Capítulo 33 - Não sintam a minha falta

   Abri meus olhos lentamente e com cuidado. Entretanto, mesmo assim eles arderam por causa da claridade da sala onde eu estava. Não era aminha casa, disso eu sabia e não demorei para saber que estava no hospital, porque eu vestia uma camisola super larga e todas as paredes e objetos ao meu redor eram brancos, cinzas ou azuis. Era uma sala muito estéril.

   Pisquei várias vezes, tentando fazer meus olhos se acostumarem com a sala antes de me lembrar da cena que Dabria tinha presenciado, todo aquele sangue saindo de mim, as dores e não consegui evitar pensar em Peyton e no que ele estava se metendo novamente.

     — Onde estão todos? — Perguntei para mim mesma.

     — Eu pedi para que fossem descansar na cantina enquanto tirava mais uma amostra do seu sangue — Uma enfermeira que vestia uma roupa azul claro, que eu não tinha notado sua presença ao meu lado, respondeu — Você foi trazida por uma garota loira.

     — Dabria — Murmurei.

     — É engraçado como tivemos duas entradas no mesmo instante de pessoas cuspindo sangue — Ela comentou e eu não pude não lançar um olhar de reprovação — Bom, você pelo menos está melhor que o outro cara.

   Ela terminou de mexer nas agulhas e balançando o seu rabo de cavalo castanho se colocou ao pé da cama, agarrando um diário que sugeri ser o prontuário.

   Suas palavras grosseiras me deixaram pensando no outro garoto, ele tinha entrado com os mesmos sintomas que os meus...

     — Ei, qual é o nome do garoto? — Perguntei. Seus olhos ficaram confusos — O que entrou junto comigo.

     — Pe... alguma coisa — Ela respondeu, olhando para cima como se a resposta que procurasse estivesse lá — Ele é tão bonito, pena que está morrendo.

     — O que? — Minha boca se escancarou junto com meus olhos que quase saíram das orbitas — O Peyton está morrendo!?

     — Sim! — Ela exclamou, feliz — É esse o nome... desculpa não sabia que você o conhecia — Ela disse, encolhendo os ombros de vergonha.

     — Tudo bem, eu só preciso — Tentei levantar, mas ela já estava me segurando contra o colchão.

     — Nada disso, você precisa descansar — Ela falou, sendo formal — Deixarei ver seus amigos agora.

   Ela saiu e sem demorar um segundo sequer a sala ficou um pouco mais cheia que antes com a presença dos meus amigos. Allyson não estava entre eles.

   Luke foi o primeiro a me abraçar sem medo e bem carinhoso, seus olhos estavam fundos, ele com certeza estava com Peyton. Eles moravam juntos e deveria estar mais preocupado que eu. Afastei seu corpo do meu e percebi que ele tinha chorado, não saberia lidar se perdesse duas pessoas importantes no mesmo dia.

   Acariciei seu cabelo escuro e abracei ele mais uma vez, consolando-o da melhor maneira que eu podia.

     — Está tudo bem, Luke — Sussurrei — Eu ainda estou aqui.

     — Você está bem mesmo? — Ren perguntou, ele também morava com Peyton e tinha a mesma expressão que Luke.

     — Por que eu não estaria? — Perguntei um pouco sarcástica, ninguém sabia da minha ligação com Peyton para relacionar os nossos estados de saúde.

     — Desculpa eu contei sobre a ligação para eles — Dabria deu um passo na minha direção receosa, adivinhando meus pensamentos.

     — Pensamos que você poderia morrer, como ele — Amanda falou, se anunciando do sofá.

     — Não se preocupem — Apertei meus braços ao redor de Luke mais uma vez para então finalmente soltá-lo — Onde está o meu colar?

   Referia-me ao colar que eu não ficava sem. O mesmo que Nathan dizia que minha mãe tinha me dado. Dabria abriu sua bolsa e tirou de dentro meu colar de corrente prateada e pingente preto.

     — Luke, me leva ao quarto de Peyton? — Todos me encararam, preocupados quando ouviram minhas palavras — Eu só quero me despedir.

   Luke concordou e me ajudou a levantar. Apoiada nele caminhamos pelo corredor vazio do hospital, ele estava carregado de eco, eu podia ouvir vários choros e gritos de lamentos se propagando por todos os lados e cada passo meu fazia um som que também se ampliava.

