Capítulo 43 - Rahma Haruna
Rahma Haruna é um antigo santuário nas profundezas das interferências mágicas de Brana, muito semelhante aos que existem no reino de Sauropsídia, e está localizado nas inúmeras cadeias montanhosas de Kravaattii. Assim como a Tumba de Gaiseric, esse templo também foi construído na época da Aliança de Nibelungo, originalmente para homenagear o antigo deus da justiça e das espadas. Dizem que um dos Grão-Sacerdote do passado selecionou este lugar para abrigar as relíquias da linhagem de Gaiseric, embora não seja claro na história o por que ele escolheu Rahma Haruna, e não um templo de sua própria seita.
O longo caminho era enfeitado por enormes arcos de pedras, pilastras e arquedutos destruídos pelo tempo. Lá embaixo, sons de água corrente batiam nos enormes pilares que sustentavam a ponte que servia para a entrada do templo. Seus passos faziam ecos fracos, quase imperceptíveis naquele vale silencioso. Suas vozes eram abafadas e carregadas com o vento. E seus tamanhos perante aquilo tudo era como se fossem apenas formigas diante de uma cidade de gigantes.
O templo era tão alto e imponente quanto uma montanha, grande suficiente para que suas paredes de pedras polidas repousasse em suas encostas. Não muito longe dali, havia enormes blocos de arenito negro, um portão de bronze simplório e um portão de madeira na frente de um colossal templo. As paredes poderiam ser de ouro sólido e a praça, pavimentada com diamantes; para todos os efeitos, aquilo não importava muito ao grupo, com exceção de Gerlon. Sirius se mostrou indiferente a tantas riquezas, aquilo o tiraria de sua vida miserável, ele e sua irmã, assim como Mikka e o resto dos órfãos, mas de repente, aquilo já não o interessava. Eles pegariam aquilo que o templo está incubido de proteger e seguiriam o caminho para completar a missão.
Templo de Rahma Haruna
Spike reagiu institivamente quando uma harpia traçou um longo e amplo arco, varrendo os céus acima. Ele empunhou sua espada e preparou-se para lutar e os outros fizeram o mesmo, mas a criatura alada concluía a sua curva em direção ao templo. Eles correram para a frente.
Eles assistiram cautelosamente enquanto as harpias se reuniam em torno de Rahma Haruna, como morcegos ao redor de uma torre sineira. Abaixo delas, em algum tipo de plataforma grande de pedra, uma imensa fogueira ardia, e a fumaça que intoxicava o ar era densa e preta. Uma mudança de vento trouxe a fumaça para perto do nariz de Spike e ele reconheceu o cheiro. O combustível desse fogo era cadáveres.
Escalar os últimos metros provou ser demais para eles. Spike teve de passar um tempo considerável procurando, antes de encontrar algum bloco de pedra que pudesse ser usado como escada. Após subir para o próximo nível, eles descobriram (com exceção de Spike) que o que queimava ali não era um pira funerária, mas que, em vez disso, havia um grande caldeirão escaldante de bronze e pedra, cuja borda era duas vezes maior que eles.
Enquanto o grupo se aproximava o grito áspero de uma harpia levaram eles a olhar para o tempo, a tempo de ver a horrenda criatura abrir as garras e deixar cair outro cadáver, outro soldado, ao que parecia. Trajava armaduras imperiais bem conhecidas por eles. A armadura brilhou brevemente e então colidiu como um chocalho, quando seu portador atingiu o recipiente.
-Esses será vocês um dia. Mais cedo ou mais tarde, assim eu espero.
Eles sacaram suas armas. Mancando na direção deles, usando um longo bastão que usava para se apoiar, veio uma espécie de morto-vivo decrépito demais para empunhar uma espada ou foice. Sua cabeça era, em sua maior parte, um crânio humano exposto; um braço terminava e um toco esmigalhado de osso, e sua perna direita lhe faltava o joelho. Um lado de suas costelas, que estavam desprotegidas da visão do grupo, parecia hospedar órgãos, pulmões encouraçados e um coração negro, que pulsava tão lentamente quando a criatura andava. O cajado sobre o qual se apoiava estava enegrecido pelas chamas e com a ponta queimada.
Gerlon e Sirius fizeram uma careta para ele. Não sabia como lidar com um ser daquele, um morto vivo que não estivesse tentando mata-los muito menos com um que poderia realmente falar.
-O que é você? - Perguntou Gerlon.
-Já fui um carcereiro do Inframundo. Eu tomava conta da trigésima a trigésima nona camada. Mas que hoje fui rebaixado a apenas um reciclador de almas podres aqui no mundo dos vivos - ele indicou com a cabeça o caldeirão de fogo - é isso que eu faço. Bom, pelo menos eu não terei mais que cuidar daquele maldito cão do Garm ou aquela Hraesvelg, galinha estúpida.
