Capítulo 42 - Mandrágoras do diabo
Sirius e companhia bebiam numa estalagem no pequeno vilarejo que eles haviam ancorado. A Bichano descansava sobre o rio congelado. Ventava bastante lá fora, a friagem adentrava por frestas e por debaixo da porta, os fazendo tremer. A bebida era quente e revigorante, uma espécie de suco feito de amora e morango com algumas sementes. Sirius e Mikka estavam no seu terceiro copo, enquanto o resto do grupo bebia cerveja, Dymas especialmente já estava no seu décimo terceiro copo e não aparentava dar sinais de embreagues. A garçonete passou pela mesa deles e deixou algumas bandejas com seus pedidos.
-Rahma Haruna? - Perguntou Seal - o que há para fazer lá?
-Um outro poder de Gaiseric - Respondeu Zafira.
-E o que seria?
-Uma espada. A Gran-Solaris. Precisamos destruir os Tesseratos o quanto antes, não podemos deixar que eles caiam nas mãos do Império de Thiel. Eu temo que... se Thiel e Élnides começarem a guerra, se inicie a Quarta Guerra dos Leões...
-Não vai acontecer. Nós vamos recuperar a espada e impedir Leore - disse Spike.
-Mas e se... - quis protestar Zafira.
-Não é hora para fraquejar - interrompeu Gerlon - já estamos aqui e vamos continuar. Cada um de nós tem agora um motivo para continuar essa luta. Nós podemos impedir essa guerra.
-E qual é o plano? - Perguntou Beat.
-Vamos entrar e Rahma Haruna, pegar a espada e cair fora. Não vamos brincar lá dentro. Não sabemos o que tem lá e não quero passar o mesmo sufoco que na Tumba de Gaiseric.
-Então sugiro que vocês não despertem o guardião de Rahma Haruna - disse Sagitta tomando um gole da sua bebida - Sedna. Mas todos de Falconia a chamam de "A Corrupta".
De repente, a estalagem ficou em silêncio. O vento lá fora tornou-se mais violento. Eles começaram a sentir os olhares pesados dos outros em suas costas, como se estivessem julgando. O que eles fariam em Rahma Haruna a ponto de acordar a corrupta? Se perguntaram todos da estalagem. Todos ali sabiam que a deusa dormia nas profundas e esquecidas camaras de Rahma Haruna, mas ao mesmo tempo, não era suficiente reconfortante saber que haviam pessoas que planejavam adentrar atrás dela. Todos a temiam, mesmo nunca ninguém a ter avistado a milênios, seu poder emanava por toda Kravaattii. Sentia-se no ar, na agua e nas montanhas e isso já era suficiente para saberem do que ela era capaz.
Sedna, a Corrupta. Herdeira das trevas, dizia-se que governava o rio que corre no Inframundo, domínio do Demiurgo Ghede, e protegendo aqueles que lá habitam, em oposição a Khau Daharash, o Impiedoso, governante abissal e herdeiro da luz. No curso de seu governo, ela se subeteu a avareza e a escuridão tomou seu coração, o tornando frio. Sua presença ou até mesmo a menção de seu nome é capaz de transformar pessoas boas em maus e corruptos, assim como seu próprio coração. Então, em sua covardia, ela abraçou e passou a amar a solidão que a amargurava, e tornou-se a Deusa Corrupta, e assim como as almas, os cadáveres e o próprio rio que corre no Inframundo, tomou-se para si magia imunda e seu domínio tornou-se o Gelo, o usando como escudo vivo. Ghede a criou como uma forma de ajuda-lo na Titomaquia éons atrás, e após isso, a transformou em um ser cruel que agia como uma controladora de teu território. Apesar de sua posição, ela desafiou os Demiurgos para reater suas posições; Derrotada antes de sua força, ela caiu gritando ao ser mandado para ainda mais profundo para as camadas do Inframundo, e por lá permaneceu por longas eras, até seu selo ser recuperado e controlado por Gaiseric.
Sagitta continuou.
-Não a acordem, não sabemos onde ela está, se já acordou ou enfim, peguem a espada e caiam fora.
O grupo assentiu com a cabeça. Mais copos de cerveja chegaram na mesa. A garçonete tinha dificuldades em levar tantos copos. Ela tinha traços de gata, sua pelagem era alaranjadas e grandes olhos negros. Dymas suspirou fundo quando seus olhos se cruzaram. Ele se pôs de pé e se ofereceu para ajuda-la.
-Por favor, permita-me! - Ele levantou-se de um jeito meio atrapalhado.
