Capítulo 46 - Ataque ao Monte Burlmugaron (Parte 2)

Beat e os outros escalaram uma pilha de cadáveres para observar o trabalho de reparação sendo concluído na muralha. Os engenheiros colocaram cruzes robustas contra a parede e pilares enfiados profundamente no chão para mantê-las no lugar. Era um trabalho rude, mas fornecia uma barreira para manter os asseclas do Inframundo longe da estrada. Enquanto ele não precisasse se preocupar com os esqueletos arqueiros vindo por trás dele, Beat podia rumar com segurança para a cidade novamente. Sem dizer uma palavra aos defensores próximos a ele, os piratas saltaram para a estrada e correram para a cidade.

As primeiras horas da manhã vinham os primeiros raios de sol. As vastas colunas de fumaça agora rodopiavam e giravam, iluminadas apenas pelo incêndio abaixo, e através da neblina Beat ocasionalmente vislumbrava a própria Kartacos, uma grande fortaleza voadora sobrevoando a cordilheira montanhosa. Era de seus canhões poderosos que bolas de fogo eram atiradas, grandes bocados flamejantes que ela lançava aleatoriamente ao redor dos vilarejos.

Beat não perdeu um instante sequer pensando nesses infelizes. Eles não estavam ali para matar criaturas nefastas. Eles precisavam salvar o máximo de civis possíveis. A grossa fumaça preta assumiu um odor nocivo enquanto ele se aproximava do portão em ruínas da cidade. A memória dos corpos queimados nunca poderia ser apagada da mente de Dymas. Depois de tantas batalhas, cavar sepulturas era impossível; havia sempre mais mortos do que pás e homens para usá-las. Dymas ordenava que os corpos fossem empilhados e incendiados. A pira funerária de um tornou-se a pira de centenas, e assim foi por muitos anos.

Os portões da cidade estavam demolidos e despedaçados. Alguns poucos civis escolheram seu caminho através dos escombros, mas mais do fogo da Kartacos choveu sobre eles; seus gritos foram breves, e logo tornaram-se extensões da pira.
Apenas a guarita permaneceu intacta, embora parecesse abandonada. Enquanto  Beat e os outros passavam, no entanto, uma voz gritou da janela sombreada.

-Vocês ai! Parem!

A voz era fina e ofegante, e, quando Beat virou-se para olhar, encontrou um homem curvado e encarquilhado, quase sem força para ficar em pé em sua armadura.

-Declare sua... condição... hm. O que você está fazendo aqui?

-Eu nós procuramos Khirmina – disse Dymas – ela trabalha numa taverna ao longo do rio. Ela veio ajudar no festival das deusas.

-Ah, Khirmina... você veio atrás do Oráculo... Para quê?

-Oráculo? O que você está falando?

-Bem... não é nada.

-Onde ela está? – Dymas perguntou com tanta paciência quanto ele podia reunir.

-Ela tem um quarto num dos templos na montanha, mas... – o velho balançou a cabeça tristemente – essa área está em chamas. O lugar inteiro está em chamas. O Oráculo pode estar morto. Ninguém a viu desde de que os combates começaram. Uma vez ela me disse o meu próprio futuro, sabia disso? Isso foi há muito tempo. Eu tive que me sacrificar...

Dymas reprimiu com êxito um súbito desejo de ignorar aquele homem. Ele rosnou:

-Como fazemos para chegar lá?

-Bem... você não pode passar por aqui.

-O quê?

-Eu recebi as ordens do comandante da vigília, dadas poucos antes de o portão ser derrubado por uma daquelas bolas de fogo. Ninguém entra por esse portão, quer dizer, pelo que resta dele.

O velho homem segurava um punhal com a mão trêmula.

-Além disso, por que você quer ir até lá? O lugar está cheio de mortos-vivos, tem um ciclope e, pior, eu vi até mesmo um minotauro!

Folgo balançou a cabeça, pensando na luta nas Longas Muralhas montanhosas. Mais um esforço desperdiçado. O exército imperial e os monstros já estavam dentro dos vilarejos, ruínas e em Burlmugaron. Eles deixaram o velho balbuciando consigo mesmo e correu pelas ruas, iluminadas por incêndios reprimidos ao longe.




Correndo pelas ruínas em chamas, Beat amaldiçoou-se por ser um tolo, apesar de sua espada cantar a canção do Índigo, através de inúmeros corpos de asseclas do Inframundo. Legionários mortos-vivos voaram em pedaços rapidamente e ninguém diminuiu os passos largos de Dymas. Esqueletos arqueiros dispararam flechas flamejantes quando ele passou, mas ele não sofreu nenhum arranhão. Com agilidade, ele se esquivou de um imenso ciclope e dissipou espectros fantasmagóricos com poucos mais de um gesto.

E tudo isso por nada. Assim como o massacre para reconstruir a brecha nas Longas Muralhas montanhosas fora em vão.

