11
Karina's pov:
"Não sei porque achei que deveria te afastar. Você é tudo em que consigo pensar."
Quando entro em casa encontro os cômodos vazios — minha mãe ainda deve estar na galeria. Subo até o quarto, vou direto para o banheiro e entro debaixo do chuveiro para tentar me livrar da névoa que cobre meus pensamentos.
A água morna finalmente flui, os arrepios passam e o vapor sobe. O vidro do box fica embaçado. A apreensão se desvanece e dá lugar a uma estranha calma. Pressiono a mão contra a porta. Quando a tiro dali, a condensação escorre. Minha impressão digital se torna nada além de uma mancha embaçada.
Penso em Minjeong. E lá está.
Eu já senti isso antes, e sei que é burrice, mas, nesse momento, sei o que estou sentindo pela garota que adora surgir em minha mente. A garota que tem segredos, mas que, mesmo assim, é tão forte. Eu não sei muita coisa sobre Minjeong, mas sei o que meu coração sente sempre que estamos juntas
— Pare com isso! — digo em voz alta.
Então saio do chuveiro, visto uma camisa larga e calça de moletom e me jogo na cama, tentando ignorar a dor no braço que hoje resolveu me incomodar. Tenho alguns medicamentos que auxiliam nessa questão, mas geralmente evito tomá-los.
Respiro fundo e olho para o teto. Eu quis tanto beijá-la antes de vir embora. Será que consigo fazer isso? Encontrar uma maneira de fazê-la se aconchegar em meus braços? Talvez até gostar de mim?
De repente, percebo uma coisa. Um detalhe, mas não tão pequeno assim.
Sento-me na cama. É a primeira vez que estou sozinha no meu quarto sem… sem sentir como se fosse me afogar na dor. Passei pela porta como se… como se talvez um dia pudesse retomar a minha própria vida.
Não consigo ainda. Tenho certeza de que isso não vai acontecer até que eu supere por completo o que aconteceu. Mas sinto que estou mais perto agora do que jamais estive.
E eu sei por quê
— É por sua causa Minjeong. Por sua causa.
Uma das coisas que eu percebi nesse tempo que estamos passando juntas é o jeito que os olhos dela brilham quando olha para mim, como se ela enxergasse a pessoa que eu realmente sou sem julgamentos.
Pego o celular, e penso em ligar para ela. Então fecho os olhos. Ela disse que a tia iria receber alguns amigos hoje à tarde, então deve estar ocupada. Além disso faz pouco tempo que nos vimos.
Desisto da ideia e enfim mando uma mensagem para Yeji, marcando um almoço no domingo. Depois me deito na cama e a⁷dormeço como uma pedra, tão pesadamente que, quando alguém bate a porta, acordo com um sobressalto.
— Karina? — Aeri diz, abrindo uma fresta da porta.
— Ei — respondo, meio sonolenta. Então gesticulo para que ela entre. — Tem muito tempo que você chegou em casa?
— Faz alguns minutos. Consegui a tarde de folga no hospital.
Ela encosta na parede e fica me observando. Está usando um suéter largo e jeans. Sua expressão parece cansada.
Imagino que com o aumento da carga horária de trabalho, sua rotina ande bem mais exaustiva do que antes. Mas já conversamos sobre isso e Aeri me garantiu que está tudo bem, pois faz o que ama. Então a única coisa que posso fazer é apoiá-la nessa fase da sua vida.
— Vem aqui — digo, me recostando nos travesseiros e batendo no espaço ao meu lado na cama.
Ela se aproxima e eu a aconchego em meu abraço. Aeri pode até se tornar a melhor especialista na sua área de atuação, mas isso nunca vai mudar o fato de que ela é a prima que está ao meu lado desde sempre.
— Suspeito que as coisas estão agitadas no Hospital — comento em seus cabelos.
— A diretora Kim está cogitando me promover a chefe do departamento de psiquiatria. — Ela diz, se afastando um pouco. — Foi sobre isso que conversamos na nossa última reunião.
— Mas você está bem com isso? Quer dizer, não está se sentindo pressionada a aceitar esse novo cargo, certo?
— Não, muito pelo contrário. Eu realmente estou animada com essa oportunidade. Faz pouco mais de dois anos que trabalho no Seul Hospital e ter um reconhecimento desse mesmo sendo tão nova é algo a se comemorar. Faz tudo valer a pena, sabe?