-Não se incomode - disse ela - está tudo bem!
Com seus grandes e longos braços, ele carregou seus oito copos e a acompanhou até o balcão. Ele estava nitidamente nervoso. Seu coração palpitava forte. Sua boca estava seca e ele não parava de gaguejar.
-Você está bem? - Perguntou ela.
Tá! - Gritou ele - desculpe, mas como você se chama?
-Khirmina, e o seu é?
Dymas - respondeu ainda mais nervoso.
Ela sorriu e ele se derreteu ainda mais por dentro.
-Vocês não são daqui, não é? São forasteiros.
-Sim, nós viemos de muito longe e estamos ajudando uma amiga nossa.
-Espero que dê tudo certo para ela e para vocês. O senhor Esdras pode dar caminho para qualquer um que esteja perdido e purificar as almas de quem esteja corrompido por pecados.
-É... acho que sim.
-Você veio vê-lo também?
-Eu... eu não tenho motivos para vir vê-lo. Pelo menos não agora.
-Seja lá o que você estiver ou venha a ter, será perdoado. Assim como eu fui e hoje, me sinto bem melhor.
Dymas cerrou suas sobrancelhas.
-Como assim.
Ela suspirou fundo. Seus olhos perderam o brilho e seus ombros pesaram.
-Há cinco anos atrás, quando a guerra se deu inicio, a invasão chegou na minha terra natal, a leste daqui. O ataque violento destruiu minha cidade, e eu perdi minha irmã e meu pai. Minha mãe ficou com sérias sequelas que a seguem até hoje... - Ela encheu outro copo de cerveja e ofereceu a Dymas. Ela continuou - Fugimos pelas montanhas e eu tive que carregar minha mãe nas costas por semanas. Chegamos a um vilarejo nas montanhas de Ytevel e ficamos por lá por alguns dias até que ela se recuperasse. Na mesma época, vários outros refugiados chegavam em massa e se escondiam, fugindo do ataque de Thiel. Até que um monge num templo próximo nos disse para virmos até Burlmugaron, onde o Grão-Sacerdote Esdras nos salvaria. Foram meses de viagem até chegarmos aqui. E durante esse tempo, eu cultivei um ódio mortal pelo Império, desejei que queimassem no inferno até não sobrar nada. Até que... numa noite, o senhor Esdras caminhou por ele e conversou comigo. Me disse que minha alma estava envenenada pela vingança e que eu deveria aprender a perdoa-los. A vingança me tornava cega para as coisas ao meu redor. Custei até que os perdoasse por levar meu pai e minha irmã... Não cabe a nós julga-los. Mais cedo ou mais tarde eles serão punidos e não serão dignos de herdar o paraiso. Não é permitido almas corrompidas, então eu tive que perdoa-los, por que eu sei que lá, esperando a mim e a minha mãe, minha família estará lá.
Dymas permaneceu em silêncio por algum tempo. Seu estomago revirava e não era por causa da cerveja. Ele recordava de um ataque violentado, de proporções exageradas no inicio da invasão. Um sentimento de culpa e remorso se agitava dentro dele.
-O ataque... foi a uma pequena cidade chamada Pákhos? - Perguntou ele.
-Sim - respondeu ela - como você sabe? Estava lá?
O bar pareceu girar. O peso dos céus caiu sobre suas cabeças. Ele relutou em deixar cair lagrimas. Ele sabe. Ele conhecia toda a história, porque ele estava lá. Ele era o responsável pelo ataque a cidade. Ele comandou o ataque com sua tropa. O ataque exagerado era por causa dos testes de uma grande nave de combate: a Bearthorn. O ataque maciço foi causado por uma chuva de fogo e explosões que destruíram a cidade numa única tarde, e por fim ocupada pelas tropas sem nenhuma baixa. Sem se quer retirar uma espada da bainha.
-Eu ouvi falar- mentiu - eu tinha passado uns dias antes para visitar familiares naquela região. Depois do ataque, eu não sei o que aconteceu com eles, nunca mais tivemos noticias.
-Eu sinto muito - ela jogou um pano de prato sobre seus ombros e agarrou as mãos enormes e calejadas dele - você sente raiva do império?
Ele baixou o olhar. Ele tinha.
-Eu não sei. Sinceramente, já fui soldado de um reino distante e... eu não sei. Acho que eu tenho sim, mas não sei se pediria perdão por sentir isso. Não sei se o que eu fiz, ou o que eu sei, poderia ser perdoado.
