Capítulo 12
Tiro o dia para fazer uma faxina. Começo com a sala, cozinha, área de serviço, banheiro e depois os quartos de Jackie e mamãe. Estou no meio de uma arrumação no meu quarto, colocando tudo em uma ordem aceitável depois que fiz uma promessa de tentar ser mais organizada, quando Tracy me liga no fim de semana para agendar um dia no spa para mim, aos cuidados especiais de sua depiladora Denise.
— Certo, o evento beneficente será no próximo fim de semana. O que acha de passar com minha depiladora na quinta-feira? Assim você faz tudo na quinta e tira a sexta inteira para se recuperar.
Algo soa como um alarme na minha cabeça. Engulo a saliva. Me recuperar? Me recuperar do quê? Olho para baixo, para o short que estou usando sobre minha inocente calcinha de algodão. E o que ela quis dizer com "fazer tudo"? Tenho até medo de perguntar.
— Jackie tem dentista na quinta — lembro e começo a empurrar uma caixa com pilhas de livros para o outro lado do quarto. Olho para um canto vazio e concluo que uma pequena estante ali não iria nada mal. Algo sofisticado, compacto e moderno, talvez. Especialmente barato.
Ouço o suspiro de Tracy na linha.
— Sexta? — sugere, um fio de esperança em sua voz.
— Mamãe tem clube de leitura na sexta. Prometi levá-la.
— Sábado, então?
Penso por um instante.
— Ok, sábado está bom para mim.
— Mas sábado...! — Consigo senti-la pressionando as têmporas com os dedos, como se estivesse com dor de cabeça. — Ellie, será a sua primeira vez e nenhuma de nós sabe como será com você. Vai ficar toda assada no dia do evento. É isso o que quer?
Estou limpando a televisão com um pano meio úmido, com o telefone espremido entre a lateral do rosto e o ombro, quando escuto a campainha tocar. Como fiquei responsável pela faxina e mamãe levou Jackie para fazerem compras no mercado, só estou eu em casa.
Grito do andar de cima:
— Estou indo!
— Ellie! Estou falando com você! — Tracy chama minha atenção com seu tom de bronca. — Não se atreva a me colocar em espera como fez na última vez.
Sorrio em contrição.
— Você ainda não me perdoou por isso, não é? — Devolvo a televisão à sua posição original no móvel. — Escute, vai ficar tudo bem. Verei sua depiladora no sábado e depois me arrumarei para o evento. Não tem o que dar errado! Não precisa ficar se preocupando comigo, Tracy.
— Não é com você que estou preocupada, é com a sua preciosa — retruca com bom humor.
Caio na gargalhada ao telefone.
— Eu e minha preciosa vamos ficar ótimas. Você mesma disse que Denise é muito profissional e nunca a deixou na mão. — Alguém toca a campainha de novo quando não é atendido. Duas vezes. — Tenho que ir agora. Alguém não sabe esperar por alguns minutos na porta... — resmungo, os resquícios do sorriso ainda em meu rosto. — Até mais.
— Ok. Mas lembre-se: não faça nada. Esse é o período ideal para aproveitar e deixar crescer tudo!
Giro os olhos, mas farei o que ela pede. Tracy tem mais experiência nessas coisas do que eu.
— Certo.
Desligo a chamada e começo a caminhar com pressa pelo quarto assim que ouço o toque triplo da campainha.
— Eu disse que estou indo! — grito, afobada, e acabo tropeçando numa das caixas espalhadas no chão.
Meus gritos só parecem ter dado um bom motivo para quem quer seja continuar tocando a campainha insistentemente. Espero que não seja nenhum garoto da vizinhança querendo me pregar uma peça. Não seria a primeira vez que isso acontece.
Eu me levanto tão rápido quanto caí, até que estou atravessando o corredor e descendo os degraus da escada. Estou empoeirada, suada, minhas roupas puídas e velhas que uso para fazer a faxina, e um rabo de cavalo desarrumado. Poderia ser até mesmo confundida com a versão Cinderela-Antes-do-Príncipe nesse momento. Mas estou tão atarantada com meus afazeres inacabados que abro a porta com tudo, meus olhos bem abertos e os lábios separados para tomar o fôlego que perdi.
Paraliso, entre impressionada e confusa. Sou envolvida por uma nuvem de aroma incrivelmente cheirosa.
