Capítulo 30 - Arles, o flamejante

A câmara estava quente, um calor agradável até beirando a uma lembrança calorosa. Uma brisa morna passou por eles quando o grande portão abriu, os braseiros ascenderam e aos poucos foi iluminando o grande salão que se estendia a frente deles. Colunas polidas gigantes sustentavam o teto alto que era coberto pela escuridão, os animais selvagens. A concentração de Brana era intensa, os véus etéreos dançavam no ar. No centro do salão um grande símbolo alquímico brilhando como brasa, mais runas estavam desenhadas por todos os lugares. No altar, um grande ser vermelho repousava de braços cruzados.

Tinha grandes chifres retorcidos para trás que se projetava de seu cabelo encaracolado e vermelho como fogo. Tem um rosto jovem porém robusto e troncos humanos que mais parecia uma montanha de músculos, seu pescoço e suas pernas eram cobertos por grossos da mesma cor de seu cabelo, seus pés tinham cascos fendidos que brilhavam como brasa. Atrás dele, repousava um grande martelo de guerra. Ele manteve seus olhos fechados e respiração controlada o tempo inteiro. Aquele ser emanava um calor, mas um calor diferente, não agressivo, mas como uma sensação que lhe convidava a revisitar os melhores momentos de suas vidas. Lhes fazia recordar de momentos da vida de quando tudo era mais simples, no alto das escadas na entrada do salão, Gerlon quase se esqueceu da dor que sentia em seu braço.

Eles caminharam lentamente até o primeiro degrau. Sons de espadas sem desembainhadas ecoaram e aquele ser ainda permaneceu imóvel. O nervosismo tomava conta de Sirius, sua vontade era sair correndo dali com Mikka urgentemente, ele não tinha interesse algum em morrer ali. Eles olharam para o chão e viram as runas soltando faíscas. Todos olharam para Flora:

-Runas das estrelas, mas o que ela estaria fazendo aqui? –Disse.

Zafira tocou as runas no chão e encarou o grande símbolo alquímico.

-Eu conheço esse símbolo... eu lembro de já ter estudado ele na minha infância. Meu pai dizia que era muito importante.

Sirius franziu a testa.

-Importante quanto?

-Eu não sei... ele significa... fogo, poder...

"Saudações, eu estava esperando por você" uma voz ecoou na cabeça de Zafira. Ela arregalou os olhos, confusa. Aquele ser se comunicava telepaticamente com ela.

-O que você quer?

"Não é o que eu quero. É o que você quer. O que você precisa."

-Como você sabe o que eu preciso? Porque estava esperando por mim? Você me conhece?

"Minha maldição é conhecer toda a linhagem de Gaiseric, conheço você e seu coração. Conheço seu pai, seu avô e o pai do seu avô. Minha maldição é conhecer e proteger a linhagem de sangue até que minha missão seja concluída."

-E qual é a sua missão?

"Eu sou um guia para os descendentes do Rei. Há muito tempo eu o conheci e ele me salvou de um antigo e profano império que queria usar meu poder para dominar o mundo. Gaiseric queria que eu jurasse lealdade a ele e eu recusei. Ele não é o imperador que muitos de vocês acham que ele é. Quando ele precisou de mim eu não respondi ao seu chamado por não concordar com seus atos. Ele pediu as deusas deste mundo para que me obrigasse a lutar por seus ideais."

-E o que aconteceu?

"Ele conseguiu o que queria. Sua campanha de conquistas infelizmente foi um sucesso, e quando terminou... As deusas me amaldiçoaram me obrigando a estar para sempre atrelado ao seu sangue até que eu cumpra sua vontade. Eu devo cumprir sua vontade até que minha maldição seja desfeita. O que você me pedir, irei fazer. Até o fim."

Zafira hesitou.

-Se eu pedir para que você destrua alguém por mim, você faz?

"Se essa for sua vontade, infelizmente sim. Minha missão é cumprir a vontade do sangue de Gaiseric. Mas eu sei que não é isso que você quer, seu coração está confuso e nublado mas não quer destruir nada."

-Eu... eu realmente não sei o que eu quero, mas eu preciso de ajuda.

"Eu sei que você não quer destruir ninguém. Você possui um coração diferente dos seus antepassados e ficarei satisfeito se puder servir ao seu propósito."

-Então só assim você será liberto da sua maldição. –Sugeriu ela.

"Sim."

