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Winter's pov:

"Bem, assim você perceberia... Assim como acabei percebendo... Que quando estamos juntas, tudo parece certo."

Acordo por volta das 7h55 no sábado, meu dia de folga. Ainda sonolenta eu me sento na cama e pego o termômetro na mesinha de cabeceira. Pressiono o botão e o coloco na boca, ainda lutando para despertar. 

Toda manhã e toda noite tenho a rotina habitual de checar minha temperatura e medir minha pressão. Quando o termômetro bipa, eu o tiro da boca. A temperatura está normal, então pego o aparelho de medir a pressão, ajeito-o no braço e aperto o botão. Quando ele bipa, verifico os números, anoto-os, levanto da cama e vou quase dormindo para o banheiro. 

Quando desço até a cozinha, encontro minha tia bebericando seu café enquanto olha alguma coisa no celular. 

— Bom dia — ela me cumprimenta. Eu a cumprimento com a cabeça e me sento à mesa.

Despejo água no copo, pego meus comprimidos e os engulo. Depois pego uma torrada sobre o balcão e volto para o meu quarto.

Minutos depois, paro em frente ao espelho e fico olhando para o meu reflexo. Apesar de não gostar muito de vestidos, acabo escolhendo um e o combino com um blazer. Hoje é o dia — devo encontrar Jimin no Yongsan Park e de lá vamos juntas até o museu. 

— Eu estou mesmo fazendo isso? — Murmuro, olhando para cima. Às vezes, eu me perco nas situações bem mais do que consigo descrever. Respiro fundo e olho diretamente para meus olhos refletidos no espelho. — Mantenha. A. Calma. 

— Você não precisa se preocupar — aconselha minha tia, entrando no meu quarto. — Tenho certeza que hoje as coisas vão correr muito bem. Relaxe, Winter, e divirta-se.

Sigo o conselho dela e paro de ficar me estressando muito.

Paro de me sabotar.

— Venha aqui, me deixe ajeitar o seu blazer. — Yongsun se aproxima e passa a mão pelas lapelas. Ela tem um grande sorriso nos lábios. Solta outra risada. Um riso profundo e feliz. Eu não tenho ideia do que é engraçado.

— O que foi? — Pergunto, encarando-a.

— Nada. É só que é tão bom ver você assim… normal.

Sorrio, entendendo. 

— Você acha que é exagero? 

Ela balança a cabeça.

— Acho que você está linda. Pode acreditar em mim, Jimin também vai gostar. Sei que dei aqueles alertas no início, mas depois do que aconteceu com ela não sabia se seria bom para você insistir nessa aproximação. Só que eu estava enganada, Minjeong. E conheço Jimin, sei que ela é uma boa pessoa. 

Dou um meio-sorriso enquanto ela termina o que está fazendo.

— Obrigada, tia.

— Imagina, garota.

Depois que pego meu casaco e saio de casa, fico esperando Jimin no lugar que sempre nos encontramos no parque. Não demora muito para que eu a aviste. Ela está com a mão enfiada no bolso da calça e se aproxima como se desfilasse numa passarela. Ela inteira é digna de uma passarela, mas o blazer azul marinho dá um toque especial. 

Conforme ela se aproxima, sinto meu coração acelerar dentro do peito. Hoje Jimin está especialmente linda. 

— Oi — ela cumprimenta com um dos seus sorrisos singelos. — Pronta para ir? Ah, conheço um café bem interessante que podemos visitar depois que sairmos do museu. Se você quiser claro. 

— Café? — Pergunto enquanto caminhamos pela calçada. 

— É, ele fica próximo a ponte Bampo. Então você pode ver o rio Han cortando Seul. 

— Sério? 

— Sim. E eles tem um cardápio bem diversificado. Acho que você vai gostar.

— Eu vou adorar. — Digo, sorrindo. 

[…]

Quando chegamos ao museu, fico surpresa ao descobrir que o atual diretor é amigo de Joohyun. O lugar é tão incrível quanto eu imaginava. Sinto vontade de ficar até a hora de fechar. Quero me esconder e ficar lá dentro mesmo depois que feche, para ficar diante dos quadros e me fundir completamente com eles. 

