Capítulo 50 - Réquiem de um passado distante
As Planícies de Kuloong são altas terras localizadas a nordeste de Pangeia. A paisagem é gramada e o clima costuma ser chuvoso na maior parte do ano. Diversas ruínas antigas estão espalhadas por estas terras altas, e muitas vezes habitadas ainda por Malboros de Glaq, uma subespécie dos Malboros de Echovalle, mas adaptados ao clima chuvoso e terreno da região.
É uma região montanhosa que se espalha pelo norte, próximo a Falconia e se estende até a península do extremo leste. Antes da adoção generalizada de aeronaves como principal meio de transporte, esta região era estrada para a passagem de Helx, uma faixa de terra que antes ligava o continente de Pangeia e Laurásia, e era repleta de viajantes e aldeias, antes do colapso da passagem, milhões de anos atrás. Ruínas podem ser vistas aqui e ali entre a grama alta, e pesquisadores de Falconia e Élnides costumam ir para essa região para mergulhar nos mistérios deixados por qualquer civilização antiga que as construiu.
Kuloong está localizado entre a Costa do Extremo Leste e a estepe de Nujim, região costeira de Pangeia, e possui passagem para o Palácio Caverna de Stalactara. Para cruzar a Estepe de Nujim, é indicado o uso de uma montaria mecanizada. Há também os Kuloongs Baixos, onde aparentemente são construídas as melhores montarias montanhesas da região. Uma família de mecânicos humanos vivem aqui e cria montarias há gerações. E foi exatamente isso que eles fizeram.
Há alguns dias da Ponta do Leste, Gerlon alugou três montarias em forma de cavalos para o grupo. Eles foram programados para deixá-los o mais próximo da praia possível, antes do controle automático ativar e trazê-los de volta.
Eles cavalgaram por longas quarenta e seis horas. Um tempo recorde até, já que de navio, eles provavelmente levariam mais de cinquenta horas de voo. O trote das máquinas era preciso e mecânico, as montarias corriam velozmente sem descansar ou dar sinais de que iria falhar a qualquer momento. Seus motores não aqueceram em nenhum ponto e nem houve uma sobrecarga de energia. Eles atravessavam zonas de Kuloong com milhares de quilômetros quadrados em minutos, fazendo seus traseiros doerem por dias depois daquilo. A viagem correu tranquila na medida do possível. Não precisaram enfrentar criaturas perigosas no caminho, apesar de um verme gigantes rochosos os perseguiu durante cinco horas, mas sem sucesso. Mais um dia vivo.
Às vezes, precisavam se esconder de inúmeras aeronaves menores de patrulha de Thiel e também de Falconia. Na segunda noite antes de chegarem ao destino, eles assistiram uma batalha inteira de aeronaves sob o mar de estrelas brilhantes acima deles. As bolas de fogo cortavam os ares, esquentando tudo ao redor, e as naves abatidas pareciam meteoros entrando na atmosfera e explodindo violentamente antes de sequer tocar no chão. As poucas aeronaves que tinham o azar de se chocar com o chão, em minutos eram devorados por criaturas noturnas ou pelos vermes gigantes.
Foi na manhã do terceiro dia de cavalgada, que o terreno da planície começava a dar indícios de um terreno mais fofo, com areias brancas e a maresia vinha junto com o vento. Os primeiros coqueiros começavam a surgir sutilmente entre algumas rochas e montanhas, mais ao longe, dunas de areias preenchiam o horizonte que antes eram repletos de montanhas. As montarias equinas pararam de trotar e caminharam suavemente, para o alívio de Mikka, e seguiu no ritmo por uns quatro quilômetros. Gerlon assobiou de felicidade ao pegar um mapa ao ver o tanto que haviam progredido. Eles haviam percorrido mais de oito mil quilômetros em dois dias.
As montarias pararam sob as sombras de um rochedo enorme em formato de coxinha. A sombra projetada diminuía drasticamente a temperatura. Apesar de ser cedo da manhã, o vento batia forte, os grãos de areia eram arremessados fortemente contra suas peles como pequenas agulhas. O som das ondas quebrando sinalizava que a maior parte do caminho havia sido feito. Sirius e Mikka estavam agora, mais longe de casa que um dia eles puderam sonhar. Os coqueiros altos e verdes dançavam na batida do vento e as dunas se moviam como criaturas vivas, carregadas pelo vento.
