08


Winter's pov:

"Eu te vejo. Eu te escuto. Você não está sozinha."

Depois que saio da galeria, vou direto para a livraria e fico por lá até o fim da tarde. Isso está aos poucos se tornando parte da minha rotina. Mas nem sempre eu fico focada na compra dos livros. As vezes, fico divagando sobre o rumo que minha vida tomou nas últimas semanas. A experiência de trabalho na Bae's Gallery está sendo enriquecidora e não tenho do que reclamar. Mas é impossível não andar pelos salões sem cruzar com Jimin. 

Quando me fez companhia na exposição de Zin Lim, pude perceber o quanto ela um dia esteve em contato com a arte, mas agora… não encontro nenhum brilho naqueles olhos castanhos e intensos. Olhos que parecem tão tristes. Sofridos. Lindos.

Depois de comprar alguns livros novos, vou para casa. Deveria ter trazido um casaco extra para vestir por cima do meu sueter. Está congelando. Fica claro que o inverno de Seul está se aproximando do seu ápice. As lâmpadas dos postes iluminam bem a rua e o céu está escurecendo.

Mudando um pouco minha rota, passo pelo memorial em suyu-dong e paro assim que olho pela área gradeada. Primeiro vejo o carro dela parado no estacionamento. Então a vejo. Meu coração para, mas depois acelera. Jimin faz meu coração tranquilo fazer coisas malucas.

Ela está ali sozinha, olhando para uma lápide.

— Ah… — sussurro para mim mesma, colocando a mão em meu peito.

Parece que ela também acabou de sair da galeria, considerando o casaco por cima do blazer e os sapatos sociais.

Ela se inclina, colocando um delicado buquê de flores sob a lápide. Sua boca está se movendo, e ela passa a mão pelos cabelos, antes de dar uma risadinha. Ela ri, mas parece que também está franzindo a testa.

Essas são as risadas mais dolorosas; as tristes.

Ninguém devia ficar sozinho em um lugar como este. Especialmente Jimin. Eu deveria me aproximar, mas também não sei o que posso dizer. E não quero que ela pense que estou invadindo seu espaço pessoal. 

Então respiro fundo e me viro para ir embora. Mas quando dou os primeiros passos, escuto Jimin chamar meu nome. 

Em poucos segundos, ela está de pé ao meu lado. 

— Oi — sussurro, sem saber ao certo o que dizer.

— O que faz aqui? — Ela pergunta. Há surpresa em seu tom de voz quando ela olha para mim.

— Eu estava indo para casa. Acabei vendo você aqui e pensei… — Pensei o quê? — Pensei em nada — murmuro.

— Ninguém nunca vem comigo aqui.

— Acho que minha presença não vai faz muita diferença — sussurro.

Ela estuda meu rosto por alguns segundos antes de colocar as mãos nos bolsos, e o sorriso mais singelo abrir-se em seus lábios.

— Faz bastante diferença para mim.

Olho ao redor, percebendo a escuridão que nos rodeia. Não tenho certeza se devo ficar ou ir embora. Mas meus pés estão me dizendo que não tenho planos de voltar atrás.

— Você está com pressa? — Pergunta Jimin. 

Sorrio quando ela olha para mim. Interpreto isso como um convite para ficar.

— Na verdade não.

— Você quer dar uma volta? — Ela pergunta. — Tem um parque ambiental bem agradável próximo daqui.

Eu assinto com olhos esperançosos, rezando para que isso não seja uma espécie de delírio causado pelo cansaço.

[…]

Damos algumas voltas no parque. Não sei por que, mas começo a compartilhar algumas histórias sobre minha vida. Jimin não fala muito, mas escuta com total atenção. Conto a ela sobre meus pais, como acabei me distanciando da minha mãe nos últimos anos por conta da minha faculdade. E de como esse foi um dos principais motivos da minha mudança para Seul. 

Em determinado momento fico sabendo que ela nunca foi próxima do pai, mas quando pergunto o motivo, Jimin dá de ombros.

— Ele nunca soube lidar com as escolhas que tomei na vida. — As palavras saem mais indiferentes do que eu gostaria de admitir. Não pergunto mais nada sobre o assunto.

Pouco depois, conto a ela sobre as telas nas quais venho trabalhando, e para minha surpresa, ela pede para vê-las. Abrindo minha bolsa, pego meu celular e entrego a ela. Ela segura-a com cuidado, olhando atentamente para algumas fotos que tirei. Vejo seus olhos viajarem da esquerda para a direita, enquanto ela tenta pegar todos os detalhes possíveis. 

— Não estão finalizadas ainda. — Comento. 

— Sim, mas… É impossível não perceber o trabalho incrível que você está fazendo aqui. — Seus dedos percorreram a tela do celular enquanto ela alterna entre as fotos. — Minha mãe tem alguém com tamanho talento trabalhando na galeria e nem sequer deve ter percebido isso. — Ela expira e em seguida respira fundo. — Acho que ela deveria mesmo parar de perder tempo comigo e começar a olhar em volta.

