Rosinha
Depois que comecei a trabalhar na companhia de rodeio, virei um peão aprumado e chovia ainda mais mulher na minha horta, não sabia que um chapéu, fivela e botina deixava a gente tão charmoso. O problema é que eu não conseguia me interessar por nenhuma e estava ficando preocupado. Será que perdi minha macheza?
Eu vivia numa correria danada, trabalhava de sol a sol, montava a estrutura da arena, cuidava dos animais e auxiliava no brete durante as festas de rodeio. Era cansativo que só, mas gostava daquela vida, pra quê criar raízes se eu podia viajar o Brasil inteiro, festar e ainda receber pra isso? Pois é, uma vida que eu ainda teria se não tivesse topado com ela...
Era mês de junho, um frio de congelar os ovos quando chegamos na Muriçoca grande, uma cidade pequena a uns quinhentos quilômetros de onde o vento faz a curva. Era quarta-feira já na boca da noite, depois de tudo montado, me juntei aos camaradas para tratar dos animais quando o patrão se aproximou avisando que precisava de um de nós para auxiliar uma moça que treinava para a prova do tambor.
O homem chegou em uma caminhonete do ano que só o pneu era mais caro do que meu fusca, e a moça que veio junto era mais feia do que bater no irmão por causa de mistura. Pensa numa menina estranha, as perna era uns cambito parecia uma seriema, dente pra fora, cabelo preto tão ralo que aparecia as pontas das orelhas de abano, você não sabia se estava indo ou voltando de tão magra, e esse negócio de que só é feio quem não tem dinheiro, nunca que servia pra ela porque a moça era rica, mas continuava feia que dói.
— O Tonico ajuda a moça, patrão — disse um corno que com certeza não ia com a minha cara.
— Tudo bem pra você, Tonico? — Perguntou o patrão.
Analisando o desafio, eu olhei para aquela criatura feia que sorria pra mim de um jeito diferente e confesso que fiquei com medo, mas era só pra ajudar a moça, ela nem tinha culpa de nascer virada do lado avesso, então, aceitei de bom grado.
— Eu ajudo a moça patrão.
Os companheiros me olharam tentando segurar o riso, mas deixe estar, o que era deles estava guardado.
— Pode preparar a princesa, então — disse o homem se afastando. — Mas cuide bem dela porque Rosinha tem um xodó com essa égua que só vendo, um deslize e é capaz de comer seu fígado.
"A última que queria comer alguma coisa minha, era linda e virou um lobisomem, essa daí já parece o chupa cabra, vai virar o quê?", Pensei revoltado, mas no fundo nem era com ela e sim com os cabras que riam da minha cara sem sequer disfarçar.
Eu era jovem, cria do mato, não tinha muita esperteza e nem maturidade, então ser babá de mulher feia feriu meu orgulho porque ficaram me zoando e com certeza isso aconteceria por muito tempo ainda. Cheguei na baia da princesa que era mais linda do que sua dona, uma égua preta quarto de milha que tinha a crina mais macia do que meu cabelo, e olha que sempre fui vaidoso. Arriei o animal já pensando nas horas que ficaria sozinho com Rosinha que me olhou como um cachorro olha aqueles frango assado girando na frente da casa de carnes em dia de domingo.
— Bora pra arena, princesa — falei levando o animal.
— Boa sorte, Tonico — os companheiros riram trepados no brete quando passei por eles.
— Vai ter volta — eu ri pra não chorar.
A moça chegou logo em seguida e veio requebrando toda desengonçada. Olhando de perto era muito feia, mas agora olhando de longe parecia que estava de perto, muito perto, e pra piorar, a situação, falava mais fino do que eu quando levei uma bolada nos bagos.
— Você é muito atencioso, Tonico.
"Porque será que ela fala rindo e roncando feito um porco?", Pensei olhando pros companheiros que riam mais do que ela, bando de arrombado.
Naquela altura, eu já estava até com pena da pobre e com raiva dos companheiros pela maneira que riam da moça. Queria ver se fosse irmã dele se iam gostar.
