⚜️Tessera⚜️

Tradução: bilhete

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Pão de mel.

Frutas.

Biscoito com gotas de chocolate.

Um cantil com suco de goiaba.

Tudo arrumadinho e fresco em uma cesta que montei com ajuda - a contragosto - de Octávio e Marti para levar para o John. Parece que os dois não foram muito com a cara de meu amigo.

— Bom dia, meu lindo baiacu.

— Pelos deuses, Judith. Eu passo uma semana trancafiado nessa cela sem visitas e a primeira coisa que você me diz é "meu lindo baiacu"?

— A primeira coisa que eu falei foi bom dia, chuchu. — digo com um sorriso zombeteiro — E qual o problema, docinho? Uma vez baiacu, sempre baiacu. Aceite os fatos.

Depois de se recuperar do estragos causados pela surra de Leon, ao contrário do irmão, príncipe Saul convocou um tribunal e John será levado a julgamento em breve.

Atualmente ele está preso e as visitas foram proibidas na primeira semana devido ao protocolo de segurança. Ele está um pouco pálido, alguns hematomas vermelhos e roxos ainda insistem a marcar seu rosto, mas graças aos curandeiros o inchaço de baiacu se foi.

— Consegui que o príncipe Saul me autorizasse a alimenta-lo. — digo entregando a cesta e me sentando próximo às barras.

— Graças aos deuses! Não aguentava mais pão duro, mingau embolorado e água. — ele responde de boca cheia atacando a comida.

— Ande, conte-me tudo. Como minha mãe e meus irmãos estão? Vincent e Giselly?

— Todos ficaram bem abatidos pela notícia de que você é uma rebelde e que tem uma grande recompensa em jogo para quem te capturar viva ou morta, mas consegui tranquiliza-los e que ajudei em sua fuga. Sua família estava bem pela última vez que os vi, apesar dos maus olhados do povo. — me sinto aliviada por enfim ter algumas notícias de minha família, mas a uma sensação de que algo de ruim está prestes a acontecer a espreita — Você e o general Redder conseguiram manter um grande segredo. — ele diz por fim.

— Foi isso que o rei contou a todos?

— Sim.

— Meu pai era realmente um rebelde infiltrado, mas ele mentiu sobre mim. Ele me quer morta por que sou a princesa de Crescite, herdeira do trono e uma possível grande ameaça a seu reinado de tirania. — ele engasgou, cuspindo toda a água fora em uma tosse desesperada — Pois é, eu também demorei para acreditar nessa loucura.

Devagar começo a contar um resumo de toda a história e sobre como tem sido por aqui, as curiosidades e alguns momentos interessantes que vivi aqui.

— Você está feliz? — É tudo que ele diz após todo o meu monólogo.

— Estou vivendo, isso basta por ora.

— Se você está bem, então eu também estou bem. — ele diz com o mesmo sorriso brilhante que aquece o coração.

— Alteza, o tempo de visita se esgotou. — o guarda avisa.

— Hora de ir... Alteza. — John diz de forma zombeteira.

— Você é um merdinha miserável. — retruco lhe mostrando o dedo do meio.

— Eu também te amo.

Senti falta desse bobalhão.

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— Pés paralelos! Concentração! Usem tudo que estiver ao seu alcance! — disparo comandos para Marti e West, os escolhidos para o duelo de espadas.

A cada aula vejo o avanço dos meus alunos e dos de Leon. Nós dividimos as crianças em dois grupos. Uma para montaria, defesa pessoal e lanças — lideradas pelo capitão — e a turma de arco e flecha, espadas e lançamento de facas — lideradas por mim — tudo tudo para ter bons níveis de aprendizagem.

Estranhamente, Leon é excelente com crianças. Todos o amam, ele as faz rirem e serem determinadas, o completo oposto de mim, que tive que lutar muito só para que respirassem em minha presença.

Marti e West são meus melhores alunos. West um pouco impulsivo demais, apenas calcula uma única rota para vitória. Ele ataca, defende, faz fintas formidáveis e estratégicas interessantes, porém Marti é mais rápido e cauteloso. Ele pensa em inúmeras formas de surpreender seu adversário. Sagaz e paciente.

A luta está acirrada. West avança, sendo bloqueado por Marti e surpreendido com uma série de contra ataques. A água do lago em que escolhi como cenário dificulta as estratégias de ambos. Rápido, Marti finta para a direita, lançando um jato de água no rosto de West, o desestabilizando por tempo suficiente para dar uma rasteira. Marti vence, fazendo os outros alunos vibrarem pela emoção.

— Vocês estão de parabéns. Foi uma luta incrível. — felicito os aprendizes.

— Obrigado, alteza. — eles dizem em uníssono.

Depois de liberados as crianças logo saem parabenizando os dois garotos, alguns brincam jogando água para cima e outros apenas se sentam para rir e conversar as margens. É bonito ver como aqui as crianças crescem incluindo qualquer um, sem ligar para cor, espécie, altura, peso ou sexo. Ensinados sobre o respeito ao próximo independente de qualquer coisa. Ao menos em algum lugar dessa terra fodida crianças podem ser crianças sem julgamentos ou amarras.