-Todo pecado tem perdão. Não se culpe por ter esses sentimentos. Toda alma há salvação. Você precisa se permitir ser perdoado, deve começar por ai.
Ele baixou seu olhar e o sentimento de culpa cresceu ainda mais dentro dele. Suas mãos tremiam, e ele por um momento se sentiu sozinho. Ele olhou para o canto e avistou uma cesta cheia de frutas, ao redor delas, várias rosas amarelas e violetas enfeitavam.
-Você planta?
-Hm? Ah, isso. Não, são oferendas para o senhor Esdras amanhã. O dia das deusas é amanhã e nós de Kravaattii sempre levamos oferendas ao templo. Amanhã é um dia cheio de orações e eu vou para ajudar, gosto de me voluntariar para ajudar os necessitados, já estive na mesma situação que eles.
-Se você quiser, eu posso ajuda-la. É o mínimo que eu posso fazer por você e...
Alguém deu um tapinha em suas costas, era Gerlon.
-Grandão, precisamos ir.
Dymas arregalou os olhos e se virou para Khirmina.
-Tá tudo bem - disse ela - seus amigos precisam mais de você.
-Quando eu poderei vê-la novamente?
-Eu sempre estou aqui na estalagem, trabalhando, mas amanhã irei passar o dia em Burlmugaron com a minha mãe.
-Certo, Burlmugaron amanhã, entendi - ele deu um sorriso de orelha a orelha e correu para a porta, onde todos o esperavam.
Na sala de armas todos se equipavam com ótimas espadas. Gerlon aproveitou para dar um upgrade na sua escopeta. Flora recarregava sua aljava com mais flechas e sempre nas pontas, ela as encantava. Sirius e Spike se fortificaram com grandes espadas, enquanto Zafira e Mikka com algumas facas. Ficou decidido que apenas eles iriam para Rahma Haruna. Sagitta e Seal haviam escutado mais cedo sobre feras que estavam atacando os caçadores naquela região já alguns dias e eles haviam se prontificado para acabar com a fera. O trabalho de caçadores de recompensa era uma renda extra que boa parte da recompensa, Seal enviava para sua família.
Filo chegou com um pergaminho em mãos e entregou a Gerlon.
-AQUI ESTÁ TODAS AS INFORMAÇÕES QUE EU CONSEGUI ENCONTRAR SOBRE RAHMA HARUNA - gritou ela com meu megafone inseparável.
-Há um caminho entre essas montanhas que os levarão ao templo. Basta seguir o canto das sereias.
-Sereias? - Perguntou Mikka.
-Não das dos mares. São árvores que ficam nas encostas das montanhas, seus troncos e galhos fazem um assobio melancólico quando o vento gelado bate nelas. Mantenham-se fiéis a canção. A sua jornada depende disso. Ore para que encontre a espada.
Gerlon abriu o mapa e traçou o caminho. As rotas daquela região eram todas muito parecidas: era necessário atravessar caminhos perigosos entre as montanhas, o rio congelado servia como uma grande estrada naquela época do ano. A mesma região que Seal e Sagitta iriam enfrentar caçando a fera que estava amendontrando a região a dias.
-Tentaremos voltar até o amanhecer - disse Gerlon, enquanto se cobria com um grande manto de pele - Se avistarem naves do império, não entre em confronto e se escondam até eu voltar.
A tripulação assentiu positivamente com a cabeça.
-Faremos o reconhecimento da região - respondeu Sagitta enquanto terminava de montar sua arma sniper - lembrem-se: não acordem Sedna.
-Faremos o possível - garantiu Gerlon, dando um sorriso de lado.
-Eita promessinha furreca - disse Beat, revirando os olhos.
Todos se dirigiram para o convés do navio. Nos fundos, sons de engrenagens começaram a roncar. Donpa havia aberto o compartimento lateral e aos poucos o grupo começou a descer. Em terra firme, eles se despediram. Enquanto uns caçavam, outros buscavam por uma espada lendária.
