Capítulo 53 - A Capital
A brisa fresca do norte era um alívio sem igual. Ficar preso por longos dias, enquanto atravessava milhares de quilômetros de cavernas e ruínas subterrâneas era um castigo para pessoas livres. Você deveria se perguntar o que seria uma prisão para alguém que sempre teve liberdade para ir para onde quiser. O céu azul tinha apenas como "obstáculos" as grandes nuvens fofas e brancas que flutuavam como algodão preguiçosamente.
O grupo materializou-se na boca de uma caverna virada para o norte. A montanha era bem alta, cercada por paredões rochosos dos dois lados e com uma sedimentação sólida e plana, a visão de um fiorde. O grande mar gelado do norte, O mar das Brumas, soprava ventos gelados do hemisfério norte. O topo das montanhas eram salpicados de neve branca que brilhavam naquela altura, refletindo os raios solares. Eles estavam acima das nuvens, onde era possível visualizar apenas o picos mais altos, cortando a nuvens ao meio.
Gerlon reconheceu algumas montanhas ao redor, apesar de ter se passado bastante tempo desde de que acampou pela última vez naquela região, quando era mais novo. Os ventos fortes balançavam fortemente suas vestes.
-Piz Palü? -Disse Gerlon.
-O que? Pizza Bauducco? -Perguntou Sirius, confuso.
-O que? Não, -retrucou Gerlon - Piz Palü. É o nome dessa montanha.
-Estamos perdidos? -Perguntou Spike.
-Não, estamos nos portões da Capital Imperial. A reta final para Arghar. A cidade fica logo após essa cordilheira.
-Não temos tempo para andar tudo isso! -rebateu Zafira - já perdemos muito passando vários dias lá embaixo!
-E quem disse que iremos a pé? -Replicou o pirata - há um posto imperial na sombra de Piz Palü. Eu conheço o oficial que trabalha lá. E ele me deve um favor.
-Ele é confiável? -Perguntou Sirius.
-Não se preocupem. -Gerlon deu um sorriso malicioso.
Apesar da confiança, o pirata não sabia responder se ele continuava confiável após tantos anos.
Na lateral, havia um caminho de terra batida estreito, mas suficiente para eles passarem por ele em fila. Com cuidado, foram um atrás do outro, cautelosamente. Primeiro foi Gerlon, seguido por Flora. Sirius segurava a mão de Mikka com cuidado. Por fim, Zafira e Spike. Os ventos fortes carregavam algumas correntes elétricas que eles sentiam em seus focinhos e em seus pelos.
O Piz Palü é uma montanha da Cordilheira de Bernina, nos Alpes Ocidentais Gondwaniano. É o ponto mais extremo leste de Gondwana. Tem três mil, novecentos e cinco metros de altitude. Fazendo com que o mar de nuvens fofinho e branco desvie da montanha e seja repartido em dois.
Piz Palü
A cordilheira Bernina é uma cordilheira nos Alpes Laurasianos. Faz parte dos Alpes Ocidentais e é uma das mais altas dos Alpes, coberta por numerosos glaciares. O Piz Bernina (que mede quatro mil, novecentos e cinquenta metros de altura) é o seu pico mais alto, e um dos mais ocidentais grandes montes dos Alpes. O mais escalado na cordilheira é, no entanto, o Piz Palü. Usado diversamente por turistas, viajantes ou usados como pontos estratégicos de guerra, como o próprio Imperial Thieldiano fizera.
A cordilheira montanhosa age como uma barreira natural contra os (possíveis) invasores que possa vir de Pangeia ou (com as devidas paranóias corretas, de Pannotia).
As cordilheira montanhosa perfeitas para habitar os majestosos e poderosos pássaros do trovão. Enormes aves com pelagem dourada brilhante como ouro quente, emanavam faíscas entre suas penas. Elas podem sentir o perigo, e até criar tempestades enquanto voam. Ele também consegue controlar o clima, gerando nuvens e tempestades conforme voa, com relâmpagos deflagrados de suas asas.
Gerlon desceu cautelosamente, guiando os outros. Enquanto descia, o pirata se perdeu em seus pensamentos. Como ele desconhecia aquela caverna oculta no Piz Palü? Obviamente que ele não era obrigado (e nem conhecia) toda aquelas montanhas e cordilheira por completa. Mas o fato que mais lhe incomodou foi justamente nunca ter ouvido falar ou não ver um posto imperial nas proximidades. Se as coisas ainda fossem as mesmas, havia um na sombra da montanha. Uma vez ou outra ele encarava o caminho que viera.
Ele analisou os picos das montanhas e conseguiu identificar boa parte deles. Conseguiu entender o ponto em que surgira: a caverna ficava atrás de um grande rochedo inacessível da rota normal de quem subia a montanha. O caminho surgia e ocultava entre os rochedos, e algumas vezes era tampado com neve, das quais Flora derretia com cuidado, usando magias de fogo controladas para não causar uma avalanche.
Após duas horas de descidas cautelosas, eles chegaram a uma estação imperial. Uma casa ao pé da montanha. Tinha a cor acinzentada e grandes janelas de vidro. Eles ficaram escondidos em meio as árvores de um bosque que cercava a montanha por alguns minutos. De imediato eles cogitaram entrar lá dentro, por deduzirem que estava abandonada, mas foi com uma rápida percepção de Mikka que avistou um único e solitário guarda fazendo a ronda no que seria a ala principal da guarnição.
O soldado retirou seu elmo e se revelou um homem de pele negra, com um cavanhaque grisalho e uma cicatriz que atravessava todo o lado esquerdo do seu rosto, parando pouco abaixo do seu queixo. Seu olho esquerdo estava fechado, mas o direito estava aberto.
Gerlon saiu das árvores.
-É ele. Este é o nosso homem.
-Espera! - protestou Zafira - como podemos saber se ele é confiável?
-Não tem como saber.
-Mas você disse que conhecia ele!
-Sim, eu conheço, mas não significa que ele vá nos ajudar. Só podemos descobrir indo lá.
-E se ele não ajudar?
-Nós o mataremos. -Gerlon deu um sorriso fraco.
A medida que caminhavam entre a neve, o velho homem notou que eles o haviam avistado. Ele se pôs de pé e caminhou até a sacada, enfrentando o frio arrepiante. Sua velha armadura imperial era velha e ultrapassada, mas ainda lhe servia bem.
O velho guarda era grande e forte. Seus braços poderosos eram tão grandes quanto varas de aço. Sua careca brilhava em contraste com toda aquela neve, seu cavanhaque grisalho e cicatriz no rosto, eram agora meros lembretes do que um dia este homem já enfrentou. Sua aparência cansada lhe envelhecia e ocultava sua real idade. Alguns diria cinquenta ou sessenta, mas não passava de um quarentão solitário.
-Ora, ora, se não é o pequeno gato - respondeu o homem - achei que estivesse morto.
-Eu achei que você estivesse morto. -devolveu o pirata.
O homem riu.
-Cheguei perto algumas vezes. O que faz por aqui? Veio roubar a coroa?
-Não, vim para algo melhor. Eu vim para-lo. Encerrar suas pesquisas de uma vez por todas.
As feições do homem se tornaram sérias. Ele encarou Gerlon por alguns segundos e riu.
-É sério, o que veio roubar? O mundo se tornou pequeno demais para você?
Gerlon permaneceu imóvel. O homem riu mais um pouco e viu que nenhum deles o acompanhou. Após encarar Gerlon, ele percebeu que ele falava sério.
-Meu Deus, entrem.
O velho homem desceu da sacada para o térreo, enquanto Gerlon e os demais entravam pela porta simples de madeira, porém bonita.
O homem e o Gerlon se abraçaram como velhos amigos, e eles eram mesmo.
-Gente, este foi um dos meus professores na academia Imperial Thieldiana. Barone, este são meus leais piratas.
Barone apertou a mão de Spike e Gerlon, e beijou a mão de Zafira, Mikka e Flora.
-Espera, academia o que? -Perguntou Sirius, confuso novamente.
-Você não contou para eles? -Perguntou Barone. -Andando pra cima e para baixo com uma princesa rebelde.
-Contei, mas acho que ele não ouviu, devia estar se coçando com as infestações de pulgas na hora.
-Espera, você não disse nada sobre academia! -As feições de Sirius e Mikka eram reais, assustados e incrédulos ao mesmo tempo.
-Isso explica os conhecimentos que você tem! Estudou sobre geologia também? -Perguntou Mikka.
-Geologia? Gerlon sempre esteve acima disso, isso é ciência básica para ele - disse Barone - esse garoto sempre teve domínio em diversas áreas científicas. Biologia, geologia, mineralogia, física avançada, quântica também? Nuclear, paleontologia entre outras áreas. Adorava quando você explicava aquelas equações avançadas de Astrofísica Termonuclear. Ele sempre foi muito acima dos demais. Um verdadeiro gênio.
Gerlon se afastou e caminhou em direção a lareira. O calor da brasa era reconfortante, e lhe trouxe novamente a mobilidade de seus dedos.
