A primeira carta
26/08/1980, Tóquio - Japão.
Olá, como está?
Encontrei um panfleto com um endereço destinado a receber cartas de pessoas que precisam desabafar com um desconhecido, não sei se terei uma resposta, mas no momento só me importo em escrever, e pensar que estarei escrevendo para algum desconhecido que também mora em algum lugar de Tóquio...
Pareço patética? Espero que não pense que sou, me sinto sozinha e perdida na maior parte do tempo, faz dois anos que moro em Tóquio, mas ainda não consegui criar laços de amizade por aqui, eu nasci em uma cidade do interior do Japão, as coisas por lá eram mais tranquilas, era um cotiadiano muito diferente do existente aqui em Tóquio, saí de lá com a intenção de obter uma vida melhor aqui na metrópole, mas ao vir, eu passei por muitas dificuldades e ainda continuo passando, não foi fácil encontrar um emprego e quando encontrei, não foi o emprego que eu sempre sonhei...
Tenho trabalhado nesse mesmo emprego desde então e ao mesmo tempo em que quero sair dele, tenho medo de sair e não conseguir outro, passar por dificuldades financeiras em Tóquio não está nos meus planos, mas tenho pensado muito sobre isso, viver sempre cansada fisicamente e mentalmente compensa? É como se eu estivesse vivendo apenas por viver, por mera obrigação, como se minha vida dependesse desse trabalho horrível, eu não tenho amizades para sair no final de semana, não tenho um namorado, não tenho um emprego bom, moro na grande Tóquio e nem mesmo saio para me divertir, para curtir, não vejo a beleza do mundo, não sinto alegria em nada do que faço atualmente e já faz tanto tempo que estou anestesiada que é comum eu viver no automático, como um robô que só obedece os comandos que a sociedade impõe, eu me esqueço que a vida é mais do que esse trabalho horrível. Tenho medo de tantas coisas, tenho saudades da minha cidade natal, quando eu morava lá, eu era doida para vir para cá, tinha um sonho fantasioso de que minha vida em uma cidade grande seria maravilhosa, e acabou acontecendo o contrário, nada do que eu sonhei se tornou realidade até o momento, tenho vontade de chorar o tempo todo, por que a vida é tão difícil? O mundo é tão grande, e eu me sinto muito pequena vivendo nele.
Acho que estou anestesiada há muito tempo e não sei como sair disso, como voltar a viver feliz novamente, tenho apenas 26 anos, eu não deveria sentir as coisas que sinto, quando caminho para trabalhar, vejo tantos jovens aparentando estarem felizes, vivendo bem, por que eu não consigo me tornar um deles? Por que é tão difícil para mim viver feliz? Finalizo essa carta por aqui... já estou cansada até mesmo de escrever sobre minha vida infeliz, sinto muito se essa carta não é o que você esperava ler e não precisa responder se não quiser, ainda assim, obrigada por ter lido, se é que você vai chegar a ler isto...
- Solitária.
Yuna é uma jovem de 26 anos, que mora em Tóquio há dois anos, a garota deixou a família em sua cidade natal, ela não se dá muito bem com a mãe, a jovem foi adotada, Yuna sabe seu histórico familiar desde criança, os pais nunca fizeram questão de esconder sobre sua origem, a jovem foi abandonada pela amante de seu pai biológico, a garota foi deixada na porta da casa do pai quando tinha 3 anos, junto com uma carta que contava que a menina era filha do homem, foi naquele momento que sua mãe adotiva descobriu que o marido a traía, as memórias de Yuna desse dia são confusas, mas ela se lembra da mulher gritando com o homem, foi uma grande discussão, apesar dela não se lembrar com todos os detalhes, o trauma que ficou na menina naquele dia em diante foi enorme, o pai sempre a tratou bem e cuidou dela com amor, mas a mãe adotiva a aturava por obrigação, ela sabia disso ao perceber o olhar e as ações dela no decorrer de seu crescimento, Yuna sempre tentou uma aproximação, sempre quis ser amada pela mulher, mas nunca havia conseguido, Aya detestava Yuna por ela ser fruto de uma traição de seu marido.