A arte é tudo que há de certo e de errado no mundo. A arte entende coisas que as palavras não são capazes expressar.

— É lindo — diz Jimin enquanto estamos sentadas, admirando uma das obras de Minjae Lee. — Greyed Rainbow. “Arco-íris acinzentado.”

O quadro em questão é a representação de um rosto feminino, uma mistura entre arte figurativa e abstrata que varia das cores preto, branco, cinza e prata até pequenos fios em tons de amarelo, verde, azul e vermelho.

— Ao contrário do que muitos podem pensar, Minjae Lee não frequentou grandes escolas de arte e nem teve formação acadêmica, sabia? Seu talento vem de longas horas de treino, e resultado de sua busca incansável de pesquisa no ramo da arte. 

— Agora entendo o que você quis dizer, Minjeong. É por isso que você ama mesclar o figurativo e o abstrato: primeiro, parece apenas uma confusão, depois você percebe que é de fato uma confusão, mas, ao mesmo tempo, não é. É um caos controlado.

— Sim. É exatamente isso! 

— Eu sempre segui um determinado padrão na hora de pintar. Sempre na minha zona de conforto. Mas estou percebendo que talvez fosse uma experiência única ter tentando criar algo sem propósito. Apenas deixar o pincel fluir naturalmente, como se tivesse vida própria e eu fosse uma mera espectadora. 

Olho para ela e não consigo parar de sorrir. Genial.

Jimin não me olha, mas continua encarando a obra de Lee.

— Gosto da sua maneira de pensar, Jimin.

— Eu tenho pensado em muitas coisas ultimamente — ela diz repentinamente, ainda olhando para a frente. — Tenho pensado muito sobre tudo o que aconteceu na minha vida. Depois fico mal por pensar nessas coisas e… Enfim, eu sinto que você também está passando por algumas coisas, e a última coisa de que você precisa neste momento é saber dos meus problemas pessoais porque não vai adiantar nada.

— Você pode conversar comigo, sabia… sobre suas questões pessoais, se precisar conversar com alguém. Não sei se você fala sobre isso, mas só queria que soubesse que, se precisar de alguém para desabafar, estou à disposição.

Ela respira fundo e passa a mão nos cabelos antes de se virar para mim.

— Obrigada, Minjeong. Eu não sei o que você tem, mas estar ao seu lado me faz bem. Sei que não devia dizer isso por alguns motivos, mas não me importo. Eu realmente gosto de estar com você.

Meu coração para, acelera e grita. Ela está em silêncio e depois diz:

— Espero que tenha gostado da visita ao museu. Desculpe se disse algo que te incomodou. 

Mas não tem nada me incomodando. Na verdade é o completo oposto. 

[…] 

Fico observando Jimin dirigir. Vejo o mundo passar pela janela enquanto minha mente recapitula tudo o que aconteceu nas últimas semanas. Algo me diz que a pessoa que eu conheci no meu primeiro dia na galeria não é sua verdadeira versão.

Sim, Jimin é uma pessoa reservada, mas eu também sei que por baixo de todo esse incômodo e isolamento, se esconde alguém gentil e atenciosa. Alguém que está em busca de algo familiar. Eu sei porque ela tem me mostrado frações disso a cada nova interação nossa. 

Quando entramos no café, me sinto no céu. O cheiro ali dentro é divino. Vamos até o balcão. O cardápio está na parede.

— O que você vai querer? — Ela pergunta.

— Não faço ideia. Mas se o gosto for tão bom quanto o cheiro, vai ser meu café favorito. — Dou uma olhada no lugar. — Este lugar é novo?

— Não, por quê?

— É que… me lembro de ter vindo nessa região depois que mudei para Seul. E não sei por que esse aroma delicioso nunca me trouxe aqui.

— Posso ajudá-las? – Uma mulher se aproxima do balcão; ela está sorrindo. – Srta Yoo, quanto tempo não a vejo!

Jimin a cumprimenta com um aceno de cabeça, mas ela está com uma expressão estranha. 