Havia poucas nuvens no céu, o que preocupava um pouco Gerlon, Spike e Zafira. Eles estavam no litoral e naquela região mais aberta não havia muita vegetação para que eles pudessem se esconder quando uma frota imperial passasse voando acima deles. Ficou acertado que eles acelerassem para o tal acampamento de contrabandistas que Madame Crussel havia dito.
Mais para a ponta do continente, era onde estava realmente a fala do litoral. Elogiadas por suas belas praias de areia branca e vegetação exuberante, um acampamento de caçadores e de contrabandistas ao longo da costa atrai aventureiros, formando uma comunidade onde podem trocar informações e descansar entre as expedições, e era exatamente isso que Gerlon procurava.
Flora acionou o controle automático das montarias e elas cavalgaram velozmente de volta para seu ponto de origem. Acimas deles, uma pequena esquadra imperial sobrevoou aquela região. Eles se espremeram todos embaixo da rocha e esperaram elas se dirigirem em direção ao oceano. A quilômetros, naquela direção, estava o grandioso continente de Laurásia.
-Parece que fizemos a escolha certa, no final -Disse Gerlon -Se tivéssemos vindo pelo caminho mais fácil e vindo com a Bichano, uma dessas patrulhas, sem dúvidas, tinham sido rápidas em nos dar boas vindas. Estamos perto das portas do Império agora, então não devem se preocupar muito…
-Mas isso não é desculpa para ficarmos desleixados -Completou Spike.
-Exatamente - concordou Gerlon - ainda temos um longo caminho até chegarmos até a capital.
Ao fazerem uma rápida varredura pelos céus, não encontraram nenhuma aeronave inimiga, e então, puderam prosseguir. A areia branca e fofa dificultava bastante o plano de caminhar rapidamente pela costa para encontrar esse acampamento. O vento fresco batia em suas roupas e a maresia adentrava com tudo em suas narinas. O local era simplesmente perfeito para se passar férias prolongadas, mas infelizmente não era a ocasião. Eles tinham uma missão a cumprir.
Eles andaram por umas duas horas embaixo do sol escaldante, quando avistaram grandes barcos ancorados e casas de madeira distribuídas sem um padrão organizado. Dos muitos caçadores que vagam por Pangeia, sabe-se que os melhores dos melhores, em busca das marcas mais raras, se reúnem em um acampamento ao longo do litoral. Ao contrário dos clãs, os caçadores que aqui se reúnem não têm líder, e todas as trocas de informações, atividades de apoio ao acampamento e pagamentos por elas são feitas individualmente.
Eles avistaram alguns evanianos trabalhando, carregando caixas para o porto de madeira, e os outros levavam para dentro dos navios. Humanos afiavam armas e empacotavam. Era um acampamento simples e pacato, com atividades contrabandistas e caçadores, nada demais ou diferente de tudo que eles já haviam vistos até ali. No alto, um pouco mais afastado da praia, uma enorme casa de madeira reinava entre os coqueiros. Era toda de madeira e telhados de palha firmemente presos. Não haviam paredes laterais e no meio dela, uma grande fogueira criptava logo de manhã cedo.
O acampamento
Alguns caçadores notaram a presença de estrangeiros e o boca-a-boca rolou rapidamente. O grupo parou no que (provavelmente) seria o coração do acampamento. Um homem forte, de pele negra e com várias cicatrizes se aproximou, ele carregava um grande machado e mastigava alguma coisa.
-Podemos ajudar?
Gerlon retirou do coldre, o cartão que Madame Crussel havia lhe dado.
-Somos piratas, estamos de passagem. Somos conhecidos da Madame Crussel. -Ele entregou o cartão para o homem.
O homem encarou o cartão e o virou. Suas credenciais eram reais.
-Vocês são piratas? Para onde vão? -Perguntou o homem.
-Recebemos um pagamento adiantado, viemos caçar uma criatura que se esconde dentro das cavernas de Stalactara. O folheto eu peguei no Bar Olho de Cobra, em Capital Império -Disse Sirius.
Gerlon e Zafira arregalaram os olhos, assustados. Ele iria destruir o disfarce deles.
-Madame Crussel era a remetente. O cartão é para nos ajudar a matar a fera. Pode nos ajudar? -Continuo.
O homem deu um sorriso largo, mostrando seus dentes amarelos.