Eles contornaram o vilarejo e por um caminho tímido, até escondido entre os arbustos, eles seguiram firmemente até chegar ao pé da montanha. Ventava bastante, uma tempestade que cortava seus rostos como pequenas navalhas. De algum lugar ao redor deles, o assobio começou a soar. Vindo de algum lugar das montanhas, eles seguiram por algumas horas sobre o rio congelado. Atravessaram vários fiordes sob baixas temperaturas. As cavernas que eles encontravam serviam de abrigos quando os ventos se intensificavam, vindos dos altos picos. As sereias tinham raízes profundas que eram vistas nos tetos dos infindáveis túneis de cavernas que ali tinham. As sereias eram árvores de troncos grossos e enegrecidos e de folhagem avermelhada como sangue, seus galhos eram retorcidos afiados repletos de espinhos. Seus frutos assemelhavam a cabeças defeituosas com um olhar perdido, como se estivesse pedindo socorro. Flora a reconheceu como sendo Mandrágoras do diabo, pois seus frutos emanavam um cheiro doce e suculento, que é levado pelos ventos, justamente para atrair suas presas, e ao comer um de seus frutos, morre em algumas horas. O assobio melancólico era facilmente confundido com sereias, servia para ajudar chamar as suas possíveis presas. Flora os alertou antes de qualquer um faça besteira, ela explicou olhando fixamente para Sirius.
Durante horas, eles andaram sobre a grossa camada de gelo do rio, feras aladas sobrevoavam entre as nuvens. Passaram por diversas ruínas engolidas pela neve, vilarejos fantasmas era comum por ali. O mapa que Filo havia entregue não ajudava muito e perdidos nas neves ofuscantes, eles não tinham ideia do caminho a seguir. Seus olhos lacrimejavam com tanta força que eles poderiam estar nadando no mar, se não fossem os cristais de gelo na boca e no rosto e a forma como o ar gelado enchia seus narizes. Sirius inclinou sua cabeça para baixo e caminhou com dificuldade para a frente, agarrada ao seu braço, Mikka também tinha dificuldades de seguir em frente. Ele estava ciente de que havia um número infinito de direções erradas, e apenas uma era a certa. Ele esperava pelo melhor.
A tempestade se intensificava no período da tarde, os fazendo desacreditar a cada passo dado, sem saber se havia mesmo uma direção certa para andar. Durante a caminhada, Zafira passou a ter flashbacks de visões que ela tivera enquanto passava pela cirurgia perene. Seu reino tomado pela morte. Pangeia em chamas apenas para satisfazer o ego e o desejo de alguém. Ela não pode permitir que isso acabe assim, que as pessoas de seu reino e de seu continente sofra pela guerra. Ela temia que morresse antes de realizar seu desejo, sua busca seja em vão e ter tudo e a todos que ela conhecia, destruídos.
Ela ouvira contos sobre seres antigos criados pelos demiurgos. Alguns Nefilins haviam se revoltado contra seus criadores e então foram banidos para lugares remotos do mundo, ou para lugares onde o fluxo de brana os prendesse naturalmente, como uma prisão. Ela já conhecera Arles na Tumba de Gaiseric e agora, estava prestes a conhecer Sedna. Assim, ela esperava que não fosse necessário um confronto direto, pois ela sabia mais do que ninguém, do que esses espíritos eram capazes. Essas intermináveis cordilheiras sem fim, as rajadas infinitas de neve, o frio se fim e o cansaço infinito lhe deram uma pequena amostra do que seria os tormentos que aqueles seres estavam passando, tudo porque Arles a entendia e conversava com ela em sua mente.
Ela amaldiçoou todo o Império em sua caminhada longa e penosa, depois incluiu sua incapacidade de manter o Reino de Henry seguro. Se houvesse uma brecha na tempestade de neve através da qual pudesse vislumbrar o sol, ela poderia ter medido a passagem de tempo. Ou, pelo menos podia ter descoberto se o tempo, de fato, passava, pois a sensação era de não mais caminhar por horas, mas por longos dias. Como estava, tudo o que ela conhecia era o frio crescente e o vento sempre presente, carregado de uma neve ofuscante.
Acima do uivo do vento veio um lamento estridente. Gerlon alcançou sua arma, enquanto Sirius e Spike o cabo de suas espadas, mas não as sacara. Girando lentamente, mirou na direção do som e avançaram com cautela. Vai saber o que se escondia naquelas montanhas, o que poderia habitar ali que nem os próprios moradores das montanhas não tivesse conhecimento. Armadilhas, bandidos, feras ou plantas assassinas era possível de se esperar tudo isso. Pior, eles não sabiam qual o próximo movimento dos thieldianos, e se eles também estivessem ali em busca do mesmo artefato que eles? Eles tinham consciência de que tudo poderia acontecer para afastar eles de seu objetivo. Suas únicas esperanças eram agora determinar a direção do som e descobrir a sua origem. O som era o primeiro indicio de que havia outra coisa que não a suas almas pesarosas caminhando em meio aquela tempestade.