— Princesa. — ouço uma pequena voz me chama e leves cutucões na minha coxa esquerda. Uma pequena fadinha com asas cintilantes, sua pele em um tom azulado e cabelos platinados destacam a sua beleza e doçura, aluna da turma do Leon com nada mais que nove anos.

— Olá, pequenina. No que posso ajudar?

— O titio Leon está tristonho. — ela aponta para o capitão sentado mais afastado olhando fixamente para as águas do riacho.

— É verdade. O que sugere que façamos?

— Eu posso usar minha magia e fazer um bonequinho para ele. — ela começa a juntar gotículas de água, transformando-as em neve, modelando de forma adorável até se formar uma pequena miniatura do capitão. Uma fadinha com poderes de gelo — O que acha?

— Esplêndido. — digo realmente impressionada — Por que não entrega? Talvez isso o alegre.

Com um sorriso doce e infantil, a pequenina foi em direção a Leon, que ao notar a aproximação disfarçou o semblante cabisbaixo. A fadinha um tanto corada, deu um singelo beijo na bochecha entregando o bonequinho e correndo para seus amigos que se divertiam no riacho.

— Por que a cara triste, capitão? — pergunto me sentando ao seu lado — A gente pode ter um coleguismo de gato e rato, mas posso ser uma boa ouvinte.

— Só estou pensando demais.

— Cuidado para não ferver o cérebro e terminar mais palerma do que já é. — ele rola os olhos, com um sorriso no canto da boca — É por causa de John, certo? — sua expressão se fecha a ouvir o nome do loiro.

— Eu sei que vocês cresceram juntos, que ele é seu amigo de infância, mas era par ele estar morto. Ele liderou um ataque a base, matou vários de nós, incluindo a mulher mais doce do mundo. — ele olha fixamente para a água cristalina — Minha mãe morreu com uma espada dilacerando sua garganta e depois jogada a terra como se não fosse nada, para no final ele apenas ser jogado em uma cela?

— Posso ser sincera com você? — pergunto afim de exprimir a minha opinião.

— Tenho a impressão que irá me xingar, mas fique a vontade.

— Impressão correta. — ele ri — Eu entendo a sua dor. A única pessoa que me entendia foi morta diante dos meus olhos e eu não pude fazer nada para impedir. O que John fez foi imperdoável, mas se as ordens não fossem cumpridas ele seria morto de uma forma ainda pior, ele não tinha escolha. Então o que tenho para te dizer é: a vida é uma puta que adora foder conosco, o mundo não é um conto de fadas, todos temos as nossas dores e lamúrias. Largue de ser um imbecil e tente entender as outras pessoas. Todos temos algo fodido na vida, você não é o único e muito menos especial por isso.

Ele passa alguns minutos digerindo minhas palavras um pouco duras, mas sinceras. Por pior que seja, esse é o mundo que vivemos e ele precisa aceitar isso, para só então tentar mudar. Antes que ele possa falar algo, um Sky ofegante corre em nossa direção.

— Princesa! Soldados de Salis.

— O que? — eu e Leon nos sobressaltamos com o anúncio.

— Quatro soldados chegaram em nossos domínios carregando uma caixa. Eles apenas a deixaram lá e saíram sem olhar para trás. Quando fomos ver está apenas com uma etiqueta destinada a você.

— Uma caixa? — Leon questiona.

— Vamos ver isso de uma vez.

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Ao chegar na praça central da base, um certo movimento de curiosos — tirados de sua hora de almoço pela novidade — se mantém em frente a sala do comando. Uma caixa mediana de madeira simples, porém delicada. Quanto mais perto chego, mas sinto um sentimento ruim rondando o objeto.

— Me disseram que tinha algo para mim. — digo me aproximando da caixa, vendo a delicada etiqueta com meu nome gravado com completo capricho.

— Tenha cuidado, alteza. — Margot se posiciona próximo de Octávio e alguns guardas, acredito que para nos prevenir de qualquer coisa que sai de dentro do objeto.

Com cuidado abro uma pequena fresta da tampa. O doce perfume da minha mãe chega as minhas narinas, porém um novo cheio de sobrepõe me deixando enojada. Sangue. Com um movimento abro a caixa de uma vez, um tecido escarlate cobre o conteúdo. Assim que puxo o pano o horror me faz cair para trás e empurrar a caixa com força.

Duas cabeças rolam para fora. Duas cabeças que reconheço a quem pertencem.

Mamãe.

Hendrik.

Não. Não. Não! — a cada não proferido minha voz se altera até se tornar urros banhados de lágrimas.

Me arrasto até às cabeças, vendo os olhos castanhos de minha mãe sem vida. Frios. Seu rosto machucado, denunciando o quanto sofreu antes de apenas lhe arrancasse a cabeça. O meu irmão — meu querido irmão — o rosto tão machucado quanto a mamãe, hematomas e cortes cobrem cada pedacinho de sua pele, mas uma coisa me chama atenção. Um bilhete. Um bilhete preso a orelha de meu irmão.