De cima, veio uma feroz batida de asas de uma harpia, que circulou e liberou outro corpo para cair no recipiente enorme. O olho dentro da cavidade do crânio parecia tremer com as chamas do caldeirão.
-Todo mundo aqui acaba em fogo. Exceto eu, é claro.
-Todos? - Gerlon perguntou com uma carranca - Há outros?
-Ainda vivos? Provavelmente não, eu diria que não. Mas nunca se sabe.
Zafira deu um passo a frente.
-Viemos de longe...
-E você não está ficando mais próximo de seu objetivo. Não de verdade. Gaiseric escondeu seu tesouro neste templo vil de modo que nenhum mortal jamais pudesse reivindicar o seu poder. E, no entanto, ano após ano, século após século, milênio após milênio, eu abro o portão para mais e mais candidatos, e enfio mais e mais corpos no fogo.
-Então você é o guardião?
-Não, é claro que não. Meu mestre Ghede apenas me enviou para cá para recolher as almas que morrem em circunstâncias deste local sagrado. Eu apenas as recolho e as envio para o Inframundo. É como se fosse meu point de vender bombons na minha barraquinha.
Com outro guincho, uma nova harpia apareceu. O monstro alado deixou cair um corpo aparentemente fresco no caldeirão, mas errou seu centro, e ele terminou estendido sobre a borda do recipiente. Em vez de descer para corrigir o seu erro, ela apenas gritou, aborrecida, antes de sair voando. Ela pegou uma corrente ascendente perto das pedras da montanha e circulou até o céu, antes de desaparecer acima da cúpula do templo.
O ex-carcereiro cuspiu um catarro preto, em seguida, disse:
-Aqui, me dê uma mãozinha com isso - disse ele apontando para Sirius.
Com medo e relutante, Sirius se aproximou do caldeirão e pegou o cajado, apoiando o osso do braço contra o caldeirão escaldante para manter o equilíbrio.
-Cutuque esse vagabundo para mim, anda, garoto.
Sirius usou o bastão para empurrar o corpo para o caldeirão, refletindo que pelo menos descobriu por que o cajado estava queimado em uma das pontas.
Gerlon se aproximou.
-Você disse que você abre o portão.
-Ele abre se eu der o comando.
-Então faça.
O ex-carcereiro riu. Sua risada velha soava como um chiado de um motor velho.
-No seu tempo, gatuno. Você acha que pode conquistar o Templo de Rahma Haruna? Isso nunca foi feito, sabe? Nem o próprio Gaiseric o fez. Mais cedo ou mais tarde, as harpias vão trazer o que sobrou de vocês de volta para eu queimar, e eu farei questão e acompanha-los até as portas do Inframundo. Se eu fosse você, eu iria embora agora - Seu olhar se fixou nos olhos selvagens de Gerlon.
-Vamos embora - Gerlon disse - quando estivermos com a espada.
-Boa sorte para você - o ex-carcereiro decrépito riu. Ele encarou Zafira e Mikka e notou que elas carregavam apenas punhais com elas. - Vocês querem armas? Não são de qualidades, mas são boas, podem pegar o que quiser - disse ele apontando para um amontoado de ferro no canto.
-Por quê? - Indagou Sirius.
-Por que lhes dar armas? - o ex-carcereiro encolheu seus ombros ossudos - E por que não? Não é como se eu tivesse alguma utilidade para eles - com os ossos do braço, ele passou pelo corpo - sou fraco e não tenho necessidade de lutar com feras por aqui, entende?
O grupo deu a volta no caldeirão e se aproximaram da pilha de ferro. O ex-carcereiro continuou.
-Eu roubo dos corpos.
-De quê? Para quê você faz isso?
-Ah, por diversão, principalmente, é a única parte interessante do meu trabalho. Nunca se sabe o que vai encontrar. Sugiro que vocês armem as menininhas, pois elas precisarão usa-las lá dentro. Não poderão proteger uns aos outros, pois estarão ocupados se protegendo das ameaças de lá.
Zafira escolheu uma grande katana que estava enfiava num escudo e improvisou a bainha com couro que encontrou. Sirius e Flora ajudaram Mikka a pegar uma espada curta chamada Gladio.
Quando terminaram, Gerlon franziu a testa para seu anfitrião.
