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Karina's pov:

"Não tenha medo. Apenas confie no coração existente na sua mente."

Em pé perto da bancada da cozinha, posso vislumbrar a espaçosa sala da residência de férias da família Uchinaga: uma casa composta por dois andares de madeira conservada, chaminé e pé-direito alto. O lugar onde passei momentos importantes da minha vida, mas que até poucos dias atrás parecia tão distante.

Chegamos há pouco mais de 20 minutos, mas Ningning já arrastou Minjeong para um debate sobre as trilhas que podemos fazer se o clima melhorar dentro dos próximos quatro dias. Ao que parece ambas as garotas a minha frente estão bem interessadas em fazer isso. 

E falando em Minjeong… Eu não tenho certeza se posso, mas estou apaixonada por ela. Cada segundo em sua presença tem mais amor do que o anterior. Eu não sabia se alguém como eu poderia se apaixonar por uma garota como ela. Minha cabeça não para de me dizer que é errado, que eu não devo considerar estar em um relacionamento com ela depois do que descobri. 

Mas meu coração… meu coração acredita em um tipo de amor simples e tranquilo, maior do que quaisquer limites que o mundo possa impor a nós. Um tipo de amor que é visto somente pelas almas de duas pessoas. Meu coração não me dá muita escolha.

— Jimin, você já percebeu que sempre ficamos responsáveis pela organização das coisas? — Aeri diz, trazendo-me de volta a realidade.

Sorrio.

— Fazer o que? Parece que algumas coisas nunca mudam. 

Minha prima sorri e vai até os armários para guardar o restante das compras que trouxemos. Olho para a bancada e percebo que a área ainda está um pouquinho lotada. Então começo a esvaziar algumas sacolas e passar os itens para ela. 

— Vocês duas estão realmente bem? — Aeri pergunta quase num sussurro. 

Sei exatamente ao que está se referindo. Conversei com minha prima antes de fazermos a viajem, mas como era de se esperar ela apoia minha decisão. Aeri sempre esteve ao meu lado. Mesmo depois do que aconteceu, ela sempre me apoiou e esteve lá por mim. Em mais de uma ocasião, minha prima foi ao meu quarto e se deitou ao meu lado, simplesmente para mostrar que eu não estava sozinha. 

— Sim, nós estamos — respondo, olhando para a sala onde Minjeong e Ningning continuam imersas em uma conversa. 

Elas ficaram bem próximas no último mês. Imagino que isso seja bom, considerando o quanto Giselle e eu somos próximas. É legal. Gosto do esquema que todas nós estamos criando. Espero que as coisas continuem assim.

O cabelo de Minjeong está solto e cascateia por seus ombros. Está de tênis, calça jeans e um moletom. Adoro isso — o fato de ela se sentir tão à vontade aqui. Ela vira em minha direção e nossos olhos se encontram por um ou dois segundos. É só uma questão de instantes em que olhamos uma para a outra, mas a vejo um sorriso adorável surgir em seus lábios. 

— Muito melhor — Aeri diz, fazendo um sinal de positivo em direção ao meu sorriso. — Você faz isso sempre que olha pra ela, sabia? Sorri.

Afasto sua mão. 

— Vai implicar comigo também? Acho que durante a viagem Ningning já conseguiu deixar claro o quanto está empenhada nessa missão. 

O que me faz pensar nos dias que tenho pela frente.

Aeri abre um sorriso. 

— É que é tão romântico. Um anjo lindo interferindo para salvar uma reclusa mal-humorada, com potencial de ser uma serial killer. 

Reviro os olhos diante do seu comentário, mas acabo sorrindo. 

Quando ficamos livre da cozinha, vamos até a sala e nos juntamos as garotas. Ficamos ali conversando por um bom tempo sobre como aproveitaremos o final de semana. A conversa flui fácil, como se estivéssemos acostumadas a fazer isso desde sempre. Não sabia que tinha sentindo tanta falta de momentos assim até agora. 

— Você e Minjeong vão nos acompanhar na trilha, né? 

Olho para Ningning, tentando entende se é só uma pergunta casual ou se tem alguma segunda intenção por trás disso.

— Se o clima estiver favorável, sim — respondo. Resisto à vontade de elaborar mais, porque quanto menos detalhes, melhor.

— Sei — Yizhuo sorri, e percebo que ela já está com a mente em disparada, pensando em maneiras de provocar tanto a mim quanto a Minjeong. Esse final de semana vai ser longo. 

Minjeong semicerra os olhos em direção a ela.

— O que você está insinuando, hein? 

