Capítulo 39 - Uma mentira agradável

Os primeiros chonchons morreram de forma fácil. Selena e Beat os partiram no meio com suas espadas de forma fácil e rápida, sujando elas de sangue escuro e gosmento. Outros dois tiveram suas cabeças perfuradas pelas flechas de Flora e outros quatro com suas cabeças explodidas pela arma de Gerlon. Dymas avançou contra o cãoera, que urrou e o arremessou para outro lado. Beat avançou e com velocidade investiu causando vários cortes no cãoera, mas a pelagem grossada criatura não surtiu efeito, e com apenas um chacoalhar de sua cauda, o arremessou para longe.

Flora e Gerlon atiraram no seu rosto, algumas flechas cravaram acima dos seus olhos e uma até chegou a entrar em sua nariz e se alojando lá dentro. Os tiros da arma de Gerlon foram suficientes para ferir a grossa pele da besta. Ela urrou de dor e avançou. Selena correu para um lado e Gerlon correu para o outro, o cãoera avançou para cima de Selena que escorregou por debaixo de algumas carroças, as mesmas foram esmagadas pela enorme pata do cãoera.

Se virou novamente e avançou na direção de Gerlon, quando sentiu uma força lhe puxando para trás: Dymas o havia segurado pela sua cauda. O cãoera rugiu, Gerlon e Flora atiraram ainda mais, mas a grande fera ficou sobre duas pernas e abriu suas grandes asas e começou a batê-las criando uma tempestade. Um vendaval surgiu ferozmente fazendo várias caixas e barris voarem e acertar o grupo. Selena correu até os pés dele e fincou sua espada e saiu correndo, o monstro urrou de dor, ele bateu suas asas novamente e a ventania violenta a arremessou contra parede.

-Precisamos impedi-lo de bater as asas! – gritou Flora no meio da ventania.

Beat segurou o cabo de sua espada e ela começou a emanar uma aura azulada. Cristais de gelo se formaram ao longo de sua lamina.

-Preciso que distraiam ele para mim! Criem uma distração – gritou Beat.

Flora atirava flechas atrás de flechas mas não surtia efeito, Gerlon recarregou sua arma e começou a atirar nas asas do cãoera, a tempestade começou a ficar mais fraca. Beat correu e fincou sua espada no outro pé da criatura de repente cristais de gelo começaram a se formar. Cãoera urrou de dor novamente, sacudiu sua cauda e arremessou Dymas para longe, a fera se inclinou para frente e lançou chamas em direção ao Gerlon, que saltou para de trás de uma pilastra para se proteger.

As potentes chamas engoliam e destruíam tudo que tocava, o gelo na sua pata derreteu e espalhou a agua por todos os lados. O cãoera mirou as chamas em Flora, ela conjurou um escudo de Brana para se defender. Com sua cauda móvel ele girou por todos os lados, acertando Beat contra as caixas atrás dele. Selena levantou-se e viu que Flora não aguentaria por mais tempo, ela começou a gritar para distrai-lo.

Quando ele finalmente mudou o foco de suas chamas, ele cuspiu mais uma poderosa rajada contra Selena, ela correu ao redor da fera buscando se proteger das chamas, correu para perto da fera e conseguiu recuperar sua espada e a de Beat, que arremessou para Gerlon. Os dois correram para debaixo de suas patas traseiras e com um golpe em sincronia cortaram os tendões nos tornozelos do grande morcego, ele tombou para o chão e o ataque de chamas cessaram. Flora juntou a palmas de suas mãos, num gesto de oração, e ela começou a sentir um formigamento nas palmas de suas mãos, seus pelos se arrepiaram de uma corrente elétrica surgiu entre seus dedos. Ela tocou na agua derretida no chão e eletrocutou o cãoera que se contorceu de dor. O cheiro de carne queimada começou a penetrar em suas narinas e o grande morcego caiu.

-Estão todos bem? – Perguntou Flora, seus pelos ainda estavam todos arrupiados pela energia.

De algum lugar atrás dela, Gerlon ajudava Beat a se recompor. Selena e Dymas se aproximaram, ambos estavam sujos de terra. Selena guardou sua espada na bainha.

-Eu não acredito que uma criatura dessa ainda vive por aqui, então foi isso que atacou a equipe de Thiel? – Perguntou Selena, analisando o cãoera. O grande morcego fedia a carne podre e pelo queimado.