— Jameson Carver? — Minha voz sai como um grasnado.
Ele está imóvel, a postura rija como a de um mordomo disciplinado, sem nenhum sorriso no rosto. Pensando bem, quantas vezes o vi sorrir desde que nos conhecemos? É uma surpresa que o Sr. Perfeição esteja usando uma calça jeans de aspecto surrado e uma camisa preta de manga comprida com uma camiseta branca por baixo. Não é a primeira vez que o vejo usando jeans. Mesmo assim, não deixo de perceber que ele fica muito bem de jeans.
Ficamos nos encarando por algum tempo em silêncio e o flagro dando uma olhada no meu visual que sei que não é nada atrativo, mas estou contente que minha mente o tenha reconhecido de imediato como Jameson, e não como Jerome. Rostos idênticos, mas não jeitos idênticos.
Ele limpa a garganta e quebra o silêncio ao falar:
— Acho que começamos com o pé esquerdo. Vim pedir desculpas pelas grosserias e afrontas trocadas desde o momento em que nos encontramos.
Estou sem palavras, piscando como uma tola. Jameson Carver está me pedindo desculpas? Ah, caramba, ele parece estar falando sério. E só agora consigo notar a pequena tensão que se estabelece em sua fisionomia porque continuo calada.
— Eu... posso entrar? — pergunta, ainda me olhando fixamente, com as sobrancelhas erguidas de um jeito meio tímido e inseguro que o faz parecer muito, muito sexy.
Eu quase desmaio. Que olhar fatal é esse? E por que diabos estou registrando detalhes assim agora? Estou chocada com meus pensamentos. Não sou do tipo que fica desmaiando por causa de homem. Muito menos por causa dele. E menos ainda do tipo que seja conquistada com facilidade. Aposto que garante muitas mulheres em sua cama apenas com esse olhar sedutor. Jameson deve ter metade das moças solteiras correndo para sua cama, e a outra metade — a mais esperta —, correndo para longe dela. Ou talvez nenhuma mulher seja imune ao seu charme irresistível, porque nem mesmo eu estou me reconhecendo agora.
Endireito o corpo, mas ainda não saio da frente da entrada.
— Como achou meu endereço?
Ele não titubeia.
— Estava na lista telefônica.
Penso por algum tempo, tentando decidir se é uma boa ideia deixá-lo entrar. É um choque que sua mera presença me deixe desnorteada e ainda tem esse perfume que eu distinguiria o cheiro de longe. Por que ele tinha que usar o mesmo perfume almiscarado de Jerome? É quase como se meus hormônios estivessem pulando de alegria ao reconhecerem o familiar aroma.
Assustador.
Com um passo, afasto-me para o lado e abro mais a porta para ele entrar. Sinto novamente o perfume gostoso quando Jameson cruza a entrada e passa por mim, com passos silenciosos e seguros. Estou ocupada demais, com um turbilhão de pensamentos me atacando, para perceber que abri a boca no momento de sua passagem, para sorver aquele odor por todos os sentidos.
Uma vez dentro, ele se volta para mim como se soubesse que está sendo encarado. Fecho a boca. Não, eu não fiz isso. Sinto o rosto pegar fogo. Por que não dá logo uma lambida nele, Ellie? Assim você pode degustá-lo também com o paladar, satirizo comigo mesma sobre o que aconteceu. Ele não pode ter visto... ou viu? Mas algo no modo como ele está olhando um pouco envergonhado para mim me deixa entre o abismo da vergonha e a culpa.
Ergo o queixo, fingindo que nada aconteceu.
— O que foi?
Jameson desvia o olhar do meu, nervoso, para depois olhar apenas de relance para mim, ou melhor, para meus seios. Tenho dois olhos pretos cravados na minha blusa. Ah, espertinho. Passa a mão pelos cabelos negros, abaixa a cabeça e levanta os olhos para mim, parecendo meio sem jeito.
— Hã, v-você está... — vacila. Não posso acreditar que acabei de ouvir Jameson Carver gaguejar. Mais ainda que eu fui a causadora disso. — Você está... como posso dizer? Bastante à vontade? — Lança outro olhar cheio de significados para meus seios e depois para mim.