Os exércitos do Inframundo haviam atacado a muralha primeiro, não para ganhar acesso à cidade, mas porque era onde os soldados estavam. As legiões do Inframundo viviam apenas para matar. Se os soldados élficos tivessem oferecido resistência ao longo dos vilarejos, seria onde as abominações teriam atacado. Eles nunca precisaram atravessar as paredes, no final das contas.  Enquanto eles corriam, mais inimigos saltaram da terra, como se um impossível submundo tivesse aberto os portais da realidade para vomitar sua desova em Kravaattii.

Beat se amaldiçoou por combatê-los como se fossem demônios.

Eles não pausavam mais para mata-los. Por que se preocupar? Burlmugaron e seu povo não podiam ser protegidos da destruição do exército imperial, o exército de Leore não podia ser destruído. Como dentes de dragão, cada besta que Beat, Dymas, Seal e Folgo vissem a matar podia ser recriada em qualquer lugar, a qualquer instante. Matá-los não fazia mais do que alimentar o poder das suas espadas, poder de que eles não precisavam. Eles iriam procurar por Khirmina, a “Oráculo”.

Em uma esquina a frente, ele ouviu urros e grunhidos e as vozes de homens gritando como crianças. Logo, dois soldados élficos apareceram à vista, correndo em plena velocidade suas armas e escudos esquecidos. Eles gritaram para Dymas que eles deveriam fugir.

-Eles estão bem atrás de nós!

Um segundo depois, Dymas descobriu do que eles estavam fugindo: uma criatura gigantesca, com a cabeça e os cascos de um grande touro e o corpo de um homem.

O minotauro, monstros originários nas Ilhas de Creta, no sul do Oceano de Thétis.

O Minotauro trazia um enorme labris, o machado de duas faces, muito comum usado pelo povo dos anãos, e tinha o tamanho de um homem e era duas vezes mais pesada. A grande besta levantou o labris para o alto e, com um poderoso impulso, atirou-o girando por meio do cenário turvo e obscuro. Um dos soldados, olhando com medo por cima dos ombros, viu a lâmina que se aproximava e jogou-se para o lado. O outro nunca olhou para trás. Ele descobriu o machado no mesmo momento em que ele eliminou a sua cabeça em um corte limpo e saiu do outro lado, sem perder velocidade. O machado cantou no ar, girando direto para o rosto de Dymas.

Dymas julgou a distância e o giro, então deu um passo para a frente, de modo que o punho do machado, e não sua lâmina, batesse em sua mão. A arma golpeou com força suficiente para matar um homem comum. Dymas sequer piscou.

-CORRA! – o soldado restante gritou quando ele passou por perto – você tem que correr!
Beat sacou sua espada e ela brilhou em azul. Seal ergueu sua Cimitarra e Folgo, sua katana. Os três avançaram, mas não para o Minotauro. Atrás dele, legionários mortos-vivos surgiram e avançaram.
O Minotauro bufou, baixou seus amplos chifres e atacou.

Dymas levantou o labris.

-Você vai querer isso de volta – ele disse, e atirou-se contra o monstro, que parou sua corrida, rosnou e tentou reproduzir a proeza de Dymas. O Minotauro descobriu que isso era mais complicado do que parecia.

O Minotauro calculou mal o giro do machado por um meio passo: a lâmina atravessou sua mão, seu nariz e seu crânio, antes de girar para cravar numa pilastra das ruinas.

O cadáver de meia cabeça continuava oscilando. Dymas levantou a cabeça decepada de um legionário morto-vivo e atirou como uma rocha. Ela bateu no peito do monstro e derrubou a grande besta.
Dymas zombou do legionário morto-vivo. Ao passar pelo cadáver do Minotauro, ele sacudiu a cabeça e bufou com desprezo.
Antes de chegarem a esquina, no entanto, eles descobriram que havia cometido um erro. Aquele não era o único minotauro; mas apenas um minotauro. A verdade lhe foi revelada pelo aparecimento de mais três imponentes homens-touro, trovejando em direção a ele com os machados em punho.

Dymas colocou no chão suas bandejas de biscoito e empunhou suas lâminas sombriamente, sem diminuir seu ritmo. Outro atraso sem sentido. Ele usaria melhor o seu tempo fora das ruas. Atrás deles, mais explosões e rochas gigantes eram destruídas ou arremessadas. O pequeno avião de Donpa e Recon estavam a todo vapor e Wiz usava suas magias mais devastadoras para destruir os inimigos.

Os três minotauros se espalharam para bloquear seus caminhos, mas um impetuoso arranque, mais rápido que o galope de um cavalo de competição, deu a Dymas um impulso de que ele precisava. A uma dúzia de passos dos monstros, Beat cravou sua espada no chão e uma montanha de gelo cresceu para o alto, o gelo prendeu-se com firmeza, dando caminho para o alto, sobre as cabeças dos minotauros atônitos. Ele cravou outra vez sua lâmina no chão, e o gelo voltou a brotar, dessa vez para uma varanda superior e assim por diante, até conseguiram passar até os telhados.