Barone os convidou para a sala de estar, e todos se sentaram num grande sofá de veludo de cor vinho, próximos a lareira. Barone trouxe cobertores e bebidas quentes para todos.
-Então quer dizer que o rapaz não sabe? Continua guardando segredos, "Gerlon"?
Gerlon bufou. Ele estava hipnotizado encarando as brasas.
Barone continuou.
-Se você não sabe, seu capitão é Thieldiano e...
-Eu não sou Thieldiano -interrompeu Gerlon.
Barone deu de ombros.
-Gerlon se tornou Thieldiano ainda quando era pequeno. Veio do campo para a capital ainda muito novo. Quantos anos você tinha mesmo?
-Não interessa.
-Bem, não interessa. Ele era pequeno demais para se lembrar. E você tem razão, este velho aqui não tem mais utilidade para você. Acho que foi exatamente o que você me disse naquela noite.
-Na verdade, você tem sim, apesar de acabado, você ainda pode ser útil mais uma vez.
Barone se virou para o pirata.
-Essa estação ainda está ativa ou foi abandonada?
-Ela passou da diretoria do império para jurisdição dos Laboratórios Hinkon.
-Então se tornou um posto de pesquisa.
-Sim. O Doutor Eustass insistiu que aqui seria um bom lugar para estudar. Principalmente o que ele chama de partículas fantasmas.
Gerlon ignorou a informação. Ele sabe do que se trata a pesquisa cosmológica do Laboratório Hinkon.
O pirata se lembrou que no subsolo daquela casa, dentro da montanha, havia trilhos de trem que se conectavam com a Capital.
-As linhas de ferro ainda funcionam?
-Sim, mas somente na primavera e no verão. Mas eu estou para enviar de volta alguns equipamentos ainda essa tarde, você pode pegar o trem para entrar na Capital. Só não garanto que vão deixar vocês entrarem.
-Porque não?
-Houve algumas mudanças desde de que você foi embora. Os postos avançados agora redobraram a segurança, eles controlam quem entra e quem sai da cidade. Há um ano, houve uma tentativa frustrada dos condes dos burgueses em fazer uma rebelião contra o Imperador. Se não fosse por Selena, Leore teria decapitado todos da alta burguesia.
-O que deu início ao motim?
-O imperador. Ele foi diagnosticado com uma doença rara, o Doutor Eustass o examinou e deu o diagnóstico alguns dias depois. Depois disso, o próprio Lord Garant abriu um plebiscito sobre a sucessão do trono. Vendo que seus esforços de guerra não estavam conseguindo o apoio, boatos começaram a surgir de que Leore estava incitando seus apoiadores a se rebelarem.
O pirata encarava friamente a lareira com olhos distantes. Era qual possível ver as engrenagens rodando na sua cabeça.
-Os soldados ainda guardam as armaduras por aqui?
-Todas elas, novas, velhas e quebradas. Não me diga que...
-Sim.
-Isso é loucura. Como você, um desertor do Império, pretende adentrar na Capital com uma princesa que deveria estar morta, e uma pequena célula de rebeldes?
-Pretendo me esconder no Le Lablanc. O meu quarto ainda está ativo?
-Eu acho que ela ainda está lá. Não tenho mais contato com o Perkham e o Broc.
Gerlon bufou.
-Então só me resta o Julius.
-Você ainda tem contato com aquele patife? -Disse Barone.
-Não, mas é sempre bom ter alguns contatos que facilitem nossa entrada.
-É capaz dele vender vocês para o Império por alguns Dracmas ou Por algumas fatias de pão.
-Não temos escolha. Se nos postos de segurança tivermos que nos identificarmos, seremos pegos de qualquer jeito.
Barone coçou o cavanhaque cuidadosamente.
-Você quem sabe. O que for fazer, faça logo, você só tem uma chance. Você sabe.
-Uma chance... -Repetiu Gerlon.
-Uma chance... - Repetiu Zafira.
★★★
O trem andava a todo vapor. A velocidade inicialmente tira seu fôlego. É claro, Sirius nunca esteve em um trem, ele apenas vislumbrava essas máquinas no horizonte da capital, já nas terras do Grande Deserto, ao sul de Capital Império. Quase sempre era para transportar carvão e outros minerais. Mas esse não é um trem normal de carvão. É um dos modelos de alta velocidade da Capital Thieldiana que chega a uma média de quinhentos quilômetros por hora. Sua jornada para a Capital levará menos que um dia, atravessando a cordilheira e por dentro das montanhas.
Na escola, na matéria de História Evaniana, eles dizem que a Capital Arghar foi construída num lugar que se chama Montanhas Rochosas. Mesmo há centenas de anos, eles exploravam carvão e outros minérios, como ouro e diamante. E é por isso que seus mineradores tem que escavar mais fundo das montanhas. Já foi relatado inúmeros confrontos com o povo dos anãos e com Mymercianos.
Sirius reparou que, de alguma maneira, tudo se volta ao Império na escola. Além de leitura e matemática básica, a maioria das suas instruções são relacionadas a cultura de outros povos, de outros Impérios. Nunca de sua verdadeira casa. O que há de tão oculto na história de Henry para não ser lecionada? Exceto pelas aulas semanais de história de Henry, mas nada nunca tão aprofundado. Na maior parte, é um monte de tolices sobre o que devemos a Aliança de Nibelungos e a confraternização e união entre os reinos de Pangeia, em devoção ao majestoso Império Elnidiano. Sirius sente que deve haver mais coisas do que eles dizem, uma explicação real sobre o que aconteceu durante a Aliança. Mas ele já não passa muito tempo pensando nisso. Qualquer que seja a verdade, ele não
sabe como ela pode ajudar a colocar comida na mesa. Ele tinha uma irmã para com quem cuidar. E de nada adiantaria, se os órfãos de guerra não tivesse o que comer.
O trem dos imperiais é ainda mais chique do que a sala no Prédio da Justiça de Capital Império. Sala na qual Sirius frequentou bastante quando começou a roubar comida para sobreviver. Barone deu a cada um suas próprias acomodações, que tem um quarto, um camarim e um banheiro privado com água quente e fria corrente. Ele explicou que aqueles vagões foram desenvolvidos pelo setor de tecnologia do Laboratório Hinkon, para locomover com segurança e rapidez, membros da família real imperial que decidissem passar férias em seus chalés nas montanhas. Ao contrário de Sirius e Mikka, que não tinham água quente em casa, a não ser que a fervesse.
Nos quartos há gavetas cheias de roupas finas, e Barone me diz para fazer o que eles quiserem, usar o que quiser, tudo está a disposição. A cozinha era toda automatizada, sem necessidade de ter cozinheiros. É só estar pronto para o jantar em uma hora.
Mikka retirou sua roupa e tomou um banho quente. Ela nunca tomado
banho de chuveiro antes. Era como estar com um milhão de anjos tocando sua pele e a amaciando, onde os pingos de água suaves percorriam por seu corpo, só que mais quente. Ela veste uma armadura imperial, menos o seu elmo e põe sua roupa para lavar.
No último minuto, se lembra do pequeno corte em seu dedo. O trato que ela recém fizera com Algol. Pela primeira vez, ela dá uma boa olhada nele. e também no punhal. É como se alguém tivesse escrito runas antigas em dourado e então anexado um encantamento. O fio do punhal mais uma vez lhe chamava. E de repente, ela se deu conta de que sabia quem ou o que era Algol.
Tudo o que ela sabia, era como se fossem visões e frases escritas em sua mente com brasa e ferro, ela se pegou imaginando que seria uma estrela malformada nascida em um vazio distante e incapaz de voar, composta de detritos estelares multicoloridos. De alguma forma inexplicável, ela sabe Algol atacou uma Cidade Eterna, destruindo-a e tirando seu céu.
Uma cidade eterna? Mas o que era essa cidade eterna?
Uma imagem de Algol surgiu em sua mente, era como se ela soubesse agora sua verdadeira forma, sem estar oculto por aquela neblina. Um vislumbre como um flash de luz, ele tem um corpo vagamente insetoide, composto de orbes multicoloridas que formam uma cauda semelhante à de um escorpião, com asas translúcidas e seis membros que terminam em mãos humanas, com as duas da frente possuindo seis dígitos cada. Ele tem um crânio humanoide com mandíbulas grandes, e um grande olho azul pode ser visto através de uma rachadura na frente do crânio.
Aquilo era quase uma visão infernal para uma mente tão pura e básica como a de Mikka. Ela temia aquilo, mas até o momento, ele não havia se manifestado. Não deu sinal de possessão ou de magia negra. Ela seria capaz de conter? Ela seria forte como Zafira ao conter a ira dos dois Nefilins ou ela cederia a loucura e a malícia como na primeira invocação de Arles? Pensamentos como estes pairavam sobre sua mente como densas nuvens de tempestade.