Mordo o lábio inferior. Não sei ao certo o que dizer a ela.

Jimin percebe a expressão nos meus olhos e desvia o olhar.

— Desculpe, Minjeong. Eu não deveria verbalizar toda bobagem que passa pela minha cabeça.

— Não existe mesmo nenhuma possibilidade de você voltar a pintar? — Pergunto, virando-me para ficar de frente para ela.

Ela me encara por alguns segundos e vejo seu olhar encher-se de melancolia. Minha pergunta provavelmente trazendo a tona várias lembranças em sua mente. Eu me sinto mal por vê-la assim, mas não consigo evitar querer saber mais. 

Quero saber mais sobre essa garota que mal sorri, a garota cujos olhos permanecem tristes mesmo quando esboça algum sorriso. Ela não gosta de se abrir com os outros. Mas não dá para culpá-la depois do que aconteceu em sua vida. Se eu tivesse passado por algo do tipo, também seria uma pessoa fechada.

Por um segundo, penso que ela vá ignorar minha pergunta ou simplesmente mudar de assunto, mas Jimin diz: 

— Sendo sincera com você, existe sim… — Ela desvia o olhar, como se as árvores do parque fossem extremamente importantes. — A lesão no meu braço é de longe o principal motivo de eu ter desistido da arte. 

Tanto significado em tão poucas palavras.

Levanto o olhar para ela e passo os dedos por meu cabelo, então fico imóvel. O que eu mais quero nesse momento é abraçá-la, mas sei que não posso.

Não posso porque sei que é a última coisa que ela quer. Sua linguagem corporal deixa isso bem claro. Ficamos paradas em silêncio por um tempo, dizendo tudo que queremos apenas em nossas cabeças, sem verbalizar nada, até que eu não consiga mais aguentar esse silêncio.

— Sinto muito — falo, sem saber o que mais posso dizer.

Ela abre um sorriso triste e dá de ombros. Seus olhos castanhos cruzam os meus e respiro fundo. 

— De qualquer forma não é como se eu pudesse fazer algum trabalho perfeito — comenta. Seus dedos passam por seu cabelo, deixando-o um pouco bagunçado. Ela é tão linda. 

— Os seres humanos não foram criados para serem perfeitos, Jimin. Fomos criados para estragar as coisas, e assim aprender coisas novas. 

Ela semicerra os olhos e se aproxima de mim. 

— Somi teria gostado muito de você. Tenho certeza. 

Sorrio.

— Ela devia ser uma garota incrível.

Tremo um pouco com a brisa gelada e ela franze a testa.

— Você está com frio.

— Estou bem.

Sou pega de surpresa quando ela retira o cachecol que está usando e começa a envolve-lo em meu pescoço, me fazendo corar. Fico me perguntando se ela sabe o quanto esse seu gesto significa para mim. 

— Posso contar um segredo? — sussurro enquanto tento controlar a respiração.

— Pode — ela murmura.

Seu rosto se suaviza, e quando ela ergue o olhar para mim, sinto meu coração incendiar. Esses sentimentos fortes e inegáveis… Tudo o que eu quero fazer é consolá-la, abraçá-la. Mas será que sou a pessoa certa para isso?  

— Gosto de estar com você — falo. — Gosto de verdade da sua companhia. Faz com que eu me sinta… bem.

— Você é primeira pessoa que me diz isso em tempos. — Suas palavras saem tão naturais que quase me fazem quebrar em mil pedaços.

Fico me perguntando se ela sabe que estou controlando os meus batimentos cardíacos.

— Eu não entendo como isso possa ser possível — sussurro, sentindo a brisa gélida contra o meu corpo. — Mas você consegue deixar o clima confortável apenas com sua presença. 

A mão dela encosta no meu rosto para afasta uma mecha de cabelo que havia grudado na minha bochecha. A mão está fria, mas no momento em que seus dedos roçam minha pele, eu me esqueço da temperatura gélida, e meu rosto esquenta. 

— E eu não entendo como posso sentir que você me conhece tão bem se nunca chegamos a passar muito tempo juntas.

Silenciamos nossos pensamentos por um momento. Coloco as mãos nos bolsos da calça e dou um passo para trás. Olhando em seus olhos castanhos, digo:

— O clima está mudando, acho que é melhor eu ir embora. 

— Tá, tudo bem. É que… — Ela leva a mão ao queixo, pensativa. — Você não está de carro, certo? 

— Não. Mas você não precisa se incomodar, meu bairro não fica muito longe daqui. 

Ela balança a cabeça. 

— Faço questão — diz.

[…]

Eu ainda não tinha estado no carro de Jimin. Estava sendo um dia cheio de novidades. Mas tenho de admitir que não estou nenhum pouco incomodada.