Uma luz brilhante piscou uma vez, duas vezes, três vezes, cinco vezes, e então brilhou em meio aquela tempestade, agindo como um farol. Eles alargara seus passos. O que quer que estivesse a frente tinha que ser melhor do que tropeçar cegamente através daquelas montanhas, pois o risco deles caírem de penhascos eram sempre constante. Ao se aproximar, viu que a luz era uma aura que rodeava uma estátua que guardava os portões para uma garganta. Zafira cerrou os olhos e se deparou com uma figura iluminada. Ela não conseguia destinguir o que era ou quem era que estava a sua frente, apenas identificou que usava uma grande coroa e uma grande capa real.
-Você... -disse ela.
-Zafira, a viagem a frente é perigosa, mas você deve completa-la para ter alguma esperança de salvar Henry.
-O que o Grão-Sacerdote Esdras disse, sobre a espada que pode acabar com os Tesseratos, é real?
-A Gran-Solaris existe. É a arma mais indicada para acabar com o poder desses artefatos.
-E os destruindo, eu posso impedir a guerra?
-Com a espada, muitas coisas se tornam possíveis. E por isso eu a deixei escondida, sob a guarda de um Nefilin.
Por um breve instante, a ventania cessou e o caminho de neve se abriu e ela pode ver o horizonte. Turvo, ela conseguiu enxergar grandiosas ruinas e torres de templos ao longe, mas sua visão logo desapareceu.
-Há uma passagem segura através das montanhas congeladas, mas somente aqueles que ouvirem e seguirem o canto das sereias, serão recompensados com a estrada, pois elas pode guia-los a Rahma Haruna.
-Mas como eu posso encontra-lo? E como eu posso resistir ao cantor das sereias?
-Com quem está falando, senhorita? - Perguntou Spike atrás dela.
De repente, Zafira se viu nas ruinas de um templo e a imagem brilhante não estava mais ali. Ela refletiu por alguns momentos, chegou até mesmo a duvidar de sua sanidade.
-Nada - disse ela - vamos continuar.
Ela rangeu os dentes e marchou, e os outros a seguiram. Não era nada fácil para os mortais adquirirem artefatos divinos. Ela se perguntou se as deusas lhe dariam porquês e razões para entender o caminho que elas construíram para cada um deles. Isso era o que sua mãe costumava lhe dizer, antes de ela completar oito anos e já iniciar seus estudos e preparação para herdar o trono.
Enquanto caminhava pelas ruinas, viu que a estátua havia mudado. Antes, a estatua era de um antigo rei apontando para a direção da garganta que cortava a montanha, agora ela tinha apenas suas mãos repousando sobre o cabo de sua espada. Um pouco mais adiante, ouviu o canto das sereias, mas fraco. Ela ficou um pouco mais ereto contra o vento. Agora sabia que o som era do canto das sereias, assim ela pensava que fosse.
Aquela visão havia colocado ela no caminho certo, mas, como o de costume, não dera sequer uma dica de como ela poderia resistir aos assobios das arvores. Zafira imaginou que ela havia sido confiada para descobrir por si mesma - ou, caso tudo desse errado, os tiros da arma de Gerlon, as magias de Flora e a força bruta de Spike seria o suficiente para subjugar aquilo que estiver naquela tempestade.
Flora contou uma história antiga de seu povo, sobre um humano que havia sobrevivido as tentações das Mandrágoras, tampando seus ouvidos com algodão, enquanto a tentação de comer os frutos, ele havia amarrado carne podre por todo seu corpo para não sentir o odor das frutas. Mas eles não tinham nada que pudesse bloquear o som insistente e o cheiro doce sedutor. Eles sabiam que naquela cordilheira eles estavam numa verdadeira armadilha tentadora, em que seus instintos seriam testados.
A medida que caminhava, o grupo espalmava as mãos sobre seus ouvidos, esperando abafar o assobio traiçoeiro. O que falhou. Eles se viram andando cada vez mais rápido, caçando criaturas através da tempestade de neve, querendo-as como nunca quiseram nada antes. O bater de asas pesadas o levou a olhar para cima. Através das nuvens frias, eles viram uma harpia lutando para levar uma carcaça dependurado em suas garras. O monstro se virou e desapareceu na tempestade, Flora alertou que elas faziam ninhos em coisas mórbidas, que cheiravam a morte e repulsava a vida.