Olho para baixo e identifico o verdadeiro problema da situação. Ah, meu Deus! Sem sutiã, em algum momento meus mamilos ficaram duros e agora são dois pequenos pontos apertados sob minha antiga blusa de ginástica. Estão apontando sem piedade para Jameson, como se estivessem vibrando de felicidade por vê-lo. Meus hormônios precisam se acalmar.
— Lamento muito. — Cubro os seios com os braços, muito corada. — Não estava esperando por visitas e... bem, só há mulheres vivendo nesta casa. — Sorrio sem graça. — Vou me trocar. Por favor, sente-se. — Estou correndo para a escada. — Já volto!
Alguns minutos depois já estou de banho tomado e usando roupas adequadas. Suja e coberta de poeira, decidi que era o melhor a fazer se eu quisesse manter o pouco de dignidade que ainda me restava.
Encontro Jameson sentado no sofá da sala, sorrindo para si mesmo, com o semblante leve. Seu sorriso descontraído é uma novidade para mim. Quase como se eu estivesse descobrindo o que ele guarda longe das pessoas, porque no momento em que ouve meus passos, o sorriso se fecha para dar lugar à expressão carregada de seriedade.
Quando vê que sou eu, levanta-se em um gesto de respeito e eu só consigo me lembrar de antigos costumes em que o homem se levantava de seu lugar para saldar qualquer dama que entrasse no mesmo ambiente que ele. Seu gesto é encantador, ao contrário daquele rosto intimidador.
— Então — ouso iniciar a estranha conversa entre nós —, o que realmente o trouxe até aqui?
— Eu disse a você, foi meu desejo de me desculpar por ter sido rude.
— Consciência pesada, imagino — jogo a indireta.
Meu comentário o deixa calado. Sento-me no sofá pequeno e ele faz o mesmo ao se sentar à minha frente, sem deixar meus olhos por um momento sequer, quase como se estivesse me convidando a continuar a falar porque quer ouvir minha voz.
— Alguém já lhe disse que é uma mulher muito atrevida? — É sua provocação. Uma irresistível e tentadora provocação.
Rio e o som sai involuntariamente profundo e sensual. O tipo de risada que eu não tinha dado com um homem em um longo tempo. Seus olhos se transformam em um céu escuro como se coberto por nuvens negras de chuva, ou por uma tempestade querendo chegar.
— E o que esperava de mim, Sr. Carver? — chamo-o como ele requisitou que eu me dirigisse a ele. — Obediência e incrível insegurança feminina? — Ele arqueia a sobrancelha para mim. — Desculpe desapontá-lo, mas acho que não leu direito as cartas de Jerome. Talvez tenha deixado passar alguma linha que falava sobre mim nesse aspecto?
— Meu irmão dava um toque especial à escrita quando falava sobre você. Eu quase podia jurar que você era alguém com bom senso.
De novo, eu rio, e sai mais profundo do que tinha a intenção. Não sei o que está acontecendo com meu corpo. Simplesmente não quer obedecer aos meus comandos.
— Acabei de ser chamada de anormal. — Balanço as sobrancelhas, nem um pouco afetada, porque sei que ele realmente não teve intenções de ser maldoso. — Vindo logo de você, chega a ser risível.
Jameson se mexe sobre o sofá, adotando uma postura mais firme, incríveis olhos de aço sobre mim. Eu achava que não dava para ser encarada de forma mais intimidadora. Estava enganada.
Sinto minhas mãos suarem sobre minhas coxas.
— Está insinuando que eu sou o desequilibrado aqui? — Ele está sorrindo, um meio sorriso diabolicamente sexy.
Sinto como se meu coração estancasse por alguns segundos, como se eu tivesse entrado em parada cardíaca. De repente não sou mais capaz de saber o que devo fazer para agir corretamente na frente deste homem, sem denunciar o efeito que seus olhos escuros têm sobre mim.
Torço os dedos das mãos, nervosamente. Meu gesto não passa despercebido a Jameson. Isso é perigoso. Ele é perigoso demais. O fato de que beijei por engano o irmão do homem com quem já fui casada me deixa bastante confusa, além de muito assustada, para não falar na mágoa que estou sentindo.
Quebro nosso contato visual. Fecho os olhos brevemente e depois pergunto:
— Por que me beijou?
Ele faz algo pelo qual não esperava: passa a mão pelos cabelos, despenteando-os, parecendo frustrado, zangado. Qual é o problema?
— Foi você que me beijou — responde e sua voz não é nada gentil.