-Eu posso ver a sua curiosidade, não? Você quer saber a minha história. Perguntas, perguntas. É sempre a mesma coisa - disse o guardião do caldeirão - Loucos em busca do poder e tolos procurando por glória. Eu sei. Eu sei muito bem. Como você pode ver pelo que sobrou de mim, eu não tive mais sorte do que o resto deles. Menos sorte, realmente. Pelo menos eles foram queimados, e suas almas foram liberadas ao Senhor do Inframundo. Enquanto eu... isso.
-Você tentou pegar o tesouro de Gaiseric?
-Isso eu fiz, e sinto muito por isso agora. Mesmo não sendo minha culpa. Sedna, a corrupta me controlou e me corrompeu e eu fui o primeiro ser a entrar no templo após Gaiseric. Ela me usou porque queria se libertar de seu castigo. E assim eu fui o primeiro a morrer. Como punição por minha insubordinação, Ghede me condenou a cuidar desse caldeirão e dos cadáveres até o Ragnarok, ou até que o tesouro de Gaiseric seja tomado. O que é parecido o suficiente co a eternidade, pois nenhum homem ou evaniano jamais adquirirá o tesouro do rei.
O morto-vivo apontou para as portas altas e deu um suspiro assobiado.
-O arquiteto, o que construiu Rahma Haruna, era um fanático. Ele viveu apenas para servir aos Demiurgos e, por isso, teve a mesma recompensa que todos nós tivemos: uma eternidade de loucura. A lenda diz que ele ainda está vivo, ainda lá dentro, ainda tentando apaziguar os seres que o abandonaram há milênios.
Spike se aproximou e ficou olhando para o fogo, onde os corpos chiavam e estouravam.
-Eu posso ver a sua pergunta. Quantos corpos eu queimo por dia? Vai. Você pode perguntar. Tentei contar, nos primeiros anos, pelos menos. Eu desisti após o primeiro século. Cinco por dia? Uma dúzia? Eu sei de suas perguntas, eu as ouvi de todos assim que chegaram aqui. Não só a de vocês, mas dos que também já passaram por aqui.
Gerlon resmungou, olhou para o resto daquela coisa, daquele morto-vivo e estudou as portas, buscando uma forma de abri-las. Se eles não pudessem, o que fariam? Escalariam as paredes? Reconheceu que havia perigo nisso, pois as harpias voavam acima, olhando-o com avidez.
-Você não deve pensar muito - disse o ex-carcereiro - isso só vai torna-lo louco, mas, enfim, você está aqui, então já deve estar louco.
A forma como ele riu alertou Gerlon e Spike para algo mais.
-Você está certo de me questionar. Eu sei o que aconteceu com você, e eu sei o que vai acontecer com você.
Um punhado de pavor oprimiu a coragem de Gerlon. Ele ficou o olhar no ex-carcereiro.
-Eu sei o que você é, Gerlon, pirata do céu. - a órbita vazia brilhava como se o morto-vivo o encarasse atentamente - eu sei por que o interesse em adentrar neste templo. Eu sei o que você foi. Eu sei o que você está tentando esquecer. O que você está tentando concertar. Um poder ancestral que emanava de algum deles aqui o atrai, mas você não almeja para si... você quer... destruir.
Gerlon avançou para a frente e apontou sua arma para a cabeça do guardião do caldeirão.
-Seu trabalho é difícil para uma criatura que não tem uma mão e um pé. Imagine o quão difícil será quando você estiver sem cabeça.
-Você não terá sorte em entrar no templo se o portão permanecer fechado - o ajuste do gatilho da arma de Gerlon não impediu a criatura de zombar em seu discurso - pense sobre isso, gatuno.
-Não é só você que pode abrir as portas deste lugar. Herdeiros de sangue do próprio Gaiseric podem abri-lo apenas com um toque.
-Vejo que você é mais bem informado e inteligente do que parece. Reconheço que fui superado e muito por suas habilidades, mas uma coisa eu tenho certeza: você não quer fazer isso.
Com um grunhido de frustração sem palavras, Gerlon tirou sua arma da cabeça do morto-vivo e guardou em seu coldre. Rindo, o ex-carcereiro pulou para pegar uma caveira do chão. Com velocidade e precisão surpreendentes para uma criatura tão decadente, o guardião do caldeirão atirou em uma pequena plataforma na parede acima. O crânio se quebrou contra a pedra, e com o impacto perturbou um par de harpias. Elas agitaram-se ao redor de algum tipo de mecanismo no topo do maciço portão. Gerlon e Spike não podiam ver o que elas fizera, as logo o portão começou a se levantar lentamente, enquanto uma harpia em cada lado movia-se freneticamente para levantá-lo com toda a sua força. Os enormes portões foram forçados para cima e travaram. O som de pedras em atrito uma com a outra ecoou coo um rugido de um monstro por todo o vale.