Uma vez, em um campo de batalha fora de Mynrhal, capital do reino de Arack, Spike encontrou um ninho de harpia encima de uma Mandrágora do diabo, numa montanha próximo a cidade, ele ordenou a seus homens que as enchessem de flechas. As harpias estavam jantando viajantes e soldados que se aventuraram por aquela região, devorando avidamente a carne e manchando-se totalmente com seu sangue. Seus grunhidos mortais lhe custaram alguns soldados experientes. Quando as harpias começaram a morrer, ela gritaram a tal ponto que os tímpanos dos soldados explodiram. Spike ordenou que as carcaças de harpias fossem talhadas em pedaços lançados aos quatro ventos, de modo que suas sombras monstruosas vagassem eternamente inquietas sobre a terra.
Ele apertou as mãos com mais força contra seus ouvidos. O assobio das sereias se tornavam cada vez mais tentador. O odor doce fazia sua barriga roncar. O ventou abrandou, e a canção maléfica ficou mais baixa, já que era provocada pelo vento, mas mesmo assim o preencheu de um desejo irresistível. Logo, ele olhou para um monte feito de neve arcado com ondulações de vento, cristais de gelo refletia a pouca luz solar que atravessava as densas nuvens. Além das dunas, haviam ruínas de um templo antigo, talvez onde existisse um jardim de Mandrágoras do diabo, formando sua morada.
E então eles viram: quatro altas criaturas espectrais, flutuando sobre a praça a frente do templo em ruínas. O som sedutor das Mandrágoras os enfeitiçara, uma sensação de insegurança e fraqueza agora dominava seus corpos e suas mentes. Um absoluto fascínio puxou Spike para frente, cada movimento seu era lento, instável, e cada vez mais descoordenado. Um dos espíritos o viu e atraído pelo seu sangue mortal, ela se virou para ele, e o assobio elevou-se.
Spike tentou sacar suas espadas, mas descobriu que não podia. Sirius e Gerlon tentaram mas chegaram a conclusão de que suas armas não foram feitas para ferir algo tão belo. O espirito que o viu deslizou pela encosta, com o rosto mais insuportavelmente mais bonito enquanto ela sorria. Os dentes afiados e amarelos que ornava sua goela escancarada não o incomodavam nem um pouco. Adorável, ela era tão linda e emanava uma energia doce e calma, ela tornava-se mais linda a medida que se aproximava. As outras também se aproximaram de Sirius e Gerlon.
-Venha a mim, meu amante. Eu quero você - disse ela. Sua voz carregava uma canção inteira.
Spike sabia o poder do assobio, Flora havia deixado bem claro o que ela era capaz de se fazer, mas relutar contra um jardim inteiro era realmente difícil. O som soava como se amenizem a desgraça que fora sua vida nos últimos cinco anos. Mas ainda assim ele não conseguia resistir. Com um empenho de força de vontade poderoso, ele forçou uma mão a se dirigir até sua bainha. Seus dedos roçaram no punho de sua espada.
O espirito não se acovardou. Ela tinha total noção do poder de seu assobio.
-Não há necessidade de lutar, meu amor. Venha para mim e se entregue. Não há mais pelo o que lutar. Você está cansado e eu sinto isso, venha e me ame.
Sua resistência desvaneceu enquanto ele se aproximava do espirito mais bonito do mundo. Brilhava feito fogo em todos as cores. Mantinha seus braços abertos em volta dela enquanto a puxava para perto. Spike sacudiu quando sentiu uma mordida.
-Uma mordida de amor, meu querido - vieram suas palavras em um arrulho - você gosta? Você quer que eu lhe dê mais?
Spike sentiu o sangue do ferimento no pescoço escorrer pela sua blusa, mas sabia que ela o amava, e ele a desejava acima de tudo, assim pensava...
Ele recuou, lutando contra o caloroso abraço daquele espirito que estimava.
-Não - disse ele - eu não posso...
Seus ouvidos se encheram de assobio, aguda primeiramente e, depois, tão melodiosa que ele chorou. Aquele espirito assobiava mais, até que deixou de ser apenas um assobio e passou a ser uma canção assustadora de amor e desejo. Para ele e apenas para ele.
-Me beije- disse ela.
Novamente ele recuou, enquanto sangue vertia do outro lado do seu pescoço.
Ele endireitou seus braços e a empurrou com força. O espirito soltou um grunhido de pura raiva, quebrando momentaneamente o feitiço. Spike viu sua imagem tremer, e como um holograma, a imagem se desfez, na frente dele, um esqueleto de ossos frios estava parado na frente dele.
-Você está mentindo! - gritou ele.
-Estamos famintos! Estamos todos famintos, sedentos por sangue fresco! E vocês irão dá-los para nós!