Sei exatamente o que está subentendido em suas palavras. Por conta do trabalho da sua mãe, Aeri já teve que escutar comentários sobre só estar nessa posição por ser filha de alguém influente. O que as pessoas não sabem é que Uchinaga Aeri teve que lidar ainda na adolescência com o fato de que o pai cometeu suicídio. Se hoje minha prima ocupa esse cargo no Seul Hospital foi por que dedicou a vida a evitar que mais pessoas tivessem que passar com algo desse nível na vida.
— Ningning tem falado com você sobre o trabalho que deve entregar como finalização do curso dela? — Pergunto, tentando manter a conversa numa margem agradável.
— Ela disse que apesar do seu gênio forte quando o assunto é arte, você tem a ajudado — Ela diz, sorrindo.
— Não há com o que se preocupar. Yizhuo tem aquele jeito todo extrovertido e brincalhão, mas no fundo é uma pessoa extremamente dedicada no que acredita. Até o próximo semestre ela vai ter uma tela exemplar para apresentar. — Faço uma pausa. — A propósito, como andam as coisas entre vocês?
— As coisas com Ningning estão indo muito bem. Nós realmente estamos… juntas.
Dou um sorriso singelo, então inclino-me para ela e sussurro:
— Enfim vocês acordaram, né?
Ela olha para o telhado e ignora minha provocação.
— Você está corando — digo, com um sorrisinho.
— Não seja ridícula, Karina — Ela sorri, dando um tapa no meu ombro. Então assume uma expressão mais séria. — E você, como está?
— Bem. Minha vida continua sendo a mesma de sempre.
Ela se senta, me encarando com olhos semicerrados.
— Estou falando sério, Jimin. Você é jovem, mas depois do que aconteceu, parece que perdeu toda a perspectiva. Pensei que o trabalho na galeria de alguma forma fosse te ajudar nesse processo, mas talvez estivesse enganada.
— Giselle, por favor…
— Sei que você não gosta de falar sobre isso — ela gentilmente me interrompe. — Mas eu me importo com você, não quero que continue seguindo por esse caminho.
— Eu estou bem — digo, fechando os olhos com força. — E por favor, não vamos levar a conversa por esse rumo.
Pela primeira vez na minha relação com minha querida prima me sinto um pouco desleal por querer evitar esse assunto. — Dentre todas as pessoas, Aeri é a única que sabe parcialmente o que aconteceu naquele dia. — Mas também não quero me irritar e descontar minhas frustações nela.
Ela passa uma mão por seu rosto.
— Tudo bem, mas você deveria ao menos sair um pouco mais. O que me lembra que não devia ter negado meu convite para a festa da fraternidade. Foi um evento bem agradável.
— Então, sobre isso… acho que você já pode respirar um pouco. Hoje pela manhã saí com uma pessoa.
Ela me lança um olhar surpreso.
— Isso é sério? — Pergunta. — Como ela conseguiu? Foi na base da ameaça? Talvez chantagem?
Respiro fundo e conto a ela como a coisa se desenrolou, omitindo alguns pequenos detalhes, claro.
— Eu definitivamente preciso conhecer essa garota. Tenho que parabenizá-la por ter conseguido tamanho feito.
— Certo, foi bom, mas…
— Não me venha com nenhum mas — Aeri diz. — Tentando ser otimista, vamos supor que as coisas continuem a funcionar entre vocês duas. Talvez surja algo bom de tudo isso, afinal.
Levando em conta o olhar exasperado de brincadeira no rosto dela, acho que perdi alguma coisa.
— Desculpe. O quê?
Ela da de ombros.
— Só estou dizendo. Essa Minjeong parece ser uma garota incrível, talentosa e…
— Nem comece, Aeri — digo a interrompendo.
Ela da uma risada e se joga na cama.
Mas a verdade é que minha prima talvez não esteja muito errada.
[…]
Chego ao Jungsik por volta do meio dia. Quando entro no restaurante, olho para a mesa dos fundos à qual sempre me sento e vejo Yeji lá com uma garrafa de vinho e duas taças. Ela está de cabeça baixa, vendo algo no celular. Vou até ela e toco de leve em seu ombro.
Ela ergue o olhar e abre um sorrisinho. Está extremamente elegante em seu blazer e calça social. Os cabelos antes escuros, agora estão ruivos. Mas o olhar felino… esse continua marcante como sempre.
— Oi — ela cumprimenta, indicando para que eu me sente. — Achei que nunca mais fôssemos nos ver. E então você me mandou mensagem e…
— Desculpe por isso. Eu sei que não facilitei esse encontro. Depois do que aconteceu, eu meio que comecei a afastar todas as pessoas que me lembravam Somi.
Yeji estende a mão e a pousa em meu braço.
