Capítulo 32 - Refém
O cheiro de palha seca inundou meus sentidos, quando aos poucos a paralisia perdeu seu efeito no meu corpo. Havia palha sob mim e por todo o lugar onde eu me encontrava. Era uma sala... não, era uma cela de prisão?
Grades de ferro eram a quarta parede daquele cômodo.
— Atelina? Você acordou?
Daimen? Daimen estava aqui?
Olhei ao redor, a parede que separava essa cela da sala ao lado era feita de madeira e havia pequenas frestas que me impediam de ver o que tinha com mais nitidez.
— Daimen? — Chamei de volta.
— Ah, caramba. Finalmente você acordou — Ele exclamou, felicidade e alivio presentes na sua voz. — Você está bem?
— Por que estamos...?
Com grande esforço tentei me levantar e me aproximar da parede de onde eu acreditava estar ouvindo a voz de Daimen. Arrastei meu corpo, embora estivesse acordada os meus membros inferiores ainda precisavam acordar e reagir a paralisia.
— Cassandra nos prendeu aqui embaixo, ela não quis que dividíssemos a mesma cela — Ele explicou, a última parte soando como uma crítica.
Assim que alcancei a parede de madeira, soltei um suspiro grata por finalmente ter chegado e não precisar me esforçar mais.
— É, ela parece muito ciumenta em relação ao anjo dela... — Falei, sarcasmo escorria das minhas palavras.
— Eu não sou o Anjo dela, não mais, Atelina.
— Ah, sim. Dessa forma parece muito menos doloroso ter descoberto...
— Você não me deu tempo para explicar, Atelina. Mesmo que você tenha visto algo com Scott poderia ter vindo me perguntar, ter tirado satisfação comigo e não com a pessoa que você foi instruída a destruir os planos. — Ele disse, sua voz ofegante.
Bom, talvez ele tivesse razão. Essa tinha sido a maior burrice que eu tinha feito por raiva... e ciúmes. Sim, eu estava com ciúmes do amor doentio que Cassandra sentia por Daimen e tudo que ela estava disposta a fazer para rever ele e tê-lo ao seu lado.
Mas eu estava errada. Não devia ter corrido dele, devia ter pedido que me explicasse cada detalhe daquela memória de Scott.
— Como soube que descobri pelo Scott? — Perguntei, tentando mudar de assunto.
— Ele me ligou, avisando. Não sabia exatamente o que você tinha visto, mas você parecia magoada — Ele disse, tristeza presente na sua voz.
— Você ainda vai querer me dizer?
— Se você ainda estiver disposta a me ouvir.
Toquei a madeira que nos separava, imaginando que dessa forma poderia tocá-lo, poderia fazer com que sentisse meu pedido de desculpa, mesmo que eu ainda não o tivesse dito com todas as palavras necessárias.
Grunhi em resposta, concordando.
— O que viu na cabeça de Scott?
— O dia do velório de Nathan.
— Ah, esse dia. O dia do nosso acordo, desculpa ter feito isso com você. Não tínhamos direito nenhum de escolher o que um deveria ou não fazer com você...
— Daimen... vá direto ao ponto.
Ele pigarreou e ouvi sua respiração profunda.
— Eu conheci a Cassandra por causa da mãe dela, nós fizemos um acordo também. Eu queria voltar a ter contato com o céu e a mãe dela precisava de alguém para proteger e ensinar a filha que fora rejeitada pelo clã. Como ela morava sozinha, eu passava bastante tempo com ela para criar a ligação de Anjo-tutelado.
Esse era o terceiro modo para se tornar um Anjo da Guarda, como Brooke tinha explicado. "... ou simplesmente tentar cuidar de alguém até que a conexão seja feita".
— Não demorou como achei que iria, Cassandra foi muito suscetível em ter um Anjo da Guarda, talvez pela solidão de viver sozinha. Então eu não achei estranho, mas pela ligação, depois de um tempo, eu comecei a notar sentimentos estranhos que eu não conhecia vindos dela. Por isso eu me afastei, ajudava como devia, mas não passava mais tanto tempo com ela. No tempo em que eu não estava presente, foi quando ela conheceu Mason. — A voz dele saia como se estivesse colocando para fora um peso — Achei que não seria mais necessário para ela e parei de aparecer, só a visitava de vez enquanto para saber se estava bem e os sentimentos estranhos em relação a mim ficavam cada vez mais apagados dentro dela.
"Quando ela estava grávida de Allyson, eu fui visitá-la uma última vez para me despedir. Não iria cuidar de alguém que estava criando uma vida com um outro anjo, embora caído, ainda era um anjo e saberia proteger a sua família. Cassandra não reagiu muito bem e outros sentimentos diferente dos de antes, surgiram pela linha que nos conectava. Eu não achei que fosse chegar a tanto.
