18


Winter's pov:

"O ar parece pesado. Minha mente se sente perdida. Por favor, diga que não estamos prestes a perder tudo."

Às 9hrs estou quase dormindo no consultório da dra. Moon. Depois de uma péssima noite de sono, acredito que isso seja no mínimo esperado. Mas acho que dormi um pouco, porque, assim que abri os olhos, a lembrança da noite anterior me assaltou como uma sombra a passar pelo quarto.

Será que eu estraguei tudo? E se Jimin se afastar?

Esse pensamento me enche de… o que, exatamente?

Não sei como vão ficar as coisas entre a gente a partir de agora. Não sei… Não sei nem se Jimin e eu temos chance de ter alguma coisa. Estou com medo de que o beijo em frente ao prédio onde moro tenha sido o último que vou receber dela. Com medo de… ter esperança.

Por muito tempo, não me permiti ter esperança. Esperança não era algo para alguém com um coração com os dias contados. 

Agora estou com medo de… ter esperança. Que tristeza…

— Ainda estou surpresa que sua tia não quis te acompanhar — A dra. Moon diz, entrando em seu consultório. 

A dra. Moon Byul-yi é uma cardiologista especializada em casos raros e membro da equipe de transplantes. Ficou responsável pelo meu caso desde o início e mesmo depois da transferência para Seul ainda viajava para Busan sempre que solicitada. Então não tive dúvidas a quem recorrer para minhas avaliações mensais. 

— Ela tem uma reunião hoje pela manhã, mas combinamos de almoçar juntas — digo, fechando o avental descartável.

— Como você está? — Ela pergunta. Então puxa uma cadeira até a lateral da mesa de exames e se senta.

A dra. Moon é uma mulher atraente. Veste uma camisa social feito sob medida e jeans escuros que lhe caem muito bem. Seus longos cabelos ruivos arrematam o visual perfeito. 

— Tudo bem, eu acho — respondo.

Vejo o instante em que sua expressão se torna mais séria.

— O que está havendo?

A dra. Moon é sem duvidas a melhor médica que eu já conheci. Não importa o tempo que passe ela sempre parece realmente feliz por me ver. Nunca está com pressa. E não fala apenas da minha saúde. Fala da minha vida.

Provavelmente porque ela a salvou.

— Estou esperando, Minjeong. — Ela levanta uma sobrancelha.

Engulo em seco.

— No início da semana passei por uma situação estressante e, em seguida, quando medi a pressão, estava alta.

— Quanto estava? — Ela pergunta.

— Quinze a máxima e nove a mínima.

Ela me lança aquele olhar que já vi em seu rosto tantas vezes desde que nos conhecemos. Como na época em que eu entrava no consultório sem fôlego. Ou quando voltei ao consultório com febre, depois de uma complicação com o tratamento.

— É alta mesmo. Esteve assim nos últimos dias? — Ela pega o aparelho de pressão no bolso do jaleco branco.

— Apenas uma vez, mas depois normalizou.

— Você mediu a pressão de novo?

— Estava um pouco mais baixa, mas ainda alta. Então, quando tirei a pressão nos dias seguintes estava normal.

Ela fica em silêncio enquanto verifica minha pressão sanguínea.

— Está tudo bem agora. Sua circulação também está normal. Foi provavelmente o estresse que causou essa alteração.

— Foi que eu pensei. — Digo, sorrindo. Embora estivesse bem preocupada com isso. 

— Estou surpresa que Yongsun não tenha me ligado.

Desvio o olhar, cheia de culpa.

— Não contei a ela. Eu… Você sabe como minha tia é. Ia ficar extremamente preocupada.

Ela me encara com uma expressão séria, lembrando o modo como a minha mãe olhava para mim às vezes.

— Melhor ela se preocupar do que não saber o que está acontecendo, Minjeong.

— Se tivesse continuado alta, eu teria contado a ela.

— Nenhum outro sintoma? Palpitação? Dificuldade para respirar? Aperto no peito?

Senti muito aperto no peito, mas…

— Nenhum que não tivesse relacionado aos últimos acontecimentos. 