-Espero ver vocês em breve, especialmente você, gatuno - o guardião do caldeirão gritou - Eu o verei de novo, em meio a fumaça e caos, num ato de altruísmo, e comemorarei quando as harpias jogarem-no em meu caldeirão!
Gerlon assobiou e o grupo se reuniu. Eles caminharam até o portão sem olhar para trás, enquanto a risada maliciosa do morto-vivo ecoava pelo vale.
O livro estava aberto diante de uma porta maciça como o olho de um deus, sua abóboda superior decorada com símbolos secretos. O livro em si parecia apenas uma estátua, uma réplica, esculpida em pedra para parecer uma anotação sobre um pedestal; nenhum livro de verdade poderia ter sobrevivido a exposição do frio intenso daquelas montanhas aberto por séculos e séculos. Sua natureza era irrelevante. Toda sua importância era transmitida pelas palavras gravadas em suas páginas de Pedra.
ERGUIDO EM HONRA E PODER, SOB O COMANDO DOS GRANDIOSOS DEMIURGOS,
YURIFON, SENHOR DOS CÉUS E DAS NUVENS.
GARTZ, SENHOR DOS CONHECIMENTOS CÓSMICOS.
GHEDE, SENHOR DO INFRAMUNDO E DAS TORMENTAS.
GAEUS, SENHOR DAS MONTANHAS E MOLDADOR DO MUNDO.
GENBA, SENHORA DAS ÁGUAS E DAS PROFUNDEZAS.
KARUMO, SENHOR DAS BESTAS SELVAGENS.
MORPHEUS, SENHOR DO MUNDO DO SONHAR.
MATILDA, SENHORA PORTADORA DA LUZ E DAS BENÇÃOS DIVINAS.
SLAPTICK, SENHOR DA COMÉDIA E DOS SORRISOS.
KURAT, SENHORA DAS COMIDAS E DO DESCANSO.
Um pouco mais embaixo estava escrito:
APENAS O HERDEIRO LEGITIMO DA LINHAGEM REAL DE GAISERIC, VALENTE O SUFICIENTE PODERÁ RESOLVER SEUS ENIGMAS E SOBREVIVER AOS SEUS PERIGOS.VOCÊ VAI RECEBER O PODER SUPREMO. O OUTROS ENCONTRARÃO SUAS RUINAS.
-Cadmio Vesquez XIII
Arquiteto-Chefe e projetor de Rahma Haruna
Súdito leal aos Demiurgos.
Demiurgos? O que era aquilo? Independente do que fosse, Flora aparentemente não havia gostado muito. O arquiteto realmente projetou Rahma Haruna? Deliberadamente, para ter seus inimigas resolvidos pelo "mais valente herói"? Flora bufou em desgosto. Nenhum deles ali era héroi, e Zafira estava longe de ser uma, talvez ela nem quisesse ser. Seu ódio pelo Império a levaria para a vitória, sendo ela herói ou não, ela ajudaria a conseguir restaurar a paz em Pangeia, custe o que custar. Eles se viraram para as grandes portas que se fechavam atrás deles. Não havia mais como voltar atrás, mesmo que quisesse.
Eles olharam em volta e viu que a única maneira de avançar era através de um portal entalhado com runas que brilhavam. Nos pontos cardeais ao redor da porta circular estavam grandes joias, opacas e sem vida, apesar da luz solar que adentrava por frestas no teto no alto. Zafira colocou a mão em uma pedra, que podia ser um diamante. Ela a sentiu tremer e tirou a mão de cima dela.
Com velocidade, sacou sua katana e encarou um morto-vivo fortemente blindado e com mais de três metros de altura. O grupo sacou suas armas e se separaram. O morto-vivo avançou e atacou Spike, que bloqueou o ataque acima de sua cabeça. O ataque foi poderoso, mas suficiente para defender da enorme espada do morto-vivo. O golpe foi tão forte que deixou Spike de joelhos.
Em vez de forçar suas pernas a ficarem eretas, Spike subitamente liberou a pressão de sua lamina e rolou para a frente, entre as pernas do morto-vivo. Enquanto rodopiava por baixo delas, golpeou os tornozelos esqueléticos. O soldado morto-vivo tombou para frente, dando a Spike a abertura de que ele precisava. E o velho capitão retalhou-o com toda a sua força. Duas coisas acontecera; uma era esperada e a outra, no mínimo surpreendente. A cabeça do morto-vivo soltou-se do pescoço, como ele pretendia. O diamante que Zafira havia tocado começou a brilhar. Ele passou por cima de seu adversário caído e pressionou sua mão calejada sobre o agora iluminado diamante, que estava quente. Ele estendeu a mãos e passou-a sobre a joia seguinte, ainda fria e inerte.