   Ele sabia onde ficava o quarto então me deixei ser guiada, também porque eu não conseguia me manter em pé sozinha.

   As portas eram todas iguais, apenas o papel ao lado que indicava o número do quarto que mudava para cada paciente. Mesmo assim sabia que estávamos perto, pois meu coração palpitou quando nos aproximamos do quarto marcado como 63.

   Era o quarto de Peyton, eu sentia.

   Entrei junto com Luke e meus olhos captaram a figura do corpo na cama. Sem tirar os olhos o analisei enquanto nos aproximávamos, não se parecia em nada com o Peyton que eu conhecia, antes de tudo isso. Em seus braços e pernas haviam enormes marcas roxas que deveriam estar cicatrizadas e serem inexistentes por ele ser um vampiro.

   Quando estávamos na metade do caminho até a cama, ouvi o som de fungadas e me virei procurando pelo dono delas. Outra vez meu coração se apertou, no sofá ao lado da porta estava James. Sua cabeça estava abaixa e seu cabelo escuro e grande cobria seu rosto. Ele estava para perder o irmão, como eu tinha perdido o meu.

   Mas existia uma diferença, eu tinha uma idade bem superior à dele quando tudo aconteceu e por isso sua dor seria... devastadora.

     — James? — Chamei sua atenção.

   Ele levantou seus pequenos olhos verdes na minha direção, uma característica que Peyton não tinha por ter puxado mais ao seu pai. James sorriu ainda com lágrimas no rosto e correu até mim. Seus bracinhos envolveram minha cintura, apertado.

   Abaixei para facilitar e acolhi o pequeno nos meus braços, não sabia como consolá-lo se nem mesmo eu estava acreditando que perderia a pessoa do sexo oposto que mais amei na minha vida que não fosse do mesmo sangue que o meu.

   As lágrimas dele tocaram a pele do meu ombro, enquanto as fungadas se tornavam ainda mais insistentes.

     — Ele... vai... morrer? — Suas palavras foram abafadas na minha camisola.

     — Não, claro que não — Distanciei nossos corpos e comecei a limpar seu rosto — Ele só vai descansar. Logo, logo estará em casa brincando com você e tudo isso... — Levantei meus braços, mostrando o quarto — será apenas uma memória ruim.

     — Então, por que você está chorando? — Ele perguntou, percebendo algo que eu não tinha percebido.

     — Eu só estou feliz em ver você — Menti, não queria que soubesse a verdade — Onde está sua irmã?

     — Na cantina — Ele murmurou, tristemente.

     — Luke vai levar você até ela, eu preciso conversar com o Peyton.

   Levantei-me, entregando James a Luke que ainda se mantinha ao meu lado. Esperei que Luke fechasse a porta e alcancei uma cadeira do lado da cama para me sentar.

   Não tinha pensamento lógico que passasse na minha cabeça naquele momento. Peyton estava morrendo e isso era uma realidade. Eu não conseguia imaginar minha vida sem ele.

   Mesmo que seguisse minha vida com Daimen. Não me imaginaria vivendo sem ter Peyton como um amigo, porque foi como eu o conheci, ele era meu amigo, eu ainda amava ele e muito. Não existia desejo, não mais. E mesmo assim eu desejava tudo de bom para ele. Não podia ir assim, deixando tudo isso para atrás. Sua família, amigos. Ele ainda tinha chances de encontrar a felicidade. Ele merecia isso. Ele merecia viver.

   Olhei para a janela onde um passarinho amarelo bicava o vidro diversas vezes e o som era o único audível no quarto. Vê-lo ali me lembrou das tardes onde minha tia me levava para colher flores no jardim que ficava no fundo da cabana onde morávamos. Ela sempre encontrava passarinhos caídos, prestes a morrer.

   Lembrei de cada movimento, dos cheiros e das palavras estranhas que ela sussurrava para que aquele pequeno ser se reanimasse para continuar sua vida de onde tinha parado.

   Pensei um pouco em como tudo aquilo era injusto e toquei automaticamente no meu colar, dado pela minha mãe, eu sabia algumas coisas desde criança e me lembrava do feitiço de reanimação. Eu podia reanimar Peyton, ele ainda não tinha partido totalmente e assim James ficaria feliz!!

