rosto. Sei o que quer fazer. — Mas podem se transformar em muito chão se formos a pé, e eu não estou a fim de gastar as solas dos meus melhores sapatos andando nesse asfalto irregular — apresso-me em falar.

Sem mais palavras, Jameson dá a volta no carro e começa a preparar a mochila executiva que trouxe consigo. Guarda o laptop no bolso interno, chaves do carro e outras coisas.

— Visitaremos a casa — declara, fechando o zíper. — Você tem as chaves, por isso podemos ficar sem problemas. Podemos até mesmo passar a noite lá e então procuramos alguém que possa nos emprestar um telefone. A questão é que já está anoitecendo e não é boa ideia ficarmos vulneráveis e expostos na estrada. Pode ser perigoso.

— Me recuso — digo, jogando a bolsa sobre o ombro. — É muito mais fácil pegar carona para casa. — Tranco o carro. — Não posso passar a noite fora, tenho uma filha para cuidar!

Dois olhos escuros parecem estar prestes a me comer viva.

— Mas eu ainda quero ver a casa.

— Podemos marcar outro dia. Primeiro preciso arrumar essa droga de carro. E Jackie...

Inesperadamente Jameson me pega pelo braço e começa a me fazer andar rápido junto com ele.

— Você sabe que ela vai ficar bem. Não é como se ela fosse ficar sozinha. Mary Ann é uma ótima avó. Não vou andar com estranhos nesse lugar ou perder a chance de fechar negócio de uma vez por todas. Só quero uma boa casa. É tudo o que preciso. Isso é pedir muito?

Depois de alguns minutos estamos no calor, assando em nosso próprio suor insuportável. Jameson está com os cabelos despenteados e revoltos, a camisa com uma poça de suor na frente e o rosto úmido coberto pela poeira da estrada. Não estou muito melhor do que ele, que continua carregando nos ombros sua mochila com o laptop, em silêncio, de cara fechada quando um ou outro caminhão buzina para nós. Eventualmente algum homem atrevido me chama de doçura ou querida, faz propostas e convites galanteadores e pergunta-me se quero carona, quando põe o veículo em marcha lenta para emparelhar conosco. Não deixo de perceber como isso só parece irritar Jameson ainda mais.

Emburrado, ele apenas ordena com uma carranca:

— Continue seguindo em frente.

Meus saltos clicam no asfalto continuamente, meus pés doendo tanto que seria capaz de dar qualquer coisa por uma massagem nesse momento. Há um barulho de algo quebrando quando piso em uma parte irregular da estrada que me faz perder o equilíbrio. Jameson me agarra pelo braço antes que eu caia.

Descalço o par e analiso os estragos.

— Maldito sapato! — exclamo, frustrada, ao perceber que quebrei o salto.

Com um movimento rápido, Jameson tira o calçado da minha mão e arranca o salto que havia ficado pendurado na sola. O que antes era salto alto virou alguma espécie de sapatilha.

— Pronto. Agora me dê o outro par.

Chocada com o tratamento desumano que deu ao que eu costumava chamar de meus melhores sapatos, recuso, antes de começar a mancar na frente dele:

— Nem pensar!

Jameson leva menos de um minuto para roubar o outro par do meu pé.

Calçada com as humildes sapatilhas improvisadas, estou chorando em luto pela brutalidade do que o assisti fazer com meus saltos. Eram os melhores que eu tinha. Podia ter trocado por algo menos chique no porta-malas, mas a pressa dele me impediu de fazer qualquer coisa que não fosse chegar à maldita casa.

Já está muito escuro quando, enfim, chegamos à maldita casa. Foi a caminhada mais longa que fiz na minha vida. Fazemos a pequena trilha até estarmos na porta da frente. Após capturar as chaves na bolsa, abro a porta e entramos, aliviados. Não é a nossa casa, mas é bom e reconfortante o sentimento de termos um teto sob nossas cabeças.

Mesmo estando morta por dentro e por fora, faço as honras, como de costume. Apresento todos os cômodos, digo todo o roteiro minuciosamente ensaiado. Mas sério, não estou fazendo nada para disfarçar minha infelicidade por ter sido forçada a caminhar zilhões de quilômetros para chegar até aqui. Cada gesto, cada palavra minha é mecânica. Meu olhar é a Morte. Minha fala é arrastada e meu humor é de um sarcasmo cansado.

— E este é o quarto. — Gesticulo para o interior do cômodo. — Aquela é a janela. E aquelas são as paredes. Oh, veja só, este é o piso. — Bato um pé no chão de propósito. — É o que não nos deixa desmoronar para o térreo.