Eles rapidamente se viu ameaçado por um ciclope materializado atrás deles. A luta foi acirrada, mas Spike despachou o monstro de um olho só, com uma finta que fez o ciclope cair e Zafira cortou a jugular com um golpe limpo. A arma de Gerlon disparou no globo solitário profundamente, fazendo uma substância pegajosa e pedaços de cérebro jorrarem.
A pedra na porta agora brilhava em um reluzente vermelho-rubi.
-Então - Mikka perguntou com um olhar assustada e de pânico - esta é a chave que o arquiteto criou? Sangue?
Flora e Zafira tocaram rapidamente as duas gemas restantes, materializando mais dois lutadores. Saber o segredo do portal lhe permitiu não precisar de muito esforço para enviar os monstros ao Inframundo, lugar a qual pertenciam.
As duas gemas remanescentes, um peridoto brilhando em amarelo esverdeado e uma ardente safira azul, enviaram relâmpagos de luz ao arco em torno do portal circular. Lentamente, a porta de entrada para Rahma Haruna se abriu.
Eles entraram em um corredor longo e curvo, revestido com portas de ambos os lados. Ali, também, braseiros brilhavam com cristais azuis alegremente. Eles podiam ser mágicos, aparentemente tudo ali era, em algum grau, mas eles certamente não eram parte do trabalho do Arquiteto Cadmio; não havia absolutamente nenhuma razão para iluminar o interior, se quisesse manter os intrusos fora. Tudo seria duplamente desafiador em um tipo de escuridão total, e alguém tentando alcançar o tesouro de Gaiseric teria que fazer o caminho antes de o óleo de sua lamparina acabar.
Então, Gerlon riu asperamente. O Arquiteto, sem duvida, pensou que a visão dos monstros aguardando a quem entrasse nesse labirinto iria debilita-los, acrescentar mais medo, tornar suas mortes mais certas, enquanto o terror congelasse seus braços e afrouxasse seus intestinos. O Templo de Rahma Haruna não fora criado apenas para manter afastados aqueles que buscavam o tesouro. Foi concebido para inspirar pavor naqueles que se atrevessem a ir tão longe. Mais de uma vez, as ações de Leore violou os espíritos de todos em Pangeia, trazendo medo e terror para eles.
Eles olharam para os lados, Spike e Gerlon calcularam a curva. Se esse corredor formasse um anel, seria muito grande. Seu primeiro objetivo era investigar a configuração do terreno, porque, aparentemente, qualquer parte dessa estrutura podia, se aviso prévio, se tornar um campo de batalha. Eles correram ao redor do círculo e, quando voltaram para o ponto de partida, descobriu que a grande porta circular através da qual entraram havia se fechado, selado mesmo contra seus melhores esforços para abri-la novamente.
Gerlon ignorou, Recuar não fazia parte da sua constituição. Ele precisava levar Zafira até a Gran-Solaris a qualquer custo. Agora era vencer ou morrer.
Eles encontraram uma arcada aberta enquanto continuava a caminhar ao redor do anel, uma que não estava aberta um momento atrás, quando passou pela primeira vez. A paisagem ao longo do corredor agora aberto diante deles parecia promissora: em intervalos espaçados, paredes gigantescas cobertas por espinhos fechavam-se uma contra a outra, com força suficiente para sacudir o chão de pedra sob eles. Racionando que o Arquiteto Cadmio havia tido muita dificuldade para desencorajar a entrada de intrusos nesse caminho particular, esse seria um bom lugar para começar suas buscas.
Ao cronometrarem uma sucessão de corridas, eles passaram pelo corredor sem um arranhão sequer. Mikka quase foi pega algumas vezes, mas Sirius e Flora a salvaram várias vezes. Seus passos estavam receosos em continuar, mas seus amigos a sempre encorajavam. Gerlon olhou para trás. Ele havia passado pelo primeiro teste dentro do Templo de Rahma Haruna. Ele se perguntou quanto mais estavam por vir? Muitos.
Eles entraram em uma área ampla, as paredes esculpidas com os mesmos símbolos ocultos e runas que eles já viram do lado de fora. Gerlon ignorou, pois estavam em frente a uma câmara cheia de monstros. Eles empunharam suas armas, mas Mikka estava com medo. Sirius sacou sua espada e ficou na sua frente. Flora disparou flechas contra os inimigos. Spike e Zafira avançaram cortando todos ao seu caminho. Um giro rápido, ela despachou as armas e seus ferozes gumes em um amplo círculo de destruição, golpeando dois dos legionários mortos-vivos que não o haviam percebido. Ela cortou suas pernas e os derrubou de modo que não pudessem continuar a lutar. Os outros que corriam na sua direção, foram derrotados facilmente.