   Não sofreria como Ally e eu sofremos pela perda da nossa única família, ele precisava do seu irmão, tanto quanto nós precisávamos do nosso durante todos esses anos. Ninguém pôde fazer nada naquele dia além de assistir a vida se esvaindo do seu corpo ao poucos.

   Mas isso, essa situação, era diferente, eu podia fazer alguma coisa e eu não permitiria ninguém passar pelo mesmo que eu passei.

   Minha mãe era uma bruxa e assim que morreu foi mandada para o céu dos sobrenaturais, o véu e ainda estava lá. O colar seria, minha ancora para me conectar com ela. Só precisava encontrar um pingo do sangue de bruxa com o qual eu nasci, precisava mais do que nunca deixar de ser vampira, por ele. Pelo Peyton, pelo James e por mim mesma. Não sabia no que isso levaria, só torcia para que desse certo.

   Minha mãe simplesmente poderia me ignorar e deixar tudo de lado como fez quando se matou. Eu nunca pedi nada a ela, a mesma não me deu a chance de fazer um pedido, mas agora, eu deixaria de lado toda a falta de confiança que tinha nela e no meu pai para que pudessem ser o que deveriam ter sido desde o inicio.

   Agarrei a cadeira e a coloquei debaixo da maçaneta para que ninguém tentasse entrar enquanto eu estivesse concentrada. Tirei o colar do pescoço e o segurei com força antes de descansá-lo sobre o peito de Peyton.

   Respirei fundo, fechei os olhos e ouvi o som da porta sendo forçada, Luke estava de volta sem a companhia de James. Isso era bom, mas se eu quisesse realizar minha proeza teria que começar logo e ir até o fim.

   Esqueci que Luke tentava abrir a porta e me concentrei em como eu era quando pequena, antes de ser anja falsa ou vampira, me conectei com uma eu que estava completamente adormecida.

     — O que você vai fazer? — Luke gritou do outro lado da porta, ainda fechada — Atelina!

     — Vamos fazer algo importante, não é Peyton? — Senti minhas lágrimas, escorrendo pelo meu rosto — Eu queria muito ver a sua cara agora.

     — Mãe, abre a porta! — Sua voz estava desesperada agora.

     — Ai, Luke — Murmurei, toda vez que ele me chamava de mãe eu sentia o quanto amava aquele garoto que me fez acordar noites seguidas, por causa da sua febre. Ele era meu filho, não de sangue, mas o amor que eu sentia por ele era o que só uma mãe podia sentir — Eu sinto muito!

   Apertei minha mão contra o colar como se aquilo fosse me prender permanentemente no mesmo lugar, estava reclinada em desisti, mas não podia pensar nem sequer no quanto eu estava arriscando minha própria vida. Talvez estivesse me suicidando.

   Os pássaros eram pequenos, Peyton era um homem de um metro e oitenta e cinco com muitos músculos espalhados pelo corpo, mesmo em uma cama de hospital seu corpo ainda era muito grande. Mas o que isso importava? Eu precisava fazer isso, me sentia na obrigação de fazer.

   Eu estava trocando uma vida por outra. A dele pela minha.

   Deixaria, assim que terminasse, todas as pessoas que estavam no meu quarto naquele exato momento. Meus amigos, meu filho que ainda insistia em falar comigo do outro lado da porta.

   Allyson, minha irmã idiota que não deixou de ser egoísta e não pediu desculpas mesmo sabendo que talvez aquele fosse meu último dia. Minha irmãzinha que mesmo sendo... como ela era, eu a amava. Era meu sangue, a única ainda viva.

   Deb também ficaria para trás, ela foi quase uma irmã para mim durante todos esses dias em que estive em Falls Stay... e Falls Stay, cidade amaldiçoada que não me deixaria ir embora mesmo com todas as tentativas de me afastar. Eu nasci nesse lugar e morreria nele.

   E eu não podia me esquecer dele, sim, dele. Daimen, meu anjo, aquele que eu sentia muita falta, principalmente naquele momento, ele não me deixaria fazer isso. Se estivesse aqui eu nem iria querer sair do meu quarto, pois ele estaria me mimando.

