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Karina's pov:

"Somente hoje, vamos usar as tintas e pincéis em vez de nossas vozes. Vamos permitir que a arte expresse tudo o que há em nossos corações."

No sábado, mal aguento meu trabalho na galeria. Minjeong teve alta pela manhã, então quero agilizar algumas coisas para poder ir à sua casa. Minha mãe e eu passamos a maior parte do tempo conversando sobre tudo o que aconteceu na última semana. Conto para ela tudo o que sei. Tudo, incluindo as questões envolvendo o transplante de Minjeong. 

Quando entro no laboratório de restauração, escuto algumas pessoas sussurrando. Eu não tenho certeza se é porque Minjeong esta ausente ou o motivo por trás disso, mas continuam sussurrando. Seulgi está sentada no seu lugar, e quando me vê abre um pequeno sorriso.

Seus lábios se curvam um pouco. De modo singelo, pequeno, mas o suficiente para mim.

— Oi — cumprimento e me sento ao lado dela.

— Oi, Jimin. — Ela faz uma pausa. — Eu fiquei preocupada… com o que aconteceu… — Ela pigarreia e chega mais perto de mim. — Mas sua mãe me explicou algumas coisas.

Olho para ela, um pouco surpresa.

— Ela te contou os detalhes envolvendo o transplante de Minjeong?

— Sim. Mas não se preocupe, ninguém mais na galeria tem conhecimento disso. Não há necessidade para entrar em detalhes com quem não faz parte da família. 

— Eu realmente espero nunca mais ter que passar por uma situação dessas — sussurro, lembrando de tudo o que tinha acontecido nos últimos dias.

Seulgi segura minha mão. 

— Tenho certeza que vai ficar tudo bem agora — Ela diz, com convicção na voz. — Minjeong vai se recuperar e logo vai estar de volta. Ela ainda tem uma exposição na qual trabalhar, lembra? 

A professora Kang volta a supervisionar o trabalho de restauração das obras atuais em posse da galeria. Soube que ela e a equipe estão se dando muito bem, então está mais que qualificada para esse trabalho. Mas não consigo pensar em nada, só em Minjeong e no fato de que gostaria de estar com ela agora. 

Durante todo a manhã, percebo que não estou com cabeça para focar em nada e me dou o resto do dia de folga. Mas quando estou saindo do meu escritório, encontro com Jungkook parado no corredor. 

— Me perdoe… Eu sou uma pessoa horrível…

Essa não é exatamente a primeira coisa que eu esperava ouvir dele. 

— Não é bem assim, Jungkook.

Ele balança a cabeça.

— Eu não queria sentir isso. Mas, mesmo agora, quando penso em Minjeong — sua voz vacila —, só consigo pensar que ela está viva e Somi não está. 

Coloco uma mão em seu ombro.

— Nem sempre as coisas são simples de se resolver. Essa é a realidade. 

— Você a sente? Quando está com ela, você sente Somi? 

Automaticamente penso em tudo o que vivenciamos em tão pouco tempo, na conexão que temos. 

— Percebi algumas coisas, mas… não sinto Somi quando estou com Minjeong. Eu só sinto a pessoa que ela é. Mas estou orgulhosa. Ela só está aqui hoje por causa de Somi. 

Jungkook fica em silêncio por alguns instantes.

— Minha irmã era uma pessoa incrível. Vocês duas são. 

— Somi era incrível — digo. — Eu sou apenas uma pessoa comum. 

— Acho que você é bem mais incrível do que consegue perceber. Você soube lidar melhor do que qualquer pessoa com toda essa situação. Teve coragem de enfrentar tudo para seguir em frente. 

Eu não teria tido essa coragem se Minjeong não tivesse acreditado em mim e me apoiado. 

— Sabe, eu não sinto Somi quando estou com ela, mas em vários sentidos, elas são bem parecidas. Minjeong também não tem medo. Na verdade, acho que ela nem sabe o quanto é corajosa. Mas ela é uma pessoa maravilhosa, Jungkook. Merece o coração de Somi. 

— Tenho certeza que merece, Jimin. Eu só preciso de um tempo para aceitar isso. 

[…]

Ao chegar em frente ao edifício onde Minjeong mora, vejo que o carro de Yongsun está parado na garagem. Pego o elevador sem nem me dar ao trabalho de cumprimentar o porteiro. Quando estou prestes a bater na porta do apartamento, ela se abre, e Yongsun aparece de casaco e com o celular na mão. 

— Jimin? O que está fazendo aqui? —  Ela pergunta com uma expressão de surpresa no rosto.

— Vi seu carro. Aconteceu alguma coisa?

