02
Winter's pov:
"Não se esqueça de como olhei para você. Nem de como meu coração acelerou quando te reconheceu."
Enquanto caminho pelo aeroporto não deixo de me questionar: estou mesmo aqui? Não é minha primeira visita a Seul, mas dessa vez estou na cidade para morar. O céu está fechando e a brisa gélida de inverno me faz puxar o casaco contra o corpo. Meus olhos se voltam para o espaço amplo a minha frente.
O lugar está lotado de famílias viajando, pessoas se abraçando, chorando e rindo. Sempre que eu penso em lar, é essa conexão humana que me vem a mente. Penso naqueles que me amam mesmo com todas as minhas questões não resolvidas e me dizem que elas não me definem; penso naqueles que me permitem errar e que ainda continuam se importando comigo.
Isso é o que lar significa para mim.
Atravesso o aeroporto com um sorriso no rosto e o coração acelerado. A cada passo, eu me aproximo mais de uma nova etapa da minha vida. Cada instante representa uma chance de recomeçar.
Passei os últimos dois anos em uma luta constante pela vida. Indo e voltando do hospital com a incerteza de quanto tempo ainda conseguiria lutar. Parece que o meu coração estava decidido a tirar férias antes do tempo. Meus pais pensaram que eu fosse morrer naquela época, e não posso deixar de dizer que em alguns momentos isso também se passou pela minha cabeça.
Com o tempo e o sofrimento, aprendi uma dura lição de vida: nosso tempo nesse mundo é curto demais para desperdiçamos correndo atrás de um sonho que não nos pertence. Antes da realidade do fim, eu vivia tentando agradar os meus pais. Fazia tudo esperando que eles ficassem orgulhosos de mim. E nem sempre eu conseguia essa conquista.
Agora que ganhei um novo coração e uma segunda chance, está na hora de me colocar em primeiro lugar, mesmo que isso me machuque as vezes, porque eu amo muito meus pais. E eles não estão muito de acordo com minhas decisões mais recentes.
Olhando à minha volta, vejo um rosto cheio de amor, um que eu estou morrendo de saudades de ver faz muito tempo. Deixo minhas malas de lado e avanço na direção da minha tia, puxando-a para o abraço mais apertado do mundo.
Ela me aperta forte e sussurra em meu ouvido:
— Oi, Winter.
Tento conter as lágrimas que escorrem pelo meu rosto enquanto o abraço ainda mais forte.
— Oi, Solar.
Uma pequena risada escapa de seus lábios.
— Quem te vê assim nem diz que vivia fugindo de mim durante a infância.
— Pois é. As pessoas mudam mesmo com o passar do tempo. — Respondo, sorrindo.
Ficamos em silêncio total, e a crescente onda de lembranças começa a encher minha mente. Yongsun provavelmente está lembrando também. Diferentes lembranças de uma mesma época em que estávamos próximas.
— Então quer dizer que agora você é mesmo uma mulher de negócios, hein? — Sorrio, apontando para a roupa dela. Sua camisa social está enfiada na calça de alfaiataria e seus sapatos impecáveis completam o visual formal.
Ela dá um sorriso divertido.
— Quando você trabalha em um escritório de contabilidade acaba seguindo um pouco as tendências. Não sou nenhuma modelo de grife, mas faço um sucesso razoável.
— Isso parece mais do que razoável, tia.
Ela sorri.
— Não tenho do que reclamar. Trabalho com o que gosto e ainda ganho o suficiente para ter um apartamento decente. Venha, podemos parar em algum lugar no caminho de volta.
Reviro os olhos.
— Pode parar, eu não quero nenhum evento comemorativo.
— Minjeong, vamos lá, eu só estou… — As palavras falham, e ela se vira para olhar para mim. Yongsun cruza os braços e dá um sorriso divertido.
— O que foi?
— Você não cresceu nada nos últimos anos. Só isso.
Respiro fundo e balanço a cabeça.
— Yongsun, não me faça querer ir embora no mesmo dia do no nosso reencontro. Acho que podemos esperar ao menos alguns dias de convivência.
— É que estou muito feliz por você estar aqui.
— Eu também.
Ela pega minhas malas e seguimos para o estacionamento do aeroporto.
Durante o trajeto de carro até o
apartamento dela, eu me recosto contra o assento de couro confortável e observo a paisagem de inverno de Seul. Sem dúvidas muitas pessoas preferem a estação da primavera, mas na minha opinião essa é uma das melhores épocas do ano para visitar a cidade. Tem algo estranhamente relaxante na forma como a neve fina cai sobre as ruas e edifícios ao longo do caminho.
Me endireito quando vejo os gigantescos arranha-céus. Minha tia nota meu movimento.
— São bem imponentes, não é mesmo? Ficam ainda mais bonitos a noite.
Balanço a cabeça concordando, mas meio que gosto do reflexo do céu acinzentado nas janelas espelhadas. Me lembram as paisagens urbanas dos cartões-postais.