-Há criaturas piores que vivem sob as montanhas de toda Evânia. Lendas do meu povo relatam demônios do mundo antigo envolto de chamas que não são subordinados a nada, apenas senhores de seu próprio poder – respondeu Flora colocando seu Arco em seus ombros.

-Bom, não queremos encontrar essas coisas – Respondeu Gerlon.

Uma aura negra emanou de algum lugar atrás da grande fera, do caminho que Fayene havia fugido. Todos sentiram uma sensação estranha e de medo, fazendo seus pelos se arrepiarem. Eles deram meia volta e se dirigiram para a passagem, nas paredes eles notaram inscrições e vestígios de antigas construções. Runas curvilienas e de aspecto infantil citava magias e encantamentos em ouro. Selena estranhou aquelas marcas que emanavam um brilho fraco. Flora se aproximou dela:

-Runas de encantamentos... essa montanha já pertenceu ao povo dos anões.

-Anões? – Perguntou Selena – eles já estão extintos a muitas eras.

-Não há anões em Laurásia? – Perguntou Beat.

-Não, bom, pelo menos não que eu saiba...

-Não me admira o Império esconder isso – Disse Gerlon – a base de tudo foi o sangue e ossos de todas as raças. E no final, o que sobra são apenas reis que só ligam para si.

-Meu pai é diferente – rebateu Selena – ele ama nosso povo, pena que você não acompanha as nossas politicas. Assim deixaria de falar coisas que não entende.

-Eu sei mais do que você pensa, só porque você não enxerga povos em decadência não significa que eles não existam. Você jamais deve ter andando pelo subúrbio de sua própria capital, do seu castelo não dá pra ver por causa das altas torres da capital.

-Vejo que você gosta de falar de situações que não vive e nem entende.

-Acredite, eu sei do que estou falando e...

Atrás deles, o grande morcego levantou-se e rugiu alto. Algumas pedras do alto caíram próximos a eles.

-Achei que vocês tivessem matado essa coisa! – Gritou Dymas, fazendo os outros sacarem suas armas mais uma vez.

Do alto, vultos avermelhados desceram rapidamente, pelas paredes, grandes criaturas desciam grandes formigas vermelhas, com marcações verdes. Todos tinham a mesma estrutura corporal: quadrúpedes e dois braços manipuladores e nas suas costas asas azuis translúcidas, tinham antenas na cabeça e grandes olhos de inseto que brilhavam na cor verde como florestas. Traziam com eles grandes espadas e lanças.

-Mymercianos – respondeu Flora.

As formigas cercaram o cãoera e avançaram. Do alto, uma chuva de lanças caíram sobre o grande morcego, as lanças terminaram de perfurar ainda mais as asas membranosas da fera. O cãoera urrou ainda mais de dor. Outras formigas conjuraram magias elementares de terra: pedras preciosas emergiram do chão se transformaram em pontas afiadas e voaram de encontro a carne fedida da fera. Com um rugido de fúria, chamas foram expelidas na forma de um grande grito em direção as formigas, mas Mymercianos com túnicas brancas criaram uma barreira mágica para se defender. O calor aumentava consideravelmente em poucos segundos, das paredes, as formigas armadas com espadas e lanças saltaram para as costas da fera e lá o golpearam até cair pela segunda vez. As chamas foram contidas pelos mymercianos de túnica branca transformando-se em uma enorme bola de fogo que eles soltaram encima do cãoera, o incendiando com suas próprias chamas.

O cheiro que antes já era ruim, agora estava dez vezes mais. Gerlon e Flora permaneceram quietos vendo a batalha que se conduziu na frente deles. O enxame de formigas aumento muito mais nas paredes, eles não paravam de aparecer, todas bem armadas e em maior número. Atrás deles, uma formiga duas vezes maior e mais forte apareceu. Carregava consigo uma grande espada torta, mas brilhante.

-Auto! Rendam-se ou morram lutando contra nós! – Disse a formiga com um ar de superioridade.

-Não queremos confusão – respondeu Gerlon – estamos aqui numa missão de paz e nada mais!

-Missão? Então vocês estão aqui para recuperar essa montanha?

-Não! Viemos resgatar minha irmã, ela está perdida por aqui, e assim que a encontramos, ela fugiu de nós e esse monstro apareceu – respondeu Flora – não temos intenção de pegar a montanha para nós.

-Não há ninguém nesta montanha – respondeu a formiga – ela está impregnada com magia profana antiga.

-Capitão Zhonyas, tomamos a ala norte e a ala leste – informou a formiga soldado que se aproximava.