Alguém bate três vezes na porta da cabine, era Sirius indo lhe buscar para o jantar. Eles seguem por um corredor estreito e chacoalhante até a sala de jantar com refinadas paredes almofadadas. Há uma mesa onde todos os pratos são altamente quebráveis. Spike, Zafira e Flora estão sentados esperando por eles, a cadeira próxima a princesa está vazia.
-Onde está Gerlon? -Perguntou Zafira.
-Numa outra cabine, disse que precisava ficar a sós por um momento -respondeu Sirius.
-Foi um dia cansativo -disse Spike.
Flora analisou as feições de Zafira e Spike, e de alguma forma, eles pareciam aliviados pela ausência do capitão. Mas quem poderia culpa-los?
O jantar veio em porções. Spike e Flora trouxeram primeiro uma espessa sopa de cenoura e repolho, salada verde, costeletas de carneiro e purê de batata, queijo e fruta, um bolo de chocolate. Durante a refeição, Gerlon se juntou a mesa ficou lembrando para guardar lugar, porque há mais por vir. Mas Sirius está se empanturrando porque nunca teve comida como essa antes, tão boa e tão farta, e porque provavelmente a melhor coisa que ele posso fazer entre agora e a batalha que está por vir é engordar alguns quilos. Afinal, eles passaram vários dias na passagem de Helx e com perigos constantes ao longo da jornada, nunca dava pra saber qual seria sua única refeição.
-Pelo menos vocês dois tem boas maneiras - Gerlon falou enquanto
terminavam o prato principal. -Os outros da Bichano comem tudo com as mãos como selvagens. Perturba completamente minha digestão. Piratas...
Gerlon passou tanto tempo com os demais, todos com histórias e costumes e hábitos diferentes, que se esqueceu por completo das etiquetas dos nobres e ricos. Mas ao ver Sirius e Mikka se comportando a mesa, ele não podia deixar de elogiar.
Mikka é prima de terceiro grau do padeiro que vende os pães na cidade-baixo. A mãe de Sirius ensinou ele e Snowden a comer propriamente, então sim, eles sabem lidar com um garfo e uma faca. Mas Sirius odeia tanto o comentário de Gerlon que eu toma nota de comer o resto da refeição com as mãos. Então limpa suas mãos na toalha de mesa. Isso o fez franzir seus lábios apertadamente juntos.
-Algo mais? -Perguntou Sirius, levemente irritado.
Os outros arregalaram os olhos para o garoto. Gerlon manteve-se neutro, ele sabia o porquê dele está visivelmente irritado.
Agora que a refeição acabou, Sirius e Mikka estão lutando para manter a comida no lugar. Nenhum de seus estômagos está acostumado a um cardápio tão rico e refinado. Mas se eles consiguem segurar o cozido de carne de rato, entranhas de Slavelt (Criaturas semelhantes a insetos que habitam os esgotos da Capital Império) e flores da Greasy Joy (uma especialidade do inverno) eles estão determinados a segurar isso.
Sirius marchou até sua cabine. Pela janela, ele vê a toda velocidade, um enorme campo de dentes-de-leão. O vento balançava e os fazia voar e serem carregados pelas lufadas de vento, rodopiando num redemoinho e sumindo.
Aquilo o fez de se lembrar daquela vez... No campo da escola. Sirius se pegou numa lembrança de anos atrás que estava com seu irmão mais velho, Snowden, Mikka e dois de seus irmãos, Ryuke e Myuke, mas todos o chamavam de "Catnip" por algum motivo.
Sirius havia encontrado um dente-de-leão do deserto, uma subespécie que só nascia em climas secos e até desértico. Ele o arrancou cuidadosamente e se apressou para casa, na esperança de entregar para sua mãe. Havia pouco tempo que seu pai havia sido convocado para a guerra e dera sua última notícia. Sua mãe acabara de voltar de um reino distante, um reino de Samurais e ela havia trago algo especial. Zaya. Desde de que voltara, sua mãe havia adoecido. Ela tossia bastante e as vezes, a febre invadia seu corpo e lhe tirava toda a vitalidade forte e energética que era comum dela. Uma coisa que Sirius se lembra bem da sua mãe era do seu bom humor e de sua vitalidade, uma mulher forte, difícil de abalar, firme.
Naquela mesma tarde, Snowden teve uma idéia de caçar alguma coisa nas redondezas do reino. Catou um cesto velho, um arco e flecha velho e quebrado do pai e saiu com Sirius, juntos caminharam até o portão oeste da Capital Império e seguiram para a campina. Ela estava mais verdejante do que antes, era possível ver pequenos roedores cavando tocas no chão com suas garras, e é claro, ervas vermelhas e amareladas balançavam. Depois de arrancadas, procuraram nos arredores fora do muro
por provavelmente um 1,5 km até que tinham enchido o balde com dentes-de-leão do deserto, raízes e flores. Naquela noite, ele se lembra de que se empanturram com uma salada de dente-de-leão do deserto e o resto do pão da padaria do primo distante de Mikka. Um pão velho e duro que naquela madrugada, causou uma desinteria em Sirius e ele passou a noite indo ao banheiro.
Snowden havia dito depois para seu irmão mais novo, que um dia ele ainda iriam ter um banquete dignos de um rei.
No dia seguinte, faltaram à escola. Por um tempo, Snowden ficou andando perto dos muros da Capital, mas finalmente juntou coragem para ir em direção ao Grande Deserto, Madrash. Era a primeira vez que tinha estado lá sozinho, sem as armas do seu pai para se proteger. Mas ele recuperou o pequeno arco e flechas que ele tinha feito para ele de um tronco oco. Ele provavelmente não foi mais que 20 metros para o deserto adentro naquele dia. Na maior parte do tempo, ficou empoleirado nos galhos de um velho carvalho, esperando que uma caça viesse. Mas sua maior dificuldade, não saberia dizer se era o forte calor desumano que assolava aquele deserto ou se era as fortes ventanias que assoprava os grãos de areia que batiam em sua pele como micro-agulhas. Após algumas horas, teve a sorte de matar um Glacknado, uma espécie de galinha redonda de plumas da cor de areia. Com grandes cristas vermelhas e asas miúdas, parecendo ser gorda o bastante para se quer saltar, por isso rolava quando se sentia em perigo. Mas aquela era pequena, ainda em fase de crescimento.
Ele tinha acertado uns poucos Glacknado antes, com a ajuda do seu pai. Mas dessa vez tinha feito sozinho.
Havia meses desde da última vez que tinham tido comido carne. A visão da galinha-redonda pareceu mexer algo na sua mãe. Ela já com a saúde debilitada, pele de carcaça, e fez uma sopa com a carne e algumas verduras que Sirius tinha juntado. Então ela ficou pior e voltou para cama, mas quando a sopa estava feita, eles a fizeram comer uma tigela.
O deserto se tornou sua salvação, e a cada dia eles iam um pouco além. Snowden começou a levar Sirius nas caçadas para lhe ensinar o pouco que havia aprendido com o pai deles. Era
devagar no princípio, mas eles estavam determinados a se alimentar. Roubaram ovos dos ninhos, pegaram peixe com redes no rasos riachos que encontravam em cavernas, roubavam pequenos filhotes de suas tocas, às vezes conseguiam acertar um roedor ou uma ave para a sopa, e juntava as diversas plantas que surgiram sob seus pés. Plantas eram enganadoras. Muitas são comestíveis, mas um bocado falso e você está morto. Eles verificam uma e outra vez as plantas que colheram das figuras de um livro velho de medicina de sua mãe. Ele os mantem vivos.
Qualquer sinal de perigo, um uivo distante, um rugido inexplicável, os faz correr de volta para os muros externos da Capital. Então começam a se arriscar entrar nas tocas para escapar de lobos selvagens do deserto, que rapidamente ficam entediados e vão embora. Feras escamosas e peludas como gatos vivem mais adentro, talvez não gostando do barulho dos navios e aeronaves do aeródromo.
Quando as caças começaram a ficar mais difíceis, e contra a vontade da sua mãe, Snowden foi para o Edifício da Justiça, registrar-se para a reserva do exército henryniano, como seu pai, era comum, principalmente em épocas de conflitos, diminuir a idade do alistamento de dezoito para quinze, e mesmo assim, os reservista recebiam do governo da coroa, sacos de grãos e outras rações e levou para casa. No décimo dia de cada mês, Snowden tinha o direito de fazer o mesmo.
Eles não podiam parar de caçar e colher, é claro. Os grãos e a ração não são o suficiente para viver, e havia outras coisas para comprar, sabão, leite e cordas. O que eles não precisavam absolutamente para comer, Snowden começou a negociar na cidade-baixo. Foi assustador começar naquele lugar sem seu pai do seu lado, mas as pessoas tinham o respeitado, e aceitaram os dois irmãos. De início, Sirius não vendia nada, apenas observava seu irmão tentando fechar negócio.
