23
Karina's pov:
"Em silêncio, eu te agradeço por ser a parede remota na qual eu posso me apoiar."
Boa parte do meu amor pela arte foi herdado da minha mãe, foi ela que me apresentou ao exercício lindo e intenso da pintura quando eu tinha 12 anos. Todas as tardes, enquanto eu fico sentada no estúdio de casa, mais e mais lembranças daquela época ressurgem em minha mente.
Acho que eu deveria ser grata pelas reviravoltas da vida. Afinal, se não fosse pela interferência da minha mãe, eu não teria voltado a trabalhar na galeria. E se eu não tivesse feito isso, jamais teria conhecido Minjeong, a garota que tem resgatado minha inspiração para voltar a pintar. E sem pintar, não teria nada parecido com uma árvore enraizando dentro de mim, crescendo e saindo, incrivelmente, por cada um dos meus poros.
A mescla de ideias sobre nossa viagem, a natureza livre de qualquer amarra e o brilho dos finais de tarde passa de uma musa inspiradora… para uma tela.
É claro que ainda sinto certo desconforto. Os traços saem com a precisão desejada, ainda que o braço lesionado reclame por não estar acostumado. Mas é um começo. É mais um passo rumo à normalidade.
Enquanto pinto, me entrego por completo — minha alma, meu coração, meu lado mais sombrio. Revelo cada sentimento que vivenciei na vida. Eu me lembro de cada segundo de dor e cada vislumbre de alegria. Revivo tudo enquanto as cores brilham à minha frente.
O pincel desliza sobre a tela e estou alegre com tanta inspiração e tantas nuances de cores, mas minha resolução vacila quando Minjeong adentra ao estúdio e fica parada diante da porta com um sorriso gentil.
Antes da viagem, ela nunca tinha vindo no meu apartamento, mas agora suas visitas se tornaram quase rotineiras. O que é simplesmente perfeito.
Minjeong se aproxima, abraçando-me por trás e descansando o queixo na minha cabeça.
— Adoro te ver pintando — ela diz quase num sussurro. — Você sempre fica tão concentrada.
Ela fica em silêncio e a observo por um longo tempo. Vejo seus olhos piscarem, e seus lábios se moverem. Estudo a concentração em seu rosto enquanto ela observa a tela na qual estou trabalhando. E sorrio. Não por causa da cena, mas por uma oportunidade real de felicidade.
Puxo um banquinho para que ela se sente ao meu lado antes de dizer:
— Não posso desperdiçar a inspiração que a vida está me dando. — Inclino-me para a frente, tomando suas duas mãos entre as minhas. — E estou me sentindo realmente motivada depois da nossa viagem.
— E eu estou feliz por você finalmente estar se reencontrando. — Ela se curva, beijando os nós dos meus dedos. — E não vejo a hora de apreciar o resultado final do seu trabalho.
Estudo o rosto dela. Sua pele lisa, os olhos castanhos, a boca perfeita que eu já beijei milhares de vezes. Ela parece totalmente dedicada, e eu me sinto tão grata por tê-la ao meu lado.
— Você vai ser a primeira para quem vou mostrar — Digo, beijando seus lábios de forma suave.
— Por falar nisso, vi que tem trabalhado em outras telas.
— Ah, sim. Tem uma em especial que é a minha preferida. — Sorrio de forma travessa antes de continuar: — E não adianta pedir para ver, porque vou continuar mantendo segredo. Mas talvez eu consiga finalizá-la em breve.
Ela sorri.
— Quanto mistério por conta de uma tela.
— Tenho certeza de que você vai gostar. — Digo, passando a mão pelos cabelos.
— Está bem, vou deixar você trabalhar agora — ela se inclina, mordiscando meu lábio inferior —, mas não se esqueça que temos aquele jantar com as suas amigas em algumas horas.
— Espere. Antes de você ir… quais são seus planos para sábado à tarde?
Ela revira os olhos.
— Que tipo de pergunta é essa? Você é meu plano. Você sempre é meu único plano.
— Ótimo. Minha mãe vai estar livre nesse horário e podemos fazer a mostra das suas telas para ela. Te pego às 14h?
Ela se anima e sorri.
— Está querendo dizer que vai mesmo ser minha agente, é?
Assinto com a cabeça.