As vozes tornaram-se estridentes e a melodia havia se tornado em notas de sofrimento e dor. Ele ouviu um click por cima de seus ombros, e ao olhar para o lado, ele deu de cara com o cano de uma escopeta: a arma de Gerlon disparou na cabeça daquele esqueleto o fazendo explodir em mil pedaços. O som alto soou como um tiro de canhão. Seus pelos ficaram arrepiados e ele sentiu eletricidade no ar.
A cacofonia dos tiros, relâmpagos e demandas para jantar as suas carnes cresceu enquanto o canto daquelas criaturas diminuía. Spike alcançou, lá no fundo, as visões, os pesadelos, que alimentavam sua determinação. Um raio rompeu o ar ao seu redor.Uma força maior do que qualquer coisa que ele já tivesse sentido levantou-o e o atirou no ar, girando, rodando e caindo. Ele caiu na neve, atordoado. Quando olhou para cima, seus amigos estavam lutando contra aquelas criaturas nefastas. Sirius e Zafira mataram o primeiro esqueleto cravando suas laminas na sua cabeça e no seu tórax. Mikka se escondia atrás de Gerlon enquanto ele atirava naqueles ossos ambulantes, sua arma era tão potente que os pulverizava. Flora invocava uma tempestade de raios que caia ao redor deles, sua magia estava mais poderosa do que antes, pois ele sentia o cheiro de tempestade muito antes da queda do relâmpago. Ele sacudiu-se e pôs-se de pé, ciente de que havia sido salvo por seus colegas. Outros três esqueletos surgiram entre as ruinas e correram em direção a eles. Spike nunca vira criaturas tão feias e assustadoras, o fazendo despertar seu instinto de guerreiro, ele precisava proteger a princesa Zafira a qualquer custo.
Aqueles esqueletos tinham começado a lutar por ele. Sua mão tocou seu pescoço e encontrou marcas de mordidas recentes sangrando livremente. Sua visão dos pesadelos lhe havia permitido quebrar o feitiço para lutar, e quando ele foi salvo por Gerlon, o som do tiro o deixou parcialmente surdo. Ele podia não ter algodão molhado que o herói da historia de Flora tinha, mas tinha um método improvisado, bloqueando temporariamente os chamados dos assobios das Mandrágoras do diabo. Sua audição já estava retornando, no entanto, não sabia dizer quanto tempo havia se passado. Ele havia esperado muito tempo?
Ele levou sua mão direita ao cabo de sua espada, mas seu corpo o traiu e sua mão não conseguiram agarrar a espada. Sua mão tremia, sua carne rebelde recusando-se a fechar no cabo da espada. Os esqueletos surgiam aos montes agora das raízes das árvores. Os assobios vindo delas faziam seus músculos relaxarem, para que não usasse a sua arma.
Uma reviravolta final de sua força de vontade curvou os seus dedos de forma adequada, mas seu braço, enfraquecido, não conseguia mais segurar sua mão levantada. Ele caiu para o lado. Um outro relâmpago caiu próximo dele, causando um outro grande estrondo. O raio derreteu a neve que estava ali perto e rachou o chão de pedra. Cambaleando e com muito esforço, ele se pôs de pé.
Ele partiu para cima daqueles esqueletos, com propósito, mas sem pressa. As criaturas recuaram, trocando olhares que pareciam com um choro. Eles uivaram para ele, lançando seus assobios em várias harmonias, um acorde poderia deixar um homem em chamas, outro poderia cegá-lo, ainda um terceiro poderia fazer seu crânio explodir como uma castanha numa fogueira.
Spike continuou andando. Ele não se preocupou em sacar sua espada.
Os esqueletos espalharam-se para cerca-lo. Mas Spike havia lidado com guerreiros mais rápidos e vivos antes, e essas, para infortúnio deles, nunca haviam lidado com uma pressa como Spike.
Eles não viram Spike se mover com rapidez e não tinham ideia de quão rapidamente essas pernas poderosas poderiam dirigir seu corpo maciço. Ele permitiu que os esqueletos se aproximassem em torno dele, até julgar que estavam perto o suficiente, então, com um rápido impulso de suas pernas fortes, pulou em um dos esqueletos, como um tigre se lança sobre sua presa.
Com a mão espalmada, ele agarrou o crânio e o esmagou, enquanto socou o peito de outro tão forte que seu esterno e clavículas quebraram e rasgaram a parte superior da sua espinha para fora do eixo.