Zafira pensou bastante, algo a incomodava dentro dela. Aquele ser destruiu toda a imagem que ela tinha sobre Gaiseric. Todas as histórias de que ele era um rei benevolente, ele amaldiçoou aquele ser por não lhe ajudar a destruir e conquistar tudo em seu caminho? Impossível. Mesmo ela entendendo que faz sentido já que seus antepassados se dividiram por Pangeia e Gondwana após a morte do grande imperador. Ela entendeu que aquele ser tinha imenso poder e com isso, ela poderia alcançar mais rapidamente seus objetivos, mas será seguro? E se aquele ser estiver enganando ela? Se ela não poder controlá-lo? Quem ela colocará em perigo? Seus amigos ou seu reino? Leore poderá usar aquele poder contra ela? Não sabe dizer, mas infelizmente ela não tinha outra escolha, pensou até que aquilo poderia ser algum tipo de teste da tumba, na tentativa de abalar sua fé e suas crenças.

Ela aceitou de prontidão, com receio, mas aceitou.

-Eu, princesa Zafira, herdeira legítima do trono de Henry e última descendente de Gaiseric, eu exijo seu poder.

Uma luz forte emanou de dentro daquele ser como uma chama e o transformou em chamas até que sumisse. O braço direito de Zafira começou a arder e, uma pequena tatuagem tribal de um carneiro rodeado por chamas surgiu ali. Ela encarou por alguns segundos até que ouviu uma voz em sua mente.

Glifo Arcano de Arles, o flamejante

"Para me chamar, basta tocar no sinal do flamejante, que de imediato irei socorrê-la Mas para isso, você que se paga um preço por meu poder."

-E o que seria?

"Agora que estamos conectados eu irei drenar sua vida aos poucos, mas não irei matá-la. Para que eu a ajude, utilizarei de sua força, mas não irei deixá-la indefesa. Sou o poder necessário que você precisa para restaurar a honra de o que foi um dia o lar de Gaiseric."

-E se eu morrer, o que acontece com você?

"Até onde eu sei, não posso morrer por meios terrenos deste mundo limitado. Talvez minha essência desapareça ou eu volte a ser apenas um com a Brana."

Zafira fechou os olhos e respirou um pouco, sua mente estava muito inquieta e seus pensamentos estavam nebulosos. Era muita informação para um dia só e muita responsabilidade, sentiu um pouco de remorso quando pensou que aquela responsabilidade que o Marquês Dário não quisesse que ela tomasse para si. Haveria outros meios? Talvez sim, mas ela não podia simplesmente esperar sentada, precisava agir. Até porque, naquela altura era um pouco tarde para se arrepender, pois acabara de aceitar um poder avassalador de um ser mágico que ela apenas ouvira quando criança que drena sua vida a cada segundo.

-Em vanglória se levantaram, gritando desafios e blasfêmia as deusas. Mas não prevaleceram. Sua condenação foi ficar ao pé da Brana até o fim dos tempos. A lenda de Khoul Gama. –Disse Flora.

-Minha família costumava contar uma história, a história de Gaiseric e de um Nefilim amaldiçoado.

-Você se lembra de como era essa lenda? –Perguntou Mikka.

Zafira fez que sim com a cabeça.

-A história diz que em sua juventude, o jovem Gaiseric derrotou um poderoso ser formado de magia bruta. A essência mais primordial que existe. Para que as deusas dessem atenção para ele e, mais tarde, ele foi obrigado a se tornar um escravo das vontades do imperador.

Gerlon segurou firme seu braço que ainda doía.

-Então todo esse tempo esteve aqui guardando o tesouro de Gaiseric?

-Não é bem assim, o Nefilim é o tesouro do imperador. Imagine possuir e controlar como bem entender um ser de pura magia, que estragos um rei ou imperador mal intencionado causaria...

-Então é o SEU TESOURO? Aquele cara é o valioso tesouro de Gaiseric? –Gerlon começava a se arrepender de ter passado por tudo antes. Seu braço não valeria aquele Nefilim.

-Não se arrependa, pirata. Neste Nefilim que agora eu posso controlar, repousa um poder cujo valor está além de qualquer riqueza que jamais poderá imaginar. –Ela voltou a sentir um calor acolhedor no local da tatuagem.

-Você diz isso porque é uma princesa, princesa. Não diga a nós o que é um valor adequado para alguém, muito menos para esse menino aqui –Disse apontando para Sirius.

Zafira respirou fundo, enquanto os outros encaravam Gerlon com um olhar confuso. Ele continuou.