— Certo, mas por que deixou que eu o continuasse beijando? — insisto. Preciso montar uma explicação razoável em minha cabeça sobre o que aconteceu entre nós.
— Eu estava cansado, tinha acabado de chegar aqui e você me confundiu com toda aquela conversa de que sentiu minha falta.
— Era de Jerome! — exclamo, consternada. Mas ele me ignora.
— Não faça isso de novo. Esse fuso horário está mexendo com a minha cabeça. — Novamente, ele se move sobre o sofá, dessa vez inquieto. Você ter um rosto igual ao de Jerome é o que está mexendo com a minha cabeça. — Peço para que seja paciente, porque vai levar algum tempo até eu me acostumar com tudo. — Tem um jeito tão educado de falar e aquele leve sotaque britânico que me faz sentir transportada ao século passado.
Ele olha para cima e não tira seus olhos escuros e taciturnos de mim. Com a cabeça inclinada, seus olhos descem para meus lábios separados e queimam com desejo. Desejo? Pisco, sobressaltada com o curso de meus pensamentos. Estou imaginando coisas. Jameson não tem nenhuma razão para sentir desejo por mim. Além disso, deixou claro desde o início que me odeia. Isso é um fato.
Mamãe e Jackie chegam em casa nesse momento, carregando sacolas nas mãos. É tão bom vê-las ali, porque toda a tensão vai embora. Faço uma breve apresentação de Jameson para mamãe, que quase cai para trás, o rosto branco, assim que olha para ele.
— Mamãe, ele não é Jerome — trato de explicar, correndo para ajudá-la a se manter de pé. — É Jameson, irmão gêmeo dele. Por isso são tão parecidos.
— Jesus Cristo — mamãe exclama, cobrindo a boca com a mão.
Provavelmente acostumado a lidar com enganos desse tipo, Jameson endereça um sorriso educado à mamãe, em seguida oferece ajuda para carregar as compras, ao que mamãe abana a mão negando. Jackie também fica impressionada por algum tempo, mas não diz nada. Está toda excitada quando me chama para a cozinha para mostrar o que comprou com a vovó. Logo mais a deixo com mamãe, que começa a preparar o jantar na cozinha. Pergunto se não precisa de ajuda, mas ela me expulsa dizendo para eu ir socializar. Podia jurar que parecia que eu estava ouvindo Tracy naquele momento.
De volta à sala, sento na poltrona, ao lado do sofá em que Jameson está. Peço desculpas pela demora, e, antes que o clima comece a ficar estranho de novo, Jackie vem para meu resgate. Ela se senta na frente de Jameson, sorrindo, com as covinhas das bochechas à mostra.
— Quem é ela? — ele me pergunta, desconfiado.
Sorrio.
— Oh, esta é Jackie. — Chamo-a para mim e a coloco sentada sobre meu colo, não sem antes lhe dar um beijo divertido na bochecha. — Minha filha — completo.
— Filha? — Ele parece incrédulo que alguém como eu tenha uma filha.
— Ei, querida, diga oi para o tio Jameson.
— Oi, tio Jameson.
— Oi. — É tudo o que ele diz, ainda com aquela desconfiança estampada no rosto enquanto encara minha filha.
Jackie o observa com curiosidade infantil.
— Você é realmente muito parecido com meu papai quando era mais jovem.
— Está com fome? — pergunto à Jackie. Já está quase anoitecendo e ela come mais cedo do que qualquer uma aqui em casa.
— Estou, mamãe.
Um cheiro delicioso vem da cozinha e sei que é mamãe que está finalizando o nosso jantar. Eu a tiro das minhas pernas e peço para que ela vá até a vovó. Como se estivéssemos sintonizadas, mamãe chama Jackie para comer nesse exato instante.
— Quantos anos ela tem? — Algo na voz trêmula de Jameson me leva a olhá-lo. O homem está muito pálido e suando.
— 5 anos — respondo. — Em breve completará 6.
— De Jerome?
Rio com vontade.
— De quem mais poderia ser?
Meu sorriso morre quando me dou conta de que Jameson parece estar realmente passando mal. Seu fôlego foi de uma respiração calma para uma hiperventilação em segundos.