Caça era caça depois de tudo, não importa quem pegou. Eles também vendiam nas portas dos fundos de clientes ricos na cidade, tentando lembrar o que seu pai tinha lhes dito e aprendendo alguns poucos truques também. O açougueiro da última rua a oeste da capital compraria (principalmente) os roedores de Popu, criaturas semelhantes a coelhos que habitavam as planícies de Rheyzel, mas não os Glacknados. O padeiro da avenida principal aproveitaria pelo menos as penas dessa galinha, mas só negociaria se a esposa não tivesse por perto (nas horas extras, ele fabricava brincos exóticos para ela e dizia que era comprado, uma vez que o pobre padeiro se casara com uma mulher soberba e rica). Já os Chefes de Pelotões e Capitães Henrynianos adoravam as carnes das galinhas selvagens. O agiota da cidade-baixo tinha uma paixão por morangos silvestres, e por ser um antigo amigo de seu pai, pagava (por mais que pouco) por eles, dando alguns Dracmas de bronze.
No final do verão daquele ano, Snowden, Sirius, Mikka, Ryuke e Myuke estavam se lavando em um rio que passava por dentro de um cânion, que eles descobriram, quando notou as plantas crescendo ao redor. Altas com folhas com pontas afiladas. Florescendo com três pétalas negras com pontinhos brancos como estrelas num céu noturno. Snowden se ajoelhou na água, seus dedos escavando na lama macia, e puxou um punhado de raízes. Bulbos alaranjados que não parecem muita coisa, mas cozidos ou assados eram tão bons quanto batatas.
-Flor de Sirius - disse Snowden, mostrando para seu irmão mais novo.
É a planta cujo nome lhe foi dado. A flor favorita de sua mãe.
Passaram horas agitando o leito da lagoa com seus dedos dos pés e uma vara, colhendo os bulbos que flutuavam para a superfície. Naquela noite, eles se banquetearam com peixe e raízes de Flor de Sirius até que todos eles, pela primeira vez em meses, estavam satisfeitos.
Lentamente, sua mãe melhorou de saúde. Ela começou a limpar e cozinhar e guardar alguma da comida que eles traziam para a chegada do inverno. Pessoas negociavam com os irmãos ou pagam em dinheiro pelos recursos médicos dela. Um dia, Sirius chegou em casa e a ouvi cantando. Os irmãos não sabiam, mas aquela seria a última vez que eles ouviriam alguma melodia na voz dela.
Snowden estava emocionado por tê-la de volta, mas continuou observando,
esperando que ela mostrasse alguma piora novamente. E em algum pequeno lugar retorcido dentro de Snowden temia por sua fraqueza, pela sua negligência, pelos meses em que ela priorizou mais a saúde deles do que a dela. Sirius não entendia na época, o que seu irmão queria realmente dizer e a perdoou, mas Snowden colocou um pé atrás quanto a saúde de sua mãe, construiu um muro para se proteger, ele temia mais que tudo perder a sua mãe também. A partir do momento em que ele começou a se dedicar muito mais na atividade de sustentar a casa, ele foi crescendo com mais preocupação, e depois disso, nada nunca mais foi o mesmo entre eles.
Agora que ambos já não estejam mais ali, Sirius só remoia essas lembranças agora, muitos anos depois, quando a atual situação de sua vida lhe exigisse maturidade para entender.
Por um momento, ficou de pé olhando pela janela do trem, desejando poder
abri-la, mas incerto do que poderia acontecer numa velocidade tão
alta. À distância, via luzes, seria um vilarejo? Casa avulsas pelos campos. Não sabia dizer. Pensa nas pessoas
em suas casas, arrumando-se para dormir. Imaginou sua casa, com as
persianas apertadas. O que ela esta fazendo agora, Zaya? Esta na mesa comendo a refeição? Sopa de peixe e morangos? Ou ainda deitada na cama doente e sem melhora alguma na sua saúde? Certamente, Sirius está segurando a barra, sendo forte por ela? Ela é a única família que lhe restara. Não havia mais ninguém. Se pegou pensando se toda essa vontade de lutar contra o Império, seria uma forma de escapulir, deixando o peso do mundo, o fardo de viver sem amarras ou responsabilidade sobre ninguém nos ombros frágeis da sua irmã? Ele acreditava mesmo naquela causa? Valia a pena lutar nesta guerra? Henry valia a pena ser salvo?
Ele sai do transe quando alguém dar três batidas na porta da cabine: era Spike lhe chamando:
-Está na hora.
Eles andam até o último vagão. Os equipamentos estavam todos acomodados em caixotes de madeira devidamente embalados e encaixados um nos outros, como se o melhor jogador de Tetris do mundo tivesse organizado elas.
O resto do grupo se encontrava no final do vagão. Mikka estava sentada em uma das caixas. Todos estavam devidamente trajados com armaduras imperiais.
Mais no canto, havia um comunicador, Gerlon e Flora utilizavam quando Sirius e Spike chegaram.
-Certo -disse Gerlon -estamos todos aqui. Nossa última parada vai ser em alguns minutos. Já mandei um sinal para a Bichano. Comuniquei que estamos todos bem e estamos nos portões da capital. Eles já estão nos portos de Guggenheim.
-Quer repassar mais uma vez o plano? -Perguntou Zafira, terminando de vestir as botas da armadura.
-Vamos descer um pouco antes do trem parar na estação. A guarda vai inspecionar os vagões e com tudo certo, vão começar a remover os caixotes. Vamos descer um pouco antes para irmos sorrateiramente até às favelas que ficam ao redor da Capital. Tenho um contato por lá que acho que pode nos colocar lá dentro.
-E depois disso? -Perguntou Spike.
-Levarei vocês ao Le Lablanc, o meu antigo apartamento. Rezem para a minha diária ainda estar ativa. Alguma dúvida?
-E depois disso? -Perguntou Mikka.
-Vou dar um jeito de entrarmos nos Laboratórios Hinkon. Como farei isso? Não sei, e não me perguntem mais nada. Alguma dúvida a mais?
Todos balançaram negativamente a cabeça.
-Ótimo.
Gerlon pega a garrafa de bebida da mesa e deixa o vagão. Enquanto as portas fecham atrás dele, o vagão fica escuro. Há ainda algumas poucas luzes dentro, mas fora é como se a noite tivesse caído novamente. É nítido que devem estar num túnel que corre através das montanhas para a Capital. As montanhas formam uma barreira natural entre a Capital e os outros Impérios de Laurásia, até mesmo seus distritos ficam por fora da barreira de montanhas. É quase impossível entrar do leste, exceto através dos túneis. Essa vantagem geográfica foi um fator importante na derrota dos inimigos Thieldianos. Desde que os Sinedrianos e Leivianos tinham que escalar as montanhas, eles eram alvos fáceis para as forças aéreas da Capital.
O grupo permaneceu em silêncio enquanto o trem movia-se com
velocidade. O túnel continua e continua e Sirius pensa nas toneladas de rocha que lhe separam do céu.
O trem finalmente começa a diminuir de velocidade e de repente uma luz
brilhante inunda o compartimento. Eles não podem evitar. Sirius e Mikka correm para a janela para ver a Capital Thieldiana, a cidade governante do Império de Thiél.
Gerlon abre o compartimento lateral. As árvores passam ainda com velocidade. Se jogar dali não seria fatal, mas com certeza causaria alguns ferimentos. Mas com as armaduras imperiais, saíram ilesos.
Eles caminharam por alguns minutos por meio de uma floresta, enquanto eles avistavam ao longe o trem parando aos poucos numa estação. Os guardas imperiais adentraram nos vagões e em poucos minutos, dezenas saiam carregando caixotes fechados. Os mesmos que eles estavam apoiados minutos antes.
Eles caminharam até chegar num pequeno barraco improvisado, feito de pedaços de madeira, plástico e vigas de aço.
Os barracos se mesclavam em meio a floresta, construídos um do lado do outro. O que pode ter começado como um pequeno bairro não projetado pela capital, agora havia se tornado um pequeno distrito nos arredores de Arghar.
Com a transferência da governança para o sistema Imperial, uma nova cidade foi criada, os quarteirões existentes agora pertencem ao bairro antigo. Na época, os menos privilegiados viviam aqui junto com os nobres que perderam o poder com a ascensão do Império, enquanto aqueles com poder viviam na "nova cidade". Agora, vários séculos depois, pouca coisa mudou. Os moradores do bairro antigo são em grande parte itinerantes e aqueles outros fora da proteção da lei Imperial. Ao contrário da nova cidade, onde os edifícios se erguem em direção ao céu, a cidade antiga continua sendo tijolo e pedra. Tudo parece negligenciado, abandonado ao destino da lenta decadência. Com as autoridades menos do que inclinadas a se preocupar com a governança do bairro antigo, pouco ou nenhum esforço foi feito para revitalizar a área.
Sirius adiantou o passo e sentou numa grande escadaria coberta de musgo e lodo que dava para um templo de aparência antiga e abandonado.
-Isso aqui cheira menos como uma capital e mais com um esgoto -disse provavelmente fazendo uma careta abaixo do seu helmo que lhe cobria o rosto inteiro.