— Nada, só estou descobrindo uma coisa bem interessante sobre vocês duas — Yizhuo olha para Minjeong e sorri de forma travessa. — Deveríamos ter planejado essa viagem a mais tempo. 

— Desembucha logo o que você está pensando — Minjeong diz, mudando de posição no sofá. Abraço sua cintura, descansado meu queixo em seu ombro. 

— Ah, vocês são muito casalzinho!

Dou uma risada. É difícil acompanhar essa garota.

Faz anos que conheço Yizhuo, mas sempre me pergunto como ela adquiriu essa personalidade. Seus pais são pessoas incríveis, mas definitivamente não são assim. Está na cara que Ningning é mais extrovertida que a maioria dos jovens da sua idade, mesmo que de um jeito meio estranho. Acho que é exatamente por isso que é tão fácil gostar dela.

Minjeong lança um olhar acusador para ela. 

— Tem certeza de que você é minha melhor amiga?

— Mas é exatamente isso que melhores amigas fazem — implica Yizhuo, e se joga no sofá. — Quero dizer, vocês ficam totalmente confortáveis uma com a outra. É como se estivessem juntas há séculos. 

— Deixa elas, Ningning. — Aeri diz, enfim achando que é um bom momento para nós defender da sua namorada. — Tenho certeza de que elas não são diretas igual uma certa garota que eu conheço…

Ningning se vira para poder encará-la. 

— Porque eu sinto que você está subentendendo alguma coisa aí.

— Porque talvez eu esteja — Minha prima diz, abraçando-a por trás e beijando seu ombro. Estou vendo que elas não tem direito de fala aqui. — Qual é o segredo? — Ela pergunta, virando-se para nós.

— Não tem segredo — respondo, mantendo a leveza no tom de voz. — Quero dizer, nós só nos sentimos confortáveis uma com a outra. 

— Tradução: elas estão casadas e nem sabem disso. — Ningning diz. 

— Exatamente. — Aeri concorda. 

Minjeong da risada enquanto respiro fundo. 

— Bom, já que estamos imersas nesse assunto, acho que vou redirecionar a conversa para sua agitada vida amorosa, Giselle. — Digo, simpática. — O que acha? 

Minha prima ignora meu comentário olhando para a varanda. 

— Ningning, você não acha que está um final de tarde lindo?

— Bem, realmente está — ela concorda, contendo um sorriso.

— Certo, então vamos dar uma volta pela propriedade. 

Aeri se levanta, puxando Ningning pelo braço e a conduzindo em direção aos jardins sem lhe dar chance de protestar. Quando elas desaparecem de vista, Minjeong muda de posição no sofá, de modo a me encarar com seus lindos olhos castanhos. 

Eu pensava que a intensidade do que sentia diminuiria com o tempo. Mas não. Meus sentimentos só crescem cada vez que estamos juntas. E é por isso que tenho de admitir que ultimamente venho pensando nas coisas que nunca fizemos juntas. Nós nunca tivemos um encontro romântico. Nunca dançamos. Nunca dormimos juntas. Nós nunca falamos “eu te amo”.

— O que foi? — Minjeong pergunta, tirando-me do meu devaneio.  

— Nada. É só… você está mesmo se sentindo confortável aqui, né?

— Pode parar por aí, Jimin — Ela me repreende, sorrindo. — Eu já disse que estou bem físico e emocionalmente, então não quero que você fique se preocupando com isso. 

Sorrio, levando a mão a nuca. 

— Eu sei. Mas se alguma coisa te incomodar você pode me falar, ok?

Minjeong me lança um olhar que sugere que, se eu continuar com esse assunto por mais tempo, ela vai ficar mais do que feliz em me socar até eu perceber o quanto está tudo bem.

— Você está aqui comigo, não? Então está tudo bem — Ela sorri para mim, de um jeito fácil e travesso. De repente, entendo o que quis dizer.

Minhas mãos viajam sob seus braços, e eu me deito sobre o sofá, acolhendo-a contra meu corpo. Nossos rostos ficam tão perto que eu não sei dizer se nossos lábios estão se tocando ou não. Fico me perguntando se ela sabe todo o efeito que tem sobre mim. 

— Eu acho você linda — sussurro, mergulhando os dedos em seus cabelos. — E não me refiro exclusivamente a sua aparência. Estou falando da sua personalidade, inteligência, paixão pela arte. Acho isso lindo.