— Você está bem? Ficou mais pálido do que neve. — Ele não me olha, depois me olha. Então depois não quer mais me olhar. E volta para me olhar, horrorizado, respirando curta e pesadamente, piorando a cada minuto que passa. — Ah, meu Deus, você é asmático? É isso? — Não sei bem o que fazer, então ofereço: — Quer que eu pegue um copo de água para você?
Seus olhos estão arregalados para a frente, gotas de suor pontilhando sua testa como pedrinhas brilhantes.
— Preciso... preciso de um pouco de ar. — Então se levanta de súbito.
Antes que eu me dê conta do que está acontecendo, ele já está batendo a porta atrás de si. Mamãe e Jackie ouviram o barulho, pois vieram até mim para saber o que aconteceu. Tento acalmá-las, explicar que Jameson só está com algum desconforto que não quer me contar. Mas antes que eu possa terminar de falar, ele aparece na janela da sala, na parte da frente de casa, perto de seu carro estacionado. Está de costas e começa a xingar em voz alta, em uma mistura de frustração, ira, raiva... de si mesmo?
Estamos eu, mamãe e Jackie assistindo, pasmas, um Jameson refinado e polido puto da vida.
Tapo os ouvidos de Jackie quando volto à realidade.
— Não deveria estar escutando isso, mocinha.
— Qual é o problema com ele, mamãe?
— Não sei, querida. Seu tio Jameson é meio esquisito.
Meus olhos acompanham o espetáculo através da janela. Jameson está gritando furiosamente para os céus, reclamando, xingando, chutando as ervas daninhas do meu gramado, depois tenta arrancar tufos de seu próprio cabelo com as mãos. Cogito a hipótese de uma abelha, uma vespa, qualquer coisa tê-lo atacado, mas não, o homem parece estar lutando contra forças invisíveis e sobrenaturais.
Ele está cada vez mais perto da janela, marchando para lá e para cá, como se estivesse tentando se acalmar com esse trajeto contínuo, quando cerra os punhos com força e os ergue, virando-se para nós e nos encontra. Tomamos um susto na janela. O homem parece um demônio de tão furioso que está.
Jameson imediatamente baixa os punhos. E ele está tão, mas tão desarrumado que quase não o reconheço. Dá a volta até abrir a porta da entrada principal e mamãe corre para a cozinha, deixando-me desamparada com Jackie e esse maluco.
Instintivamente coloco minha filha atrás de mim quando nossos olhares se encontram.
Como se nada de mais tivesse acontecido, Jameson senta-se no sofá com um sorriso educado, os cabelos um furacão de tão bagunçados que estão, cruza as pernas e apoia as mãos sobre a coxa com elegância quando diz:
— Então — seus olhos vão dos meus para Jackie escondida atrás de meu corpo, e depois de volta para mim —, onde estávamos?
Ah, meu Deus, permita que ele não seja um transtornado ou coisa do tipo. Ainda impressionada com sua mudança brusca de humor e a explosão emocional de segundos atrás, seguro a mão de Jackie, já arrastando-a comigo para a escada.
— Ok, querida, está na hora de se preparar para ir dormir.
— Tudo bem, mamãe.
— O jantar estava bom?
— Delicioso.
Dou orientações básicas a ela para tomar banho, colocar o pijama e escovar os dentes. Uma vez no andar de baixo, percebo que ele parece mais calmo e melhor, mas ainda está com um ar estranho, olhando fixamente para onde Jackie esteve sentada comigo momentos atrás.
Resolvo ficar por mais tempo observando-o, analisar mais a fundo o que aconteceu. O que há de errado com a minha filha? Ah, espera... já sei. Balanço a cabeça, sem poder acreditar. Quem diria que Jameson Carver tem uma fobia tão grande como essa?
Entro na sala, exibindo meu sorriso vitorioso. O Sr. Perfeição não é tão perfeito assim e acabou de ter sua fraqueza descoberta por mim.
— Não adianta mais esconder o jogo. Sei qual é o seu segredo.
Jameson enrijece, o corpo tenso ao se levantar para sustentar meu olhar. Percebo que em algum momento fez o seu melhor para arrumar os cabelos que estão menos despenteados.
— Sabe? — Quase não ouço seu sussurro.
Coloco as mãos na cintura.
— Eu entendo, você não gosta de crianças. Era só ter dito antes.
De repente ele não está mais nervoso. Apenas sorri para mim, sereno e calmo, um gradativo retorno ao estado emocional equilibrado.