-Fiquem a vontade. O almoço será servido em duas horas. Montem o acampamento de vocês. Se precisarem de armas, procurem na Grande Casa -disse, apontando para a casa mais afastada. Havia um certo movimento lá.
E a rotina do acampamento voltou ao normal. Gerlon se aproximou.
-O que você está fazendo? Quase acabou com o disfarce - disse o Pirata.
-Eu só quis ajudar! Não importa o que fosse inventar, acho que seria melhor dizer a verdade! -Respondeu Sirius.
-Verdade? Que verdade?
Sirius tirou um panfleto de seu coldre e entregou a Gerlon. Era um cartaz de uma fera em forma de aranha, que dizia-se estar em Stalactara, e a remetente era mesmo a Madame Crussel.
-Mas como… -Zafira ficou incrédula.
-Tem coisas que não adianta duvidar de Sirius. Ele sabe de cada criatura que é posta no mural de caçadores - respondeu Mikka.
Spike e Flora riram.
-Bem, tudo certo. Vamos atrás de armas e nos reunimos para o almoço.
-Corrida até a água! - Gritou Sirius.
Ele e Mikka saíram correndo para a água. Spike os seguiu.
Gerlon, Zafira e Flora caminharam em direção a grande casa. Na verdade, estava mais para um grande Chalé do que uma casa em si (ou tem diferença?). Eles encontraram algumas pessoas sentadas na sala de estar quando entrou no pequeno hall, as atenções estavam concentradas em uma mulher que estava falando com seus companheiros. Eles eram meio estranhos, meio… disfuncionais. Ela era morena, de cabelos curtos acima dos ombros, que por sua vez, eram largos e fortes, além de queimados pelo sol. “Fazendeira” deduziu Gerlon.
A sala era bonita, tinha cores claras, móveis feitos inteiramente de madeira das boas. Na lareira, um fogo esperto com lenha recolhida da praia, cozinhava os primeiros peixes do almoço. Eles adentraram e pegaram a conversa da mulher já pela metade.
-... por sorte, os imperiais serão despistados. Se estivessem vivos ainda, nossos problemas seriam muito maiores e não poderíamos proteger a todos da comuna. Maldito caçador de recompensas…
-Não poderemos fazer todos lutarem contra aquele encouraçado. Nós ensinamos eles a lutarem, mas não é para o campo de batalha que os levaremos.
-Por isso precisamos ir até eles, antes que eles venham até nós. -Disse a garota.
Gerlon parou do lado, no balcão onde a conversa rolava. Eles pararam de conversar na mesma hora. Pelo canto do olho, Gerlon notou algo valioso que lhe chamou atenção: um coldre com uma arma, mas não qualquer arma. Uma pistola com runas e talhadas com brasões de prata: brasões de leões.
Ele conhecia aquelas inscrições. Eram armas usadas pelska guarda real de Thiel. Uma pontada de desespero se abateu sobre ele. A guarda real geralmente era composta por humanos para a vigilância da família real do Lord Garant. Mas Gerlon não a reconhecia, mais um motivo para se preocupar. Ao lado dele, Zafira se aproximou.
Gerlon olhou pelo canto do olho e notou que a garota não ligou, na verdade, ela não deu a mínima. Mas ainda sim, não era motivo para ser desleixado, como Spike havia anunciado mais cedo. Mas, e agora? O que fazer? Ele não havia previsto que o Thiel iria começar a enviar a guarda real para Pangeia, mas por que isso? Qual a finalidade? Eles não já haviam conquistado quase oitenta por cento do lado oeste de Pangeia? Qual o significado de se infiltrar em lugares menores com espiões? Uma vez que uma fração minúscula de seu exército era suficiente para subjugar seus alvos? Vale lembrar ainda que a Kartacos ainda está no continente.
Com tudo que ele sabia, Gerlon descartou a idéia de espiões. Aquilo não fazia o menor sentido. Era uma possibilidade baixíssima que ele se recusou a prosseguir. E de fato, ele estava certo. A garota e seu companheiro não deram a mínima pelos instantes que eles estavam ali, parados. Gerlon prestou um pouco mais atenção na conversa, e era algo sobre a resistência. A Resistência. Os Insurgentes. Eles eram contatos também do Marquês Dário? Aquilo era um encontro ou eles estavam fugindo? Estavam planejando o próximo ataque? A Madame Crussel sabia que eles estariam ali, naquela hora, e isso foi calculado por ela? Não, a velha não saia de seu esconderijo em Yanilad há muitos anos. Mas o que sabe aquela velha?