Assim que a linha ficou muito caótica eu voltei para conversar com ela e ela estava apenas com você em uma casa em chamas. Ela se agarrou a você, chorando e dizendo loucuras. Eu consegui tirar você dela e Mason pediu que eu a levasse até Michaele. Assim que cheguei lá com você, eu senti a linha se apagar e se conectar novamente. Mas não era mais Cassandra, era... o seu irmão."
— C-como foi? Cuidar de Nathan?
— Quando criança eu aparecia para ele e conversávamos, eu fiz o meu melhor para cuidar dele. Até que ele cresceu e disse que não precisava de mim, que seria melhor se eu cuidasse das irmãs, mas eu não podia fazer isso. Ajudava como podia, mas era perigoso cuidar de alguém sem a linha de conexão. Então só podia ser o Nathan e ele me afastou.
Senti lágrimas escorrendo pelos meus olhos.
Nathan tinha um instinto protetor muito forte desde pequeno e esse bendito instinto o tornava tão distante e individual. Como um super herói que não queria ser salvo por ninguém. Ele era o mais forte, ele protegeria a todos. Mas quem protegera ele?
— Estava com ele quando morreu? — Perguntei, minha voz soando pesada.
— Sim, eu estava no hospital. Tentei persuadir você a sair da sala, mas você se recusou a sair — Ele disse, sua voz mais suave — Assim que os aparelhos soaram eu tirei você da sala e fiquei com ele até... eu amenizei sua dor com a minha essência até o fim.
Daimen era o cara que estava tentando me persuadir a sair da sala, eu não conseguia me lembrar direito, a sua aparência não era a que eu conhecia... uma ilusão?
— Por isso sabia onde ficava Demeure?
Eu estava curiosa sobre esse assunto, quando ele apareceu e me salvou de ser atacada por Ally no hospital dos Anjos Terrestres. Ele parecia conhecer aquele lugar, porque realmente conhecia. Esteve lá enquanto cuidava de Nathan, pois na época éramos Anjos Falsos.
Daimen grunhiu em resposta, concordando.
Agora eu entendia, mas me confortava saber que Nathan não sentiu dor com Daimen ao seu lado amenizando as dores do veneno no seu organismo.
— E o dia do velório? Você disse no acampamento dos seres do Mundo da Ilusão que não me conhecia.
— Eu não conhecia, só tinha visto você algumas vezes. Eu não senti nada em relação a você quando a conexão apareceu, você disse que sentiu algo vindo de mim, mas era tudo em relação aos meus erros e o fato de que estava preso a família de Cassandra porque eu hesitei quando devia ter me afastado de vez.
Eu estava magoada após saber que aquela essência cheia de ódio pertencia a Daimen, pois achava que era dirigido a mim, mas eu poderia entender o que queria dizer. Ele tinha falhado, não uma e sim duas vezes. Dois tutelados seus morreram e um deles morreu jurando amá-lo desesperadamente. Decepção. Ódio. Repulsa. Todos esses sentimentos dirigidos para ele mesmo.
Além disso, havia aquela lembrança que eu vi em que ele estava no meu mausoléu. Decepcionado e abandonado.
— Atelina? — Ele chamou, percebendo que meu silêncio tinha se prolongado demais.
Eu tentei falar, dizer que estava ainda ali ouvindo seus relatos e suas histórias, mas dor se espalhou por todo o meu corpo. A minha temperatura foi de normal a quente em instantes.
— Atelina? — Daimen chamou mais uma vez — Piierce?
Sua voz preocupada me deixava aflita, mas eu não conseguia falar. Um bolo estava estagnado na minha garganta, impedindo o som de sair pelas minhas cordas vocais. Então eu bati contra a madeira ao meu lado e vi minha mão pegar fogo bem diante dos meus olhos.
— O que está acontecendo? Piierce, porque sua cela está tão quente?
Vendo as chamas abraçarem minha mão contra a madeira, onde Daimen poderia estar encostado também, decidi me afastar e me arrastei mais para o centro da cela e fui até a parede de pedra que ficava de frente para a grade de ferro.
Conforme me arrastava para atrás e com grande esforço, mais chamas inundaram outras partes do meu corpo, tornando-me uma tocha humana.
— Piierce? Caramba, responde, por favor — Ele pediu, socando a madeira que separava nossas celas.
Eu também não sabia o que estava acontecendo, mas estava acontecendo desde o momento em que Cassandra tinha me dado aquele chá e eu perdi minha consciência. Seriam esses os poderes das chaves reagindo no meu corpo? Eles não tinham se adaptado dentro de mim?
— Merda! Piierce? — Daimen gritou, socando mais vezes a parede e fazendo-a tremer.
— Tudo... bem... eu estou... bem — Murmurei, sentindo minha garganta arranhas dolorosamente — O poder... das chaves.