— Bem, você é péssima com essas coisas. Às vezes, os clientes preferem que a agente pergunte qual o melhor momento para a mostra artística, e não que ela simplesmente diga quando é a reunião
Ela está tentando dar uma de difícil, o que é inútil, pois já é minha. Entro na brincadeira mesmo assim. Eu me ajoelho diante dela e olho em seus olhos.
— Kim Minjeong, você me dá a honra de levar suas obras de arte para uma mostra importante no sábado à tarde?
Ela leva a mão ao queixo e desvia o olhar.
— Não sei, recebi algumas propostas bem interessantes. Vou ver qual a mais vantajosa e depois aviso.
Minjeong tenta parecer entediada, mas um sorriso irrompe em seu rosto. Ela se inclina para a frente e me abraça; eu perco o equilíbrio, e nós duas caímos no chão. Eu a rolo para que fique de barriga para cima e ela olha para mim, rindo.
— Está bem. Pode me buscar às 14h.
Afasto o cabelo de seus olhos e passo o dedo em sua bochecha.
— Eu achei que tinha inventado você. Achei que estava vivendo em um mundo de trevas e imaginei você até que passou a existir. — Minha mão está por baixo das suas costas, enquanto a puxo para mais perto, sentindo seu corpo contra o meu. Beijo a ponta do seu nariz. — Mas então percebi que eu nunca poderia ter criado algo tão bonito.
Ela abre um sorriso, deslizando a mão por meu rosto antes de me puxar para um beijo.
— Você é a razão pela qual eu acredito no futuro, Jimin. Você é a luz que afasta as sombras que cercam minha vida. E eu sou egoísta o suficiente para não querer te perder jamais.
— Eu te amo, Minjeong.
— Diz de novo — ela pede.
— Eu. — Beijo os lábios dela. — Te. — Beijo-os novamente. — Amo.
— Também amo você.
Acomodo meu corpo em cima do dela, e entrelaçamos os dedos enquanto nossos lábios se encontram.
Quando me afasto, sinto-me extremamente orgulhosa por seu sorriso. Ela sai de baixo de mim e senta sobre os joelhos enquanto deito de costas para baixo e continuo no chão.
— Acho melhor eu ir agora — ela avisa, e se levanta. — Preciso adiantar algumas coisas da faculdade antes de sairmos.
Minjeong abre a porta e fica parada, olhando para mim. A força da minha alma me leva até ela e eu a abraço. Retiro algumas mechas de cabelo do seu rosto, e faço o possível para deixá-la ir.
— Não vou demorar muito mais tempo aqui também — digo a ela
Ela sorri, mas não sai dos meus braços.
— Mais uma vez? — Pede.
— Eu te amo, Minjeong.
[…]
Saímos do restaurante há menos de vinte minutos, mas Ryujin e Yeji já nos arrastaram até um karaokê. Ao que parece elas estão bem interessadas em estender a noite e descobrir o máximo de detalhes possível sobre a nossa viagem.
Por uma hora nos divertimos bastante contando a elas como foi nossa breve estadia na casa do lago da família Uchinaga — omitindo alguns acontecimentos, claro — até Minjeong e Ryujin descobrirem que compartilham do mesmo interesse pelo canto.
E tenho que admitir, elas estão totalmente no clima de karaokê. Nós mal terminamos de conversar e elas já estão no palco. Não é nem a vez delas, mas com o poder de persuasão que ambas tem, não foi preciso muito para convecer os próximos da fila a deixar que as duas passassem na frente.
— Minjeong é boa nisso — Yeji me diz, sentando ao meu lado com uma taça de vinho em mãos.
Minjeong canta bem. Muito. Ela e Ryujin escolheram uma música antiga — o tipo de música que eu não saberia nomear ou dizer de quem é nem se minha vida dependesse disso, mesmo conhecendo a letra inteira.
O bar está adorando as duas.
Ao terminar, elas são aplaudidas de pé, e voltam para a mesa aos risos.
— Nós devíamos ter marcado esse encontro antes! — Exclama Ryujin, enquanto ela e Minjeong se acomodam junto a nossa mesa. — Meu Deus, Jimin! Fazia tanto tempo que eu não te via que nem me lembro mais.
— Acho que todas nós estávamos precisando fazer isso — concorda Yeji, abraçando Ryujin.
— E a sua voz, Minjeong! — diz Ryujin, animada e suspirando enquanto serve um pouco mais de vinho em sua taça.
— É mesmo. Que voz! — Concorda a noiva. Ela levanta a taça. — Um brinde a Jimin e a Minjeong! — Ela exclama.