— Ah, qual é, maternidade não é tão ruim assim — digo, tentando quebrar o gelo com a piada, e cruzo os braços.
— Desculpe. — Ele parece realmente envergonhado. — Sei que não foi educado ficar encarando Jackie, mas é que Jerome nunca contou que tinha tido uma filha com você. Foi um choque descobrir isso.
Assinto com a cabeça, minha mente voltando às memórias.
— Na época, ele não sabia que eu estava grávida. Planejava contar no mesmo dia em que descobri. Mas nós discutimos, ele saiu de casa e então houve o acidente de carro. Ele morreu antes mesmo de saber que ia ser pai. — Não consigo mensurar o quanto minhas próprias palavras me deixam entristecida.
Ao olhar para Jameson, percebo que ele está tão abalado quanto eu. Jerome era muito jovem, com uma vida inteira pela frente, e morreu antes de saber que ia ter uma filha. Jamais chegou a conhecê-la. Nunca mais terá a chance de vê-la, ao menos não neste mundo. É uma fatalidade que solapa meu corpo com uma dor sem tamanho.
— Por que não avisou a alguém sobre ela? Minha família poderia ter lhe dado apoio e tudo o que precisasse. Qualquer coisa.
— Não quis ser mais um incômodo. A família Carver já me odeia o suficiente por achar que desviei Jerome do caminho quando ele me conheceu. Sejamos realmente honestos aqui: ninguém se importa.
— Eu me importo.
Levanto o olhar para ele.
— Achei que me odiasse.
Enfia as mãos nos bolsos das calças jeans, agitado, mas não nega minhas palavras.
— Está precisando de alguma coisa? Dinheiro? Suprimentos ou algo do tipo? Uma casa nova, talvez?
Rio, sem ânimo.
— Olhe ao seu redor, já tenho uma casa. De dois andares — digo, como se fosse grande coisa.
Os olhos de Jameson encontram os meus e ele balança a cabeça em reprovação.
— Parecem duas caixinhas de fósforo, uma em cima da outra.
O sangue sobe pelo meu rosto com seu comentário zombeteiro.
— Ainda assim é uma casa — rebato.
— Uma pequena, apertada e simples casa.
— E estou feliz com isso. Obrigada por perguntar.
Jackie aparece no topo da escada de pijama me pedindo um copo com água. Assim que estou na cozinha, não encontro mamãe em lugar algum. As panelas foram deixadas no fogo aceso. Para onde diabos ela foi? Está tão escuro quando olho através da janela, uma prova de que a hora passou sem que eu percebesse. Arquejo de susto quando encontro mamãe atrás de mim, mexendo nas panelas sobre o fogão.
— Seu amigo não quer ficar para o jantar?
Reviro os olhos, abrindo a geladeira para encher um copo com água.
— Ele não é meu amigo. É apenas Jameson, irmão de Jerome. Você deve ter percebido como não nos damos bem e ele deixou claro que me odeia. Então, não, acho que não é uma boa ideia convidar o inimigo para jantar conosco. Seria como um tiro na minha própria bunda.
Caminho até a sala e entrego o copo para Jackie.
— Quanto a você, Sr. Carver, não precisa gastar sua preciosa preocupação conosco. Sou perfeitamente capaz de sustentar a nós três. Temos tudo de que precisamos. — Acaricio os cabelos de Jackie, sorrindo para ela. — Certo, filha?
— Sim, mamãe. — Ela se vira para ele, com o copo meio vazio em mãos. — Nós já somos felizes, tio Jameson. Amo minha mamãe e o que ela me dá.
Com essa ela me deixa encantada e satisfeita que pense assim. Odiaria saber que tenho sido uma mãe descuidada e negligente.
— Vou colocá-la na cama. Logo estarei de volta — aviso a Jameson.
O dia ainda não acabou para mim. Nem ao menos terminei de arrumar meu quarto, que está uma bagunça desde que desci para atender Jameson à porta. Subo para cima com Jackie e damos risadas quando ela me conta em tom conspiratório de suas impressões sobre o louco do tio Jameson. Mas no geral, gostou de conhecê-lo e fico feliz que ela tenha entrado em contato com pelo menos um membro da família paterna. É saudável e a família Banks nunca foi grande, não temos realmente muitos parentes por perto.
