09
Karina's pov:
"Me diga, você é mesmo real? Ou meu coração triste e sombrio a criou porque precisa de um pouco de cor?"
Depois de deixar Minjeong em casa, me pego fazendo um trajeto há muito tempo esquecido. Paro o carro em frente de uma grande área comercial com uma fachada de madeira bem conservada e pé direito alto. Letreiros assinalam a presença de um café, um ateliê de costura, uma academia de dança e o local onde o pior momento da minha vida aconteceu: o estúdio de arte K.
Esfrego meus braços e fico olhando fixamente para a entrada.
Eu preciso seguir em frente. Eu quero seguir em frente. Mas, como esperado, vir aqui faz minha mente ser inundada por lembranças.
O socorro não demorou a chegar, mas de alguma forma eu sabia que já era tarde para Somi. Seu sangue ainda estava vivo em minhas mãos, mesclado-se com o meu. Jace havia fugido. Se me perguntassem eu diria que era sacanagem. Ele tinha acabado de tomar tudo de mim, e estava livre.
Uma pessoa disse alguma coisa, mas não tenho certeza se estava falando comigo. Meus olhos estava abertos, mas também não conseguia visualizar nada em específico. Eu tentei mover meu braço, mas havia uma violação em algum ponto de conexão, eu não conseguia me mover.
Aeri se aproximou enquanto os paramédicos tentavam me imobilizar. Ela estava chorando. Nunca na minha vida tinha visto minha prima chorar, nem mesmo quando seu pai tirou a própria vida.
— Vamos encontrá-lo, Karina. Juro por Deus, ele vai pagar pelo que fez.
Tentei tocar seu rosto, e ela agarrou minha mão.
— Sinto muito… — murmurou, antes de se obrigada a se afastar de mim, parecendo confusa.
Minha visão começou a ficar turva, ruídos pareceram me envolver de todas as direções. Ruídos de coisas sendo movidas, de pessoas falando.
Movendo a cabeça para o lado, vi minha mãe conversando com um oficial. Ela parece arrasada, tão diferente de como é naturalmente. E quando seus olhos encontraram os meus, eu soube ali naquele instante que minha vida nunca mais seria a mesma.
Lembranças são assustadoras, a maneira como conseguem nos afetar com nossos próprios pensamentos.
Respiro fundo e dou partida no carro.
Eu não permiti que meu cérebro processasse o que aconteceu ali — ainda estava um pouco em estado de choque com a morte da minha namorada e com o fato de que teria que largar a arte por um tempo. Não importa quanto tempo passe, não importa quantas vezes eu tente entrar ali, as lembranças não permitem.
Eu nunca converso abertamente sobre isso, porque sinto que ninguém vai entender. Isso até Minjeong aparecer.
Confesso que quando a conheci, não senti nenhuma necessidade de me aproximar. Mas depois dos últimos dias, as coisas estão diferentes. Ela entende como me sinto — perdida, sozinha. Percebi isso cada vez que ela me encarou com aqueles doces olhos castanhos.
Então quando me falou sobre encarar a morte, eu enxerguei a tristeza que se esconde em seu sorriso. Ela passou por alguma situação difícil na vida, e eu vi que isso ainda se faz presente em sua mente — da mesma forma que minhas lembranças insistem em aparecer. E nada nem ninguém pode impedir que isso aconteça.
Uma parte de mim acha que eu mereço o sofrimento. Mas juro que não consigo acreditar que aquela garota tenha merecido passar por algo tão ruim na vida. E por mais que eu diga a mim mesma para não me importar. Que a vida pessoal de Minjeong não tem nada a ver comigo. No fundo eu realmente quero saber o que aconteceu, quero fazê-la sorrir sem aquelas curvas de tristeza nos lábios.
[…]
Quando estou entrando em casa escuto vozes vindas da sala de estar. Minha mãe quase nunca recebe visitas, exceto por uma rara exceção. Caminho até lá apenas para confirmar que Seulgi, uma amiga da época da faculdade e minha ex professora, lhe faz companhia hoje à noite.
Kang Seulgi é uma mulher elegante em todos os aspectos. Com seus longos cabelos castanhos e olhar marcante, ela desperta interesse por onde passa. Atualmente ela é professora do curso de artes na KArts e conta com um currículo altamente qualificado. Nas horas vagas, no entanto, adora vir testar a paciência da minha mãe.
— Eu quero você longe das obras expostas na minha galeria — repreende Joohyun em um tom leve.
É disso que estou falando.
Minha mãe se vira para mim com um olhar confuso quando nota minha presença. Então coloca sua taça de vinho sobre a mesa de centro e pede para que eu me aproxime.
— Desculpe incomodar, mas é que acabei de chegar. — Digo antes de cumprimentar Seulgi com um aceno de cabeça.
— Na verdade, você chegou em boa hora, Jimin — ela pisca os olhos e um sorriso malicioso surge no seu rosto. — Ajude-me a convencer sua mãe de que posso chefiar o próximo projeto de restauração da galeria.