Então, sem aguentar mais um minuto sequer, arrio no chão. Jameson faz o mesmo quando se senta na posição de lótus na minha frente, olhando em volta.

— Ela é linda, não é? Grande por fora, fria e vazia por dentro. Combina com você. — Estou tirando sarro dele e o homem ainda se mantém calmo. — A falta de calor humano dá um toque agradável. Tenho certeza de que não se arrependerá da compra.

Ele me encara daquele jeito intenso, até que finalmente abre a boca para falar:

— Você é tão boa com vendas quanto é com orientação espacial.

Eu deveria ficar brava, mas estou tão quebrada da caminhada que só consigo rir do aspecto destruído dele.

— Pode apostar que sim. — Jameson franze as sobrancelhas com diversão para mim ao me ver sorrindo. — A culpa não foi minha. Foi você que decidiu vir morar no subúrbio. Estou apenas facilitando o seu sonho de se tornar um exilado, ilhado, longe de tudo e de todos.

Ele olha mais uma vez ao redor.

— Ainda não decidi se vou morar aqui. De fato é uma casa bonita e moderna, mas fica muito longe da cidade.

Tanto trabalho, horas perdidas na estrada... para nada. Nem mesmo um sentimento de esperança. Suspiro e aceito sua mão quando me oferece. Ele ajuda a me colocar de pé sem muito esforço.

— Estou exausta — murmuro, a garganta seca. Não tenho forças para querer falar mais alto do que isso. — Tem água corrente aqui. Podemos bebê-la e tomar banho.

— Sim. E depois deveríamos ir dormir — sugere, seus olhos presos em um algum ponto de meu queixo.

— Será a primeira vez que durmo fora de casa depois que tive Jackie. Sinto-me tão estranha. Como se eu estivesse fazendo algo errado.

Jameson sorri. Enrijeço o corpo quando seu polegar toca a covinha de meu queixo.

— Entendo o sentimento. Mas mesmo uma adolescente precisa saber o que é a experiência de dormir uma noite fora de casa.

Rio, nervosa com seu gesto afetuoso, e sutilmente afasto seu dedo do meu queixo.

— Já faz muito tempo que deixei de ser uma adolescente, Jameson.

Eu me viro e começo a andar em direção ao banheiro de hóspedes no corredor. Antes de sair pela porta, sou capaz de ouvi-lo dizer baixinho:

— Sim, muito tempo.

Tomo uma ducha quente e me sinto muito incomodada por ter que vestir as mesmas roupas sujas. Mas quem, afinal, preveria que um desastre desses fosse acontecer? Desço as escadas e o encontro na sala vazia, sentado no chão, com o laptop aberto sobre suas pernas. Está concentrado no que quer que esteja fazendo, seus dedos digitando com rapidez no teclado. Seus cabelos estão molhados do banho e, assim como eu, está usando as únicas roupas que têm. Para meu alívio, não está sem a camisa social branca, mas a parte da frente não está abotoada e revela parte do peitoral definido que esteve escondido durante todo esse tempo.

Prendo a respiração. E tenho a impressão de que ele faz o mesmo quando me sento perto dele.

— O que está fazendo? — pergunto. Não sinto o seu perfume almiscarado, mas o cheiro natural exalando de seu corpo depois de um banho tem o mesmo efeito colateral sobre mim.

— Alguns orçamentos particulares. — Fecha o laptop antes que eu possa confirmar com uma olhadela o que me disse.

— Para quê?

— Minha estada aqui.

Rio e me deito no chão, imaginando que é na minha cama que estou repousada.

— Pessoas como você precisam fazer orçamento para esse tipo de coisa? Achei que ricos esnobes gastassem o quanto quisessem.

Suas sobrancelhas negras se contraem, antes de colocar o laptop ao seu lado.

— Não sou esnobe.

Sorrio e fecho os olhos, tomada pela sonolência noturna. Não ouço nada além da minha respiração. O chão duro está me matando, mas está tudo tão calmo e silencioso que estou quase cedendo ao sono. Então, de repente ouço a respiração dele predominando sobre a minha. Está estranhamente pesada, como se estivesse prestes a ter outros de seus ataques que teve em minha casa, após ter conhecido Jackie. Curta, rápida, entrecortada.

Minha testa se enruga.