— Acho que todos nós estamos fazendo o melhor que podemos, Jimin. Não seja tão dura com você mesma.
Mas como eu posso não ser? Depois de tudo o que ela fez por mim, nem sequer consigo me lembrar da última vez em que a vi, nem das últimas palavras que trocamos. Yeji dedicou seu tempo para me ajudar, e eu me afastei dela como se isso não significasse nada.
— Deixe o passado no seu devido lugar, Jimin. Você está ganhando uma nova chance. — Ela diz, pegando a garrafa de vinho e servindo duas taças.
— É acho que você tem razão.
— E como você está? — Ela desliza a taça na minha direção.
Aceito e dou de ombros.
— Estou bem.
— Sim, eu sei disso, mas, sendo sincera… você está bem de verdade?
Respiro fundo e giro o líquido no taça.
— Não faça perguntas para as quais já sabe a resposta.
— Você voltou a pintar?
Balanço a cabeça.
— Não.
— Essa é a coisa mais triste que já ouvi.
Há tantas coisas que eu quero dizer, mas ver esse semblante gentil em seu rosto faz com que eu me sinta desconfortável para expressar qualquer coisa. Sempre odiei o fato de deixar as pessoas a minha volta tristes pela minha situação. Mas quero perguntar um monte de coisas e contar tantas outras.
— Achei que Ryujin fosse vir — digo, sentindo minhas emoções à flor da pele. — Faz um bom tempo que também não a vejo.
— Ela ficou presa no trabalho, mas podemos marcar alguma coisa depois.
Assinto lentamente.
— E você, tem se aberto para relações sociais?
Franzo a testa, bebendo um gole do meu vinho.
— Aeri te contou alguma coisa?
— Não. — Ela diz com um sorriso singelo. — Acho que é você quem tem novidades para compartilhar. — Ela aperta meu braço mais uma vez. — Você pode conversar comigo, sabia?
Cruzo as pernas e pigarreio. Abro a boca para dizer alguma coisa, mas ela é mais rápida que eu.
— Como você a conheceu? — Ela pergunta.
Não sei se adoro ou odeio o fato de Yeji conseguir me ler tão bem. Quer dizer, por um lado acho que diz muito sobre ela o fato de ter esse talento nato. Por outro… não tem como esconder nada dessa garota. E é exatamente por isso que decido ser sincera com ela.
— Ela trabalha na galeria da minha mãe. Acabamos nos aproximando e por alguma razão me sinto bem com ela. Minjeong é… Hum… — As palavras morrem em minha boca quando percebo que Yeji está me encarando fixamente. — Ela é alguém que parece me entender sem que eu precise dizer nada.
Yeji uni as mãos e abre um sorrisinho.
— Isso é algo bom, não?
— Sim… é só que…
— Ainda não consegue se abrir verdadeiramente para outra pessoa? — Ela pergunta.
— Não, com ela é diferente — digo, evitando o seu olhar. — Fico me perguntando o rumo que isso pode levar. E se eu acabar machucando outra pessoa simplesmente por que não consigo me resolver?
— Você não tem como saber disso, Jimin. Mas essa sua preocupação inicial indica que talvez as coisas sejam diferentes dessa vez. Tudo o que você tem que fazer é continuar se permitindo.
Fico em silêncio.
— Quer se aprofundar nesse assunto? — Ela pergunta, assim como eu esperava.
— Não. — respondo.
Ela se debruça sobre a mesa e levanta uma sobrancelha.
— Quer ficar me ouvindo falar sobre o meu casamento enquanto almoçamos?
Sorrio e passo a mão nos cabelos.
— Quero.
Yeji abre um sorriso bobo e pega o celular para me mostrar as fotos das flores que ela e a noiva vem escolhendo, porque como era de se imaginar cada detalhe é infinitamente importante.
— Ryujin quer peônias amarelas, mas, como eu sou mais antiquada, quero rosas. Nada de rosas vermelhas, pensei em rosas alaranjadas e em arranjos com flores brancas. Então acabamos optando por fazer arranjos misturando todas as flores que nós duas escolhemos. — A expressão de felicidade no rosto dela é algo que eu não via há um bom tempo.
Nunca vi ninguém tão feliz assim com um casamento. Ryujin é uma garota de sorte por ter alguém como Yeji. Elas só vão se casar na primavera do ano seguinte, mas estão planejando tudo como se fosse para o próximo mês.
Ao ouvir tudo o que ela me fala, me sinto grata por ter uma folga da realidade. Às vezes, tudo que sua alma precisa para descansar é de vinho, flores e uma de suas melhores amigas, apesar de todas as nossas cicatrizes.
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