Sorrio para ela enfiada nas cobertas e dou um beijo em sua testa.
— Boa noite, lindinha.
Adoro fazer isso. Amo dizer isso. Porque não tem dinheiro que pague o sorrisinho doce e a vozinha amável que vem a seguir:
— Boa noite, mamãe.
Já perto da porta, apago as luzes, e olho uma última vez para o corpinho descansando em paz na cama. Fecho a porta com um suspiro, meio derretida e meio cansada.
Mais uma vez, ao lembrar que temos um convidado, desço os dois lances de escada, um pouco tonta porque ainda não comi, e perco o equilíbrio nos últimos degraus. Teria me estatelado no chão se não fosse Jameson me amparar em seus braços firmes e fortes.
— Ele não deixou um testamento, deixou? — pergunta-me do nada, ainda segurando meu corpo com facilidade. — Não, claro que não... aquele filho da puta egoísta não deixou nada. — Coça a mandíbula, o cenho franzido. Com isso, um de seus braços me libera e consigo me endireitar, mas o outro ainda me prende pela cintura. Jameson continua a conversar consigo mesmo: — Impensável. E inesperado, certamente. Uma severa mudança no curso das coisas.
Seu braço em torno de mim começa a me queimar, emite faíscas calorosas que respingam em minha pele contra a fina camiseta de algodão que estou usando. O contato com sua pele é abrasador e me deixa trêmula da cabeça aos pés. O que está acontecendo comigo? É errado isso acontecer logo com ele, meu suposto cunhado!
— Sr. Carver — balbucio, amedrontada com a quantidade de desejo se acumulando em meu centro. Seus dedos escovam minha cintura e me apertam para ele enquanto está mergulhado demais em seus devaneios para perceber o que faz. Meus seios esfregam contra seu peito musculoso e os mamilos endurecem impiedosamente. Prendo a respiração. — Sr. Carver — chamo em um tom mais firme.
Jameson desperta de seus pensamentos e me solta quase que de imediato quando percebe que está comigo em seus braços. Tomo uma respiração longa e profunda, em seguida, ajeito as roupas amarrotadas por causa de seu abraço.
Seus olhos piscam para os meus, piscinas escuras e sombrias com curiosidade e energia inteligente, perscrutadores e perspicazes. Respiro fundo. Estou morrendo de fome, mas não posso ser mal-educada.
— Gostaria de ficar para o jantar, Sr. Carver?
— Não, já estou de saída. Mas obrigado pelo convite. — Ele certamente não perde meu suspiro de alívio. — Pode me chamar de Jameson.
Assinto e o acompanho até a porta. Uau, que giro de 180 graus em um dia atípico. O que o teria feito mudar de ideia? Tratá-lo pelo primeiro nome seria o mesmo que tratá-lo com alguma... intimidade, porque, afinal, desde que conheci pessoalmente Jameson, somos oficialmente conhecidos. Apenas tenho medo de pensar a que grau de intimidade isso pode chegar.
Coloco a mão sobre a maçaneta.
— Sem aliança? — Aponta com o queixo em direção à minha mão esquerda abrindo a porta.
— Sem. Não uso mais o nome de casada. — O fato de eu não usar mais o nome Carver parece magoá-lo. — Senti que não merecia, então resolvi fazer um favor à Sra. Carver, já que ela deixou claro sua repugnância por ter um membro indesejado na família.
Ninguém tem argumentos contra isso. Nem mesmo ele.
Jameson atinge a soleira da porta e gira nos calcanhares para me observar com atenção, os braços cruzados na frente do peito mostrando dois bíceps muito bem cuidados.
— Sugiro que façamos uma trégua — ele propõe, altivo. — Ainda quero que seja minha corretora, Ellie.
Meu nome saindo de seus lábios tem um efeito devastador sobre meu corpo. Não posso acreditar que ele esteja falando sério. Eu? Corretora dele? Prevejo grandes desastres a caminho. Somos duas pessoas com personalidades extremamente diferentes. Ele faz o tipo ordeiro e eu, a indisciplinada. Ele é o protótipo do homem correto e eu, a desbocada. Jameson é a personificação da limpeza e perfeição e eu, a desordeira que deixa aquele inconveniente restinho de sujeira acumular debaixo da cama. Preciso mesmo continuar?