Daimen continuou a esmurrar a parede de madeira entre nós, mesmo depois de ouvir a minha voz, mas a madeira apenas se movia e não se quebrava.
As Chamas continuavam queimando, englobando todo o meu corpo e para piorar a ponta dos meus dedos ardiam e as garras despontavam dali, minha visão ficava momentaneamente embaçada, depois voltava ao normal e as vezes incrivelmente perfeita. Meus dentes doíam também, exatamente a dor de quando me tornei vampira e minhas presas sairam pela primeira vez.
Então era isso, as chaves estavam reagindo. Todos os poderes estavam saindo de alguma forma do controle. Todos queriam sair, todos queriam ter a sua vez.
— Daimen, não venha. Logo... passa.
Ele não me ouviu, continuou a socar mais ainda com tanta brutalidade até que uma rachadura se abriu na madeira do meio. Daimen continuou até que fosse possível passar pelo buraco e ele passou, suor escorria pela sua testa e havia mais machucados espalhados pela pele do seu braço que eu não vira antes.
Neguei com a cabeça quando ele olhou para mim e avançou com passos pesados e firmes para me ajudar.
— Não, não... não quero... machucar você.
As chamas mudaram de cor, foram do vermelho ardente para o azul, mas ainda havia calor. Era quente demais para qualquer pessoa chegar perto e se não fosse um poder que pertencia a mim mesma eu estaria o mais longe possível dele.
Entretanto, Daimen insistiu.
Ele retirou sua camisa, abrindo ela diante de mim para que desse jeito eu não me preocupasse em ele ser queimado. Mas, caramba, aquilo não era o bastante!
Continuei negando e se não fosse pela parede atrás de mim eu já teria me afastado dele o suficiente para não me preocupar de machucar ele.
— Vamos resolver isso, ok? — Ele sugeriu, a alguns passos de distância. — Piierce, eu vou ficar bem. Você tomou algo quando Cassandra desmaiou você?
Concordei, acreditando que tínhamos pensado a mesma coisa sobre o assunto de eu estar reagindo ao que tomei.
Daimen se ajoelhou bem na minha frente, a aura das chamas separando-nos apenas, ele esticou sua mão na direção do meu rosto, sem medo, seus olhos dourados fixos nos meus pedindo, implorando para que eu não tivesse medo.
Não era possível. Eu estava com medo. Eu acreditei que os Anjos do céu eram imortais impossíveis de serem mortos ou machucados, e se fossem machucados logo cicatrizariam, mas a história da mãe de Dabria me dizia o contrário e os machucados de Daimen que eu vi no dia anterior ainda não tinham cicatrizado e havia mais debaixo da camisa que não estava mais no seu corpo cobrindo-os.
Enquanto pensava e me preocupava com a sua segurança eu não tinha percebido que entre a aura das chamas, Daimen e eu estava a sua essência fortemente protegendo ele e sendo lançada nas chamas que me englobavam para amenizar e me alcançar.
Eu sentia o toque suave e energético da sua essência tocando-me delicadamente, contudo também era firme e parecia determinada a me alcançar e proteger, tanto quanto o seu dono.
Quando sua mão tocou meu rosto, lágrimas escorriam e tocaram sua mão. No entanto, ele estava bem, ele não tinha se machucado.
Levei minha mão até a sua e a segurei diante de mim como se fosse a minha boia salva-vivadas e esperei as chamas ao meu redor diminuírem, exatamente como a essência de Daimen estava mandando ela fazer.
Assim que foram extintas as chamas eu me joguei nos seus braços e o abracei agradecida.
— Calma, ainda precisamos tirar isso de você — Ele disse, sua boca muito próxima do meu ouvido e a voz preocupada.
— Tudo bem, obrigada! — Apertei ainda mais meus braços ao seu redor. — E o que você pensou que fosse fazer ficando sem roupa assim? Acho que você só queria se exibir.
Rimos os dois ainda abraçados.
— Para quem está dizendo que eu só queria me exibir, você parece bem à vontade com a minha pele nua — Ele comentou, sua voz saindo como um ronronar.
Sua pele!
Afastei nossos corpos rapidamente e passei meus olhos pelo seu tórax nu, encontrando os machucados que tinha visto de longe, mas que de perto pareciam mais feios e mais longe de estar cicatrizando. Olhando para eles me lembrei do que me disse antes na noite anterior.
— Cassandra fez isso com você? — Perguntei, meus olhos incrédulos. — E por que não cicatrizou ainda?
— Não sei, Piierce. — Ele respondeu, seu olhar acanhado.
Daimen realmente não sabia o motivo de seus machucados ainda estarem estagnados na cicatrização como estavam, mas o fato de não ter negado a culpa de Cassandra afirmava que tinha sido ela.
— Quando sairmos daqui eu...