-Ótimo – e Zhonyas voltou-para o grupo – viemos de muito longe para retomar nossa casa, essa fera antiga a muito hibernava por esses salões e foi a ruínas dos anões de Brazincel. Nosso povo vem tentando encontra esse monstro a séculos. Se não são inimigos, para onde a companheira de vocês foi?

-Por este caminho, para além da escuridão – respondeu Flora.

-Eu já falei que não há mais nada nessas cavernas, há não ser que ela seja o foco dessa escuridão.

-E se ela for? O que irá fazer? – Perguntou Selena.

-Iremos cortar o mal pela raiz – respondeu rispidamente o capitão Zhonyas.

-Talvez não seja necessário – disse Flora – ela não é perigosa, podemos cura-la, só preciso encontra-la, nos ajude e jamais voltaremos a pisar aqui.

Capitão Zhonyas os olhou fixamente com aqueles enormes olhos esverdeados, era difícil decifrar suas feições. Ele se afastou do grupo e deixou dois guardas armados para ficarem de olho neles. Após alguns minutos ele retornou com uma poderosa comitiva de dez soldados formigas.

-Vamos acompanha-los até a fonte dessa energia nefasta. Caso não estejam falando a verdade, não posso deixa-los viver mais.

-Mas porque? – quis saber Beat.

-Com excessão da norueguesa da floresta, vocês, evanianos não são dignos de habitar junto com Yggdrasil. Agora, chega de perguntas, nos mostre o caminho.

-Mas... – insistiu Beat.

-Nos mostre o caminho – respondeu friamente capitão Zhonyas.

O grupo e a comitiva de formigas adentraram a escuridão e seguiram pelos corredores. As paredes estavam repletas de runas contando alguma história, assim supôs Selena. Eles caminharam por alguns minutos até ouvir um relinchar de um cavalo, correram rapidamente chegar em um outro grande salão mais amplo e oval. Tinha várias lonas de panos esticados nas paredes ao redor, cabanas improvisadas pelos cantos e um chão de madeira. Dois grandes portões gradeados se encontraram na extremidade um do outro. No canto direito, uma grande mesa de madeira com apenas uma única lamparina acessa. No meio do salão, eles reencontraram o Nattmara que os atacara antes, montada nele uma jovem garota com um olhar perdido: Fayene.

Ela deixou uma pedra brilhante de sua mão direita que caiu no chão e quebrou como uma peça de vidro. O Nattmara relinchou alto e desapareceu numa fumaça negra. A comitiva dos mymercianos levantaram suas espadas e suas lanças e fizeram uma formação de batalha. Atrás de Fayene, um vulto negro com grandes olhos amarelos surgiu por alguns segundos. Era como uma manifestação física das trevas em redemoinhos, emanava malicia e ódio e de aparência horrenda, e rapidamente desapareceu como um fantasma sob uma nuvem de névoa.

E de repente Fayene acordou de um transe, ela cambaleou para esquerda e depois para a direita até cair no chão. Flora correu as pressas para ajuda-la.

-Aquela coisa dentro dela... o que foi? –Perguntou Dymas.

Gerlon cerrou os olhos. Ele ainda encarava o vazio onde aquele espectro havia desaparecido.

Flora agarrou sua irmã e a colocou em seus braços, ainda desacordada, Fayene respirava, o que aliviou mais Flora, mas seus olhos estavam baixos e ela estava queimando de febre. Com muita força ela abriu seus olhos.

-Irmã... é... você?

Flora acenou com a cabeça, fazendo soltar um tímido e leve sorriso no canto da boca antes de cair num sono profundo.

★★★

Fayene abriu seus olhos e uma claridade a cegou. Ela sentia cheiro de café e nozes no ar, abaixo dela, fofas e confortáveis lençóis a reconfortavam. Ela estava de volta a Ramdahmut, seu quarto era enfeitado por diversas tipos de flores e rosas, baús abertos e estantes de livros. A porta e a janela estava entrebaerta, fazendo correr uma leve brisa rodopiar no quarto. Ela saiu, na entrada havia duas guardas, elas avistaram Fayene e reviraram os olhos, bufando em seguida. Ela desceu as escadas lentamente e dirigiu para o jardim na parte de trás do palácio. Caminhou por uma estrada de grama e flores e avistou sua irmã com Gerlon, Selena, Sirius e Mikka.

-Flora? – chamou baixinho – é você?