A dra. Moon fica pensativa por alguns instantes.

— Certo, mas se a sua pressão arterial subir mais uma vez, você me liga.

— Prometo.

Seus olhos se suavizam um pouco e ela inclina a cabeça na minha direção. Vejo o exato momento em que um sorriso volta aos seus lábios. 

— Como está sendo seu trabalho na galeria? — Ela pergunta. 

— Uma das melhores experiências que eu poderia querer na vida. Acho que meu trabalho e a faculdade são as únicas certezas que eu tenho no momento. 

— Por quê?

Inspiro o ar frio do consultório para impedir que minhas emoções venham a tona. Se eu deixar que veja uma fração do que está acontecendo dentro de mim, a dra. Moon vai ficar ainda mais preocupada. E não quero que ela entre em contato com minha tia por conta disso. Então não posso simplesmente desmoronar na frente dela. 

— Tenho me sentido meio perdida ultimamente. Como se não soubesse o que fazer em algumas situações da minha vida. 

— O que você está sentindo é compreensível. Você passou por algo bem desgastante no último ano. É normal que leve um tempo para se reabilitar. Apenas siga o caminho que você quer trilhar. 

— Eu ainda não descobri se estou no caminho certo.

— Você vai descobrir. — As palavras dela transmitem confiança.

Eu me lembro de fazer uma pergunta. Abro o avental descartável.

— Quanto tempo demora para isso desaparecer?

— Demora cerca de nove meses para ela parecer menos inflamada. Algumas demoram um ano. Você está usando o creme que indiquei, não está?

— Estou.

Ela me analisa e tenho a nítida impressão de que sabe exatamente o que estou pensando.

— Você conheceu alguma garota nesse meio tempo que não nos vemos? 

Sim, ela com certeza sabe o que estou pensando. E não sei se adoro o fato de que tenha essa capacidade. Quer dizer, por um lado acho que diz muito sobre ela o fato de me conhecer tão bem. Por outro… fica difícil esconder alguma coisa dela. E é exatamente por isso que decido confessar um pouco mais. 

— As coisas não são tão simples assim. — Antes de pensar, acrescento: — Mas eu queria que fossem. — Não sei por que fui dizer isso, acho que para desabafar. Ou talvez porque esteja realmente apaixonada por Jimin.

Ela sorri. Eu não.

— Ainda não sei se a gente vai conseguir seguir em frente com o que temos.

— Por que não?

— Porque descobri que nossos destinos estão ligados de uma forma que nenhuma de nós podíamos prever. 

Quando ela parece não entender, eu acrescento:

— Ela era a namorada da garota que me doou o coração…

Fico observando a reação dela por um instante; ela parece quase horrorizada com o que acabou de descobrir. A dra. Moon passa a mão no rosto, recostando-se na cadeira. Fico parada, esperando que absorva essa informação. 

— Minjeong, então você… — Sua mão forma um punho e ela o bate repetidas vezes na boca. — Você está saindo com a Jimin.

Ouvir isso não me surpreende nenhum pouco. A dra. Moon foi responsável pela cirurgia que salvou minha vida, natural que tenha conhecimento sobre a família da doadora. 

Respirando fundo, cruzo os braços, chateada e irritada com a situação. Eu não posso chorar na frente dela, então vou ficar neutra na frente dela.

— Pois é. — Digo quase num sussuro. — A gente se conheceu na galeria e a coisa simplesmente aconteceu. Ninguém só não imaginava uma coincidência dolorosa como essa. 

— Vocês duas já conversaram sobre isso?

— Não exatamente… E mesmo se fizermos isso… — Eu coloco a mão no peito e recomeço. — Estou com o coração de alguém que foi extremamente importante para ela e acho que isso vai se transformar em um problema. 

A dra. Moon descruza as pernas e alinha os ombros, o que a faz parecer mais alta. Minha vontade é engolir de volta as palavras. Em vez de olhar para o rosto dela, desvio o olhar para o crachá com o nome dela, no jaleco branco.