Ele arrancou-lhe a cabeça de outro e balançou-a como um mangual. Os mais próximos esqueletos restantes teve o rosto e o corpo golpeado pela cabeça daquele esqueleto, com força suficiente para quebrar os ossos monstruosos de seu crânio e cair destruídos na neve. O ultimo virou-se para fugir, mas Spike, girando os restos da cabeça do primeiro esqueleto, atirou-o como num arremesso de martelo. A cabeça decepada bateu no esqueleto fugitivo entre os omoplatas, forte o bastante para quebrar sua espinha. Os fragmentos de ossos rasgara seus pulmões, o que deu um fim horrível ao seu grito.
Spike estava sobre o esqueleto agonizante, e não havia nada e seu rosto que se assemelhasse a piedade. Ele esmagou sua cabeça com um pisão de sua bota. Ele apenas percebeu que estava acompanhado quando uma mão pousou sobre seu ombro esquerdo: Zafira o ajudou a se manter de pé.
-Siga o assobio - debochou Gerlon, enquanto guardava sua arma no seu coldre.
-Sinal de que estamos no caminho certo, não é? - Perguntou Sirius.
-Quase morremos, então eu diria que sim - respondeu Gerlon.
Eles se reagruparam, menos Zafira. Ela caminhou mais a frente sozinha. O grupo apressou os passos rumo as ruínas destruídas. Estranhamente, ainda que o lugar parecesse uma ruína, as escadas e corredores estavam repletas de lâmpadas de cristais acesas, então não houve a menor dificuldade para enxergar o cainho. Eles seguiram a luz.
O caminho começava numa garganta, onde as montanhas iam perdendo espaço e dava lugar as mais ruinas e pedras esculpidas. Entre as montanhas, um gigantesco vale se ergueu na frente deles, rodeados por altas montanhas salpicadas de neve. A entrada começava nu grande coliseu agora tombado. Pilares enormes que antes sustentavam algo, hoje não mais segurava nada. O local era bem amplo e aberto. As estruturas eram feitas de tijolos revestidos de argamassa e areia, e coberto por travertino. Seu anfiteatro era imenso e seus passos causava ecos por todo o vale. Provavelmente tinha dois a três andares, mas que agora estavam destruídos. Sirius se perguntou quantos gladiadores haviam lutado naquela arena, e com quais criaturas por ali já passou. Sua altura no total chegava a cinquenta metros e altura. A cor das pedras das paredes do templo eram de cores frias, como bege e marrom. Saindo do coliseu, um longo caminho de quase um quilometro se erguia a frente deles, apoiados por grandiosas pilastras de sustentação. Nas laterais, um grande buraco aparentemente sem fundo abrigava uma escuridão assustadora. As paredes do templo eram esculpidas na própria montanha, dando um ar de cidadelas dentro das montanhas. Seus paredões eram todos assimétricos e de características bem marcantes, cúpulas, colunas e abóbadas enfeitavam o local, as janelas tinham arcos abertos e grandiosos. Ainda nas paredes, estatuas de Sedna erguiam-se imponentes, sempre atentos ao caminho a sua frente, as duas estatuas tinham facilmente, mais de oitenta metros de altura e serviam para afugentar invasores só pelo medo que emanava. Mas com o passar do tempo, a neve havia coberto muito das estatuas, as tornando poucas visíveis, menos sua aura negativa e agressiva que emanava de dentro delas.
Eles se sentiam como pequenas formigas e meio aquela imensidão colossal e titânica que era Rahma Haruna. Eles eram tão pequenos a grandiosidade daquele lugar que sua presença era quase insignificante. Acima do titânico templo a frente deles, um raio de luz solar surgiu entre as nuvens cinzentas. Em uma varanda vertiginosamente alta, olhando para a tempestade que se formava acima deles, era se tornara interminável e furiosa. O grupo fez uma pausa para examinar os brutos relevos esculpidos nas paredes e ambos os lados. Um desenho retratava figuras com aspectos divinos, ordenando a seus servos que construíssem um templo poderoso para abrigar as magnitudes divinas que aquele mundo poderia abrigar, e que Gaiseric um dia, a usou também para guardar seu tesouro. Uma outra figura mostrava o templo sendo selado após Sedna se tornar corrupta e ser banida do inframundo. As figuras divinas aparecia usando coroas com entalhes de pedras preciosas e raras, nas quais Gerlon não perdeu tempo e furtou duas com ele.
-Chegamos - disse Zafira, encantada com o templo que se erguia na frente dela - Rahma Haruna.
-Rahma Haruna - repetiram os demais.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top