Ao se virar, sorriu de orelha a orelha e correu para abraçá-la. E de repente, todo o pesar e mágoa por não ver sua irmã a bastante tempo desapareceu. Seu coração não estava mais pesado e um anseio de um vazio dentro dela desapareceu. Por cima dos ombros de Flora, na parte superior dos jardins suspensos, ela avistou Fuschia e Zhonyas conversando mais afastados.

-Você está bem? O que deu em você para sumir desse jeito? Já falei que eu não quero que você venha me procurar! – repreendeu Flora.

-Me desculpe... é que eu... – Fayene quis tentar se explicar, mas sua cabeça ainda estava doendo e turbulenta.

Flora não conseguia ficar brava com sua irmã mais nova, apesar das inúmeras alertas no passado, ela sabia que ela só queria se manter por perto, ela tinha os mesmos anseios de ver o mundo lá fora assim como Flora. Ela se enxergava em Fayene e isso provavelmente aborreceira Fuschia, explicando o fato dela não ter mandado nenhuma batedora ir procura-la.

-Eu fico feliz que esteja bem, de verdade, mas você precisa entender que seu lugar é aqui em Ramdahmut, com as norueguesas da floresta, e não comigo – repreendeu Flora.

-Eu sei, me desculpe, não fiz isso para chamar atenção, é só que...

Os outros a encararam.

-Só que...?

-Só que quando os evanianos chegaram na Selva, a aldeia deu pouca atenção a eles. Enquanto a selva for segura para nós, as norueguesas não se importam com o mundo lá fora. Mas... mas algo em mim estava errado. Eu tive que descobrir o por que deles tenham vindo.

-Thiel está se expandindo rapidamente – disse Selena – eu não imaginava que a expansão estivesse a esse nível.

-Então você foi lá fora na esperança de encontrar alguma, e acabou ficando presa – disse Gerlon. -Você é tão ousada quanto a sua irmã.

Fayene baixou sua visão, seu olhar melancólico fragilizava Flora.

-Eles então me levaram... e me colocaram ao lado de um cristal. Falaram que a brana seria atraída para mim, como se soubessem que nós éramos adaptadas para isso. Eu vi a luz que veio do cristal, e então...

-Já vimos isso também – respondeu Flora – Na Bearthorn, a brana emanada pelo Tesserato Safira me controlou, me causando uma raiva sem igual a tudo que já havia sentido antes. Ela não foi tomada pelo Tesserato Safira.

-Zezirite – respondeu Selena.

Flora confirmou com a cabeça.

-Então isso significa que... a pedra que eu entreguei para Mikka...

-O seu amuleto da sorte? – corrigiu Mikka.

Selena tirou do bolso o cristal azul que emanava uma aura constante.

-Isso é mais perigoso do que eu tinha imaginado. Eu nunca deveria ter dado isso a você, não importasse a ocasião. Perdoe-me, eu não sabia... se acontecesse algo a vocês, eu acho que jamais poderia me perdoar.

-Mas não aconteceu nada – respondeu Mikka de volta, tentando tranquilizar Selena – o mais importante é saber que não aconteceu nada, eu sempre pensei nisso como uma espécie de amuleto da sorte, e não como uma... arma? E mesmo que seja perigoso como acha que é, na Bearthorn isso nos manteve seguros.

Atrás deles, Fuschia se aproximou com duas outras norueguesas que carregavam dois artefatos. Seu semblante era sério e distante.

-Eu ouvi os sussurros de Sarin. Entregue-o - Uma das norueguesas da floresta se aproximou e entregou um pingente para Sirius. – Isso é uma Namida ecólita, ela é uma permissão para entrar e sair de florestas e bosques encantados quando eles lhe deixarem aflito, peça permissão e diga amigo para poder ir a outros lugares.

O artefato tinha o formato de um cristal verde preso por uma corda, dentro dele, havia uma floresta totalmente cristalizada emanando uma aura de brana preso dentro. Fayene interveio.

Namida Écolita

-Isso não pode ser tudo! Eu vi quando saí daqui! Evânia está mudando! Como nós, orgulhosas guerreiras, mães e filhas da floresta ficamos sem fazer nada?!

Fuschia fechou a cara.

-Evânia é dos evanianos. Sarin e Ramdahmut é a única coisa que nos pertence.

-Mas isso é errado! Como podemos simplesmente nos esconder aqui nas árvores? É o suficiente para você? E quanto para elas? Para nós? Porque temos que ficar paradas enquanto o mundo lá fora está se desenvolvendo?! Eu também desejo viver livremente... de sair dessa selva!