Ela não diz nada, apenas se aproxima e toma minha boca na sua. Abro seus lábios macios com os meus, permitindo que me beije com mais paixão, mais intensidade. Ela me leva a um lugar de pura emoção, afastando toda a tristeza e substituindo-a por paz

— Fiquei com tanto medo que quisesse se afastar — ela sussurra. Respiramos juntas, em harmonia. — Porque quero que faça parte da minha vida, Jimin. Sinto que nos conhecemos por essa razão. 

— Confesso que não imaginei ser capaz de viver algo assim outra vez, mas a verdade é que a cada minuto que passamos juntas eu me apaixono mais por você. 

O olhar de admiração dela é lindo. É como se ela estivesse pensando a mesma coisa sobre mim.

— Me conta os detalhes entediantes — peço, ajeitando-me no sofá para que ela fique mais confortável. — As coisas que fariam a maioria das pessoas dormir.

Minjeong arqueia uma sobrancelha.

— Os detalhes entediantes?

— Seu animal favorito, seu sorvete favorito. Você sabe, esses detalhes mundanos.

— Ah, tá. Meu animal favorito são cachorros. É… — Ela franze a testa, imersa em pensamentos. — Meu sorvete preferido é aquele com pedaços de biscoito e chocolate. Não me pergunte se já comi um pote inteiro de uma só vez, você não vai querer saber a resposta. 

— Também amo cachorros e estou pensando em adotar um — confesso sorrindo. — O que mais? Do que mais você gosta? Qual sua estação do ano favorita, seu café da manhã favorito?

— Eu adoro o inverno, mas minha estação do ano favorita é o outono. É quando acho que crio minhas melhores telas, durante o cair das folhas. E se você colocar um prato de panquecas com frutas na minha frente, eu provavelmente vou ter um orgasmo só de olhar.

Dou uma risada e traço a palma da sua mão com os dedos. 

— Essa foi a coisa mais safada que já ouvi você dizer — murmuro.

— O quê? Orgasmo? — Ela pergunta mordendo o lábio inferior.

— Não. Pintar no outono. — Levo um tapinha de leve, mas isso só me faz rir mais. — Minjeong? 

— Sim? 

— Vem comigo. 

[…]

Damos a volta até o quintal da casa e vejo Minjeong suspirar com a vista. O sol brilha acima do lago. Ela anda pela doca e passa os dedos na água.

— É lindo — fala, olhando o horizonte. Então senta na beira do cais e tira os tênis e as meias.

Seus dedos deslizam pela água, criando pequenas ondulações.

— É — digo me aproximando e sentando ao seu lado. 

Tirando os sapatos e as meias, puxo a calça e coloco os pés na água também, sentindo o frio em minha pele. Nós duas balançamos nossos pés para trás e para a frente, fazendo ondas grandes.

— Andei pensando em algumas coisas… — Digo, inalando o aroma fresco de fim de inverno à beira do lago. — Não nos conhecemos há muito tempo, mas ambas já vivenciais situações que valem por uma vida. E bem… — Me afasto e puxo uma caixinha azul-marinho do bolso da minha calça. — Comprei uma coisa para você. 

Minjeong apenas me observa com um olhar intenso. 

— Sei que vai parecer um estereótipo — digo, mostrando a ela um anel semelhante no meu dedo —, mas no momento não me importo. — Sorrio enquanto deslizo o anel no seu dedo anelar direito. — Quando usado assim, significa que você está em um relacionamento. Vou entender se você não quiser usá-lo, mas isso não muda o fato de que quero tornar nosso namoro algo oficial. 

Minjeong me encara, seus olhar ainda mais intenso e expressivo. 

— Acho que este é o momento em que eu deveria revelar o quanto estou apaixonada por você — ela diz, sorrindo. — Mas acredito que isso não é mais segredo para nenhuma de nós duas. 

— Sério? — Levo a mão ao queixo, fingindo pensar sobre o assunto. — Eu realmente não me lembro. 

Ela revira os olhos antes de se inclinar e beijar meus lábios, depois me olha, e seu olhar é capaz de comunicar palavras suficientes para um livro inteiro.

— Então está tudo bem por você? — Pergunto, em voz baixa.

Um sorriso adorável se abre em seu rosto. Ela joga um pouco de água em mim.

— Não seja boba. Está tudo perfeito.

Chega a ser engraçado a forma como simples palavras tem a capacidade de me fazer sentir uma onda de felicidade tão intensa. Ela se aproxima de mim, nossas pernas entrelaçadas.

Ficamos em silêncio por um tempo, observando a vista. Minjeong recosta a cabeça em meu ombro e segura minha mão antes de perguntar:

— Você realmente gostou das telas que te mostrei da última vez? — A uma fragilidade em sua voz. 