— Então… O que devo pedir?

Ela hesita por instante.

— Experimente o bolo trufado.

Pego o cardápio para me certificar de que a receita não tem nenhum ingrediente que esteja na minha lista de restrição alimentar. Quando vejo que não, olho para Jimin.

— É isso mesmo que vou pedir.

— O mesmo para você, srta. Yoo?

Levo a mão a minha bolsa, mas antes que eu pegue a carteira, Jimin segura minha mão.

— Eu pago.

Abro a boca sem saber muito bem o que dizer, então não consigo me conter:

— Não precisa. Isso não é bem um encontro…

No segundo em que falo, quero engolir as palavras. Porque eu gostaria muito que fosse um encontro. O que eu quero é que Jimin me corrija. Diga que é, sim, um encontro.

Observo a expressão dela, com esperança… na expectativa de que diga alguma coisa. Mas ela fica em silêncio e volta a olhar o cardápio.

— Lembro que a ideia de vir ao café foi minha, qual o problema de eu pagar seu pedido?

— Então pago na próxima. — Quando digo isso, ela olha para mim e sorri. Eu abro meu melhor sorriso. Então me dou conta de que estou mesmo ali. Com ela.

Nos conhecemos a apenas algumas semanas, mas nossos corações parecem discordar disso sempre que estamos juntas. Antes de conhecer Jimin, eu achava que a solidão era algo que eu sentiria para sempre. Então eu a encontrei e tudo mudou. Se eu pudesse escolher, gostaria de ficar com ela, mas a vida me ensinou que nem tudo é tão simples assim. 

— Você não disse o que queria beber. Então pensei em pedir dois cappuccinos, mas podemos pedir outra coisa.

— Eu não bebo café. 

— Você tem alguma questão com cafeína? — Ela pergunta. 

Penso em dizer a verdade, que não posso beber café porque ele pode afetar diretamente minha pressão sanguínea. Que isso pode desencadear problemas que eu não gostaria de enfrentar. Mas desisto.

Olho para baixo quando a encaro. Jimin ainda está me olhando como se esperasse uma resposta.

— Eu só não bebo café — digo. — Mas pode pedir o cappuccino para você. 

— Não, vou pedir dois sucos naturais. — Ela diz antes de virar para a atendente. A expressão em seu rosto afugenta qualquer consternação que estou sentindo.

Minutos depois um rapaz carregando uma bandeja se aproxima.

— Jimin. — Ele sorri. Está usando um crachá com o nome Seungmin. — Cheguei a pensar que você estivesse nos traindo e visitando o novo café da cidade. Não a vejo aqui há meses.

Jimin tem uma expressão perdida no rosto que eu não consigo decifrar.

— Ando ocupada. — Ela diz, parecendo indiferente. 

— Ah, claro. Você deve estar trabalhando muito no estúdio, né? — Seungmin sorri enquanto coloca nossos pedidos na mesa. — Diga a Somi que eu mandei um oi. Faz muito tempo que ela também não aparece por aqui. 

É quando entendo o olhar evasivo de Jimin. Seungmin não sabe que Somi morreu. E Jimin não quer dizer a ele. Meu coração aperta no peito por ela.

Os olhos castanhos de Jimin encontram os meus; então ela volta a olha para Seungmin.

— Claro. 

Ele assente antes de ir embora.

Olho para Jimin.

— Sinto muito.

— Eu deveria dizer a ele, mas… odeio… Estou cansada de fazer isso. Acontece o tempo todo. Acho que ninguém desta cidade lê jornais ou assiste a noticiários. – Sinto a dor na voz dela e meu peito se contrai ao vê-la assim.

Deve ser muito difícil para ela ter que repetir a mesma história o tempo todo.

— Está tudo bem. Vamos comer. — A expressão do rosto dela muda e sei que só tive um vislumbre do quanto ela não gosta de tocar nesse assunto.

Quero dizer alguma coisa, mas é como se as palavras não fossem suficiente, então pego uma fatia do meu bolo e o levo a boca. O sabor é maravilhoso. Tem um gosto ainda melhor do que o cheiro.