Dali, eles podiam ver claramente os templos no Monte Burlmugaron, e além deles, a figura enorme da Kartacos , que ainda atirava punhados de fogo nos vilarejos abaixo.

Mesmo aquela pausa momentânea havia sido suficiente para os asseclas do Inframundo, localizarem-nos novamente. Bandos de harpias voaram em direção ao telhado, espectros flutuaram através das paredes próximas, e torres tremiam com os minotauros e ciclopes escalando suas paredes.

A titânica aeronave virou seus canhões como juízes destruidores de mundo na direção deles. Por trás daquelas cúpulas de ferro e vidraças, alguém comprimia seu rosto em um sorriso cruel. Os tiros de bolas de fogo queimavam as nuvens que se alojaram ao redor da grande aeronave. Uma  bola de fogo maior do que todo o edifício que eles estavam. Enquanto o míssil em chamas parecia se expandir a uma velocidade alarmante, os piratas tiveram um instante para se perguntar se Wiz teria como parar aquele disparo.

Dymas agarrou Folgo e Seal, Beat pulou em seus ombros largos e se segurou. O pirata deu um salto poderoso entre a multidão de inimigos, alcançou a parede de um alto edifício nas proximidades e pulou mais uma vez, arremessando-se sobre a praça ampla. Eles atingiram um grande pilar partido e o escalou por um instante, olhando para o telhado de onde vieram. O que ele viu lhe causou hesitação.

Todo o edifício era uma massa em chamas; harpias guinchavam, ciclopes uivavam e minotauros berravam, enquanto todos eram queimados. Então foi a sua vez de gritar, quando um pedaço de fogo gelatinoso correu pelas costas. Sua força diminuiu, e ele escorregou para baixo, caindo na rua, em agonia. Torceu-se de um lado para o outro, tentando rolar como se as meras chamas devorassem sua carne, mas não adiantou.

Mais chamas rugiram na sua direção e a praça se enchia de monstros. Com um esforço supremo, dentes cerrado pela interminável queimação nas costas, Folgo e Seal ajudaram Dymas a ir em frente. Para os templos nas montanhas, Burlmugaron. Em direção ao Templo do Grão-Sacerdote Esdras. A dor nunca retardou o poderoso Dymas, Ele cambaleou em direção a Oráculo, e em direção de salvar Khirmina.

Os piratas corriam quando podiam, a dor nas costas de Dymas diminuiu um pouco, e matavam quando precisavam; ele tropeçou pelas ruas, sobre os telhados, e até prosseguiu com dificuldade nos esgostos labirínticos que ligavam catacumbas infinitas. Embora o esgoto queimasse mais do que pensaram, eles puderam suportar sem que nenhum deles morressem, no momento em que emergiram, dor crucificante doía menos. Sua pele estava retesada. Mas ele ainda podia se mover, ainda  podiam lutar quando necessário. Finalmente, após o que parecera dias ele chegou a larga avenida que levava até Burlmugaron, e lá eles enfrentaram um novo desafio.

A estrada era patrulhada por centauros. Selvagens e indomáveis, esses gigantescos e monstruosos homens-cavalo tinham uma reputação de ferocidade em batalha que eles sabiam que era bem fundamentada. Folgo já havia enfrentado essas criaturas no passado e sempre as considerou como oponentes formidáveis.

As eles não viviam muito tempo. Ao menos, nenhum que tivesse enfrentado o lobo justiceiro.

O mais próximo o avistaram através da fumaça. Vociferando o seu grito de guerra, ele se empinou e virou para enfrenta-lo e então, sem hesitação, atacou.

Folgo ampliou sua postura e esperou.
Com os cascos batendo no chão, o centauro correu diretamente para ele. Folgo percebeu que não poderia ultrapassar a criatura, não com a pele grossa e resistente da criatura. Ele mediu a distância e esquivou-se no último instante. Como todos os animais de quatro patas, escapar para o lado durante o ataque era impossível. Folgo deixou o homem-cavalo passar. Ao contrário de outros animais de quatro patas, no entanto, o centauro possuía a capacidade de girar a parte superior do corpo.

E este o fez. A lança penetrou, quase empalando Folgo. Apenas um rápido desvio com sua lâmina impediu uma ferida atroz no flanco de Folgo.

O homem-cavalo tentou apoiar-se em seus cascos traseiros para parar, levantando-se e girar, mas centauros não podia virar a cabeça na direção oposta tão rapidamente. Folgo usou isso em sua vantagem. Ele atacou enquanto o peso do centauro prendia seus cascos traseiros no chão. Se ele tivesse tentado chutá-lo como uma mula, o ataque de Folgo teria falhado.