-Você não deve fazer isso. Você não vai fazer isso – Disse Flora atrás delas. – Você deve ficar longe dos evanianos. Se você não quer ouvir Fuschia, faça o favor de me ouvir, fique em Sarin, viva unida a Sarin. É o seu caminho, seu destino.

Os olhos de Fayene se encheram de lagrimas, era como se aquelas palavras fossem duras demais para seu coração imaturo. Um pedido de Flora para permanecer em Sarin era demais para ela.

-Mas Flora... minha irmã...

-Eu não sou melhor do que você. Tenho renegado a Sarin e Ramdahmut. Eu ganhei minha liberdade, mas o preço foi muito alto. Meu passado foi cortado para sempre com este lugar. Meus ouvidos e meu coração não podem mais ouvir as palavras de Sarin. Você... você não vai querer esta solidão, eu não quero que você se sinta abandonada e sozinha, Fayene.

-Irmã...

-Não, Fayene. Apenas uma irmã permanece com você agora. Você deve esquecer minha existência, vai ser melhor para você e para todos aqui.

Fayene soluçou e com seus olhos carregados de lagrimas, saiu correndo para o lugar mais fundo daquele jardim. Fuschia se aproximou dela.

-Lamento te obrigar a ter que fazer isso.

-Ela está contra as leis de Sarin, por favor, perdoe ela, ela ainda é muito imatura e não entende. – pediu Flora – eu joguei fora essas leis e acredito que seja melhor assim. Mas eu não desejo isso para ela. Melhor eu do que aquela que deve manter essas leis.

Fuschia encarou por alguns segundos os olhos de Flora, ela fez um gesto com a cabeça e suas acompanhantes se retiraram. Flora pediu para seus amigos a esperassem no pavilhão principal do palácio e assim o fizeram.

-Eu tenho um pedido – disse Flora, sua voz estava falha e melancólica - pode ouvir a voz de Sarin para mim uma ultima vez? Eu tenho medo... medo dela me odiar.

Era um pedido um tanto inusitado e isso ia contra todas as leis das norueguesas. Fuschia encarou Flora até que silenciosamente consentiu. Ela fechou seus olhos e respirou fundo, uma rajada de vento rodopiou entre elas, fazendo a grama, os arbustos e as árvores sacudirem levemente. O vento dançava e assobiava como se estivesse querendo dizer alguma coisa.

-Sarin... Sarin anseia por você. Ela quer de volta a criança que ela perdeu tempos atrás, sob suas raízes e seus ramos.

Flora abaixou sua visão de forma triste e deu um leve sorriso.

-Uma mentira agradável. – disse ela, seus olhos queriam lacrimejar. Ela deu meia volta e deu alguns passos.

-Tenha cuidado. Sarin tem ciúmes dos evanianos que tomaram você.

-Eu sou um deles, agora. Não sou?

Fuschia se aproximou lentamente de Flora e pegou em suas mãos. Estranhamente estava mais quente, um calor agradável. Respirou fundo e a palma de sua mão brilhou. Uma energia eletrizante subiu até um pouco acima de seu pulso e revelou-se umas marcas tribais de um ser com chifres e pequenas asas, semelhantes a um lagarto alado rodeado por trovões e raios. Uma marca muito parecida com a de Arles, em Zafira.

-Galthier disse que uma guerra está prestes a chegar. Um inimigo que deveria ter sido expulso deste mundo a muito tempo, agora retornou. Ele veio nos alertar de uma iminente guerra, talvez seja a maior das batalhas. Mas acho que você fará um uso melhor do que nós.

-Vocês não precisam de mim, há muitos outros que possam lutar nesta guerra, senhor Simbad, Senhor Atticus, as quatro tribos... há tantos heróis que eu apenas atrapalharia e...

-Esta guerra não é sua.

-Esta guerra não é minha. Adeus, irmã.

Flora deu meia volta e seguiu na direção de seus amigos. Ela ia embora com um sentimento melancólico de que ela realmente não era mais bem vinda na sua própria casa. No seu intimo, ela ainda sonhava e acreditava que seria perdoada mas após toda essa situação, suas esperanças foram destruídas. Ela ia embora com a sensação de dever cumprido, e mesmo após as coisas não saírem como ela imaginava, ela pôde ajudar alguém para uma causa nobre, e apesar disso, sua missão ainda não havia acabado. Ela foi abandonada por Sarin, mas foi acolhida pelo evanianos, e ela salvaria Pangeia como uma.

-Vocês finalmente se entenderam? – Perguntou Gerlon.

-Eu acho... que não... ou sim... não sei dizer. Apenas viemos ajudar Zafira e isso é o que importa. Álias, como está a cirurgia perene?