Nós todas brindamos, embora eu esteja acompanhando minha namorada no quesito "nada de bebida alcoólica."
Sorrio para Minjeong e esbarro meu ombro no dela.
— Você realmente gosta do palco, não é?
Ela inclina a cabeça na minha direção:
— Não vou negar.
Tomamos nossas bebidas e, antes que possamos perceber, estamos entretidas em mais uma conversa.
Yeji e Ryujin não param de falar a maior parte do tempo. Eu nunca tive a oportunidade de conhecer Ryujin melhor, mas, quanto mais interagimos, mais percebo como ela é perfeita para a minha amiga. Elas pensam de forma bem parecida, riem das mesmas coisas e expressam todo o amor que sentem uma pela outra o tempo todo. As duas são a definição perfeita de afeto e demonstram seu amor para todo mundo.
— Se vocês querem saber — começa Yeji, servindo uma taça de vinho para si e outra para Ryujin —, planejar um casamento é a coisa mais estressante do mundo.
— Sabem quantos tipos diferentes de diagramação para convites existem? — Pergunta Ryujin.
— Por favor, não me lembre! — Exclama Yeji e começa a rir, passando a mão nos cabelos. — E não vamos esquecer dos incontáveis tipos de cobertura para o bolo de casamento.
— E nós provamos cada uma delas — acrescenta Ryujin.
— Mesmo que já tivéssemos decidido que queríamos cobertura de chocolate. Mas não podíamos deixar de provar todas aquelas coberturas, principalmente porque foi de graça — explica Yeji.
Minjeong ri. E me dou conta do quanto ela se deu bem com as garotas.
— Mas sabe qual é a pior parte de planejar um casamento? — Questiona Yeji.
— Escolher onde os convidados vão se sentar! — Responde Ryujin.
— É exaustivo e bem caro também — completa Yeji, puxando a noiva em sua direção. — Acho que deveríamos simplesmente fugir e nos casar em outro lugar.
Ela ri.
— Ah, tá. Meus pais iam amar isso. Eles ainda estão aprendendo a lidar com o fato de que estou noiva de uma mulher.
— Verdade. Tudo bem, nada de fugir para casar. — Yeji passa a mão nos cabelos e balança a cabeça. — Minha nossa. A gente só fala de coisas chatas. Desculpe.
Minjeong sorri como resposta, porque eu sei que está adorando o assunto.
— Tudo bem, chega de falar de casamento. Vamos fazer algo divertido! Vamos jogar “Eu nunca” — sugere Ryujin, abrindo um sorriso travesso.
— Você não está falando sério, né? — Pergunto.
Minjeong arregala os olhos de brincadeira.
— Quais segredos você não quer compartilhar Yoo Jimin? — Ela pergunta, sorrindo.
Ela está toda risonha e extrovertida, e é a coisa mais adorável que eu já vi. Suas bochechas estão rosadas e os olhos, brilhantes. E ela fica encostando em mim o tempo todo.
Mas eu não estou reclamando.
— Você começa, Yeji. — Diz Ryujin.
Yeji assente.
— Tudo bem. Eu nunca matei aula.
Todas nós viramos uma dose.
— Eu nunca chorei em um filme dramático — declara Minjeong. Ela, Yeji e eu bebemos.
Ryujin olha para mim com a sobrancelha erguida.
— Não me diga que até você já seguiu por esse caminho sem volta.
Dou de ombros.
— Fazer o que? Aeri não começou a me chamar de garota melodramática a troco de nada.
— Ah, verdade. — Ela diz, sorrindo. — Mas essas afirmações aí estão fracas demais. Vamos jogar de verdade. Eu nunca fiz um ménage. — declara, elevando o nível do jogo.
Quando eu me viro para Minjeong, seus olhos estão fixos em mim e, como não bebo, seus lábios se curvam em um sorriso.
Yeji fica empolgada.
— Minha vez. Eu nunca perdi a virgindade em uma casa de veraneio, com os anfitriões dando uma festa na praia que durou até o alvorecer do dia seguinte.
— Isso foi estranhamente descritivo — digo, sorrindo de forma travessa.
Ryujin pigarreia e toma um gole do seu vinho.
— Foi durante as férias de verão da faculdade, e meus pais haviam insistido que fossemos a festa anual deles. Mas ninguém desconfiou do que estávamos fazendo, ok?!
Todo mundo começa a rir, e nós continuamos o jogo.