-Até mesmo impérios precisam de esgotos -disse Gerlon -Os escoamentos de Arghar tem piscinas exatamente aqui. Aqueles que não possuem a documentação necessária para viver na parte alta da capital, todos vivem aqui. Os poderosos que caíram e os caídos que seriam poderosos. Seus olhos nunca deixam Arghar.
-Acho que deve ser muito mais agradável do que este lugar. -Disse Sirius.
-Pode ter certeza que sim, mas Arghar fede a uma sujeira diferente. Vamos embora. Precisamos ir até os laboratórios Hinkon.
O fato deles andarem entre os moradores daquela região com armaduras imperiais, já lhes poupavam de muito trabalho. Com elas, eles teriam que enfrentar apenas os olhos minuciosos e violentos dos habitantes dali. Homens, mulheres, idosos e crianças humanas os encaravam com olhares de preconceito, ódio e medo.
Normalmente, os visitantes seriam abordados com alguns passos e teriam suas vidas ameaçadas por facas afiadas, cacos de vidro ou garrafas quebradas, usadas por um grupo qualquer de delinquentes que roubavam por sobrevivência, e isso é um ponto totalmente ignorado pela política da capital. A violência extrema e a pobreza dos distritos periféricos apenas cresciam com o tempo. O que era roubado, as vezes, era vendido no mercado negro dentro da capital. O pouco de dinheiro que traziam de lá de dentro, ou era guardado para comprar comida ou pagar suborno dos guardas por documentações falsificadas, autorização para morar dentro da capital.
O tópico já foi bastante debatido no parlamento, apesar de haver propostas para a regularização dos distritos, a grande maioria ainda é contra qualquer realocação dos moradores para além das montanhas ou pelo menos mais distante. A desculpa usada pelos parlamentares é que os distritos ao redor são usados como linhas de defesa para possíveis "invasões" por terra. Espiões ou invasores precisa atravessar esses distritos extremamente hostis, na esperança de um dia serem recompensados com pelo menos um emprego dentro da capital.
Acima deles, uma nave cargueira sobrevoou baixo.
Apesar dos moradores se apresentarem hóstis, não houve conflito ou dificuldade alguma para o andar entre eles. Em certos pontos, era bem parecido com a cidade-baixo. Criança pequenas e sujas corriam e brincavam com todo tipo de lixo, usando a imaginação para potencializar suas brincadeiras. Onde um pneu velho de borracha se transformava em algo que eles se socavam e giravam de um lugar para o outro, com outras crianças rodavam a roda. Outros usavam caixas de papelão e pedaços de madeira e ferro e brincavam de soldados imperiais.
Sirius não viu diferença entre eles e as crianças da Capital Império. Apesar da pobreza ser a mesma, as crianças e a imaginação delas também são iguais.
Os olhares pesavam em suas costas enquanto caminhavam e subiam as escadas. O cheiro de lixo e fezes penetravam em seus pulmões e causava ânsia de vômito. A favela era muito mais parecido com um labirinto do que com um bairro comum, com ruas e travessas.
Gerlon caminhava de forma firme, sem fraquejar. Para Spike era mais fácil do que respirar. Seu porte físico e tamanho dos seus ombros intimidavam possíveis ladrões que vigiava cada passo deles.
Várias roupas recém-lavadas eram estendidas nos varais improvisados de arame farpado presos a tocos de madeira podres. Outras eram expostas nas janelas.
Em alguns pontos, pessoas sentavam em um semi-circulo, ao redor de uma fogueira para se aquecerem. O fogo era usado por dejetos e pedaços de plásticos e lenhas.
Eles subiam as escadas a passos apressados. No portão no alto, dois guardas faziam a vigilância, impedindo que qualquer um dali atravessasse para a Capital Imperial.
-Droga, provavelmente eles vão pedir as credenciais para atravessar... -disse Gerlon.
-E onde arranjamos uma? -Perguntou Sirius.
-Não sei, Barone não nos disse nada a respeito... droga...
-E quanto a seu contato? Julius o nome que você havia mencionado? -Perguntou Zafira.
-Eu nem sei se este miserável continua vivo. Pode ter sido morto pela capital e nunca saberemos.
-Bem, bem, bem... Isso é um colírio para os olhos. não pensei que veria você novamente. Não aqui. -disse uma voz vindo de trás deles.
Eles se viraram e viram um homem encostado numa parede. Ele tinha uma aparência suja e vestia roupas maltratadas em um verde e amarelo chamativo.
-Ah, maravilhoso. -Disse Gerlon.
-Um pirata faria bem em sorrir. Não gostaria de prejudicar sua reputação. -Disse o homem caminhando em direção deles.
-Você conhece esse cara? -Perguntou Sirius.
-Um velho... amigo. Um cretino, um mascate de boatos e rumores, chamado Julius. Ele morderia um dracma que sua própria mãe lhe daria e o cortaria pela metade para pagar o funeral dela.
-Espera, esse é o seu contato? -Quis protestar Zafira.
Spike cruzou os braços.
-Às vezes, um ouvido bem costumado detecta o tilintar de bolsas apertadas, está na ordem do dia. Como quando um pirata decide que quer subir no mundo. Não finja que está tudo bem. -Disse Julius.
-Para a cidade? você conhece um jeito? -Perguntou Sirius.
Julius se virou para o garoto.
-Em Arghar, conhecimento é poder. E o poder tem um jeito de abrir portas, garoto. Agora, um tolo comprará um saco de penas para o travesseiro, mas um homem sábio...Ele comprará todo um fedorento Glacknado e ainda se fartará de carne. Então, esperto, o que você acha de 30 dracmas?
Flora se aproximou e entrou uma pequena bolsa de couro. Os outros permaneceram chocados com a atitude da pirata.
Julius abriu e despejou as trinta moedas que reluziram em amarelo em suas mãos.
O homem olhou ao redor e todos permaneceram imóveis. Gerlon era astuto, sabia do plano da sua imediata, mas temia pela também astúcia daquele homem. Por sorte, Sirius dessa vez não se intrometeu. Não questionou absolutamente nada. Permaneceu firme e confiante.
O homem riu, revelando seus dentes podres e amarelos.
-Garota brilhante. Você aprende rápido. Eu convoco esta reunião à ordem. Diga-me, garota, ouviu algum boato na cidade?
-Não ouvi muita coisa. Chegamos a pouco tempo.
-Preciso ouvir antes de falar. Um menino faria bem em ver o que seus ouvidos conseguem captar nas ruas.
-Pensando bem... ouvimos algo assim que chegamos -disse Flora.
-O que ouviram?
-Vou te contar um segredo, mas fica entre nós dois, certo? Eu avistei algo inacreditável só agora.
-Bem... dependendo do que seja...
-O que? Você não gostaria de saber!? Mesmo que não seja um saco de ouro? Com mais Dracmas? Sobre... um saco cheio de Dracmas que nos avistamos num barril assim que chegamos.
-Depende... não seja mentirosa, garotinha...
-Ora, porque eu mentiria? Isso não nos ajudara? Não ajudaria você?
Julius cerrou os olhos e coçou a cabeça.
-Vamos supor que seja isso mesmo, como isso lhe ajudara?
Sirius se intrometeu.
-Não tenho certeza do que isso tem a ver com a ascensão na Capital Imperial.
-Calma, meu jovem, espere e verá. Presencie o poder do conhecimento.
Julius se afastou deles e sumiu entre as vielas escuras.
Zafira se aproximou.
-Como isso nos ajudara? Ele não passa de um vagabundo e aproveitador.
-Ele sabe o que faz. Pelo menos ele nunca me deixou na mão. -Respondeu Gerlon.
-É, mas o que garante que isso se mantém? No que você confia?
-É ele ou nada. Não teremos como adentrar sem uma credencial. Entrar num confronto desnecessário só levantar mais desconfiança. Tudo o que ocorre aqui, fica aqui, mas...
-Tudo o que possa ser usado para benefício da Capital, será usado sem hesitar -Completou Spike.
-Exato. -Disse Gerlon e se virou para Flora. -A propósito, o truque com as moedas de Dracmas foi genial. Eu já esperava que ele fosse nos enganar ou nos entregar para os guardas. Mas foi muito melhor engana-lo. Suas magias de ilusão estão ficando bastante poderosas.
Flora deu um leve sorriso.
Atrás deles, iniciou-se gritos de pessoas furiosas. Uma discussão acalorada atraiu várias pessoas.
-Começou.
-Ei! Seu verme! Você roubou minha bolsa de Dracmas? - Gritou alguém.
-O que?! Com que provas você afirma isso?! -Gritou outra.
-Ora seu merdinha, você sempre esteve com ciúmes desde de que eu comecei a namorar a Beasley! Você me roubando e me deixando sem nada você acha mesmo que ela me trocaria por um pedaço de estrume como você?!