   Eram tantas pessoas para serem listadas, eu só sabia que se pensasse muito nelas, largaria o colar e me esconderia até que as máquinas apitasse a morte de Peyton. Não podia pensar nisso, neles, em nada. Eu chegaria ao fim, precisava, Peyton ganharia algo muito mais do que meu amor já quase no fim, ele ganharia minha vida.

   Segurei sua mão gelada próxima ao meu peito me abaixando um pouco, eu conseguia sentir as dores da falência dos meus órgãos.

   Eu não ia ter tempo para me despedir de todos, mas de alguém eu podia me despedir naquele momento e uma pessoa era muito para uma expectativa tão pequena.

     — Oi, Peyton. — Respirei fundo, antes de continuar — você está péssimo, sabia? — Ri sozinha, ele riria se estivesse ouvindo — Ah, James e Laila estão aqui! Eu sei que você iria gostar de estar bem para conversar com eles, James também estaria, ele cresceu muito. É verdade, eu acho que não posso enrolar muito, né? Estou talvez nos meus últimos minutos de vida e estou aqui conversando com você. Isso é deprimente... desculpe — Ri mais uma vez, sem graça — Me desculpe por tudo. Eu devia ter tentado também, talvez não estivéssemos aqui, agora, se eu também tivesse tentado. — As lágrimas pingavam na camisola dele, ensopando-a.
 
     — Não é que aqueles concelhos de relacionamentos de revistas de moda são verdadeiros. Nunca amamos sozinho, se ambas as partes querem por que não tentar? Queria olhar para os seus olhos agora e ver seu sorriso convencido, ele sempre foi meu favorito... — Eu não sentia mais uma das minhas pernas e a outra começava a doer — Eu poderia passar horas aqui falando do quanto eu gostava de você e do quanto eu amei você, mas eu preciso que me faça um favor, encontre o Daimen, peça desculpas a ele e a todos que estão aqui. Daimen merecia alguém que pudesse dar todo o amor que ele merece e não eu, que ainda amava o primeiro amor e tinha problemas para superar.

     — Mãe! — Luke continuava me chamando.

   Agora meu ombro perdera a minha cor pálida natural e ganhara um verde meio cinza como tom. Minhas veias estavam saltadas, como se estivessem petrificando. Foi quando finalmente notei que estava realmente morrendo.

     — Mais uma coisa, diz para a Allyson que eu amo muito ela e que onde quer que eu esteja não estarei brava por causa das palavras que me disse sem pensar — O tom cinza estava subindo para os meus braços — Olha, não fique bravo com você mesmo, James merece ter um irmão mais velho, eu tive o meu e sim, eu queria ter tido mais tempo com ele, mas ninguém podia fazer nada naquele dia e eu estou lhe dando um presente, não desperdice fazendo outra ligação, por favor.

   Olhei para a porta onde havia mais de uma pessoa tentando arrebentá-la, a cadeira já não estava no lugar em que deixei e mesmo assim a porta não se abria. Talvez a conexão com o lado das bruxas tivesse dado certo. 

   Luke tinha o olhar mais desolador no seu rosto, seus olhos cor de âmbar, como os de Allyson, preocupados e fixos em mim.

     — Peyton, eu amo você e tudo o que a gente viveu, mas siga em frente, ok? — Abaixei um pouco mais para alcançar sua bochecha e depositar um beijo carinhoso — Adeus.

   Voltei meus olhos para a porta e antes que meu coração parasse e minhas veias se tornassem pura pedra movimentei meus lábios em um adeus cheio de lágrimas dolorosas que escorriam e começavam a secar em seguida.

   Meu coração deixou de bater assim que a porta se abriu e eu consegui ver os olhos de Luke pela última vez.

ESTRELINHAS ESTRELINHAS, CADÊ MINHAS ESTRELINHAS 🌟🌟🌟

OLÁ, anjinhos. Como estão? Peço desculpa por não ter postado mais cedo mais meu note quebrou e tive que me resolver com o celular. Bom, até o dia acabar todos os capítulos estarão postados. Espero que gostem ❤❤

O que aconteceu com Atelina? Ela foi muito maluca em tomar essa decisão, não concordam? E quando Daimen voltar, o que vai acontecer? E Peyton quando acordar?

Não se esqueçam de ler o epílogo.

Beijos.

- Atelina.

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