— Não tem problema, Piierce. — Ele disse, interrompendo-me e colocando sua camisa de volta. — Venha, vamos tirar o resto do que ela colocou dentro de você.
Segurando nas minhas costas, Daimen se aproximou do meu lado e acariciou o alto delas bem entre as minhas omoplatas e dos seus dedos e caricias eu sentia sua essência vindo até mim e entrando no meu corpo, percorrendo cada canto dentro de mim atrás da droga que Cassandra tinha me dado.
— Se sentir que quer vomitar, não se segura. Coloque toda a droga para fora. — Sua voz sussurrou ao meu lado.
E foi exatamente o que fiz, sentindo que algo subiu pela minha garganta e deixei que a bile saísse pela minha boca, meu rosto totalmente virado para o lado oposto e afastado o suficiente para que não atingisse Daimen.
Assim que parei me sentia bem melhor.
— O que acha que ela vai fazer com nós dois? — Perguntei, minha garganta um pouco dolorida.
— Você eu realmente não sei, mas com certeza ela vai querer me ver com dor. Talvez com muita dor — Ele sugeriu, sua voz afirmava com tanta certeza.
— Mas não tem motivos para ela fazer isso. Ela interpretou da forma que quis tudo o que aconteceu — Falei, podendo dizer com certeza agora que tinha ouvido os dois lados e em nenhum deles Daimen dera abertura para ela acreditar que ele compartilhava os mesmos sentimentos que ela.
A única certeza de que ele amava ela, eram as próprias palavras que ela dizia. Nem mesmo as ações dele em relação a ela sugeriam que ele a amava como ela dizia e afirmava.
— Piierce, eu cuidei dela e nunca fui capaz de devolver o amor que ela tinha por mim, pois não tinha sentimentos, mas anos depois ela descobre que eu amo outra pessoa e que essa pessoa é a filha dela a quem eu também cuido, graças a ela. — Ele disse, sua voz tranquila.
Mas eu olhava para o seu rosto. Ele acabara de dizer que me amava e que nunca sentira nada por Cassandra. Como Daimen tinha sentimentos agora? Eu não fazia ideia, era mais dúvidas que precisávamos conversar e esclarecer. Entretanto, essa não era a primeira vez que ele me dizia isso. E ele dizia com tanta tranquilidade e certeza.
Desviei meus olhos olhando para as grades de ferro, pensativa.
Eu gostava disso. Embora estivesse nessa por causa disso, eu ainda gostava muito de ouvir essas palavras saindo dele.
No entanto, como ele se sentia com o fato de eu nunca ter respondido da mesma forma? Antes eu tinha a desculpa de que meu coração ainda estava dividido, mas agora não mais.
— Você percebeu que fala com muita facilidade que me ama? — Perguntei, sentindo o rubor nas minhas bochechas.
Olhei para o lado para ver sua reação a minha pergunta quando me respondesse e repentinamente seus lábios tocaram os meus em um beijo rápido como um beijo de libélula.
— Não preciso falar com dificuldade algo que tenho tanta certeza — Daimen respondeu, sua voz firme e baixa, levemente rouca e seus olhos firmemente fixos nos meus.
O ar entre nós estava carregado de intensidade, se não fosse pelo lugar onde estávamos o momento seria perfeito, seria o nosso momento único apenas de nós dois, mas não estávamos sozinhos e descobrimos isso quando ouvimos palmas soarem pelo corredor das celas.
Ambos desviamos nossos olhos um do outro para olhar para a grade da cela na nossa frente, Cassandra estava lá, batendo palmas altas e bem sonoras. Um sorriso cruel estava presente em seus lábios.
— Ah, que lindos. Mesmo que eu tenha recusado em colocá-los na mesma cela, você deu um jeito nisso, D. Ah, desculpa. Eu ainda não me acostumei, Daimen.
BRILHA, BRILHA ESTRELINHA 🌟🌟🌟
Oie serumaninhos, como estão? O que acharam do capítulo novo? Daimen falou tudo sobre sua conexão com Cassandra e de como se tornou seu anjo, além de explicar os sentimentos de ódio que Atelina sentiu quando ele se tornou seu anjo da guarda. O que acharam disso? É algo imperdoável? Daimen ainda tem que se explicar mais? Recompensar Atelina por isso e outras coisas? O que vocês acham? E esse final, Cassandra apareceu no pior momento. Eles estavam tendo um momento deles mesmo em uma cela e ela atrapalhou, o que ela vai fazer agora?
Bom é isso, vejo vocês no proximo capítulo que será ou sábado ou domigo ou segunda. Desculpa a confusão, estou tentando terminar de publicar antes do final da semana que vem.
Não se esqueça de VOTAR e COMENTAR.
💖💖💖
Beijinhos e bejiões.
- Atel.
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