Ficamos ali conversando enquanto saboreávamos o bolo e tomávamos nossas bebidas. A conversa flui sem dificuldade. Jimin tem essa incrível facilidade de deixar o clima confortável sem esforço algum. Ela também tinha razão, eu realmente adorei o café. Não houve nenhum momento em que me senti desconfortável. Eu só me senti… bem. Foi bom me sentir assim.

Depois que saímos do café, caminhamos pelas ruas ladeadas de lojas de departamento chiques e arranha-céus ostentando o nome de grandes corporações. Nunca tive interesse em vivenciar Seul dessa forma. Mas para minha total surpresa, estou me divertindo.

Fico em silêncio quando Jimin para o carro na entrada do edifício onde moro. Mas ela já está abrindo a porta, então faço o mesmo. Saio do carro e vou para perto dela, imaginando que ela queira apenas se despedir. Em vez disso, ela está parada, com as mãos nos bolsos do casaco e olhando para mim.

— Bom, acho melhor eu entrar — Digo, levando uma mecha de cabelo para trás da orelha. — Não quero te prender aqui por muito mais tempo. Mas adorei o dia de hoje. 

Eu meio que fico esperando ela dizer alguma coisa, mas ela só fica parada, olhando para mim com aqueles olhos castanhos intensos.

— Aconteceu alguma coisa? — Pergunto, nervosa.

Ela dá um passo na minha direção e segura suavemente meu queixo com a mão. Fico chocada com minha própria reação. O mínimo toque e os gestos mais simples afetam meus sentidos de uma maneira intensa demais. Ela observa meu rosto por alguns segundos enquanto meu coração acelera no peito. 

Tento acalmar minha respiração enquanto olho para ela. Jimin dá mais um passo para a frente, tira a mão do meu queixo e coloca na parte de trás do meu pescoço, aproximando minha cabeça da dela. Seus lábios encostam delicadamente na minha testa e ficam alguns segundos até ela soltar a mão e se afastar.

— Obrigada — diz.

— Pelo quê?

— Por estar aqui. Eu realmente precisava estar com alguém hoje. 

Ela olha para mim com uma doçura que afugenta qualquer pensamento que eu possa ter. Fico ali imóvel, tentando assimilar que eu acabei de vivenciar o beijo mais apaixonado que já recebi de uma garota.

— Bom, agora preciso ir. — Ela diz. — Foi um prazer ser sua companhia hoje. 

Jimin sorri antes de se virar e caminhar em direção ao seu carro. Eu me encosto na parede, e olho na direção dela, sentindo um emaranhado de emoções.

[…]

Quando entro no apartamento, minha tia me pede para ajudá-la na cozinha. Ela vai receber alguns amigos hoje à noite. Não acho que ela realmente precise de ajuda. Só quer fazer perguntas sobre Jimin.

Mas eu não quero responder agora. Tenho muitas coisas em que pensar.

— Se divertiu? — Ela pergunta.

— Sim. — E é verdade. Só preciso de tempo para refletir sobre tudo.

— Achei que Jimin fosse subir.

— Não comece… Hoje foi um dia bem tranquilo e não aconteceu nada demais. 

— Se você está dizendo… — ela fala, com um sorriso cheio de suspeita.

Acabo de encher a lava-louças e aperto o botão de ligar. Depois fico na frente da pia e olho pela janela. Para a neve fina caindo lá fora.

Eu lembro que ela não falou nada sobre o meu comentário a respeito de não estarmos num encontro. Lembro-me de tudo o que aconteceu nesse dia. Meu coração ameaça dar saltos mortais dentro do peito quando lembro das coisas que me disse. Tenho que me repreender mentalmente enquanto me forço a encarar nada em específico. É melhor não tirar conclusões precipitadas.

— Vou subir para o meu quarto agora, ok?

— Tudo bem. — Minha tia sorri. — Vou estar por aqui se quiser conversar. – Ela fala naquele tom de quem diz “desembucha”; sei que espera explicações.

Não quero explicar nada. Na verdade, não posso. Não só estou reflexiva, como… caramba! Estou mais confusa do que nunca!

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