— É uma pergunta séria? 

Ela me encara e sorri de forma tímida. 

— Bem, sim. Sua opinião é uma das que mais me importam. 

Isso me deixa momentaneamente paralisada.

— Eu sei que já disse isso, mas você tem talento, Minjeong. — Digo, tocando o rosto dela. — Você trasborda paixão quando pinta. Suas telas tem gentileza e suavidade, mas também tem… intensidade. E eu me sinto privilegiada por poder apreciar tudo isso de perto. 

— Assim você me deixa sem palavras — ela sussurra, sorrindo. 

— Isso é muito bom, não? — Brinco, mordiscando seu lábio inferior. Seu corpo responde de forma imediata ao meu toque. Suas mãos pousam em meus ombros, e eu a beijo de forma suave.

— Eu vi a sua reação enquanto observava minhas telas. Vi como sentiu a intensidade na arte e percebi o seus sentimentos. Você ainda mantém o mesmo pensamento sobre voltar a pintar?

— Como você sabe, não crio nada desde… — Faço uma pausa, olhando fixamente para o lago. — Bem, tenho repensado essa possibilidade, mas ainda estou tentando encontrar o caminho certo.

Fico em silêncio por alguns instantes.

— Me conta como aconteceu a lesão no seu braço — Ela sussurra, segurando meu rosto com a mão e obrigando-me a encará-la. 

— Essa é uma conversa desagradável para um lugar tão lindo.

— Tenho certeza de que ele vai entender.

O ambiente fica em silêncio. Minjeong olha para mim, e eu, para ela. Coloco uma mecha de cabelo atrás da sua orelha.

— Era um dia como outro qualquer. Eu tinha marcado de encontrar com Somi no estúdio para finalizar algumas telas. Só não imaginava o que me aguradava lá — Enquanto falo, as lembranças vão ressurgindo em minha mente. E me obrigo a manter a calma. — O ex namorado de Somi nunca aceitou o fato de ser "trocado por uma garota", então você deve imaginar que tivemos alguns problemas com ele. 

Minjeong fica em silêncio, mas segura minha mão, entrelaçando nossos dedos. 

— Cheguei no estúdio bem na hora que ele atirou nela. Vi o corpo de somi escorregar e cair no chão, vi o sangue na parede. Vi o olhar de pânico no rosto do desgraçado ao olhar para mim.

Desvio o olhar para o lago, puxando a gola da minha camisa, porque tenho a sensação de que ela está me sufocando. Não importa quanto tempo passe, contar essa história nem sempre é fácil. 

Acho que Minjeong percebe meu desconforto, porque ela envolve os braços em minhas costas e me puxa para um abraço.

Enterro o rosto em seus cabelos e retribuo o seu gesto.

— Avancei na direção dele assim que meus olhos registraram o que tinha acontecido. — Continuo, disposta a me abrir um pouco mais. — Ele era maior que eu, mas eu não me importei. Minhas mãos voaram para o rosto dele, e eu o soquei sem parar. Vi que ele estava armado, mas não parei de bater. Foi então que eu escutei o disparo… 

— Jimin… — ela murmura. 

Fico em silêncio por um momento. Minha garganta está seca e áspera. Ela me abraça com mais força. 

— Eu caí para trás, lutando contra a dor e a agonia, pensei que ele fosse acabar comigo ali mesmo. Mas ele apenas me lançou o mesmo olhar de pânico de antes, então saiu correndo.

Minjeong fica em silêncio por um tempo, apenas deslizando os dedos de forma suave por meus cabelos. E eu me permito fechar os olhos e apreciar esse breve momento de calmaria. 

Quando me afasto para encará-la, vejo que seus olhos se encheram de tristeza pela minha vida. 

— Como se supera algo assim? — Ela pergunta, passando os dedos em meu rosto. 

Respiro fundo e dou de ombros.

— Fácil. Não se supera.

— Desculpa — ela murmura. — Eu sei que esse assunto é delicado para você e mesmo assim insisti para que me contasse. 

Balanço a cabeça.

— Você precisava saber — digo, enlaçando sua cintura com os braços. — Eu só não gosto de falar sobre isso. Não quero ficar relembrando o que aconteceu. Quero seguir em frente. 

— E eu vou estar aqui para te apoiar. 

São apenas palavras. Mas são tão poderosas. Palavras que dizem muito sobre o relacionamento que estou construindo com ela. Palavras que me fazem ter esperança. 

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