Ele arqueou-se sobre o dorso do homem-cavalo, sua katana girando em amplos círculos mortais. Qualquer um dos fios da katana poderia ter matado o centauro. Sua lâmina enterrou-se profundamente no pescoço, enquanto as garras da mão esquerda de Folgo rasgou a lateral do homem-cavalo e fez jorrar tripas repartidas na praça da cidade.

Folgo perdeu o equilíbrio, escorregou no sangue do centauro e caiu pesadamente sobre o cadáver. Por longos minutos, ele só pôde jazer na poça. Ele obrigou-se a se pôr de pé e esticou-se, após recuperar um pouco de sua força costumeira, embora seu movimento tenha sido restringido pelos ferimentos dos combates anteriores. Ele examinou a área. Era como ele temia. As criaturas nefastas haviam se infiltrado e muito para dentro da cordilheira. Mais dois centauros galopavam para ataca-lo.

Um centauro segurava uma lança enorme empunhada com um arpão em seu braço musculoso, o outro girava um peso de ferro no fim de uma longa corrente. Enquanto eles se precipitavam sobre ele, Folgo deixou-se cair. A corrente e a bola balançaram inofensivamente sobre sua cabeça, mas a lança ferroou seu antebraço esquerdo, apenas a corrente embutida na carne e ligada ao osso o salvou-o de perder a mão. Mas até mesmo o forte impacto não atrasou seu contra-ataque. Se ele estivesse inteiro, se seus músculos respondessem como deveria, seu objetivo teria sido perfeito. Em vez disso, ele errou e os centauros passaram como um relâmpago, ileso de sua lâmina, mas seguiram em direção aos seus companheiros. Ajoelhando como um penitente, ele levou sua katana para o lado, com a lâmina voltada para trás e correu como um raio e direção dos centauros, e cortou a parte mais próxima da perna dianteira de cada centauro. Os animais caíram para a frente e derramaram, deixando manchas de sangue na calçada. Folgo levantou-se e, com mais um movimento da katana, cortou suas cabeças de seus corpos.

Ele sacudiu o sangue de sua espada enquanto procurava por novos inimigos, por novas vitimas, mas encontrou apenas chamas e carnificina. Incêndios brotavam como profanas ervas daninhas, devorando os vilarejos.

Ele se voltou para a estrada até o monte Burlmugaron, a estrada agora estava mais visível e melhor de seguir, pois antes ela estava submersa sob metros e metros de neve. Cada passo mais forte que o anterior, a rigidez permanecia em suas costas como um lembrete de sua imprudência ao insultar as deusas. Folgo usou sua lâmina, por vezes, como bengala, para ajuda-lo a subir a estrada cada vez mais íngreme. O soldado havia dito que a Oráculo estava em um templo perto de uma estrutura majestosa, que agora ficara escurecida com a fuligem e iluminada pelas chamas da cidade e do sol da manhã.

Folgo ouviu o som crescente de u sibilo que ele conhecia muito bem. Em um piscar de olhos, ele se jogou, mergulhando de cabeça, escondendo-se perto de uma parede um instante antes de outras bolas de fogo da Kartacos espirrar chama líquida em toda a vizinhança. A onda de fogo quebrou em cima Folgo, e ele correu mais rápido no pátio, buscando cobertura sob o telhado de azulejos. De longe, Dymas estava de pé, aparentava estar bem, apesar das feições de dor, eles também estavam escondidos sob telhados. Um toque de tal angústia era tudo o que eles podiam suportar. Folgo encontrou uma fonte meio cheia, sufocada por ervas daninhas. Ele saltou sobre ela e rolou na sujeira úmida e podre. A água turva cheirava a peixe morto, mas sufocou o resto do gel ardente que havia se agarrado a seus pelos agora a pouco.

Ele se levantou e soube que podia continuar lutando. Voltando a rua pavimentada revelou apenas novos obstáculos. Bolas de fogo após bolas de fogo dinamitaram todas as vias que conduziam ao cume, fazendo delas rios de fogo. Como se tivesse adivinhado o destino dos piratas. Kartacos fechou todos os caminhos.

Folgo a amaldiçoou e se atirou mais uma vez em uma arrancada. Ele se moveu para circundar a região, devia haver alguma lacuna no anel de fogo da poderosa nave.

Sua nova energia levou-os para uma zona calma das montanhas, uma que até então escapara do pior da destruição. Pessoas espreitavam coe do nas cavernas e em barrancos, enquanto eles passavam, mas ninguém estava morto pelo caminho, embora isso fosse apenas temporário; no lado mais distante da montanha, eles encontraram uma patrulha de mortos-vivos.