— A princesa gostou de você, Tonico.
— A moça tem um belo animal — tentei disfarçar meu nervosismo.
— Sim, foi presente de aniversário do meu pai — ela respondeu com aquele sorriso estranho.
— Tem certeza de que vai conseguir correr com ela, é que a moça é tão magrinha, se cair, pode se machucar.
— Ah, eu não ando de cavalo, já caí uma vez — ela respondeu me deixando confuso.
— Ué, mas então, porque me fez arrear o animal, dona Rosinha?
— Eu não sou a Rosinha, sou a Rosalinda, sua irmã gêmea.
"Misericórdia feiura em dose dupla", pensei arrepiado.
— Rosinha! — Ela acenou para o outro lado.
Quando vi a cara de bobo dos companheiros, olhei pra aquela banda e quase caí de costas, pisquei várias vezes para ter certeza de que estava vendo direito. Ela veio se aproximando em câmera lenta e não tinha nada a ver com a irmã. A moça era morena, cabelo preto como a noite, liso e bem comprido, cintura fina que parecia que ia quebrar, mas o resto era grande e cheio de curva, cheguei a ficar com cara de bocó. Mas o que gostei mesmo, foi de ver a cara de desespero dos meus companheiros porque eu sim ia dar assistência a moça até o último dia da festa.
— Bonita demais, deve ter chulé no umbigo não é possível — falei quando aquela peoa chegou perto de mim.
— Então, você é Tonico?
— Ela apertou minha mão, nunca mais eu lavo — falei atrapalhado.
— Não entendi.
— Estou a sua disposição moça, pode usar e abusar da minha pessoa.
— Vai ficar a minha disposição também? — Perguntou a irmã e meu sorriso morreu na hora.
— Eu treino até de madrugada, vai conseguir me dar assistência? — A cavalona ressuscitou meu sorriso. Êta mulher bonita pra mais de metro!
— Até amanhã se a moça estiver animada.
— Gostei de você, Tonico.
Eu nunca fui baixinho, media um e oitenta e três desde que me conheço por gente, e a moça era quase do meu tamanho, coisa linda demais parecia uma miragem. Os companheiros ficaram inconformados e eu parecia um besta rindo à toa, só de olhar pra tanta belezura, até a irmã feia ficava bonita perto dela.
— Eu vou treinar, você só marca o tempo para mim, por favor — disse ela montando no animal.
— Uma princesa montada na outra — falei com cara de tonto quando ela galopava naquela arena.
A hora passou voando, a irmã foi embora e ficamos ali mais um tempo, e quando dei por mim, já passava da uma da manhã. Um frio de tremer o queixo, a moça toda encolhida peguei uma manta que comprei no Paraguai para a cheirosa se enrolar... se pudesse esquentava eu mesmo, mas nunca que uma mulher daquela daria bola pra um cabra feio que nem eu. Ela me agradeceu e seguiu seu rumo enquanto eu levava a princesa pra sua baia numa escuridão que só vendo.
— É Tonico, um frio lascado desse e você sem um cobertor de orelha — falei ajeitando a manta em cima da princesa.
A égua ficou agitada de repente, e um barulho estranho soou atrás de nós...
— Quem está aí? — Perguntei já arrepiado.
— Por que demorou tanto?
A égua deu um pulo e eu pulei junto, Rosalinda que de linda só tinha o nome, estava enrolada em uma manta com um farolete clareando seu lindo rosto. Se até o animal se assustou, imagine eu que já sou frouxo por natureza?
— A Rosinha já foi — falei com o coração acelerado e não era de emoção.
— Eu sei, estava te esperando.
— Esperando eu pra quê, moça, tá frio vai dormir.
— É bom que você me esquenta.
Dessa vez eu juro que não fiz nada, um frio lascado só queria me enrolar nas cobertas e dormir, mas lá estava a moça animada me olhando como um bife suculento. Credo em cruz que coisa ruim, eu hein!