Com seus inimigos, Spike avançou com sua espada e começou a destruição metódica de seus inimigos. Sua habilidade, sua experiência e a intensa raiva controlada que sentia e relação ao império e tudo o que lhe aconteceu nos últimos cinco anos, alimentavam suas investidas, aprimoravam suas cutiladas e trouxeram-no para o outro lado da câmara com apenas alguns poucos arranhões. Ele viu um arco que aparentava ser inofensivo, mas se aproximou com cautela, lamina na mão, e deu um passo para trás quando um zumbido de baixa frequência encheu a sala. Ele olhou ao redor e notou um portal circular que havia começado a brilhar como uma luz branca pura. O arco ao lado da camara estava preenchido com a imagem, tracejada em fogo vivo, do rosto de mulher, não tão voluptuoso como o de certas estatuas femininas que ele já havia visto anteriormente, e nem tão austero como o de Zafira; essa figura tinha uma inocência curiosa, uma espécie de adolescência de ouro eterna.
Essa poderia ser uma um espirito perdido ou um fantasma. Spike encarou aquela imagem e se sentiu hipnotizado. Seu corpo ficou dormente e ele perdeu o controle de seus atos, inclinou a cabeça com genuíno respeito.
-Mas... o que...
-Spike, isso não será o suficiente para vocês conquistarem Rahma Haruna! -disse aquela figura misteriosa na frente dele -sinto seu forte senso de justiça, há anos não surge alguém assim por aqui, e sinto que você é o escolhido.
Spike lutou mas não conseguiu, ele estendeu as mãos e uma espada se materializou nelas. Era uma arma enorme, pesada, mais longa do que a que ele carregava consigo. Sua nova lamina era amplamente curvada e era mais larga que a palma da sua mão e se projetava para além do punho, mais ou menos como uma Khopesh, ao longo do fio de sua lamina, vários dentes cerrilhados como dentes de uma fera, feita especialmente para rasgar a carne de seus inimigos. A arma emanava uma aura roxa e violenta. Com ela, Spike saiu do transe e se pôs de pé.
Espada da Calamidade Imperial
Com isso, a imagem desapareceu, deixando apenas o arco aberto, que levava a uma região mais profunda do templo.
Com a lamina fria em sua mão, dada de presente por aquela figura misteriosa, ele se aproximou do arco. Alguns pictogramas era letras que eles podiam ler, mas a maioria era estranha e estrangeira, e decifrá-los estava além das capacidades deles. Ele se virou para trás e com apenas um balançar de sua nova arma, aquelas criaturas medonhas foram destroçadas e evaporadas.
-Onde você conseguiu essa arma? - perguntou Zafira.
-Eu... foi a... - Spike tentou explicar, mas nem ele sabia o que tinha acontecido.
-Isso não importa, vamos continuar - interveio Gerlon.
Atrás deles, encararam os pictogramas, se pudessem decifrar o que estava talhado nas paredes, poderia ter alguma ideia de como seriam os próximos desafios que enfrentariam antes de alcança-los. Ele olhou para a sala além do arco e não viram ninguém. Não era nada mais que um vestíbulo, tal como eles já viram antes, levando as camaras de audiência de reis. As decorações eram ricamente desenhadas, mas faltavam-lhe mais móveis elegantes, estátuas, tapeçarias, assim como espólios de guerra.
Uma escada provia o único caminho a seguir. Enquanto eles subiam, Spike notou que as paredes se estreitavam até que, no topo da escada, seus ombros largos roçaram a pedra bruta. O estreitamento por um corredor até chegar a uma plataforma, eles ajudou Zafira e os outros a passarem. Acima de um quarto cheio de engrenagens girando e gritos de agonia distantes. Uma luz fraca lhe proporcionou uma boa visão apenas de uma gigantesca criatura, que bloqueava seu caminho em uma passarela para a sala.
O gigante baniu seu desafio sem palavras e atacou. Uma pesada marreta que substituía sua mão esquerda esmagava com força, balançando a passarela e a estrutura, ameaçando destruir o pavimento. A nova arma de Spike foi diretamente para a sua mão, mas ele descobriu que o seu adversário era tão astuto quanto forte. Seus habituais ataques para enfraquecer a criatura e então enfiar a lâmina na sua garganta não iria funcionar. O gigante evitava agilmente mesmo os golpes mais rápidos, como os disparos da arma de Gerlon e as flechas de Flora. Spike e Zafira avançava rapidamente e feria sua carne. Mas não era suficiente para parar o seu avanço e a cada passo forçava o grupo a recuar para trás, para evitar as pesadas marteladas de sua marreta. Qualquer acerto contra eles significaria morte, e, pior, a criatura parecia inclinada a destruir a passarela e evitar que Spike e Zafira cruzasse o caminho.