Os esqueletos repugnantes caçavam furtivamente nas estradas, balançando foices que pareciam poder cortar as colunas do próprio Rahma Haruna. E essas criaturas especiais, Folgo observou, usavam armaduras que estavam escurecidas com fuligem, mas que não mostravam nenhuma evidência de fogo. Armaduras que podiam proteger os mortos-vivos das chamas das aeronaves eram exatamente do que eles precisavam.

Ele caiu por atrás dos esqueletos blindados e aumentou sua velocidade, aproximando-se rapidamente. Algum instinto profano deve ter alertado as criaturas de sua abordagem rápida. Eles giraram as longas, perniciosas e afiadas lâminas de suas foices letais, preparadas para sentir o gosto de sangue do lobo justiceiro. Ele bloqueou o movimento da mais próxima com sua katana. Faíscas e chamas explodiram como pinheiro verde em uma fogueira. Ele virou-se para flanquear a criatura, mantendo-a, e sua armadura, entre ele e seus companheiros.

Legionários o rodearam, cortando de novo e de novo; Folgo estava muito ocupado bloqueando para contra-atacar, principalmente porque não queria prejudicar as armaduras, que era, afinal, o único motivo pelo qual valia a pena enfrenta-los.

O choque das armas soltavam faíscas em todas as direções. A casa atrás de Dymas e os outros pegou fogo. Eles ignoraram; e viu uma abertura para o ataque. Em um movimento, lançou a katana e saltou para frente, para aproveitar o cabo da foice do morto-vivo mais próximo. As labaredas da casa em chamas começara a fazer bolhas em suas costas expostas e começou a tortura-lo.

Eles precisavam daquela armadura. Por alguns segundos, ele se perguntou como Dymas vinha enfrentando essas dores sem fraquejar no meio de uma batalha. Ele precisava daquelas armaduras para seus companheiros.

Em vez de arrancar a arma das mãos da criatura, Folgo usou seu peso para alavancar o corpo do morto-vivo e lança-lo contra os outros. Foices foram enfiadas profundamente através do torso da criatura e, no instante em que as armas se desligaram do corpo de seu camarada, Folgo pegou a katana mais uma vez. Um floreio letal, e as cabeças dos mortos-vivos caíram como pedras catapultadas. Os corpos continuaram a sacudir e balançar suas armas convulsivamente, mas a perda de suas cabeças deixou-os cegos: presas fáceis.

Folgo dissecou-os com eficiência enérgica, cortando os braços e pernas, deixando apenas os torsos. Esses mortos-vivos, porém, não eram guerreiros de verdade, ele precisaria de pelos menos três dos seus corseletes  para fazer uma armadura que cobrisse o peito massivo de Dymas. Chutando as partes decepadas, ele pegou o corselete menos danificado, desprendeu-o e amarrou-o em suas costas; o outro, apenas ligeiramente rasgado, ele atou sobre seu peito. A cobertura era imperfeita, mas ele não ia usá-la para se defende das legiões monstruosas de monstros, apenas contra o calor de matar do fogo da Kartacos.

Um encolher de ombros assentou a armadura no melhor ajuste que ele poderia alcançar, mas antes que pudesse mais uma vez partir em busca de um caminho para o cume, ele viu outro morto-vivo entrar em uma casa.

Seal e Beat mal havia prendido a armadura quando dois legionários atacaram, e este estendiam escudos mágicos. Folgo soltou um grito de raiva quando ele retaliou. A lâmina de sua katana ricocheteou nos escudos dos mortos-vivos e Folgo cambaleou para trás. Esse instante de desequilíbrio favoreceu uma abertura para ambos os legionários. Segurando seus escudos brilhantes de ouro para o alto, eles atacaram.

Folgo lutou por sua vida. Mais do que fornecer proteção contra sua lâmina, os escudos drenavam sua força. Cada golpe que ele acertava minava seu poder. Folgo recuou até que suas costas foram pressionadas contra um muro irregular de pedra. Os dois legionários se separaram um pouco para investir contra ele de ângulos diferentes. Com um grito alto de raiva, Folgo se lançou direto para a frente, entre os escudos. Com uma cambalhota, ele girou a seus pés e inverteu as posições.

Ele agora tinha os mortos-vivos apoiados contra a parede.

Ele ainda tinha que enfrentar as espadas por trás de escudos impermeáveis, danosos! As suas próprias laminas mágicas. Folgo baixou sua katana e permitiu que ela se contorcessem como uma cobra atrás de suas costas enquanto ele mergulhou. Os mortos-vivos baixaram seus escudos mágicos, mas Folgo havia previsto isso e girou no último instante. Os escudos explodiram com fúria quando os esqueletos caíram no chão. Folgo segurou com as suas mãos os tornozelos dos mortos-vivos.

Contra a parede, os legionários não podiam recuar. Folgo apertou tão forte quanto podia e esmagou as pernas dos mortos-vivos. Eles apunhalaram-no com suas lanças. Folgo ignorou a dor quando as pontas penetraram seu braço, mas apenas superficialmente.