-Bom, não sabemos –disse Sirius – chegamos aqui e Spike já não estava mais no andar de cima, tentei subir mas aquelas norueguesas me impediram.

Flora encarou o andar superior e se dirigiu pela escada, mas as guardas bloquearam seu caminho cruzando suas lanças, Flora apenas as ignorou e subiu os degraus e chegou a sala onde estava ocorrendo a cirurgia. Ela bateu na porta três vezes mas não ouviu nada. Ao girar a maçaneta e abrir, reparou que não havia ninguém, exceto por uma norueguesa que varria a sala.

-Onde eles estão?

-O senhor Galthier mandou dizer que eles estarão lhe esperando na entrada de Ramdahmut – disse a norueguesa.

Flora e os demais se dirigiram para o grande portão que dava acesso a fora da aldeia. Vários Poliveks, pequenas criaturas com aparência de um baixinho homem velho, com grama no lugar de cabelos e uma grande barba verde repletas de sementes de trigo, seus olhos eram de cor violeta e tinham pequenos dentes afiados projetados para fora da boca. Eles dormiam encima de enormes sacos de semente na entrada da vila, alguns estavam brigando entre si por motivos triviais. Na frente do grande portão, Spike, Zafira, Wizz e Galthier estavam conversando e se animaram quando viram o resto do grupo.

Zafira abriu um grande sorriso e correu para abraçar Flora. Ela estava totalmente recuperada, a tatuagem em seu braço estava escondida sob as mangas de sua roupa, ela estava em perfeita condições, sem cicatrizes ou sequelas. Seu sorriso estava radiante e sua energia cativava todos ao redor. O grupo também pareceu bastante surpreso e admirado, Spike encontrava-se um atrás dela conversando com Galthier e Wizz.

-Você está bem! – exclamou alegre, sua cauda balançava agitadamente – e com os dois braços!

Zafira riu.

-Sim, eu estou bem, mas... me sinto um pouco diferente, e sinto como se uma magia crescesse dentro de mim.

-É porque agora você sabe como controlar Arles, ele é seu servo, e não você dele – disse Galthier – mas lembrem-se da promessa que você me fez, você usará esse poder somente quando necessário, por justiça, não por vingança.

Ela agarrou seus próprios pulsos e assentiu com a cabeça.

-Estou pronta para ir. Eu me sinto renovada e com a mente mais clareada, os pensamentos enevoados e confusos eles agora sumiram sobre minha cabeça. Vamos para o monte Bulrmugaron nos encontrar com os altos iluminados.

-O que te faz acreditar que você não possui mais comportamentos imaturos como antes? – Perguntou Gerlon cruzando os braços.

-Eu não sei, só sei que me sinto diferente, peço que continue confiando em mim, por que eu sei que não farei tudo igual novamente.

Gerlon cerrou os olhos.

-Vamos partir – anunciou Selena – o caminho é árduo até lá.

Galthier se aproximou de Flora e a abraçou. Seus pelos eram quentes e macios como lã. Ela se ajoelhou diante dele.

-Senhor Galthier, peço desculpas pela inconveniência, mas nós agradecemos de todo coração.

-Levante-se minha pequena, foi um prazer ajuda-la. Espero que consiga alcançar aquilo que você mais almeja.

-E eu espero que o senhor encontre aquilo que mais procura.

Ele deu um sorriso largo e de um jeito desengonçado e até engraçado, caminhou rumo a saída.

-Eu vou, eu vou, para Lindenvel agora vou – cantarolou enquanto desaparecia na escuridão – mande minhas reverências a Esdras!

Flora deu um leve sorriso. Atrás dela o grupo se preparava para sair, ela deu uma ultima olhada para Ramdahmut para visualizar sua antiga casa. No alto, o grande palácio era iluminado pelos feixes de luzes solares que passava pelas copas das altas árvores de Sarin. Uma sensação de nostalgia e perda se agitavam dentro dela, ela deixava para trás, uma parte de sua vida, alguém que morreu e que ela nunca  mais poderá ver e nem tocar. Ela deu meia volta e seguiu seus amigos que já estavam mais na frente. Flora não sabia, mas essa seria a última vez que ela olhava para sua casa e suas irmãs. A cultura e a tradição Noru conta que elas não morrem por definitivo, elas apenas retornam para o círculo arcano da natureza, para poder reencarnar na próxima vida, portanto, elas nunca mais voltariam a se ver nessa encarnação.  

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