Ela me convida para entrar, mas não fecha a porta. 

— Minha irmã precisou sair para resolver algumas coisas referentes a sua volta para Busan e me pediu para passar aqui e ver como Minjeong estava — diz, guardando o celular no bolso. — Ela acordou há pouco tempo, mas como estava se sentindo particularmente entediada disse que iria para o estúdio de arte. 

— Isso é bem a cara dela mesmo.  

Yongsun sorri e passa as mãos nos cabelos. 

— Bom, eu estava de saída para comprar algumas coisas, então vou deixar você responsável por Minjeong. — Ela me dá uma piscadinha. — Tenho certeza que aquela garota melodramática vai adorar a surpresa. 

Sorrio.

— Já me falaram algo semelhante.

Depois que ela sai, subo as escadas em direção aos quartos. Minjeong ainda está naquele que transformou em um estúdio. Ela veste roupas casuais e trabalha sobre uma tela que colocou no chão. 

Meu olhar se fixa nela. Sempre achei fascinante a liberdade com a qual pinta. 

Sua tela é dolorosamente intensa, real. O modo como seus dedos seguram o pincel e intimam as cores me faz querer chorar.

Enquanto Minjeong pinta, sou assolada por lembranças dela. Ela está ainda melhor do que eu me lembro, e eu me recordo de cada tela que já criou… sua arte me curou durante a viagem à casa de campo e me ensinou o que significava ser lindamente triste… Ela havia me mostrado o caminho um mês antes, quando eu estava perdida.

Sua arte faz o mundo levitar.

Por um momento penso em não lhe incomodar e deixar que permaneça mergulhada no seu mundo criativo, mas antes que eu saia, Minjeong vira para mim e abre um dos seus sorrisos travessos. 

— Por quanto tempo pretende ficar parada aí na porta? — Ela brinca se levantando.    

Eu me aproximo, envolvendo-a em meus braços e puxando-a para um abraço.
Minjeong sorri, suas mãos se movendo para cima dos meus ombros ao redor do meu pescoço. Então beija a ponta do meu nariz antes de perguntar: 

— O que foi? 

— Nada… — murmuro, deslizando uma mecha de cabelo para trás da sua orelha. — Só queria me certificar de que não estou sonhando. 

Ela sorri da minha resposta. Quando seu rosto fica mais perto do meu, respiro fundo, roçando meus lábios nos dela. A sensação é de que nossas bocas ficam uma eternidade a milímetros de distância, mas eu sei que são apenas alguns segundos. 

Me inclino, tomando seus lábios em um beijo. Ela retrubui, mergulhando carinhosamente a mão em meus cabelos. 

— Você não deveria estar trabalhando? — sussurra, se afastando.  

— E você não deveria estar descansando? — rebato, mordicando seu lábio inferior de leve. 

Minjeong revira os olhos, mas está sorrindo. 

— Tudo o que eu tenho feito há duas semanas é descansar. Então hoje resolvi aproveitar o tempo livre para criar uma pintura nova. — Ela diz, indicando a tela no chão. — O que você acha? 

A pintura retrata um dos pontos turísticos de Seul, mas há uma mescla de cores que enfatizam o abstrato na arte. Eu a encaro como se fizesse parte dela. Balança o corpo levemente para a frente e para trás, e meus lábios se abrem, mas não comento nada. Essa tela quase faz algo despertar dentro de mim. 

— É maravilhosa… — sussurro, apertando sua mão. — Você pretende adicionar ela à sua exposição? 

— Ainda não pensei sobre isso. No momento tenho outra ideia para essa tela. 

— Qual? — Pergunto. 

Ela caminha até a mesinha do outro lado da sala, remexe no seu material e pega um dos pincéis. Quando o entrega para mim, abre um sorriso.

— Minjeong, me sinto lisonjeada, mas… 

— Se lembro bem, você me convidou para pintarmos uma tela em conjunto. 

— Bem, sim… — respondo, sabendo onde isso vai terminar. — Mas você está fazendo um trabalho impecável aqui. Tem certeza disso? 

Ela assente, pegando a tela do chão e a posicionando no tripé de madeira. Seus olhos se fixam nos meus. E ela pergunta, em voz baixa:

— Pronta?

Dessa vez não há nenhuma hesitação vinda de mim. 

— Pronta.

Eu caminho até ela e fico ao seu lado. Respiro fundo e começo a pintar. Minha técnica se harmoniza com as cores e os traços que emanam de seu pincel. Fico completamente envolvida pela sua pintura enquanto minha mão traça aquelas cores de tirar o fôlego.

Mergulho de cabeça na arte, me entregando completamente a Kim Minjeong e à sua alma.