- Me chame de antiquado, mas eu estava esperando um tesouro cujo valor pudéssemos medir. Afinal, eu sou um pirata.

-Você é um pirata...

O grupo ficou em silêncio por alguns instantes, o único som que se podia ouvir naquele salão era o crepitar das chamas que iluminavam a sala. Um calor emanava de algum lugar que eles não souberam distinguir mas Zafira sentia fortemente. Subiu as escadas e tocou no grande portão que repousava atrás de Arles. Assim que ela tocou, ecoou por toda a tumba um barulho alto que trovejou como um trovão. Na outra sala o interior assemelhava-se a um santuário. No final dela, descansava um grande sarcófago de ouro e pedra maciça. Uma gravura esculpida na forma de descanso a um rei segurava um objeto que brilhava um verde forte, padrões de luzes e tons diferentes de verde eram refletidos no teto e nas paredes próximas.

Ferecks arregalou os olhos e sua respiração ficou ofegante. Spike encarou o amigo.

-O que aconteceu?

Como se estivesse sob hipnose, o velho lobo voltou do transe. Ele fez um sinal de tudo bem com as mãos e se virou para Zafira.

-Majestade, devemos ir.

Zafira andou em direção a tumba do velho imperador. Após alguns milhares de anos, intocável pelas armadilhas de sua tumba, afinal ela seria tocada por alguém vivo, e não qualquer pessoa, como uma piada do destino uma poesia da história, era uma descendente. Ela subiu quatro grandes degraus até se colocar de frente à tumba. A parede atrás dela era um mural com gravuras em relevo que (provavelmente) contava toda a história do imperador e do continente. Nos cantos, runas de encantamento brilhavam. Ao se aproximar o item começou a brilhar ainda mais forte em padrões.

-O quê?

Atrás dela, eles a encaravam, suas respirações se tornaram uma só. Seus olhares confusos pesavam em suas costas. O que eles não sabiam era que a princesa estava vendo seu falecido marido, o príncipe Hércules em forma espectral bem na sua frente. A respiração dela falhava enquanto o encarava. Hércules não se mexia, não fazia absolutamente nada, apenas a encarava com olhos frios e distantes. Os olhos de Zafira lacrimejaram.

-Hércules...

Atrás dela, ouviu passos de alguém se aproximando. Mikka tentou impedir Sirius mas não conseguiu. Ele deu alguns passos como se estivesse em transe. Ele encarava a princesa e um espectro indecifrável na frente dele, o que o deixava confuso sobre a real natureza daquele ser. E de repente, ele sabia que não era um fantasma, não tinha como provar, mas sentia que tinha certeza que não era um, pois em momento nenhum que olhava para ele, sentia medo.

O espectro de Hércules abriu um leve sorriso e caminhou. Desceu as escadas. Zafira queria toca-lo, impedi-lo de ir embora, quando estendeu sua mão para segurar sua mão, era como se tivesse tocado em água gelada. Os dedos do espectro passou entres os dela. Mais uma vez ela não conseguiu mantê-lo consigo, e ela o perdeu novamente. Ela só pôde ficar vendo seu amado se distanciar ainda mais dela. Sem perceber ela estava acariciando seu anel de casamento. Ela e Sirius viram o espectro passar entre seus amigos e ir desaparecer como névoa.

Mikka encarou o amigo e seguiu seu olhar. Para onde encarava não havia nada atrás deles, apenas o portão por qual acabara de passar. Sirius voltou sua atenção para a mão de Zafira, e ela estava carregando o Tesserato Esmeralda. Mikka arregalou os olhos, e sem dizer uma única palavra, ficou maravilhada com tamanha beleza e raridade da jóia verde que pulsava vividamente na mão da princesa.

Tesserato Esmeralda


-Então é isso? Conseguimos? –Perguntou Gerlon, meio apático.

Zafira fez que sim com a cabeça. O grupo deu meia volta e se preparava para sair. As orelhas de Flora e Gerlon se mexeram inquietas, eles ouviam algo lá fora.

-Mas o que...?

-O que aconteceu? –Perguntou Spike.

-Temos companhia. E não das boas, e sim das ruins. Das piores que possam imaginar.

-Eu não ouço nada –Disse Sirius.

-Claro bobão, a audição dos felinos é melhor que a de vocês.

-O que você tá ouvindo?

-Sons de motor de cruzadores. O império está aqui. 

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