Entro no carro e prendo a respiração quando olho para ela. Apesar da sua limitação, ela parece não ser nenhum pouco insegura quanto a dirigir. Há tantas facetas nela, tantos visuais, características que eu ainda não descobri.

Ela olha para mim, confusa.

— O que foi? — Pergunta.

Balanço a cabeça e sorrio. 

— Nada. Eu só estava divagando sobre algumas coisas. 

Ela assente enquanto dá partida no carro e sai do estacionamento do memorial. 

— Estou descobrindo que você é bem diferente do que algumas pessoas comentam na galeria — digo, ajeitando-me no banco do carro. 

Ela arqueia uma sobrancelha.

— O que estão falando dessa vez?

— Que você leva as coisas em rédeas curtas. Você sabe, dizem que é uma excelente profissional, mas que é extremamente exigente.

— Ah, tá. Não estou surpresa — Ela franze a testa, imersa em pensamentos. — Depois daquele incidente com Jaehyun já era de se esperar que esses comentários fossem surgir. Mas não tenho culpa se ele não consegue fazer uma tarefa simples. 

Dou uma risada.

— É exatamente disso que estou falando.

Ela revira os olhos e diz:

— Está bem, talvez eu tenha pegado pesado com ele. Mas e você, como estão as coisas na equipe do professor Park? Tem se dado bem com todo mundo? 

— Bem, sim. O professor Park me deixa na linha de frente sempre que possível, o que é ótimo para o meu currículo. Talvez esse lance de me lançar como pintora não de muito certo, então é bom ter um plano B. Sem querer ofender, mas acho que dei sorte de não ter sido designada para a sua equipe. 

Jimin dá uma risadinha, e fico surpresa ao perceber que é a primeira vez que ela faz isso na minha companhia.

— Estou vendo que você não tem medo do perigo — ela murmura.

— Quando você encara a morte de frente tantas vezes acaba aprendendo algumas coisas — Mordo o lábio inferior.

Seus olhos castanhos viram para mim.

— História para outro momento. — Digo  quase em um sussurro. Não estou muito interessada em estragar esse momento com meus problemas pessoais. 

Paramos na frente do edifício onde moro. Ela se inclina para a frente e vejo como fica impressionada com a beleza da arquitetura. 

— Você está morando em um excelente lugar — fala, olhando para mim.

— É — digo baixinho. Coloco a mão na maçaneta, então paro, lembrando que ainda estou com o cachecol dela. — Já ia esquecendo de… 

Jimin coloca sua mão sobre a minha. Nossos olhares se encontram e por vários instantes não desviam. 

— Você pode me devolver depois — ela diz, recolhendo a mão.

— Tudo bem… — É tudo o que consigo dizer antes de abrir a porta do carro. — Então… boa noite, Jimin.

— Boa noite, Minjeong. 

Quando entro no o apartamento encontro as luzes acesas — minha tia deve estar no banho. Vou até a cozinha, pego uma garrafinha de água na geladeira, e me sento à mesa, olhando pela janela acima da bancada da pia. O céu já está escurecendo com a noite. 

Fico sentada ali por um bom tempo, o suficiente para que minha mente seja invadida por vários pensamentos. Talvez possamos mesmo ser amigas.

Sorrio. Minha cabeça não esteve nem um pouco no lugar nas últimas semanas. Depois de observar Jimin durante os dias em que estivemos juntas, não tenho dúvidas de que não quero apenas sua amizade. Além disso, ela tem olhos lindos. Castanhos, sob sobrancelhas bem desenhadas, e tão intensos… mas, ainda assim, tristes.

— Seu trabalho foi tranquilo hoje? — Pergunta Yongsun, com os cabelos ainda úmidos do banho. 

— Foi — murmuro, ainda olhando pela janela.

— Como foi seu encontro com Jimin? 

Olho para minha tia, levantando uma sobrancelha.

— Como sabe que eu me encontrei com ela? 

— Fácil — Ela diz, abrindo um sorriso. — Você parece mais leve sempre que se encontra com ela. Não adianta negar, ok? 

Desvio o olhar.

— Tá, encontrei com ela no caminho de volta. A gente conversou um pouco e ela me trouxe até em casa.

O sorriso da minha tia se alarga.

— Ah, é mesmo? — Ela põe as mãos na mesa e eu suspiro sabendo onde isso vai terminar. — Hoje você não vai escapar de conversar com sua tia aqui. 

Tomo um gole da minha água e coloco-a na mesa.

— Eu pensei que fosse sair hoje a noite. 

— Ah, posso fazer isso amanhã. Sorte a sua que não vai precisar me dividir com ninguém hoje — Ela diz isso com tanta naturalidade que acabo rindo. 

— Está bem, tia — concordo. 

Ela bate palmas uma vez e se inclina para a frente.

— Vou preparar alguma coisa pra gente comer. 

— E eu vou subir — comento enquanto caminho para meu quarto para pegar minhas roupas e ir tomar um banho. 

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