Quando terminamos, o cômodo cai em um profundo silêncio, e os olhos castanhos de Minjeong se fixam nos meus. Meu coração bate em um ritmo novo, desconhecido, e eu me pergunto se o dela também está assim. Ela se aproxima, pega minha mão e a aperta de leve.

— Obrigada — ela sussurra.

— Sempre — respondo. 

Fico com ela durante a manhã inteira. Nós vamos da cozinha para a sala e, às vezes, voltamos ao estúdio de arte. Hoje, usamos as tintas e pincéis em vez de nossas vozes. Usamos a escuridão para nos curarmos, e Minjeong me usa como sua âncora. Eu a entendo nesse dia, e vejo que ela precisa de mim tanto quanto preciso dela.  

Agora estamos no quarto dela, deitadas na cama enquanto assistimos um filme.

Na verdade, Minjeong assiste. Eu estou mais interessada em ficar olhando para ela enquanto acaricio seus cabelos. 

Minjeong apoia a cabeça em meu ombro, com os olhos voltados para a TV de tela grande pendurada na parede do quarto. De tempos em tempos, ela reage a alguma cena, e suas pernas se mexem sob a cama. 

Estive tão preocupada com tudo o que aconteceu nas últimas semanas que esse momento, apenas abraçadas enquanto assistimos TV, por mais simples que seja é infinitamente maravilhoso. Percebo que apesar de sua presença em minha vida, apesar de estarmos juntas, e apesar do anel no dedo dela, é só neste momento que a ficha começa a cair. Ela está mesmo aqui. Eu não a perdi. 

Passo minha mão trêmula em meus cabelos. 

— Você está quieta demais. — Ela pergunta, atraindo minha atenção. — Aconteceu alguma coisa?

— Não aconteceu nada. — Digo, depositando um beijo em seus cabelos. 

Inclinando-se para frente para que eu olhe para ela, Minjeong diz:

— Desculpa.   

— Por que está se desculpando? — Pergunto, confusa.  

— Pela atitude egoísta que tomei — ela sussurra. — Eu queria te privar de tudo aquilo… — A voz dela vai diminuindo e ela fica em silêncio por um instante. — Mas não foi justo, Jimin. Você não tem ideia do quanto doeu te machucar. Queria tanto dizer a verdade, mas não consegui. 

Penso novamente no que aconteceu e em todas as emoções que Minjeong deve ter sentido. Estar tentando terminar tudo comigo num minuto e depois estar lutando pela vida no outro? Não é de surpreender que ela estivesse tão perdida.

— Apenas seja sincera comigo. Diga o que for necessário sem medo. Estarei aqui para o que você precisar, Minjeong.

— Obrigada — ela diz, beijando meu ombro. Então um sorriso se pronuncia no canto de sua boca. — Bom, ao menos isso tudo tem um ponto positivo. Posso ficar repousando enquanto sou mimada.

Isso me faz sorrir.   

— Nossa como você é engraçadinha.

Seu sorriso se alarga.   

— Acho que passar muito tempo com a Ningning tem dado alguns resultados. 

Ficamos em silêncio por um momento. Penso em usar essa oportunidade para lhe perguntar algo que vem martelando na minha mente desde ontem, mas não sei como fazer isso sem estragar esse clima agradável no qual estamos imersas.

Minjeong me encara, sorrindo gentilmente. 

— O que você quer saber? — Ela pergunta como se lesse minha mente. — Sua expressão sempre fica séria quando quer saber alguma coisa.

Respiro fundo.   

— Como sua família reagiu em relação aos detalhes do transplante? — Solto.  

Seu sorriso desaparece e ela me encara.

— Bom, sobre isso — ela limpa a garganta e então olha para mim. — Parece que está tudo bem. Foi um choque para todo mundo no início, mas eles estão lidando bem com essa informação. 

Assinto com a cabeça. 

— Conversei com minha mãe sobre o assunto, mas ela também está lidando bem com isso. Disse que a única coisa que importa é a nossa felicidade. 

Minjeong sorri, beijando meus lábios de forma afetuosa.  

— Falando nisso, você não me respondeu porque está em casa a essa hora — Ela comenta. — Não deveria estar na galeria? Soube que tem uma exposição em andamento. 

— Não estava conseguindo me concentrar no meu trabalho — digo. E antes que ela fale alguma coisa, acrescento: — Mas nem pense em me dar sermão por conta disso. Não tinha nada muito urgente para fazer na galeria, então posso muito bem passar um tempo com a minha namorada.

Ela me lança um sorriso divertido.  

— Sim senhora.  