— Acho que não é uma boa ideia, Jameson. — Sorrio, incerta. — Tem certas coisas que simplesmente não dá para lutar contra e...
— Eu sou uma delas? — termina por mim. Sinto o rubor quente em meu rosto. — A garota sobre quem eu lia naquelas cartas... nunca pensei que ela fosse de desistir tão fácil.
Nem eu. O que estou fazendo? Vou mesmo perder um cliente por causa de uma insegurança ridícula? Pelo amor de Deus, já fui viciada em drogas e dei a volta por cima disso. E estou aqui, muito bem focada na minha vida. Lidar com um Carver não é nada em comparação ao que vivi quando mais nova. Antes de mais nada, também preciso do dinheiro. Mais do que nunca. E Jameson parece estar bem disposto a gastar uma grande quantia com imóveis por aqui.
Fechos as pálpebras e exalo um forte suspiro.
— Está bem. Mas só porque se eu não te aceitar, Macy fará questão de adotá-lo como seu novo projeto. Eu não gosto dela e você estaria ferrado.
Ele ergue uma sobrancelha divertida.
— Vingança misturada com uma boa ação, hein? Qual é o seu problema com essa tal de Macy?
Seguro-o pelos ombros para virá-lo para a rua. Com um leve empurrão, faço-o caminhar em direção ao seu carro esporte estacionado. Lembro-me do que ele me disse e concluo que o automóvel deve ser alugado, já que acabou de chegar na cidade como turista com t maiúsculo.
— Não é realmente da sua conta — resmungo, mas ele me arranca uma risada boba quando se volta bruscamente e me faz cambalear como uma criança por perder o equilíbrio.
Sou segurada pelos ombros, suas mãos fechadas em mim num toque morno e firme tomam conta do meu corpo sem muito esforço. Meu sorriso some e as faíscas aparecem novamente, são como brasa marcando minha pele, as pontas de seus polegares brincando comigo, acariciando-me até onde podem. Depois traçam minha clavícula exposta pela camiseta, lentamente, seus olhos acompanhando o efeito que seu toque exerce em uma mulher. Certamente não a primeira.
O ciúme surge inexplicavelmente, beliscando meu autocontrole tenso, e me deixa chocada, porque ciúme vem com um sentimento de posse e eu não posso, em hipótese alguma, achar que este homem me pertence. Nem um pouco.
— Tenho seu número. Ligarei para você.
— H-hã — gaguejo como uma idiota.
Ele ri.
Pigarreio.
— Problema na garganta — tento contornar meu embaraço. Mas quero que ele me ligue. Droga. — Isso é um tchau? — Sem saber como me despedir adequadamente, estendo a mão para um aperto de mãos.
Ele abre um sorriso lindo para mim, mas não aperta minha mão. Ao invés disso, inclina o corpo para frente e dá um beijo macio e morno na minha bochecha, seus lábios demorando sobre minha pele mais do que eu poderia aguentar, mais do que eu poderia sonhar, mais do que poderia pedir para sentir. Não há nada de primitivo ou animalesco, apenas a doçura e a inocência em receber um beijo na bochecha de um homem de 28 anos.
Certo, talvez não seja tão inocente assim.
Meu coração dispara, enlouquecido, quando a ponta da língua de Jameson toca minha pele, sutilmente. Não deveria ser nada de mais, mas é muito, muito excitante, delicioso e provocativo. Deixa-me com a boca seca, em ponto de ebulição. Alguém deveria prendê-lo por ficar provocando mulheres de forma tão deliberada.
Estou muito tensa quando ele recua o rosto para olhar o meu. Meu Deus, Ellie, foi só um beijinho na bochecha. E uma lambida. A parte onde sua língua me tocou está queimando, fervendo, um formigamento elétrico ardendo em minha pele. Refreio a vontade de esfregar o local na frente dele.
— Tchau — ele sussurra, sorrindo, mostrando os dentes brancos e as covinhas nas bochechas que não imaginava que tivesse, mas que o deixam tão fofo. Sorrir o deixa com a aparência menos circunspecta e mais jovial. Não o vejo sorrir muito, por isso seu sorriso tem um impacto devastador sobre meu estado psicológico já tão danificado por sua presença.
Observo-o dar a volta no veículo, abrir a porta e entrar. Liga o motor, e com uma manobra calculada, segue caminho entre as ruas para ir embora.
Eu estou tão ferrada.
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