Mais pessoas se amontoaram em volta, e sons de soco e coisas quebrando podiam ser ouvidos. Em meio a multidão, Julius reapareceu com um grande sorriso no rosto, trazendo consigo duas bolsas de Dracmas com ele.
-Você... -Quis repreender Zafira, mas Spike pôs a mão no seu ombro direito.
Atrás deles, os dois guardas do alto da escadaria passaram correndo com espadas em mãos.
Sirius se virou para Gerlon.
-Agora é a nossa chance!
O grupo correu em direção a escadaria.
Julius se aproximou de Gerlon com um largo sorriso.
-Nunca pensei que você iria por um preço tão escasso.
-Um pirata deve saber que as palavras valem incontáveis dracmas. Aqui estão algumas palavras para você: O filho pródigo Vega voltou ao poleiro imperial. Ver? Palavras de muito valor, essas.
Gerlon o encarou seriamente e correu em direção a escadaria, enquanto Julius se acabava de rir pela briga que só aumentava.
★★★
A majestosa cidade Imperial tinha uma atmosfera intimidadora. Uma metrópole agitada, pulsante, ela jamais dormia, jamais parava. Aeronaves voavam alto no céu a todo momento. Pequenos carros deslizavam no ar, pessoas embarcavam neles e se dirigiam para outras partes da cidade.
A arquitetura era imponente, arranhas-ceus enormes, davam a impressão que tocavam os céus. As ruas pavimentadas eram limpas e largas. Espaços verdes se espalham por todos os cantos. As pessoas andavam a passos largos, apressadas. Guardas imperiais vigiava cada pedaço.
A impressão que dava era que aquela mega cidade eram capaz de engolir a Capital Imperial numa única mordida. Na maioria dos prédios, seus terraços são tão grandes e espaçosos que é comum confundir com praças. Os edifícios possuem pontes e escadarias que conecta os prédios a diferentes andares por toda a cidade.
A cidade expandiu drasticamente sua infraestrutura de transporte. Com a construção de ferrovias e vias expressas para o leste e sudeste, Arghar é um importante centro de transporte no Noroeste de Laurásia, devido ao processo de avanço tecnológico e incentivo vindo diretamente do Imperador, graças a criação do Laboratório Hinkon, a mais de quinhentos anos atrás.
Tradicionalmente, a rede de rodovias em Arghar é estreita, sinuosa e limitada a veículos menores por causa da topografia, das grandes construções e da enorme demanda da população na área, especialmente no distrito militar. Em outros lugares, como o distrito empresarial, grandes áreas de casas e edifícios foram recentemente limpas para melhorar a rede de estradas e criar um melhor planejamento urbano. Muitos túneis e grandes pontes foram construídas em toda a cidade.
A construção de muitas vias expressas conectou Arghar às províncias vizinhas. Várias estradas circulares também foram construídas. O terreno montanhoso natural da cidade dificulta a construção de muitos projetos de estradas, o que levou à criação de algumas das pontes rodoviárias mais altas de Laurásia.
Ao contrário de muitas outras cidades laurasianas, é raro ver motos, scooters elétricos ou bicicletas nas estradas de Arghar, por conta da natureza extremamente montanhosa da região. No entanto, apesar disso, a cidade é um grande centro de fabricação para esses tipos de veículos.
O principal aeródromo de Arghar é o Aerodromo Imperial dos Leões. Está localizado no distrito militar. O aerodromo oferece uma crescente rede de vôos diretos para toda Laurásia, para os arquipélagos no Mar de Thétis, Pangeia e Gondwana.
O transporte público consiste em metrô, ferrovia interurbana, um sistema de ônibus onipresente e a maior rede de monotrilhos do continente. De acordo com o ambicioso plano do governo imperial, o Imperador está investindo 150 bilhões de Dracmas ao longo dos anos para concluir um sistema que combina linhas de metrô subterrâneo com monotrilho pesado. Alguns anos atrás, cinco linhas de metrô: a Linha 001 de 14 km, um metrô convencional; o monotrilho pesado de 19 km da Linha 002; a Linha 003, um monotrilho pesado que conecta o aerodromo e a parte sul do centro da cidade; a Linha 005, e a Linha 006 que passa entre os distritos das armas e o distrito do lazer, um distrito suburbano no extremo norte da capital.
Sirius correu e encarou a cidade que crescia até onde seus olhos podiam ver. Ele perdeu o ar de seus pulmões pelas majestosas construções que o cercava.
-Você está parecendo um peixe fora d'água. -Disse Mikka atrás dele.
-Ei! Eu estou apenas olhando a cidade. Mesmo que seja do império.
Ela caminhou para frente e se encostou no parapeito.
-Você mudou, Sirius. Você estava sempre marchando em seu próprio ritmo... impaciente, mesmo. De um jeito bom.
-Talvez seja porque eu estou vendo mais agora. Do mundo... nunca imaginei que eu chegaria tão longe de casa.
Mikka ficou em silêncio. Sirius sabia que a amiga estava preocupada, com a cabeça em outro lugar.
-Ei, não se preocupe, Selena está aqui na cidade, não é? Ela é difícil de entender. Eu também me pergunto o que ela está fazendo.
Mikka suspirou.
-Você sempre foi tão sensível, Sirius? Sabe o que é incrível? Eu pensei que eu em toda a minha vida, nunca conheceria pessoas como a princesa, ou Selena. E aqui estamos nós na capital.
-Eu sei! É um pouco do que se passa na minha cabeça as vezes.
Spike se aproximou e apertou seu ombro direito.
-Isso é ótimo, Sirius. Você veio para aprender as dificuldades de servir a realeza.
-Ei! Eu estou apenas a passeio! -Rebateu o garoto.
-Isso foi uma reclamação, Spike? -Perguntou Mikka num tom curioso.
Os três riram.
-Certo! Vamos andando!
-Não mude de assunto! -E os três riram mais uma vez.
Enquanto atrás deles, os outros apenas os encaravam com olhares serenos.
★★★
O grupo caminhou por quase duas horas até chegar ao centro da movimentada Capital. Sob as armaduras imperiais, eles poderiam transitar por distritos sem ser reconhecidos ou importunados.
Ao chegarem na Plazza Astir, uma bela praça arborizada. Gerlon se aproximou de uma fonte e todos fizeram o mesmo.
-Seguimos caminhos separados aqui. Tenho alguns negócios para tratar. Nos encontraremos novamente mais tarde no Le Lablanc. Tome isso, vejam se o quarto do décimo segundo andar ainda está disponível. -Gerlon entregou para Flora um pequeno cartão prateado com o nome Hotel Le Lablanc.
-Negocios a tratar...? -Quis perguntar Sirius, mas Gerlon já havia dado as costas e saído a passos largos.
Flora analisou o cartão atentamente, até que notou um nome em relevo no cartão. Effie.
★★★
Le Lablanc era um dos maiores e mais luxuosos hotéis da Capital. Grandioso como um Coliseu com fontes na sua frente e grandes palmeiras enfeitando a entrada.
Ao chegarem no balcão. Flora apenas apresentou o cartão para a balconista. Uma garota loira e de olhos gentis. Ela apresentou o cartão a máquina e os dados de Gerlon surgiram na tela.
-Seja bem vindo de volta, senhor Gerlon! Seu quarto está da mesma forma que o senhor deixou! Cuidamos e zelamos até o seu retorno! -disse a gentil balconista.
Flora afirmou com a cabeça, sem dizer absolutamente nada sobre seu elmo.
-Como foi a missão, senhor?
Flora permaneceu imóvel e em silêncio. Se ela abrisse a boca e falasse algo, entregaria que não era Gerlon.
Spike se aproximou.
-Foi ótimo! Cansativo mas deu tudo certo! Tudo pelo avanço do Império!
-Sim senhor! Vejo que manteve sem bom humor apesar de tudo! É bom tê-lo de volta! Qualquer coisa, pode me chamar!
Spike assentiu com a cabeça e se dirigiu ao elevador, onde os outros já o aguardavam.
O Centro de Treinamento tem uma torre designada exclusivamente para os cadetes e guardas. Ela é a casa até os exames físicos e treinamentos começarem na Academia Imperial. Cada turma tem um andar que pode acomodar até vinte e cinco cadetes. Basta simplesmente entra num elevador e pressiona o número do seu andar. Alguns andares são particulares para os oficiais do Império, e Gerlon era importante o suficiente para ter o seu.
Sirius e Mikka tinha entrado num elevador um par de vezes no Edifício da Justiça na Capital Império. Uma vez para receber a medalha pela morte do seu pai e depois ontem para dizer seu adeus final para seu irmão, antes dele ser convocado para a batalha de Yanilad. Mas aquele era uma coisa escura e que range, que se move como uma lesma e era menor. As paredes do elevador thieldiano são feitas de cristal, assim você pode assistir as pessoas no andar térreo encolhendo-se ao tamanho de formigas enquanto eles sobem no ar.
É estimulante, e Flora se sente tentada a perguntar quem era Effie para Gerlon ou até mesmo para a balconista, enquanto Sirius queria perguntar se podem andar nele de novo, mas de alguma forma isso parece infantil.