— Foge não, Tonico, eu sei que você me quer, seus amigos me contaram! — A doida veio em minha direção. A égua deu um pulo e eu corri pro outro lado. — Fiquei sabendo que é o maior garanhão dos rodeios.
— Pois então ficou sabendo errado, to pegando nem resfriado ultimamente.
— Não parecia tímido quando me encarou hoje a tarde, deve ser o frio, venha cá que te esquento — correu pra cima de mim e eu fugi por baixo da égua.
— Carece não, eu tenho coberta, e não posso perder o emprego.
— Poxa, ninguém me quer só porque sou feia.
— Eu também sou, dona Rosalinda, fica triste não, tá cheio de gente feia no mundo.
— Nossa, Tonico, agora era hora de você me elogiar! — Disse ofendida. — Que insensível, fica aí com sua grosseria, eu vou embora. E nem pense em correr atrás de mim!
— Oxe, que mulher doida, o que eu fiz dessa vez? — Perguntei para a égua que também me deu as costas.
Mulher é bicho estranho mesmo, nem vi para onde ela foi e também não fui atrás, vai que sobra alguma confusão para minha cabeça. Tomei meu banho apressado e me enrolei na única coberta que sobrou na barraca porque a manta foi com a cavalona pra casa. Mulher bonita pra mais de metro, uma dessa não tenta me agarrar, se bem que, sei lá, eu não estava tendo muita sorte com as mulheres ultimamente, então, melhor ficar no meu canto, era só um fim de semana na cidade. Pra quê procurar chifre em cabeça de cavalo?
Não sei de onde saiu tanta gente naquela cidade minúscula, a arena estava lotada e a movimentação atrás do brete era intensa. Eu estava na correria quando escutei alguém chamar meu nome e quase tenho um treco quando dou de cara com um peão que mais parecia um guarda-roupa embutido me olhando feio ao lado da Rosalinda, que apesar de arrumada pra festa, de linda ainda só tinha o nome.
— A manta é dele — a doida apontou para mim.
— Então você é o cabra que está cantando minha noiva?
— A manta é minha, mas cantei noiva de ninguém não, moço — fui logo me explicando.
— Cantou sim Tonhão, eu vi tudo!
— Tonhão meu amor, bate no moço não, ele não fez nada!
A cavalona me defendeu, mas o demolidor já estava com sangue no zóio.
— Eu vou quebrar esse folgado Rosinha!
— Corre Tonico, que enquanto você correr sua mãe tem filho!
Ela não precisou falar duas vezes, corri desesperado com o homem atrás de mim. Dessa vez não tirei uma única casquinha, só levei a fama, mas o jagunço ciumento não quis nem ouvir a única alternativa foi correr pra dentro da arena.
— Ai mamãe, eu juro que dessa vez não buli com a moça!
— Cuidado doido! — Gritou um salva vidas, e foi aí que vi o touro bravo vindo pro meu lado.
— Aaaaaaaa! — Eu corri pra escapar do touro, mas dei de cara com Tonhão que me fez dar meia volta.
O povo gritava olé achando que fazia parte da festa, eu corria desesperado gritando minha mãe, era um touro bravo querendo me chifrar do lado de dentro e outro do lado de fora pensando que foi chifrado. Eu não sei em que momento virei celebridade, o povo batia palma e gritava a cada chifrada que eu levava no traseiro voando no ar. Agarrei o touro pelo chifre e fui jogado de um lado pro outro, não sabia qual era o mais bravo, mas o outro poderia estar armado.
Dona Rosinha conseguiu acalmar o noivo e eu fugi sem olhar pra trás, juntei minhas tralhas e caí na estrada, nem o pagamento voltei pra receber. Pode falar o que quiser de mim, mas ali eu fui guerreiro, saí com o furico ardendo, andando com as pernas abertas, mas não arreguei, fui firme no meu propósito de me manter vivo até o fim.
Chega de passar perrengue, chega de coisas assombradas, agora vou cair na estrada, quero conhecer cada canto desse Brasil que tem muita história pra contar, lendas e mistérios coisa linda de se vê, e para começar com chave de ouro... partiu terra do ET.
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