O assunto deles se desenrolou, eles falavam sobre planos e pontos de ataque. Tudo direcionado ao Império Thieldiano. Com uma olhada rápida, Gerlon encarou mais uma vez o rosto da garota e seu coldre. Ela pareceu ter notado, e se escondeu sob uma capa de viagem.
Seu parceiro falou um nome. General Irahim. Gerlon também o conhecia e se lembrava perfeitamente dele. Era o General Chacal que ele avistou quando estava preso em Yanilad junto com Sirius, após derrotarem os Javaporcos. O algoz de Rafaele.
Eles relataram um confronto? Irahim não passava de um idiota com poderes sobre uma frota pequena do Império. Um cão imperial que lambia as botas de seus superiores, que claramente abusam da autoridade e o mandam e desmandam para missões estúpidas e tarefas pífias que não valeriam a pena dos Marechais. Mas ele era confiável e fiel à causa e ao imperador. Se o confronto era contra ele, então não há porque se preocupar. Eles falavam de uma Resistência? Que assim seja, eles eram “aliados”. Até aquele momento, eles estavam do mesmo lado, e era só isso que importava por agora. Eles precisavam seguir em frente.
Uma atendente se aproximou e sorriu delicadamente. Gerlon lhe mostrou o cartão. A garota saiu e voltou alguns momentos depois, acompanhada por duas crianças que traziam caixotes de madeira. Elas colocaram os caixotes no chão e o som de ferro ecoou.
Ao abrirem, um grande e satisfatório arsenal de armas. Os olhos de Gerlon brilhavam como ouro. Aos poucos, eles se armavam da melhor forma possível. As cavernas de Stalactara era um imenso complexo de cavernas subterrâneas, formadas a partir do colapso do estreito de Helx. Antigamente, naquela região, havia um reino que fiscalizava a rota entre os dois continentes, mas a região sempre teve tendências de grandes alagamentos e outros desastres naturais, principalmente vindos do norte, as geadas massivas vindas do Mar das Brumas atrapalhava a agricultura e dificultava as caças na região, sendo tomadas por muitas vezes, por criaturas nefastas e cruéis que matavam por instinto de proteção de seus territórios. Temendo algo pior, o rei mandou construir um complexo de túneis e rotas que sobreviveriam as catástrofes futuras. E seu desejo se realizou: a passagem foi destruída milhões de anos atrás, na era da calamidade. O antigo castelo afundou com seu rei e seus súditos para o fundo do mar, mas as cavernas sobreviveram e são usadas até os dias de hoje, assim como havia desejado o rei.
Antes de ir embora, Gerlon trocou os olhares com a garota, e ela o encarou de volta. Instintivamente, Gerlon queria perguntar-la sobre quem ela realmente era. E ele apostava que ela queria fazer exatamente o mesmo. Um sentimento de que “um emanava uma energia familiar, mas ao mesmo tempo, o enjoava” ficou no ar.
A garota e seu grupo saíram logo após o almoço, e então Gerlon alugou três quartos que foram ocupados por eles. Assim como o pirata, Flora também os havia achados estranhos. Ela tinha a sensação de que um robô humanóides imperial os seguia, o que deixava as suspeitas ainda mais evidentes. Mas eles não conseguiram pensar numa justificativa plausível para aquele encontro ou aquelas ações que eles estariam prestes a realizar.
A moça simpática terminou de limpar os quartos e os conduziu para o segundo andar. A varanda dos quartos eram simplesmente as melhores possíveis. O vento e a maresia revigorava seus pulmões. Os quartos não eram grandes, mas eram bem aconchegantes, muito mais do que muitos que eles já tivessem passado ao longo de suas vidas. De lá, puderam avistar Sirius e Mikka brincando e correndo na água, enquanto as ondas quebravam logo atrás. Num coqueiro próximo, Spike estava deitado sob a sombra da árvore. Ele aparentemente estava tirando um bom cochilo após o almoço.
O resto do dia correu tudo bem. Flora havia sentado ao lado de Spike, Sirius e Mikka debaixo do coqueiro. Os enormes navios piratas atracavam no porto, próximo a ponte de madeira, e incontáveis homens descarregavam inúmeros caixotes. Na varanda do seu quarto, Zafira encarava o pôr do sol que pintava o mar e o céu de laranja. As ondas quebravam num ritmo monótono quando Gerlon adentrou no quarto.