As portas abriram e eles se dirigiram para o apartamento. A suíte de luxo era magnífica e enorme! Tão grande quanto Sirius e Mikka poderiam sonhar. Havia quatro quartos, uma varanda com piscina, tudo tão chique e refinado que estava além das suas imaginações.
Seus quartos são maiores que suas casas inteira. Eles são de veludo, como no vagão do trem, mas, além disso, tem tantas máquinas automáticas que estavam certos de que não teriam tempo para apertar todos os botões. O chuveiro sozinho tem um painel com mais de cem opções que você pode escolher regulando a temperatura da água, pressão, sabonetes, xampus, perfumes, óleos e esponjas para massagem.
Quando sai em uma pequena esteira, aquecedores aparecem para secar
seu corpo. Em vez de lutar com os nós no seu cabelo molhado, meramente
colocasse apenas a mão em uma caixa que enviou uma corrente através do seu couro cabeludo, desembaraçando, partindo e secando seu cabelo quase
instantaneamente. Ele flutua para baixo em torno dos seus ombros, numa cortina brilhante.
Sirius programou o closet por uma veste do seu gosto. O zoom da janela foca em partes da cidade ao seu comando. Ele precisou apenas sussurrar o tipo de comida de um cardápio gigantesco num bocal e ela aparece, quente e úmida, ante a você em menos de um minuto. Ele anda ao redor do quarto comendo picanha e um pão inchado até que há uma batida na porta. Mikka está lhe chamando para jantar.
Flora, Spike e Zafira estão de pé em um balcão que tem vista panorâmica da
Capital quando entram no salão de jantar. Sirius está satisfeito por ver todos sem armaduras. Uma refeição presidida por Gerlon é obrigado a ser um desastre.
Além disso, jantar não é exatamente sobre comida, é sobre planejar suas estratégias. Afinal, eles já estão dentro das linhas inimigas. Eles conseguem ver da varanda o enorme e imponente edifício Imperial. A casa do imperador.
Alguém bate na porta e Spike vai atender.
-Deve ser o Gerlon. -Disse Mikka.
Spike abre a porta e dá de cara com duas pessoas. A primeira era uma garota com feições de gato e longos cabelos castanhos. Ela vestia uma armadura imperial e uma capa. Preso ao seu cinto, uma espada. Ela tinha um olha meigo, mas confiante. O outro era um alguém usando uma máscara branca e inexpressiva como um fantasma. Vestia uma túnica branca com detalhes em vermelho.
Os dois entraram.
-Então, onde Gerlon está? -Disse a garota. O mascarado permaneceu imóvel, aparentava ser inofensivo. Apenas aparentava.
-Como... quem é você? -Perguntou Zafira em alerta.
O olhos felinos de Flora brilharam levemente.
Eles trocaram olhares, assustados. Zafira alcançou uma faca na mesa e escondeu atrás de si.
-Nem adianta usar magia, Noru -Disse a guarda imperial. -Eu poderia mata-los agora mesmo. Só quero uma resposta. Onde Gerlon está?
-Quem? -Perguntou Zafira.
-O homem que vocês vieram juntos. Quer dizer... o pirata. Onde ele está?
-Não sabemos de quem você está falando...
-Oh, sabem sim. Esse quarto foi dado para apenas algumas pessoas selecionadas pelo próprio Imperador. Quando vi na recepção que o quarto havia voltado ao Check-in ativo, logo imaginei que ele havia voltado.
-Mais uma vez, não sabemos de quem você está falando.
-Não me faça de idiota, princesa.
Zafira cerrou os olhos e apertou firmemente a faca escondida em suas mãos. Ela sabia quem Zafira era? Se sim, seu rosto era conhecido por todo o Império. E estar ali, a algumas quadras da casa do Imperador, era se entregar de bandeja para o inimigo.
Por um rápido instante, conseguiu ouvir os sermões de Dário ecoando em sua mente, a chamando de infantil e prepotente.
Zafira cerrou os olhos, e a garota também.
-Ele não está aqui -adiantou Sirius -ele saiu e nos mandou vir direto pra cá. Talvez ele apareça mais tarde.
A garota olhou ao redor. Encarou Sirius e viu que ele realmente disse a verdade.
-Entendo... então eu irei espera-lo. Meu nome é Effie. Já fiz a guarda do imperador e também fui guarda-costas do Gerlon. Suponho que vocês sejam a nova tripulação dele. Não acredito que ele largou mesmo a vida imperial para ser um pirata.
Todos permaneceram imóveis, a encarando atentamente. Estavam todos assustados e em alerta máxima para qualquer movimento suspeito dela.
Effie se virou para o mascarado, que permaneceu imóvel o tempo todo. Ela deu ordem para que ele fosse para a cozinha e preparar o jantar.
Effie se sentou no sofá.
-Ta tudo bem, não precisam ficar atentos o tempo todo. Eu sei muito bem quem é você. Princesa Zafira, do reino de Henry. Apesar de sua fama se extender até nesse continente, a maior parte do Império, até mesmo do exército não sabe o seu rosto. Por aqui, você é apenas conhecida como Princesa rebelde. Apesar de seu objetivo se opôr ao "meu imperador". Eu concordo plenamente com você.
Zafira se aproximou.
-Como podemos confiar em você? Você poderia muito bem estar nos enganando. Poderia ter acionado uma guarda para vir até aqui.
-Não, não fiz.
-Como podemos ter certeza? -Perguntou Spike calmamente.
-Porque eu também odeio o Império.
-E quanto ao fantasminha? -Perguntou Sirius.
-Ele odeia ainda mais do que nós todos. O Radaj é um escravo da Capital. Não que eu ou até mesmo Gerlon não seja, mas o caso dele é diferente. Ele é um thieldiano como Selena ou Leore, Gerlon e eu estamos mais para escravos de guerra. Um dos poucos que vocês conhecerão enquanto estiverem por aqui.
-O que foi ele fez?
-Bem... digamos que Radaj, um indesejado da capital, contrabandeava informações para a parte mais pobre, que eu suponho que foi a rota que vocês usaram para entrar na Capital. Provavelmente idéia do Gerlon. Enfim, Radaj usava essas informações para extorquir e chantagear os nobres com segredos sujos. Quando ele mexeu com as pessoas erradas, o capturaram e o torturaram, arrancando sua língua. A Capital garantiu que os segredos jamais poderiam ser contados.
-E se ele escrever? -Perguntou Sirius.
-Também pensaram nisso. Ou eles arrancavam os dedos dele fora, ou testavam uma criação dos Laboratórios Hinkon. Lobotomizaram ele, tirando muito de suas habilidades. Eles destruíram suas capacidades cognitivas e tiraram todo o seu livre-arbitrio. Radaj praticamente está na pior prisão de todas: sua mente. Ele praticamente está vegetando numa casca, deixaram apenas as suas funções motoras intactas para que servisse a Capital. Como eu sei que eles não fariam um bom uso dele, eu o comprei.
-Você comprou uma pessoa? -Perguntou Zafira, incrédula.
-Eles fariam pior. Eu dei valor e propósito ao que restou de sua dignidade e humanidade. A capital o usaria como cobaia para seus experimentos. Ele seria reduzido a nada.
-E quanto a você?
-Eu estou mais para uma prisioneira de guerra. Eu comandava um esquadrão no Exército em Sabi Sand, um pequeno reino entre a divisa de Sinédrio e Leivier. Eles me tem na palma da mão, uma vez que eles estão com minha mãe, meu pai e meu marido. Um passo em falso e eles morrem. Entende? Nem todos o Thieldianos são ruins, Gerlon não é ruim e eu também não.
-Então você se considera uma thieldiana? -Perguntou Spike.
-Infelizmente, sim. Eles me obrigaram a jurar lealdade ao antigo Imperador e ao Império. Mas mesmo sendo uma estrangeira para eles, o próprio império costuma ser benevolente com quem jura lealdade, quase que um thieldiano honorário. Nossos direitos são um pouco menor que os thieldianos "puros" mas, fora daqui, somos protegidos pela coroa. Apesar de tudo isso, eu ainda os desprezo pelo o que eles fizeram com minha cidade natal. Mataram tudo o que era vivo do meu reino. Tem um poder estranho pairando sobre a coroa que eu não sei explicar, uma sensação estranha, esquisita, uma magia que beira o macabro...
Os outros se entreolharam, eles sabiam o que era. A influência maligna daquela criatura obscura influenciava as ações do Império? De Leore Klauss? Não, não é possível... ou seria?
O jovem vestido em uma túnica branca os ofereceu a todos cálices de vinho. Sirius pensou sobre recusá-lo, mas ele nunca tinha tido vinho, exceto a coisa feita em casa que sua mãe usava para tosse, e quando ia conseguir a chance de experimentá-lo de novo? Ele tomou um trago do líquido seco e ácido e secretamente pensou que poderia ser melhorado com algumas colheres de mel.