Na adolescência, tudo se complicou, Aya sempre brigava com Yuna por motivos bestas, a garota não aguentava conviver com a mulher, chorava o tempo todo e sentia saudades de algo que nunca teve, uma mãe amorosa.
Seu pai, tentava interferir, mas não era o suficiente, Aya jamais esqueceria a traição, pois teve que conviver com a filha da amante do marido durante anos, Yuna se sentia culpada por ter nascido, mesmo com o amor do pai, viver naquela casa era um verdadeiro tormento para a jovem, quando ela atingiu a maior idade, comunicou que iria tentar a vida em Tóquio, seu pai não concordou de início, ele não queria que a filha fosse para longe, mas Yuna estava decidida, ela iria, queria sair daquele inferno de vida no qual viveu durante anos.
Aya cuspiu na cara de Yuna que ela não conseguiria se sustentar em Tóquio e a chamou de ingrata por estar abandonando as pessoas que a acolheram desde pequena, o dia de sua partida, a jovem não se esquece.
" Dediquei anos da minha vida em cuidar de uma criança que nem minha é, para que ela cuspa no prato em que comeu e vá embora sem sentir nenhum remorso".
" Eu vou voltar para visitar, pensei que fosse se alegrar com a minha partida, você nunca me amou mesmo, sempre me aturou por obrigação, e eu nunca pedi para você cuidar de mim, se não me queria, era melhor ter me deixado na rua".
" Garota ingrata! Eu sacrifiquei a minha própria felicidade para criar a filha da amante do meu marido e é isso o que eu recebo em troca? Você só se lembra das coisas ruins não é? Das coisas boas você não se recorda?"
" Coisas boas? Toda a minha vida você olhou para mim com repulsa! Nunca me tratou bem, sempre brigando comigo por nada! Sempre fez questão de jogar na minha cara que eu não sou sua filha! Não venha cobrar gratidão por algo que fez por mera obrigação!"
Aya bateu no rosto da jovem após as palavras pronunciadas.
" Viu? Esse é só mais um dos tapas que eu recebo de você desde que eu cresci aqui... não se preocupe, agora você vai poder ser feliz".
Essa memória atormentava Yuna, havia se passado dois anos desde esse dia, mas a memória ainda continuava viva dentro de si, desde aquele dia, Yuna nunca mais voltou para visitá-los, a garota ligava de vez em quando para o pai, para contar como estava, mas nunca havia voltado a vê-los pessoalmente, o trauma era tão grande que ela não conseguia voltar, também nunca havia falado por telefone com Aya desde sua partida, ela havia cortado relações com a mãe adotiva, se é que ela poderia chamar Aya de mãe...
Mas apesar do inferno que viveu naquela cidade, a jovem sentia saudades do ambiente em que cresceu, a natureza calma, as pessoas de lá eram mais gentis, diferentemente de Tóquio que parece que cada um vive por si e ninguém se importa com ninguém.
Uma vez, enquanto caminhava para o trabalho, encontrou um panfleto jogado em cima de um banco no ponto de ônibus, dizia: " Escreva suas cartas para mim, serei seu ombro amigo, conversarei com você e farei o possível para te ajudar, serei um amigo nas horas boas e ruins, não se sinta sozinha, o mundo está repleto de pessoas que ainda se importam, seja feliz, lembre-se disso". Abaixo, estava o endereço residencial para enviar a carta por correio, ela leu o panfleto diversas vezes, e se sentiu tentada a escrever, pensou diversas vezes em desistir, mas guardou o panfleto consigo, até que resolveu escrever em uma noute de sábado, na manhã de uma segunda feira, mandou a carta por correio bem cedo.
Yuna ficou aflita ao enviar a carta, mas estava decidida, se a pessoa respondesse, seria legal ter um amigo por correspondência, já que não tinha nenhum amigo na vida real, naquela manhã, ela foi para o trabalho com o pensamento de que talvez ao corresponder cartas com um desconhecido fosse alegrar um pouco mais a sua vida, os seus dias cinzas talvez não ficassem tão cinzas assim, ela ainda tinha esperanças de que sua vida pudesse melhorar, pudesse se tornar um pouco mais colorida.
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