"Veja o que causou a eles. Esse era o seu fardo, mas deixou que as pessoas que ama pagassem por você. O próximo será o caçula, as donzelas ainda servem para entreter os carrascos.

Sua majestade.
Rei Valentino Verond."

O ódio fervilha, a bile sobe por minha garganta e a dor assola cada canto do meu corpo. Entre prantos e urros de agonia, sinto um peso se acumular dentro de mim. Minha mãe e meu irmão estão mortos. Mortos por um tirano sádico. Mortos por minha causa.

"Você é a melhor irmã do mundo."

As pedrinhas no chão começam a tremer. Um pequeno tremor que começa a balançar algumas pessoas que observavam.

"Pode não querer, mas sempre será a princesinha da mamãe."

Minhas mãos ainda no bilhete do tirano cruel começam a esquentar formando um tipo de fumaça e fazendo o papel começar a ser chamuscado.

"Seremos do comando juntos."

O vento forte repentino varre a base, lançando folhas e assustando as pessoas que observam a cena.

"General Judith Redder e coronel Hendrik Redder."

O sol do meio dia da lugar a um céu cinza e uma forte tempestade imprevisível nos atinge, afastando todos do meu casulo de dor e sofrimento.

"Eu te amo minha filha. Se for preciso daria minha vida por você."

— Judith! -—escuto a voz de Octávio sobre o som da chuva e dos trovões e do zumbido de meus ouvidos — Judith!

Ele tenta me tirar do meio do temporal, tenta me levar para longe de minha redoma de lamentos e fúria. O príncipe me segura, me levando para longe enquanto me debato e berro, até as forças serem arrancadas de mim e eu me deixar ser colocada em seu colo. Passo a passo, a dor arranca um pedaço de minha alma, a mente fica mais barulhenta e as lágrimas descem mais violentas. Estou de volta aquela queda, de volta aquele inferno sendo atormenta pelos meus demônios. Estou de volta a dor.

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Mamãe, a senhora ficaria orgulhosa de mim se eu fosse uma general como o papai e não uma princesa?

Eu ficaria orgulhosa até se me dissesse que transformou seu cabelo em um ninho de passarinhos.

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Juju, se você tivesse que escolher qual é o seu irmão favorito, quem seria?

Por que a pergunta Hendrik?

Por nada, estou curioso.

O irmão mais travesso, que gosta de roubar meus biscoitos, que está quase me superando no arremesso de facas e que nas noites chuvosas corre para dormir comigo.

Espera. Sou eu?

Aham.

EBA, SOU EU!

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Está tudo tão vazio. O que antes era apenas um abismo que eu tentava ignorar e me manter distante, agora se assemelha a um mar revolto, com ondas violentas que tenta me afogar a cada segundo. O bilhete meio rasgado e chamuscado ainda se mantém firme em minhas mãos. A fúria substituída pelo ódio gélido e a sede de vingança banha cada pensamento tortuosos de minha mente. Ele irá pagar. Eu o farei pagar.

Octávio entra no quarto com uma bandeja em mãos, provavelmente meu jantar. Os trovões e relâmpagos continuam a dominar os céus, para combinar com a minha dor.

— Te trouxe um guisado de carneiro e um copo de leite, acredito que ajude um pouco. — ele diz com uma voz tranquila e um sorriso pequeno.

Ele coloca a bandeja com o prato bonito no criado mudo e com cuidado retira o papel amassado de minhas mãos colocando o copo morno no lugar, se sentando na cama de solteiro ao lado que seria de uma das gêmeas, me observando cautelosamente. Observando a casca vazia de olhos inchados, nariz vermelho e semblante apático. A sensação é que tudo que com muito custo consegui manter em mim morreu de uma vez.

— Sua última refeição foi o café da manhã, coma nem que seja um pouco.

— Não quero.

— Você precisa comer. — ele insiste.

— Não quero.

— Tome ao menos o leite.

Ele nem se move quando o copo atinge a parede e tudo que surge em minha frente é quebrado, estilhaçado e rasgado. As lágrimas voltam em soluços altos e doloridos.

— Eu não quero! — berro em plenos pulmões no meio do quarto destruído.

— Então me diga. — ele se aproxima de mim até ficarmos frente a frente — O que você quer, princesa?

— Eu quero a cabeça de Valentino Verond. Eu quero que aquele reino de merda queime até as cinzas. Eu quero vingança. Eu quero sangue. — derramo minhas lamúrias sobre ele enquanto ele apenas me escuta com um semblante de tranquilidade.

Suas mãos vão delicadamente até meu rosto, secando lágrima por lágrima. Quando termina seus braços se fecham ao meu redor, suas mãos fazem leves carícias em minhas costas tornando o abraço protetor e acolhedor. Seu cheiro me acalma, me trás uma sensação de conforto e com as últimas forças que ainda me restam me agarro ao seu tronco me debulhando em lágrimas, sendo retribuída na mesma intensidade.

— Quero que essa dor passe.

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