-Ele é diferente - disse Gerlon.
Ele percebeu uma centelha de inteligência nos olhos do monstro, enterrados sob as sobrancelhas ósseas. Grande inteligência. Em seguida, a criatura atacou, usando sua mão direita para fulminar os olhos de Spike, mas somente como uma distração, para o ataque real e amplo com o martelo. Um simples movimento para o lado permitiu que o punho do monstro passassem pelo capitão de forma inofensiva, mas esse não era o golpe almejado pela criatura; na verdade sua estratégia era mais sutil do que isso. O punho do martelo bloqueou a espada de Spike, permitindo ao monstro ficar a um passo de distância.
Ele tentou agarrar Spike, mas só conseguiu uma potente cabeçada. Uma fração de centímetros mais perto e teria acertado o olho do capitão. Respondendo da única maneira que podia, Spike bateu nos ombros poderosos da criatura com os punhos de suas espadas. A criatura desviou de maneira mais ligeira que qualquer outra criatura que Spike já tivesse enfrentado.
-Fiquem atrás de mim - Spike disse - ele é esperto e bem forte.
Eles circularam-se, cada um estudando o outro para encontrar suas fraquezas e definir a melhor forma de ataque. O sangue escorria pelo rosto de Spike como um lembrete de que esse oponente pensava cuidadosamente sobre os seus ataques e de que era um adversário qualificado. Mas o monstro nunca havia enfrentado alguém como o Capitão Spike, guerreiro do reino de Henry.
Spike rugiu e correu na direção do monstro, pressionando o gigante a dar um passo para trás, então mudou a direção de seu ataque, caindo na plataforma e chutando-o. Uma greva de bronze bateu de joelho da criatura, desequilibrando-a. Spike colocou seu outro pé atrás da perna da criatura e girou, surpreendo-a. Não contente com isso, Spike girou para enlaçar suas pernas de seu inimigo, e então era a hora de acabar com a batalha. Sem equilíbrio e de costas para Spike, a criatura cambaleou sobre a borda da plataforma. Girando uma lâmina na ponta de seu cabo, Spike sentiu suas espadas atingirem as costas expostas do gigante, fazendo-o cair para fora da plataforma. Ele urrou por todo o caminho até o chão distante, onde seus gritos terminaram abruptamente, em um estrondo enorme.
Spike olhou sobre a borda da plataforma e não se vangloriou com a vitória. O gigante havia sido um adversário digno, e nada mais. Foi apenas um obstáculo no caminho para o tesouro de Gaiseric, para a Gran-Solaris. Spike olhou para a passarela estreita e começou a andar sobre ela. Os demais se aproximaram dele, sem acreditar na batalha que acabara de presenciar.
-Para um velho, você ainda está em forma - brincou Sirius.
Spike deu um sorriso de leve.
-Espero que você aprenda a lutar assim, seria de grande ajuda para nós.
-Vamos providenciar isso - acrescentou Gerlon atrás deles.
Eles encararam o caminho na frente deles. O caminho era quase tão largo quanto uma ponte, e a queda para o chão onde o corpo do monstro jazia devia de ser de uma centena de metros, mas eles não vacilaram. Passos confiantes o levaram para uma ilha no eio da sala, onde uma alavanca havia sido travada. Estudando a área, Gerlon viu que a sua única esperança de chegar a outra porta de entrada, que estava há uns quinze metros de distância, era um alcançar um cabo amarrado no teto, que balançava de um lado para o outro. Um salto permitira que ele pegasse o cabo durante a queda, mas, se suas mãos escorregassem, se avaliasse al a trajetória até a segurança da ilha, seus destinos estariam traçados para sempre. Não havia nada abaixo do cabo, se eles o perdessem.
Outro caminho sugeriu-se a eles. Spike e os outros seguiram o mecanismo controlado pela alavanca e viu que ele deixava cair um enorme peso no andar de baixo. A descida se desenrolaria mais facilmente e lhes oferecia um caminho mais seguro até o cabo. Eles não hesitaram. Ele tomou um cabo de segurança da alavanca e puxou com força, colocando as engrenagens e roldanas maciças em movimento. O enorme peso começou a ser baixado.