Folgo resmungou, levantou-se e derrubou o morto-vivo antes que seu companheiro pudesse ataca-lo na retaguarda. Um pisão na cabeça acabou com a ameaça do legionário caído. Folgo se abaixou quando o outro se impulsionou contra ele. A lança cavou na parede de pedra, dando a Folgo uma outra oportunidade, Tentar atravessar o enervante escudo mágico era impossível, então ele pegou o que seu primeiro inimigo deixara no chão. Ele arremessou-o como um disco no legionário, que lutava para puxar sua lança na parede.

O corte mágico destruiu as pernas do morto-vivo e ele desabou para se juntar ao seu companheiro. Os punhos de Folgo repetidamente esmagaram a parte de trás de sua cabeça até reduzi-la a pó.

Folgo chutou os escudos mágicos para o lado. E continuou em seu caminho ou, quando gritos vindo de dentro de um prédio levaram-no a espiar pela brecha da porta. Um homem e uma mulher agarravam-se um ao outro enquanto u legionário morto-vivo sacava facas gêmeas e estalava-as, como se saboreando o terror que imprimia neles.

Usando o punho da sua espada, Folgo bateu fortemente na moldura da porta. O morto-vivo olhou sobre seu ombro, depois para o homem e a mulher. Quando ele virou seu rosto uma vez mais para o lobo justiceiro, descobriu apenas as bordas da katana em um último suspiro, antes de ser cortado em dois, da clavícula a virilha.

Folgo recuou e deixou as peças do esqueleto caírem. As pernas chutaram-no debilmente. Ele ignorou.

-Fomos salvos! – disse o homem – você nos salvou!

-Espero não só ter atrasado a morte de vocês – disse Folgo – escondam-se nas cavernas, se tiverem como sair, é melhor ainda.

Folgo virou-se para ir embora.

-Sua energia seria melhor gasta se fugissem.

-Nós estávamos homenageando Ghamshira, a deusa da fertilidade de nossa terra natal – a mulher ofertou, mostrando-lhe uma pequena caixa de madeira entalhada. Estava preenchida com frascos de óleos perfumados e pétalas de rosas.

-Vocês deveriam estar nas muralhas, defendendo seu lar.

-Sempre há tempo para o tributo – disse ela, olhando para seu homem, que, obviamente não era um soldado, e sim um artesão ou carpinteiro.

Seal olhou pela janela e avistaram Acrópole de Burlmugaron, e o templo da Oráculo. Eles correram como um leão em busca de um cordeiro, rápido como um falcão, incansável como o vento. Eles tinham que correr, sem desperdiçar o pouco tempo que eles tinham.

A fumaça aplainou do alto da Acrópole, um denso negrume que sufocou o Templo de Burlmugaron na montanha e aproximou-se para  estrangular os piratas. As armaduras resistentes que eles havia tirado dos legionários mortos-vivos o blindara contra o calor mortal das chamas e protegera as costas de Dymas e os pelos de Folgo, eles tinham de voltar e encontrar um caminho mais eficiente em direção ao cume.

Nenhuma das bolas de fogo da aeronave havia tocado ainda nesse lugar em particular, mas a área não escapou das atenções das legiões do Inframundo. Havia bandos de monstros errantes de todos os tipos: combinações de minotauros e centauros na cavalaria, ciclopes na infantaria pesada, esqueletos arqueiros, legionários , harpias, espectros... e o que era aquilo?

As criaturas pareciam mulheres horrorosas, com uma única e longa cauda de serpente no lugar das pernas. Serpentes se contorcendo ornavam suas cabeças e crepitantes feixes avermelhados de poder se derramavam de seus olhos.

Pangeia sabia de uma lenda, principalmente em Sauropsidia, o reino do oeste, havia três Górgonas: Ésteno, Euríale e Medusa, elas vivam criaturas que tinham um poder assustador: transformar qualquer ser vivo em pedra apenas com seu olhar. Ainda assim,Folgo viu uma dúzia das criaturas repulsivas e não teve nenhuma dúvida de que outras estavam se espalhando pela cidade nesse mesmo instante. Matá-las alimentaria sua ira e daria a ele uma distração momentânea do pesadelo presente, tremulando na superfície de sua mente, mas seria apenas um desperdício de tempo, que eles já não tinham procurando pela Oráculo. Eles procuraram por um caminho livre para até a Oráculo.

Eles se abaixaram em um beco e subiram num barril, a partir do qual eles poderiam saltar para uma varanda e escalar rumo ao telhado.

Burlmugaron queimava.