— Seulgi, se você for insistir nisso é melhor sair da minha casa.
— Estou falando sério, Joohyun. Eu sei o tipo de trabalho que você faz e por isso sei das vantagens ao me envolver nisso. Imagine o quanto pode ser benéfico para nós duas um acordo desse nível.
— Vocês ainda estão debatendo sobre isso? — Pergunto. Minha mãe e Seulgi estão nessa há séculos.
— Claro, porque tem alguém aqui nessa sala que não aceita um não como resposta — diz minha mãe com um sorriso irônico. — E parece que ela é incapaz de resolver essa situação sem precisar da ajuda da minha filha, sabe?
O sorriso de Seulgi continua intacto em seu rosto. Ela bebe um gole do seu vinho antes de olhar para mim.
— Sua mãe não mudou nada desde a faculdade. Continua me dizendo não sem a menor consideração.
— Tá bom, tá bom — diz minha mãe, soltando uma risadinha. — Não precisamos levar a conversa para esse rumo.
Seulgi da de ombro enquanto minha mãe se volta para mim.
— Você precisa de alguma coisa?
— Não, eu só passei para dar um oi. — Respondo antes de acenar para elas e subir para o meu quarto.
Me jogo na cama e fico olhando para o teto, tentando parecer indiferente ao turbilhão de pensamentos em minha mente.
[…]
Na manhã seguinte, Ningning faz questão de passar um tempo na galeria com a desculpa de que precisa da minha ajuda com seu trabalho final da faculdade. Mas na verdade ela tirou o dia para me provocar.
A cada dia que passa eu tenho mais certeza de que ela e Aeri se completam, porque são praticamente o oposto uma da outra. Aeri é mais centrada e reservada, uma gentil psicóloga. Yzhuo, ao contrário, é sempre tão agitada.
— Acho melhor você acordar pra vida, Karina — Ningning diz cruzando os braços. — Parece que um dos estagiários está super a fim dela. O que é ruim para ele, porque vai sofrer uma desilusão amorosa.
Olho para o laboratório de pesquisas, onde Minjeong e Jaehyun estão conversando. Ele coloca a mão no ombro dela e sorri de algo que ela fala.
— Acha que ele está a fim dela? — Pergunto, tentando não parecer tão interessada, apesar de estar interessada.
— Está brincando, né? Claro que está. É só olhar para ela! E, bem, olhe só para ele. Quer dizer, eu não curto caras nem nada do tipo, mas é fácil olhar para ele. Ele parece um protagonista de dorama — Yizhuo diz, e então faz uma pausa antes de acrescentar: — Foi meio estranho eu dizer isso?
— Um pouco.
— Podemos fingir que eu não disse?
— Não, provavelmente não. Mas, falando sério, porque você está me dizendo isso?
— Por que? — Ela arqueia uma sobrancelha. — Deve ter mesmo alguma coisa errada com você, Jimin. Deveria me agradecer por ter falado isso, já que não consegue ver coisa nenhuma.
Sorrio.
— Obrigada, conselheira Ningning.
Yizhuo começa a cutucar as unhas, como se tivesse alguma coisa a dizer, mas não soubesse como. Com um olhar bem sério, por fim diz:
— Você sabe que eu sempre brinco com muitas coisas como forma de aliviar a tensão, mas dessa vez é diferente. Ela parece ser uma garota incrível e você é uma garota incrível… Só não deixa essa oportunidade escapar, ok?
Ficamos em silêncio. Ningning vendo alguma coisa no celular, e eu encarando Minjeong. Ela está rindo com Jaehyun, e quando ele encosta a mão no braço dela, sinto um aperto no peito. A melhor maneira de descrever Minjeong é dizer que ela é atenciosa. Quando ela fala com as pessoas, encara-as como se estivesse realmente prestando atenção.
Jaehyun passa as mãos nos cabelos, rindo, e cruza os braços na frente do corpo.
Ele é perfeito, e talvez seja de alguém assim que Minjeong precise.
[…]
No final da tarde, pego meu casaco sobre a cadeira no escritório e saio da galeria.
O ar de inverno está gelado. Caminho pela calçada até o Yongsan Park. Estou esperando encontrar Minjeong perambulando por ali, desenhando ou apenas dando uma volta. Quando de fato a avisto, o sobressalto no peito é imediato. Parte de mim fica surpresa por vê-la a alguns metros de mim, mas ela realmente tinha dito que gostava de vir desenhar aqui.
Ela está com as mãos nos bolsos do casaco, encostada no tronco de uma árvore, mas não vejo nenhum material de desenho.
— Oi — digo, me aproximando.
Cruzo os braços, tentando me manter aquecida. Ela ergue a cabeça e abre um sorriso discreto. Eu pigarreio e me encosto numa árvore.