Eles ficaram em silêncio por alguns segundos, ali na varanda. Gerlon suspirou.
-Por que a Capital? -Perguntou.
Uma gaivota cantou em algum lugar acima deles.
Após um tempo pensando, ela respondeu:
-O Tesserato. Eu devo destruí-lo.
-Você tem certeza? Você não quer isso para si mesma?
Zafira arfou. Gerlon continuou:
-Use seu poder para restaurar Henry… algo assim? -Ele balançou a cabeça de um lado para o outro, suas feições entregavam seu nítido cansaço - As melhores intenções podem trazer o pior tipo de problema.
-Desejando cada vez mais poder, cega pelo Tesserato. É assim que você me vê?
-Isso soa como alguém que eu conheço.
Zafira franziu as sobrancelhas, curiosa.
-Ele estava obcecado com o Tesserato. Era tudo o que importava. Ele falava algumas loucuras, cego por alguma coisa, pelo poder da pedra, desse artefato. Ele falava sobre alguém, um ‘Sauron’ ou ‘Taudaron’? Não importa. Tudo o que ele fez, ele fez para chegar mais perto do Tesserato, para entender. Ele fez naves, armas… Ele me fez até um Marechal.
Zafira arregalou os olhos, surpresa. Ela não poderia acreditar no que seus ouvidos ouviram, por um segundo, temeu que eles os tivessem lhe enganando ou até mesmo o pirata, mas não. Ele permaneceu sério e frio, sem demonstrar tristeza ou arrependimento.
Todas as desconfianças que Zafira sentia agora faziam sentido. Ela sempre se perguntou como ele soubera tanto do exército Thieldiano, como ele sabe como eles pensam. Seus objetivos e até sobre os outros marechais. Como ele sabia como causar ferimentos em Kuma, como comandar a batalha contra Urie. Gerlon era um homem que sabia de muitos segredos do Império, o tornando um alvo vivo sempre em busca de fugir de algo que acabasse com sua vida, como uma queima de arquivos do império.
-Você… você era um Marechal?! -Perguntou, incrédula.
-Parte de um passado que eu prefiro esquecer. Não durou muito tempo. Eu corri. Abandonei meu nome que agora eu já não me lembro mais, adotei Gerlon para não me esquecer de alguém. Para não me esquecer do monstro que eu já fui. Deixei os outros marechais… e eles.
-"Eles"? - Quis saber Zafira.
-Eustass Dakar Vega. O próprio Doutor Vega do Laboratório Hinkon. E Pollux Dakar Vega, meu irmão. Após a morte da minha mãe, foi quando ele perdeu seu coração para o Tesserato. E eu suponho que é quando eu perdi meu pai e meu irmão.
Zafira sentiu um nó em suas entranhas. Suas mãos gelaram e por um momento, se sentiu anestesiada. Ela sentiu uma vontade tremenda de chorar. Ela conhecia muito, e melhor do que ninguém ali, a sensação de perder parentes próximos, de seu sangue. O vazio que eles deixavam. Como a morte deles conseguia levar um pedaço da alma, que jamais voltaria a se regenerar.
Gerlon permaneceu firme, encarando os últimos segundos do pôr do sol. As primeiras estrelas começaram a surgir no céu.
-Não siga seus passos. -disse o pirata - eu fugi. Eu não podia suportar vê-lo assim, um escravo do Tesserato. Não depois do que ele fez, e então… então eu corri livre, enfim. Engraçado que eu fui atrás do Tesserato Safira. Como eu poderia saber que era um desses malditos artefatos? E depois, é claro, eu conheci você. Tudo o que eu corri, depois de tudo, eu não cheguei a lugar nenhum. Uma corrida em vão. É hora de acabar com isso… cortar meus laços com o passado. Pois não há só um dia que eu acorde e não me amaldiçoou e me culpo por não estar morto. Deveria ter sido eu, no lugar dela. Eu quase fiz o que eu queria… eu quase tive algo que eu podia, e de novo esse quase, e esse sempre nada.
Zafira baixou sua visão, massageando a marca da aliança em seu dedo.
-É difícil deixar o passado para trás. Eu sei.