Salvo apenas a vizinhança em torno dele, toda a cidade e a montanha estava em chamas. As vezes, ele via as Longas Muralhas montanhosas através da fumaça. As faíscas produzidas pelo choque das armas lhe disse que os soldados ainda desperdiçavam suas vidas em um fútil tentativa de manter um muro que já não defendia a cidade. Todo mundo tinha de morrer em algum lugar; se defender sua parede inútil lhe dava a ilusão de morrer por uma causa nobre, quem eram eles para negar seu heroísmo vão? Homens e elfos havia morrido sob as lâminas deles em outras guerras antes.

Folgo avançou lentamente pelo telhado, procurando um caminho para subir a colina. Movimentava=se com cautela, para evitar atrair a atenção das harpias que mergulhavam á e lá através da fumaça. O velho ao portão havia dito que a câmara do Oráculo estava no lado leste do templo da Oráculo. Em toda a face da Acrópole, ele conseguia distinguir fracas manchas marrons que poderiam ser trilhas, mas a fumaça as tornou brumosas e escondeu totalmente outras estradas.

Quando se moveu para a borda do telhado para ter uma visão melhor, uma flecha zuniu por seu ouvido. Folgo e os outros caíram de bruços e deixou mais flechas passarem sobre eles. Folgo arriscou um rápido olhar sobre a beirada e localizou um punhado de arqueiros mortos-vivos que haviam tomado uma varanda nas proximidades. Folgo viu um homem se aventurar na rua, apenas para tomar uma flechada na barriga e, quando ela detonou, a explosão de chamas esparramou as vísceras do homem por toda a fachada de sua própria casa. Os arqueiros só cessaram quando não conseguiram encontrar outros alvos.

Folgo se abaixou quando uma nova bola de fogo detonou a quatrocentos metros de distância, mais ou menos onde ele acreditava que estaria a estrada que levava ao cume da Acrópole. Um quadro sombrio pintou-se dentro de sua mente.

Os adoradores do alto iluminado Esdras iriam naturalmente correr para o templo de Burlmugaron, quando encontrassem sua cidade sob ataque do Império.  Kartacos semeou fogo em toda a cidade, poupando apenas esse quarteirão, no qual corria a estrada até a Acrópole, o que, naturalmente, atrairia os adoradores como moscas ao estrume. E a frota imperial e seus monstros patrulhando as ruas, impedindo movimento mais adiante.

Folgo entendeu: a Nave Imperial estava deliberadamente canalizando os mais devotos e dedicados do rebanho de Esdras em uma pequena área da cidade, fazendo parecer que essa seria a área mias segura, bem como a única rota para o templo do Grão-Sacerdote. Em vez de fugir para o campo e as montanhas, onde localizá-los e abatê-los seria uma tarefa difícil até mesmo para aquelas criaturas do Inframundo, eles estavam se acumulando na segurança ilusória dessa única região.

Concentrando-se onde ele poderiam facilmente ser destruídos. Todos de uma só vez. Sem confusão. Sem sujeira. Sem perseguir o povo pelas montanhas ou desenvavá-lo das cavernas nas montanhas. Os cidadãos de Burlmugaron haviam feito de si nada mais do que gado correndo para o matadouro. Era brutal, e ele sabia que seria muito eficaz.

Folgo segurou suas têmporas para impedir a cabeça de explodir quando uma imagem queimou mais quente do que o sol através de seu cérebro. Não! Não podia ser... os mortos, aqueles que corriam fugiam do ataque do Império na sua terra natal...

Ofegante, Folgo forçou a visão horrível para fora. Elas se agarravam a ele cada vez mais com força, as entregar-se ao horror não o faria chegar ao templo da Oráculo mais facilmente. Ele podia subjugar seus próprios pesadelos, por um curto período, mas parecia que os monstros estavam se reunindo nas ruas abaixo para bloquear seu caminho. E ele sabia que aqueles arqueiros mortos-vivos não se esqueceram de que eles estavam ali. Eles tinham que agir. Rápido.

Por outro lado, Seal e Beat não viram razão para entregar a posição de terreno elevado.

Três passos largos para um impulso o levaram para a borda do telhado, e um salto poderoso o atirou violentamente sobre a rua para o telhado oposto. Os esqueletos arqueiros ficaram tão surpresos que nenhum deles tentou atirar. Enquanto ele corria, ouviu um minotauro berrar um comando, e sabia que fora visto pelo exército abaixo.

Seu próximo salto atraiu uma saraivada de flechas de fogo, embora nenhuma tivesse chegado perto, e ele pôde ver legionários mortos-vivos montados nas costas dos centauros, correndo em paralelo ao seu caminho nas ruas abaixo. Outro telhado e outro salto, e harpias começaram a mergulhar em sua direção. Ele se esquivou e se abaixou, telhado após telhados, sem abrandar, utilizando a sua katana como gancho para se balançar sobre as lacunas muito grandes e girando-as sobre a cabeça enquanto corria, para manter as harpias recuadas.