De olhos fechados, sinto um estranho formigamento sobre o tecido de minha blusa, na parte da frente. Uma eletricidade gerada com a impressão de que há algo pairando sobre mim. Deixei apenas os três primeiros botões abertos, de forma que a gola da camisa está aberta em V, mostrando parte do meu colo. Pontas de dedos passeiam sobre minha pele exposta. Levemente, com a função única de explorar. Estou tão entregue ao sono que não sei se é fruto de um sonho em estado de descanso ou se se trata de uma situação real e a sinto porque ainda estou desperta.

O barulho de um movimento brusco me arranca da névoa do sono.

— Devo ir.

Abro os olhos, atordoada. Jameson já está enfiando o laptop na mochila para ficar de pé e colocar as alças sobre os ombros.

— Aonde vai?

— Dormir em outro lugar. Não posso ficar aqui.

— Vai me deixar sozinha nessa mansão mal-assombrada? — Coloco-me de pé com afobação.

Ele sorri sardonicamente.

— Ficará mais segura comigo longe de você, acredite.

Algo range no andar de cima. Olhamos para o alto.

— Nem pensar que vou ficar sozinha aqui. Foi você que insistiu que continuássemos com o plano de vir para cá. Foi você que me convenceu a passarmos a noite nesta casa e resolvermos os problemas amanhã cedo. Portanto, será você que vai me fazer companhia pelo resto da noite. Não quero ser atacada por fantasmas ou múmias escondidas nas paredes desta casa.

E ainda havia os sonhos com Jerome que estavam me assombrando. Literalmente.

— Seja razoável, Ellie. Nós dois sabemos que o melhor é dormirmos em lugares separados. Longes um do outro — enfatiza.

Nossa, ele me odeia tanto que não consegue nem mesmo respirar o mesmo ar que eu por muito tempo.

— Vai dormir em outro lugar — repito, insatisfeita com o que ele disse. — Sério? E onde exatamente fica esse lugar de que está falando?

Jameson chegara há poucos dias. Não conhece quase nada sobre Atlanta, que dirá sobre o resto das cidades do estado. O hotel mais próximo pode ficar a infinitos quilômetros de distância. Ele precisaria ser um incansável maratonista de primeira para conseguir percorrer todo o trajeto. Impossível, ainda mais nessa escuridão.

— Deve ter alguma pousada ou algo do tipo por aqui. — Está regulando as alças da mochila sobre os ombros. Guiado pela necessidade de ficar longe de mim a qualquer custo, não percebe as besteiras que está dizendo ou a situação perigosa na qual está se colocando.

Mas tudo bem. Sou adulta, tenho uma filha de 5 anos. Sei exatamente como lidar com uma situação dessas. Ser mãe é uma labuta que proporciona certas habilidades de persuasão que perduram pelo resto da vida.

— Como quiser — tento o método da psicologia reversa. — Já é tarde da noite — anuncio e ele me olha com atenção. — Se eu fosse você, começaria a ir em busca da tal pousada o mais rápido possível antes que os animais o ataquem.

Jameson congela na minha frente antes de dar qualquer passo.

— Animais? Que animais?

Ele é tão ingênuo que acredita em tudo o que digo. Turista.

— Você não sabia? Já houve registro de ataques pelas redondezas. Sabe como é, cidades têm zoológicos, zoológicos tem espécies, que por sua vez se soltam de vez em quando... Um desastre total! — Balanço a cabeça para reforçar minha atuação. — Mas tenho certeza de que vai sobreviver, Jameson. Afinal, você é o turista mais bem preparado que já conheci na vida. — O homem não tem um carro, uma casa e nem mesmo conhece nada na cidade. Mas, sabe-se lá como, tem certeza de que quer se mudar para cá. Meus olhos caem sobre seu bolso da calça jeans. — E você esqueceu sua carteira no carro, só para constar. — Automaticamente Jameson bate a palma da mão no bolso vazio da calça. — Mas se é isso mesmo o que quer, aconselho você a levar um guarda-chuva, um forte repelente de insetos e tente não se perder ou os animais vão comer você.

Em seguida, viro as costas para ele e vou me deitar, colocando a bolsa para amparar minha cabeça como se fosse um travesseiro. Fecho os olhos, imóvel no chão como uma pedra. Mas ainda não estou dormindo quando escuto um suspiro alto e frustrado e uma movimentação a alguns metros de mim. Abro os olhos em uma fenda para encontrá-lo se deitando no lado oposto da sala, a luz lunar entrando pelas janelas e banhando nossos corpos em uma penumbra prateada.

Sorrio. Imprevistos acontecem o tempo todo. Entre poeira, sujeira e barulhos noturnos assustadores... Que final poético para o que deveria ter sido um dia normal e pacato na vida organizada de Jameson Carver.

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