Gerlon só aparece quando o jantar começa a ser servido. Parece como se ele tivesse seus próprios assuntos inacabados na capital, porque ele voltou um pouco chateado. Ele não recusa a oferta de vinho, mas quando
começa a tomar sua sopa, percebeu que querendo ou não, dele sentia falta daquilo. Talvez do luxo, da riqueza, ou pode ser apenas da comida mesmo. Gerlon e Effie conversaram durante todo o jantar. Talvez ela realmente disse a verdade e quer ajudar.
Enquanto eles fazem conversa fiada, Sirius e Mikka concentram-se na refeição.
Sopa de cogumelos, verduras amargas com tomates do tamanho de ervilhas,
rosbife em fatias finas como papel, macarrão com molho verde, o queijo que derrete na sua língua servido com doce de uvas azul. O servidor, o jovem vestido com túnica branca, aquele que ofereceu vinho, moveu-se silenciosamente de lá para cá da mesa, mantendo seus pratos e taças cheias.
A cerca de metade de sua taça de vinho, a cabeça começa de Mikka começa a ficar enevoada, então muda para água. Ela não gosta da sensação e espera que vá embora logo. Como os adultos pode suportar ficar andando por aí assim a toda hora é um mistério.
Assim como Sirius, ela tenta se focar na conversa, que tem se direcionado às suas vestes, as armaduras, quando o garoto coloca um glorioso bolo na mesa e habilmente o acende. Ela inflama e então as chamas vacilam ao redor das beiras por um momento até finalmente acabar. Mikka tem um momento de dúvida.
Eles comem o bolo e entram na sala de estar para assistir o replay das
cerimônias de abertura que está sendo transmitido. Atualmente, a Capital Thieldiana está sediando uma espécie de "Olimpíada" que eles chamam de Coliseu, uma espécie deturpada de Jogos Vorazes dez vezes pior.
Umas poucas outras duplas fazem uma boa impressão, mas nenhuma delas é capaz de comparar-se aos gladiadores do Distrito militar. Mesmo seu próprio grupo solta um "Ahh" enquanto eles se mostram saindo do Centro de Remodelagem.
-Amanhã de manhã é o grande dia. Mas queria que primeiro, vocês tivessem uma sessão de treinamento, mas não garanto que dará tempo. Todos vocês, acordem cedo e encontrem-me no café da manhã e direi a vocês exatamente como faremos -Gerlon anuncia especialmente para Sirius e Mikka. - Agora vão dormir um pouco enquanto os adultos conversam.
Sirius e Mikka andaram juntos pelo corredor para seus quartos. Quando
chegam à porta de Mikka, ele se inclina contra a estrutura, não bloqueando sua entrada exatamente, mas insistindo para ela prestar atenção nele.
-Você está bem?
Ele está pedindo por uma explicação, e Mikka está tentada a dar uma a ele. Ambos sabemos que ela não está bem. Sirius conhece Mikka desde de sempre, na pré escola, eles já se conheciam. Ele era capaz de reconhecer quando sua melhor amiga estava sendo afetada por algo. Ele estava lá quando seus avós paternos faleceram, e ele também estava lá quando os pais dela morreram.
Assim está ela, em débito com ele de novo. Se disser a ele a verdade, de alguma forma coisas podem aparecer. Como isso pode machucar realmente? Mesmo se ele repetiu seu apoio, seu ombro amigo, não podia fazer a si mesma nenhum dano. Ela sabia que desde de que conhecera Algol, ela não andava bem, mas ela também era muito boa em disfarçar sinais. Até mesmo quando uma entidade antiga (maligna também?) ficava falando e sua voz ecoava dentro da sua cabeça.
Dizer ou não dizer? Seu cérebro ainda está devagar do vinho. Ela olha para o
corredor vazio como se a decisão estivesse ali.
-Você já esteve no telhado?
Ela balançou minha cabeça.
-Eu encontrei enquanto conhecia o apartamento. Você pode praticamente ver toda a cidade. O vento é um pouco barulhento, entretanto.
Mikka traduz isso como "Ninguém poderá nos ouvir conversar" na sua cabeça. Ali há uma sensação de que poderiam estar sob vigilância.
-Nós podemos apenas subir? -Pergunta Mikka.
-Claro, venha. -Disse Sirius.
Ela o segue para um lance de escadaria que vai ao telhado. Há um pequeno cômodo em forma de cúpula com uma porta para fora. Quando pisam dentro do ar da noite fresco e ventoso, ela segurou seu fôlego pela vista.
A Capital Imperial cintila como um vasto campo de vaga-lumes. Eletricidade na cidade baixo vinha e ia, usualmente eles só tínham por poucas horas por dia. Frequentemente as noites são passadas a luz de velas. A única hora que você pode contar com ela é quando eles estão exibindo algum chamado real vindo da realeza ou alguma mensagem importante do governo na televisão, que é "obrigatório" assistir. Mas ali não existiria carência. Nunca.
Sirius e Mikka andaram para o parapeito nos limites do telhado. Ela olhou para baixo ao lado do edifício para a rua, que está zunindo de gente. Eles podiam ouvir seus carros, um berro ocasional, e um estranho toque metálico. Em Henry, todos estaríam pensando na cama agora.
-O que você acha que eles estão fazendo agora?
-Não sei -ele admite. -Venha ver o jardim.
Do outro lado da cúpula eles construíram um jardim com canteiros de flores e árvores em vasos. Nos ramos estão pendurados centenas de sinos de vento, que contam pelo tinido que eles ouviram. Ali no jardim, na noite ventosa, é o suficiente para abafar duas pessoas que estão tentando não ser ouvidas. Sirius olha para ela com expectativa.
Mikka finje examinar uma flor.
-As vozes -sussurrou ela depois de alguns segundos -elas dizem coisas horríveis. Ele fala coisas horríveis.
-Como o que?
-Morte. Ela me pede para matar todos eles.
-Não sei, às vezes quando estou com vocês, às vezes quando penso em outras coisas. Eu tô com medo.
-Não se preocupe, vamos dar um jeito. Vamos tirar isso de você. Eu prometo.
-Promete?
-Claro, não deixarei nada acontecer com você. Não posso deixar nada acontecer com você.
Mikka baixou a visão e voltou a encarar o jardim. As luzes piscantes da Capital brilhavam em todas as direções.
-Você está tremendo -Sirius notou.
O vento e a história tinham acabado com todo o calor do seu corpo. As vozes de Algol. Tinha sido o último daquela noite ou haveria mais?
Se isso é tudo que ela escutaria só iria
parecer palavras de um órfão assustado, mas de alguém contemplando a inquestionável "bondade" do Capital.
-Está ficando frio. É melhor entrarmos -ele diz.
Dentro da cúpula, é quente e luminoso. Seu tom é leve. Eles entram para dentro do apartamento.
-Nós estamos na minha porta. -Ela solta algumas pétalas de rosas que estavam em suas mãos e o vento as leva para longe.
-Vejo você de manhã, então.
-Até -ele diz, e anda pelo corredor.
Quando ela abre sua porta, o garoto de vestes vermelhas e máscara inexpressiva está recolhendo meu macacão colado e suas botas de onde ela os deixou no chão antes do banho.
Mikka queria poder fazer alguma coisa a respeito da situação de Radaj. Ela o encarou com pena. Como a Capital poderia fazer isso com alguém? Que direito tinham eles de reduzir uma consciência e nada? Eles eram apenas homens brincando de ser deus.
-Você pode levá-los para ele? As armaduras imperiais.
Ele foge dos seus olhos, dá um pequeno aceno, e segue para porta.
Ela chuta seus sapatos e entra sob os cobertores em suas roupas. O tremor
não parou. Talvez o garoto nem se lembre dele (ou de quem ele era).
Você não esquece o rosto da pessoa que era sua última esperança. E disso Mikka sabe muito bem. Sirius. Senhor Ângelo e todos os outros órfãos da Capital Império.
Ela puxou os cobertores acima da sua cabeça como se isso fosse lhe proteger do monstro que habita sua cabeça. Mas ela pode sentir seus olhos lhe assistindo, perfurando através das pálpebras, do seus sonhos, pesadelos e pensamentos. Até mesmo dos seus sentimentos.
A hora de aproximava. Em algumas horas, eles estariam entrando em confronto direto com o Império. Mikka se perguntou inúmeras vezes se esse era o seu fim. Era ali que ela morreria? Não, ela não pode. Apesar de todo o medo que o Império Thieldiano lhe causa, ela não pode recuar. Ela não está sozinha. Ela precisaria pela primeira vez, ajudar no confronto, salvar Sirius e os outros se fosse preciso. Ela precisaria ser forte. Então, o medo de Algol que ela sentia, ela começou a ver como uma solução. Ela usaria Algol de fosse preciso. Como ela faria? Ela não sabe, mas usaria seu poder.
Enquanto isso, ao mesmo, se pergunta se ele gostará de lhe assistir morrer.
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