Ele pulou de telhado em telhado, correndo mais rápido do que as harpias conseguiam acompanhar, mas os gritos e berros dos monstros abaixo vieram ainda mais velozes. Nem mesmo Folgo podia ultrapassar a velocidade do som. Mais das criaturas do Inframundo jorravam em sua direção, e ele saltou da última casa e mergulhou mais uma vez no fogo e na fumaça do que restou da cidade.

Um minotauro teve a brilhante ideia de clamar a todos os ciclopes, centauros e outros minotauros para esquecerem de tentar apanhar o pirata e disse que, em vez disso, eles deviam espancar as paredes dos prédios em chamas, enfraquecendo toda a estrutura no caminho de Folgo.

Lutando contra a fumaça sufocante e as chamas calcinantes, Folgo saltou para um telhado que desabou sob seu peso. Um frenético arranhão na estrutura abaixo das telhas lascadas e um golpe rápido com uma das lâminas, que se encaixou em um telhado mais sólido, a frente, fizeram-no ganhar apoio suficiente para manter-se no ar. Um rápido olhar sobre os inúmeros inimigos de todos os tipos que se aglomeravam convenceu-o de que, e termos inequívocos, o resultado de uma queda seria agourento.

Inflexível, ele correu, sabendo que cada telhado se provaria mais frágil do que o último e, mesmo que pudesse ficar lá e cima por todo o caminho até a Acrópole, ele teria de descer as ruas e lidar com seus perseguidores ou ser massacrado, juntamente com todos esses elfos.

Ao longo da base dos penhascos abaixo da Acrópole, Folgo correu paralelo a rocha para chegar a estrada. Esses monumentos eram mais resistentes, pois tinham o apoio da muralha de rocha a sua volta, e manter-se perto da face do penhasco enquanto contornava a curva fez com que ele ganhasse terreno sobre os seus perseguidores.

Ali! Uma lacuna na densa fumaça mostrou-lhe amplas lajes da estrada a frente. Com redobrada energia, Folgo se jogou em direção a ela mas, a apenas três casas da lacuna por que ele ansiava, as telhas se desintegraram e as paredes enfraquecidas do edifício ruíram em seu redor. Pior ainda, suas costas carbonizadas, cheias de bolhas, o traíram. Sua força costumeira enfraqueceu, e ele se contorceu quando o ferimento enviou dores agudas a seus ombros, o que o impediu de se salvar da queda.

Do outro lado, Beat e os outros gritaram por ele. No momento em que ele se levantou e sacudiu os escombros, eles estavam sobre ele.

Legionários mortos-vivos se adiantaram, espadas desembainhadas. De repente, um enorme grifo voou sobre eles e suas garras afiadas encontraram os pescoços dos monstros do Inframundo. Ameaçado pelas costas, Folgo se inclinou em direção a eles. O grifo abriu caminho para a frente como um mineiro escavando a terra, e as garras eram suas picaretas e pás. Desdenhoso, ele passou por cia de seus corpos partidos em dois.

Folgo encontrou mais legionários no pátio amplo. Esses demandaram um pouco mais de esforço para serem despachados, mas ele o fez, lamentando cada segundo que perdia no massacre sem sentido.

O grifo pousou majestosamente na sua frente. Atrás deles, Beat, Seal e Dymas se aproximaram. Folgo sentiu seu coração palpitar fortemente. Uma onda de redenção tomou conta de seu ser, ao mesmo uma sensação de que a morte seria melhor. Por todos esses anos ele se culpou pelo o que tinha acontecido naquele dia. Ele se sentiu falho, inútil apenas por existir após aquele dia.

Descendo do grifo, uma loba de pelos rosadas e grandes cabelos vermelhos presos num coque. Vestia um kimono branco, mas as mangas estavam presas ao seu cinto, placas como armadura e ombreiras de samurai. Ela calçava grandes e pesadas sandálias de madeira e preso a sua cintura por um cinto de couro, duas pequenas espadas que Folgo conhecia muito bem: uma wakizashi e uma tantô.

Seu focinho era rosado e seus olhos eram amarelos como ouro. O lobo justiceiro jamais pensou que isso fosse possível. Aquilo não era real, ela havia morrido na sua frente. Foi assim que ele pensou  por anos. Ela era um fantasmas ou ele havia morrido?

-Amirah... – Disse Folgo, sua voz falhava. Ele não percebeu, mas seus olhos começavam a encher de lágrimas.

-Você está bem? – disse ela, sua voz era doce e forte.

-Eu achei que você...

-Achou que eu estivesse morta? Eu digo o mesmo de você, procurei por você por todos os cantos...

Ele correu e a beijou apaixonadamente. Há anos ele achou que estivesse sozinho. Mas ela era um raio de sol na sua vida nublada. Ele não podia acreditar que após tudo, ele reencontrasse sua esposa viva e ali na sua frente.

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