— Eu tenho uma — anuncia Minjeong, segurando o copo com a mão livre. — Eu nunca me apaixonei enquanto discutia sobre arte em uma galeria.
Dou uma gargalhada.
Yeji e Ryujin franzem o cenho olhando para nós sem entender nada, mas eu as ignoro e levanto meu copo. Brindo com Minjeong, e nós bebemos.
— Isso é sério? — Pergunta Ryujin, surpresa.
— Vocês duas são muito casalzinho. Literalmente, não é? — Yeji brinca.
A noite segue assim, com mais bebida e muitas risadas. Minjeong vai se soltando cada vez mais e, mesmo que eu tivesse ficado preocupada antes, tenho consciência de que ela está se sentindo bem a vontade com as garotas.
— Acho melhor encerrarmos a noite por aqui. — Olho para minhas amigas e sorrio.
Yeji assente.
— Também acho. Vou chamar um Uber para nós — ela avisa para Ryujin, que está rindo com Minjeong de alguma coisa que só elas entenderam.
Quando Yeji e Ryujin vão embora, Minjeong se vira para mim e sorri.
— Posso ficar com você essa noite?
Sorrio.
— Claro que pode. É só que… — sussurro, e ela estreita os olhos para mim, esperando eu terminar. — Quero que me acompanhe à um lugar antes de irmos para casa.
Ela me lança um sorriso gentil e segura minha mão na sua.
— Bom, vamos lá então — diz.
[…]
Alguns minutos depois, estamos caminhando pelas ruas movimentadas de Apgujeong. O clima está agradável, embora meu coração fique cada vez mais acelerado conforme nos aproximamos do nosso destino: o estúdio de arte K.
Caminhamos em um silêncio confortável por vários minutos antes que Minjeong puxe conversa.
— Será que já posso saber para onde estamos indo? — Ela pergunta.
— Bom, sobre isso… — Me sinto um pouco louca em trazer Minjeong ao lugar onde minha vida saiu dos trilhos, mas a verdade é que ela parece ser a única pessoa capaz de me ajudar a superar o que aconteceu ali. — Queria que você conhecesse o meu antigo estúdio de arte.
Vejo seu olhar encher-se de desespero. Minhas palavras provavelmente provocando essa expressão de dor. Eu me sinto imediatamente mal por tê-la feito se sentir mal.
— Está tudo bem — sussurro. — Eu estou bem.
Ela transfere o peso do corpo de um pé para o outro.
— Jimin, foi aqui que aconteceu…? — sussurra.
Fecho os olhos por um segundo e assinto.
— Foi.
— Você já tinha vindo aqui depois de tudo o que aconteceu?
— Já, mas nunca foi uma experiência agradável.
— Então porque você… — ela sussurra. — Jimin… por que você faria isso? Não posso nem imaginar como deve ser difícil para você estar aqui.
— Eu precisava fazer isso. — Digo, tentando controlar o tremor na minha voz. — Estou cansada de não conseguir seguir em frente por conta do que aconteceu aqui. Quando Somi… — Paro de falar por um instante e respiro fundo. — Quando a Somi morreu, eu fugi de tudo o que me induzia a recomeçar por que achava que esse era o caminho mais fácil. Mas então eu conheci você… Minjeong, você tem me ajudado a enfrentar cada um dos meus fantasmas, e eu preciso encará-los de frente.
Silenciamos nossos pensamentos por um momento e nós duas olhamos para nossas mãos, que ainda estão presas desde que saímos do Karaokê.
Minjeong se aproxima e começa a deslizar os dedos em meu rosto, seu toque é tão delicado que faz meu coração derreter. Tudo nela é tão perfeito para mim. Nesse momento, ela é a garota doce e adorável que me faz sorrir, que costuma invadir meu mundo sem medo. Minjeong é, agora, exatamente como sempre foi — afetuosa.
— Você acha que vir aqui vai ajudar a lidar com o que aconteceu? — Ela pergunta.
— Acho que sim.
— Me diga o que você quer, Jimin. Estou aqui. Me diga o que precisa que eu faça.
— Você pode me abraçar? — sussurro
Ela não diz nada, apenas me envolve em um abraço acolhedor. Minjeong sabe o que estou sentindo e como é difícil para mim estar nesse lugar… Seu abraço é um lembrete de que eu não estou sozinha. E ter essa certeza me faz querer chorar.
Eu a abraço mais forte, em silêncio, agradecendo-lhe por ser ela a parede remota na qual eu posso me apoiar.
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