— Você não tem jeito — digo, sorrindo.   
Sua expressão se torna mais séria antes dela perguntar:  

— Como Jungkook está? 

Sei que quando ela me pergunta isso, não está se referindo ao estado físico do irmão de Somi, que está bem, mas sim o estado emocional. Já percebi que Minjeong se preocupa bastante com o fato de que minha amizade com ele esteja abalada no momento. Algo que eu gostaria de evitar.   

— Ele vai ficar bem — respondo, calma. — Encontrei com ele antes de sair da galeria e conversamos um pouco. Jungkook ainda vai precisar de um tempo para assimilar tudo. E ele sabe onde me encontrar quando quiser conversar. 

— Espero que as coisas fiquem bem entre vocês. Depois de tudo o que já aconteceu no passado, não gosto da ideia de que tenham se afastado por minha causa. 

— Eu sei — deslizo minha mão por sua nuca, acariciando seus cabelos. — Mas já conversamos sobre isso, ok? Tenho certeza que com o tempo tudo vai se resolver. 

Minjeong sorri e volta a olhar para a TV. Conversamos sobre coisas triviais. As últimas melhores férias dela, seu pintor favorito, as melhores cenas do filme que estamos assistindo. Como o esperado, ela fica feliz com minha decisão e com todo o significado por trás dela. 

Minutos depois ela acaba adormecendo, e eu saio da cama lentamente, esperando que…

— Você deve ser a Jimin. 

Quando me viro, vejo a Sra. Kim parada no corredor. Cruzei algumas vezes com ela pelo hospital, mas nunca tivemos a oportunidade de conversar. 

— Ah, bem…

— Você poderia me fazer companhia, Jimin? — Ela pergunta antes de voltar para a sala.

Vou atrás dela um pouco preocupada com a ideia de a varanda do apartamento estar bem acessível para um "acidente". Passo a mão cuidadosamente no meu cabelo enquanto observo ela sentar em um dos sofás.

— Tudo bem com você? — Ela pergunta.

— Bem, sim — respondo cuidadosamente, sentando no sofá oposto. 

— Eu soube do incidente — ela diz, cruzando as pernas. — Sinto muito por sua perda. E agradeço pela a atitude maravilhosa da sua ex namorada ter salvado a vida da minha filha. 

Sorrio de forma singela.

— Somi era assim, sempre disposta a fazer o bem até o final. 

— Confesso que fiquei bem surpresa quando soube da coincidência dos fatos. Depois de tudo o que aconteceu é meio inusitado ver você e Minjeong namorando. 

— Eu a amo, Sra. Kim. Muito.

— Ela também ama você, Jimin, e acho que é isso que me preocupa. Ela já passou por tanta coisa… E o pior sentimento do mundo para uma mãe é saber que uma filha está sofrendo e não poder fazer nada para ajudá-la. Eu fico preocupada achando que a ligação que existe entre vocês possa deixar de ser saudável algum dia. 

— Você acha que nosso relacionamento pode se tornar um problema? — Pergunto, esperando que a resposta seja não.

A Sra. Kim faz uma careta.

— Não, porque quando ela conversou comigo sobre você foi a primeira vez em que vi minha filha parecer… feliz. Como ela era antigamente. Eu só queria que… Você pode cuidar bem dela? Eu sei que errei com ela, mas não quero que Minjeong se machuque.

— Claro. Tudo o que eu mais quero é que ela seja feliz.

Com um sorriso firme, ela assente com a cabeça.

— Obrigada, Jimin. Agora vamos falar de coisas importantes. Está com fome?

A Sra. Kim vai até a cozinha e começa a preparar o jantar. É inevitável perceber o quanto ela me lembra minha mãe. Quando ela não está tão imersa dentro da arte costuma preparar o jantar para nós e a gente conversa.

— O que está acontecendo aqui? — Uma voz pergunta para ninguém em específico.

A sra. Kim e eu nos viramos para a porta da cozinha onde Minjeong está parada. Ela ainda parece sonolenta e quando nossos olhos se encontram, posso ver um pequeno brilho de confusão e divertimento presente neles.

— Estamos preparando o jantar. — sua mãe reponde quando ela entra na cozinha. — Já que você acordou pode se juntar a nós.

Minjeong se aproxima e coloca a mão no meu ombro.

— Estou vendo que vocês duas parecem estar se dando bem — ela sussurra. 

— E você ainda tinha dúvidas? Ninguém resiste ao meu carisma natural. — Brinco. 

Ela revira os olhos, mas um sorriso é perceptível em seus lábios.

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Passando aqui para avisar que temos apenas mais dois capítulos pela frente.

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