Quando o peso passou por ele, Spike e Zafira pularam e agarraram-se a corrente que os segurava, acima deles, em pares, os outros o seguiram. Por um momento, ele oscilou, porque a adição de sua massa perturbou os mecanismos, desenrolou a corrente a abaixou o bloco de ferro. Mas ele estava pronto quando o peso se aproximou do cabo. Ele dobrou suas pernas e deu um salto poderoso, as mãos estendidas. Eles agarraram o cabo pesado, o que causou apenas uma ligeira curvatura por conta do seu peso. Seus objetivos foram fáceis pois Flora havia auxiliado com magias de vento ao redor deles.
Uma das mãos soltou o cabo e procurou a sua espada. Seguindo-o pelo ar, estava dois monstros que batiam os dentes ávidos, a saliva pingando de presas, além de terem a habilidade de se balançarem e se moverem de um modo que eles nunca poderiam igualar. Spike e Zafira consideraram cortar o cabo, o que faria a metade distante bater na parede, enquanto a metade onde se agarrava iria balançar-se para frente, para que ele pudesse subir ao portal o cabo batesse no muro.
Mas não era pra ser. Os monstros enxamearam a frente, escalando uns aos outros em sua pressa de mata-los. Dedos com garras golpeavam-no, forçando-o a recuar. Spike balançou e chutou-os, e eles ficaram desorientados por um instante. Quando ele balançou de volta, os bichos partiram para cima dele. Seu domínio sobre o cabo era firme, e ele se atreveu a utilizar sua lâmina. Ela golpeou em um ângulo desajeitado e causou pouco dano a primeira criatura; longos e profundos, arranhões apareceram no braço que empunhava a espada quando as garras o arranharam. Pior do que a dor que ameaçava leva-lo a abandonar o uso de sua espada foi o ataque da segunda criatura, que pulava sobre a primeira ao longo do cabo.
Ela não mirou no braço que empunhava a espada, as na mão que segurava o cabo. Ela estalou as presas selvagens e pegou um dedo, quase rompendo o digito da mão de Spike. Ele rugiu de raiva e deixou sua raiva fluir sobre seu corpo. A personalidade experiente, de um veterano de guerra voltou a assumir o controle de seu corpo. Ele prendeu a segunda criatura entre suas coxas, torceu-a e a destituiu de seu domínio sobre o cabo. Ele balançou e simplesmente a soltou, e a criatura mergulhou no piso distante. Mas não se chocou. Seu corpo foi jogado em uma alta roda dentada que girava, sendo em seguida capturada e moída no pesado mecanismo que parecia não ter outro proposito senão triturar até a morte.
O companheiro da criatura cometeu o erro fatal de assistir a morte. Com uma mão no cabo, Spike soltou a espada e agarrou a criatura. Seus dedos fecharam-se em torno do pescoço exposto, Tendões se destacaram em seus antebraços, enquanto ele espremia a vida da criatura, mas ele não parou até que todos os movimentos cessassem. O sangue dos seus tendões profundo correu da sua mão para a carne do monstro morto, maculando-a. Somente quando Spike estava convencido de que havia marcado a criatura para sempre no Inframundo com seu sangue, ele enviou-a para baixo, para ser desmembrada nas engrenagens. Atrás dele, ele ouviu um assobio.
-Eita, que beleza, em? - Disse Sirius.
Spike deu um leve sorriso, balançou para trás e agarrou o cabo, seus dedos deslizaram e quase o levaram a falhar e cair rumo a morte. Os outros os seguiram e fizeram o mesmo. O sangue dos seus cortes e arranhões deixara seus dedos escorregadios. Sua força permaneceu, mas o cabo parecia ter sido untado pela tração que agora aplicava neles. Sua mãos direita se soltou, deixando-o precariamente pendurado. Mesmo que a enxugasse, sabia que isso não iria funcionar; mais sangue escorreria de suas feridas.
Spike dobrou-se e laçou seus calcanhares sobre a parte superior do cabo, travando os para ter mais apoio. Ele não tinha como estancar o sangue que vazava da sua carne com o osso, mas manter seus tornozelos presos no cabo o impediu de seguir seus inimigos no chão. Suspensos de cabeça para baixo, eles se projetaram ao longo do cabo o mais rápido possível que pôde, até finalmente chegar ao fim da linha. Uma guinada rápida permitiu-lhes agarrar uma saliência sob o portal.
Ele enxugou as mãos, uma de cada vez para limpá-las do sangue, e, em seguida, pulou até a saliência. De pé, ele encarou um corredor curto. A passos longos, Spike e Gerlon checaram para ver se havia finalmente chegado até o tesouro de Gaiseric. Em apenas alguns minutos, eles perceberam que não.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top