— Eu não acreditaria nisso — ela diz, com firmeza. — Escute, eu não conheço Jimin muito bem, mas se o relacionamento de vocês estava dando certo, ela só pode ser uma garota legal. Talvez ela só precise de um tempo. Uma novidade como essa não é fácil de assimilar. 

— É… talvez você tenha razão…

Pegando o estetoscópio, ela dispara:

— Ela é linda, não é? 

— Você gosta de mulheres mais novas? — Pergunto sorrindo.

Ela dá risada. 

— Depende… Se for bonita. 

— Sim. Ela é.

Ela escuta meu coração. Me pergunto se ainda devo ficar pensando em Jimin. Faço o exercício de respirar fundo, segurar a respiração e depois respirar normalmente.

— Parece que está tudo bem.

Assinto com a cabeça.

— Seus pais já conseguem lidar melhor em relação à sua faculdade? 

Respiro fundo. Não que eu não tenha pensado nisso desde que mudei para Seul. Mas, quando esse assunto aparece, é como se a minha mente se recusasse a funcionar.

Percebo que ela está esperando uma resposta.

— Eu já tinha começado a cursar Artes Plásticas antes de ficar doente. Tanto a minha mãe quanto meu pai se formaram em administração. 

— Deixe-me adivinhar. Eles continuam com a ideia fixa de que você está perdendo tempo e que precisa cursar algo que garanta estabilidade financeira. 

Adivinhou. Talvez ela me conheça melhor do que eu mesma.

— Estava pensando em convidar eles para vir a Seul quando eu conseguisse me estabelecer.

— Estava?

— Eu… — Não sei o que dizer, mas de repente me vejo falando: — Vivi um dia por vez durante muito tempo. Depois passei a viver uma semana por vez. Não cheguei ainda aos meses, muito menos aos anos.

A dra. Moon se aproxima e coloca uma mão reconfortante em meu ombro.

— Entenda uma coisa muito importante: meu trabalho é garantir que você pense em anos. O seu é planejá-los.

A emoção faz surgir um nó em minha garganta. Não sei nem mesmo por quê. Não penso mais em morrer. Ou será que penso? Talvez eu simplesmente não consiga mais esquecer o que é ver os sonhos… naufragando, porque não há mais tempo para concretizá-los. Porque a droga de um vírus estranho roubou a sua vida e fez com que ela chegasse a um ponto em que seus sonhos nem tinham mais importância.

— Vou tentar, mas acho que meus pais, principalmente minha mãe, não está muito interessada em falar sobre a minha vida ainda.

— Você tem toda a vida pela frente, Minjeong. — Ela diz, segurando minha mão. — Faça planos. Depois, arregace as mangas e vá atrás do que quer. Sonhe grande. São pessoas como você que vão fazer diferença neste mundo.

— Você daria uma ótima conselheira.

— Talvez eu tenha sido uma em outra vida… – ela diz, brincando.

Eu sorrio. A emoção agita meu peito. A minha emoção. Minha. Posso sentir a diferença entre esta e a emoção que senti nos últimos dias.

[…]

Enquanto caminho pelos corredores do hospital fico imaginando o quanto minhas emoções ainda vão aguentar de provação. Vou até o jardim na lateral do prédio enquanto procuro meu celular na bolsa. Tiro-o e mando uma mensagem para Yongsun avisando que vou encontrá-la no restaurante para almoçamos juntas. Então aproveito o clima mais ameno e me sento num dos bancos que tem ali.

Fico repensando sem parar todos os acontecimentos da última semana. Como é que passei tanto tempo com Jimin e não descobri esse detalhe? Ou, melhor ainda, como é que no meio de tanta conversa, não achei que seria interessante mencionar o transplante? Tinha contado tantas coisas sobre mim mesma. 

Olho para o céu levemente ensolarado,  tentando ao máximo lidar com minhas emoções. Tenho ficado expert nisso. Até dois anos atrás, mal tinha motivos para chorar. A minha vida em Busan era simples, mas agradável. Depois da insuficiência cardíaca, meu mundo sofreu uma grande reviravolta. Chorei muito nas primeiras semanas, mas então parei, porque não queria preocupar ainda mais meus pais. 