Zafira se recordou de uma das vezes que se encontrou com Hércules, poucos antes do casamento ser realizado. Eles estavam em uma das torres do Castelo de Henry e na frente deles, a Capital Império reluzia como mármore branco em meio ao deserto.
Hércules estava no parapeito, suas feições era de preocupações, mas também de dúvidas. Dúvidas invisíveis que lhe afligiam, que o fazia se questionar sobre si mesmo.
Zafira vestia um vestido branco reluzente e um pingente em formato de lince que recebera de seu noivo dias antes. O sol acima brilhava fortemente. Ela se aproximou. A capa do jovem príncipe balançava.
-Um casamento de conveniência. -Disse Hércules - Um símbolo da aliança entre Itorama e Capital Império. Cela e Henry. Esta é a forma como eles vêem o nosso romance. Nosso jogo.
-Eles, não é? -Perguntou Zafira.
-Esses papéis que desempenho. Devo admitir que eu achei… cansativo.
Zafira pôs sua mão sobre a de seu noivo. Suas alianças reluziam como diamantes. Como o encontro de duas estrelas apaixonadas.
-Vou jogar o meu jogo. O nosso jogo -disse ela, o encarando.
Ele a sorriu de volta.
-Eu não pensaria diferente. - E Hércules a beijou.
-A escolha é sua. Mas não dê o seu coração a uma pedra. Não seja como ele. Não seja o monstro que eu já fui um dia, e o monstro que ele é agora. Você é muito forte para isso, Princesa.
Zafira segurou firmemente suas próprias mãos. Segurou com força que em segundos, a sensação de formigamento veio.
-Eu… eu rezo para que você esteja certo, Gerlon.
Ele sorriu de volta. Alguém bateu na porta, era uma das crianças que ajuda na recepção.
-Senhor, conseguimos os equipamentos que você pediu. Está nos fundos.
Gerlon deu meia volta e saiu do quarto, a deixando sozinha em seus pensamentos.
Na entrada, ele avistou Sirius e Spike numa briga de braço, na qual Spike venceu sem ter que fazer esforço, mas o insistente chowchow não desistiu após sua nona derrota consecutiva. Atrás deles, Mikka e Flora comiam peixe e lagosta no espeto.
O garoto conduziu o pirata para uma cabana boa fundos do chalé. Entrando lá, a moça simpática o aguardava. Ela havia montado um rádio improvisado como algumas peças velhas que havia encontrado durante uma breve vasculhada no depósito.
Ele sintonizou numa frequência mediana e em código Morse, lançou alguns bips. Segundos depois, ele teve a resposta que esperava: Recon e Donpa eram incríveis.
-Alô… chefe…? Consegue me ouvir? -Perguntou Recon.
-Alto e claro -respondeu Gerlon.
-Não temos muito tempo… antes de ser… interceptado… nós estamos… em Arack… Temos… e más notícias.
-Estou ouvindo.
-As más é que… Guerra… perto de vocês… começou… e nós interceptamos… um esquadrão… chegando… são… muitos… e uma tal… Átomos… Leore mandou… pegar pesado com… as galinhas… do norte!
-Já sabemos. Ouvimos umas conversas enquanto estávamos em Echovalle. Estamos nos aproximando de Stalactara, nos encontrem em Guggeheim em três dias e esperem por novas ordens minhas.
-Entendido! Mas vou… vocês acelerem… as tensões… estão piorando… Dário… Resistência… treinamento! Parece que… outros… lutando contra… os reinos do leste… ajudarão!
-Entendi, eu acho. E quanto as boas?
-Os outros… recuperando… bem! Queria… Sirius… está aí?
-O que tem o Sirius?
-É que… Folgo e Amirah… Zaya! … Eu não… falar… ele! Droga… perden… sinal… Don… biliza…
Gerlon perdeu sinal com sua tripulação. Algo aconteceu com Zaya? O pirata tentou enviar em código Morse novamente. Após algumas tentativas, ele obteve retorno. Os pontos e blips formavam uma frase que Gerlon traduziu.
Ele não podia contar… não agora… tão perto… Ele precisava de Sirius para continuar aquela missão, ele era alguém importante que não podia ser substituído aquela altura. Mas aquilo, ele não poderia revelar de maneira nenhuma. Sirius não precisava saber, não agora, ele já tinha muito com o que se preocupar.
Aquilo com certeza, abalaria a vida do jovem chowchow, como ele nunca havia sido atingido, caso entendesse.
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