— Aconteceu alguma coisa ontem depois que nos vimos? — Ela pergunta.
Arqueio uma sobrancelha.
— Por que?
— Só queria saber.
— Não aconteceu nada — digo dando de ombros. — Eu só tentei ir ao local onde pior dia da minha vida aconteceu, mas não deu muito certo.
Minjeong inclina a cabeça para o lado e sua boca se abre. Um olhar de espanto toma conta do seu rosto. Gosto desse olhar. A verdade é que estou descobrindo gostar de todos os seus olhares.
— Você acabou mesmo de me dizer isso com essa naturalidade?
— Eu sou meio maluca — sussurro, batendo um dedo na cabeça.
— Nossa, Jimin… Eu sinto muito.
— Eu também. — Faço uma pausa. — É engraçado como pessoas dizem que com o tempo fazer isso vai ficar mais fácil, mas…
— Só fica mais difícil — ela completa, entendendo totalmente e se aproximando.
Ficamos em silêncio, encarando a noite que escurece à nossa a volta enquanto finos flocos de neve caem sobre a cidade.
Minjeong sorri. Por algum motivo estar em contato com a natureza parece sempre lhe fazer bem.
Ela é tão diferente.
— Qual seu tipo de pintura preferida? — Ela pergunta.
— Pintura preferida?
Ela assente com a cabeça.
— Lembrei que nunca te perguntei isso. A minha é figurativa. Acho que você já deve ter percebido isso com base nas fotos que te mostrei ontem.
— Bem, sim.
Ela sorri.
— Agora você tem certeza.
— A minha também é a pintura figurativa. Aprendi muitas técnicas durante a faculdade e minha mãe me fez aprender tantas outras, mas vi algo de especial em retratar pessoas, paisagens, momentos. Era com isso que eu trabalhava antes do incidente.
— Eu gostaria de ver uma tela sua algum dia — ela comenta quase num sussurro.
Fico em silêncio. Não sei ao certo o que posso dizer sobre isso. Minhas telas estão inacabadas no momento, e eu nunca nem sequer havia pensado nelas até hoje.
Porque pensaria? Não é como se eu fosse finalizar alguma.
Minjeong percebe minha reação, e sua mão se move, encontrando meu braço.
— Sinto muito, eu não queria…
— Tudo bem, Minjeong. Não precisa se desculpar. Eu que não dei mais a devida atenção para a arte desde que tudo aconteceu. Meu estado de reclusão deixou minha mente embaçada.
— Estou achando que você entrou em um estado de sofrimento confortável.
— Ah, claro. É terrivelmente bom — respondo, rindo. Meu Deus… Quando foi a última vez que eu dei uma risada? Ela ri também, nossas risadas mesclando-se em uma. O silêncio vem logo em seguida.
Ficamos sem dizer nada por um bom tempo. É muito fácil com ela. É como se continuássemos conversando sem usar nenhuma palavra.
Depois de um tempo, percebo que está ficando cada vez mais frio e que é melhor irmos embora.
— Minjeong, está ficando tarde.
Ela assente, entendendo.
— Claro. Mas antes de irmos embora, queria te perguntar uma coisa. — Ela faz uma pausa. — Quero saber se você tem interesse de ir ao Museu de Artes Nacional comigo?
É uma pergunta inesperada, de modo que sou pega totalmente desprevenida. Fico em silêncio por alguns instantes enquanto meu cérebro tenta processar o que ela acabou de dizer.
— Você está falando sério?
Ela sorri, mas posso ver a insegurança em sua expressão.
— Sim. Eu realmente gostaria que me acompanhasse.
Estou com tanto medo de dizer algo inapropriado ou leviano que acabo por não dizer nada, apenas passo a mão nos cabelos, pensativa.
Acho que Minjeong percebe minha relutância, porque ela aperta meu braço e diz:
— Olha, tudo bem se você não quiser ir. É um convite meio inesperado de qualquer forma… Eu só achei que seria interessante já que ambas gostamos de arte.
Em algum lugar lá dentro, um demônio me diz que eu não devo aceitar e permanecer no meu mundinho particular. Mas depois de tudo que aconteceu nas últimas semanas, sinto que devo isso a mim. Então decido ignorá-lo.
— Quando exatamente você quer fazer essa visita? — Pergunto.
— Estava pensando em aproveitar esse final de semana para fazer isso.
Ótimo. Isso me garante um tempo para me preparar psicologicamente.
— Tudo bem, então.
Vejo seus olhos se iluminarem com minha resposta.
— Minjeong? — Digo afastando-me da árvore. — Posso te levar em casa?
Ela passa os dedos no cabelo e assente com a cabeça. A neve fina faz barulho sob nossos pés. Minjeong me acompanha até o meu carro e, apesar de não estarmos nos tocando, eu quase consigo sentir o calor do seu corpo contra o meu. Ela tem essa coisa calorosa, que me deixe em paz de alguma maneira.
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