Mas não é tão simples assim.

Um movimento ao meu lado me faz voltar à realidade. Quero ignorar. Não quero ver ninguém, muito menos falar. Me viro e vejo uma pessoa parada ao meu lado; Jimin. 

— Como me encontrou aqui? — Pergunto confusa. De todos os momentos mais delicados da história, eu só posso estar vivendo o pior de todos os tempos.

— Como você não respondia minhas mensagens, eu liguei para sua tia. Ela disse que você tinha uma consulta no Seul Hospital hoje. — Jimin desliza seu polegar sobre a ponte do nariz. — Eu precisava te ver, Minjeong. 

— O que você está fazendo? — sussurro.

— Eu não sei — Ela responde, sentando-se ao meu lado. — Não sei nem o que tudo isso significa. 

Passo as mãos nos cabelos.

— Estou muito confusa. 

Fico em silêncio, tentando lutar contra as lágrimas.

Jimin percebe a emoção, e sua mão se move sobre o banco, encontrando a minha. Seu toque me envia ondas de calor pelos meus dedos.

— Sinto muito que tenha passado por tudo isso.

Suspiro.

— Me responde, você me odeia? 

Ela balança a cabeça e desliza algumas mechas do meu cabelo para trás da minha orelha. Arqueio uma sobrancelha, e ela abre um singelo sorriso. A naturalidade com que se aproxima é muito bem-vinda nesse momento.

— Por que eu odiaria você?

— Porque estou viva e Somi não. — Digo, desviando o olhar. 

— Você ter recebido o coração dela não tem nada a ver com o fato de ela ter morrido, Minjeong. — A sinceridade é evidente em seu tom de voz.

Jimin segura meu queixo com a mão, obrigando-me a encará-la. Nossos olhares se encontram e eu vejo uma ligação tão grande entre nós que me assusto. Ela está me despertando depois de eu ter estado adormecida por tanto tempo.

— Não há ninguém neste mundo que eu gostaria mais que tivesse ficado com o coração da Somi. 

Não sei por quê, mas sinto vontade de chorar quando ela diz isso. Porque eu sei todo o significado por trás dessas palavras. Abaixo a cabeça e tento evitar que as lágrimas se acumulem nos meus olhos novamente, mas não adianta.

— Não sei o que eu poderia dizer nesse momento…

— Você não precisa dizer nada. — Jimin sussurra. 

Seu rosto se suaviza, e quando ela olha para mim, sinto meu coração incendiar.  Tudo o que eu quero é beijá-la. Quero beijá-la por que, mesmo se esse lance não der certo, estará tudo bem. Seus lábios tem o poder de me despertar pela eternidade. 

— Posso contar um segredo? 

— Pode. 

— Estou apaixonada por você, Jimin — Digo quase num sussurro. — Eu entendo que estamos passando por um momento delicado… E a última coisa que precisar saber é como me sinto. Enfim, não vou te pressionar a nada. Juro que não. Pode… levar o tempo que quiser, só isso.

Não sei como aconteceu, mas de alguma forma estamos mais próximas, tão próximas que eu consigo sentir o cheiro de seu perfume. Será que eu me aproximei ou foi ela? De qualquer maneira, nenhuma de nós vai se afastar. Respiro fundo e permito que o cheiro dela tome conta de mim, que me banhe em esperanças.

— Eu não preciso de tempo… Você é a única certeza que eu tenho, Minjeong — Jimin diz. Suas palavras são tão naturais que quase me fazem quebrar em vários pedaços. 

Coloco minhas mãos em seu peito e minha cabeça em seu ombro. Sinto suas mãos nas minhas costas me puxando ainda mais para perto. Ela apoia o queixo no topo da minha cabeça. Seus batimentos cardíacos são rítmicos contra meu peito. Amo o fato dela conseguir me transmitir paz sem precisar dizer nada.

Ergo o olhar para ela e passo meus dedos por seu rosto, então tomo seus lábios nos meus. 

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