Não demora muito e Yongsun para em frente à um edifico. Na verdade, “edifício” é pouco. Está mais para um luxuoso arranha-céu. Ainda estou boquiaberta quando ela sai do carro e abre o porta malas. O lugar não é nem minimalista nem ostensivo. A única vez que vi algo do tipo foi quando estava fazendo algumas pesquisas pela Internet.
Sigo minha tia através do salão principal, fazendo meu melhor para não mostrar o quanto estou impressionada. Ela cumprimenta alguns funcionários e pegamos o elevador. Depois de atravessar o corredor, ela abre a porta de um dos apartamentos.
Já estive em tantas casas bonitas que sou meio que imune aos luxos que o dinheiro pode comprar, mas não estou acostumada com esse tipo de beleza. Não tem nada da ostentação esnobe aqui. É um apartamento espaçoso, tem três quartos, dois banheiros, uma cozinha enorme, pé-direito alto, arte moderna e mobília cara.
Minha tia está carregando minhas malas, e eu não consigo parar de sorrir. Ela me acompanha até meu quarto e no instante em que entro, sinto meus olhos arderem. Há quatro cartões e quatro caixas de presente.
— O que é isso? — Pergunto.
Ela me dá um cutucão no braço.
— Bom, como perdi quatro aniversários seus, achei interessante juntar todos os presentes.
— Ah, tia — sussurro, puxando-a para mais um abraço apertado. — Obrigada por tudo. Pelos presentes, pelo quarto e por me acolher.
Ela abre um enorme sorriso e beija minha testa.
— Bem-vinda ao seu novo lar, Winter. Vou deixar você descansar um pouco.
Assim que ela sai do quarto, eu me sento na cama e leio todos os cartões, meu coração acelerado dentro do peito a cada palavra. Todos eles tem a imagem de uma obra de arte diferente e, dentro, as palavras que ela escreveu para mim em cada aniversário, desejando-me felicidades e dizendo quanto gostaria de estar comigo para comemorarmos juntas.
Yongsun sempre esteve presente, mesmo depois de ter se mudado para Seul por conta de uma grande oportunidade profissional. Durante os anos que passei com meus pais em Busan, ela sempre me disse que eu poderia ligar quando precisasse. E, quando me vi livre dos hospitais, quando decidi encarar os meus próprios sonhos, corri para ela e minha tia não pensou duas vezes em me aceitar.
Desfaço logo minhas malas, para que meu cérebro aceite que vou viver aqui a partir de agora. Então pego um pijama e me enfio embaixo das cobertas. Quando fecho os olhos, não permito que minha mente fique divagando sobre minha vida, ou na minha situação atual. Eu me dou o tempo de que tanto preciso. Eu me deito, fecho os olhos e adormeço.
[…]
Acordo na manhã seguinte confusa, ainda estranhando, por um instante, meu novo quarto. Esfrego os olhos para despertar e me levanto para tomar um banho. Depois de trocar de roupa, vou até a cozinha, onde minha tia está preparando o café da manhã.
— Bom dia — digo, puxando uma das banquetes no balcão para me sentar.
— Bom dia. O café logo será servido
— Estou vendo que essa mudança te fez muito bem? — Dou uma risada, enquanto o observo virar algumas panquecas. — O cheiro está muito bom.
Ela dá um sorriso sem graça.
— A gente aprende algumas coisas quando mora sozinha. Além disso queria preparar um café da manhã de boas-vindas.
Pego um copo e me sirvo de um pouco de suco, já que estou proibida de tomar café.
— E você realmente está empenhada, hein? — Dou um gole no suco, aprovando o sabor delicioso. — Acho que não vou ter muitos problemas com as refeições por aqui. — Brinco.
Ela se vira para finalizar as panquecas no balcão, e vejo que está revirando os olhos. Não consigo me controlar e começo a rir.
— O que? Você sabe que minha dieta alimentar ficou bem restrita.
— Sobre isso — Ela franze as sobrancelhas e uni as mãos. — Não quis tocar no assunto, mas preciso perguntar uma coisa, Winter. E preciso que você me responda com sinceridade. Promete?
— Prometo.
— Está tudo bem mesmo? Você não corre mais nenhum risco de vida?
— Ah, vamos Solar. Esse assunto logo pela manhã?
— Por favor, Minjeong. Eu só… — Seus olhos expressam medo ao fazer a pergunta.
Estendo a mão para pegar a dela.
— Riscos sempre vão existir, mas estou fazendo o tratamento de forma correta e seguindo todas as recomendações médicas.
Os médicos e a equipe de transplantes me disseram para tomar os remédios na hora certa, e nunca, em hipótese alguma, esquecê-los. Como se fosse uma questão de vida ou morte. E nesse caso realmente é. Apenas uma dose esquecida e meu corpo vai ver o meu coração como um objeto estranho e começar a rejeitá-lo.
Abro um sorriso radiante para ela, tentando aliviar o clima da nossa conversa.
— Está tudo bem. De verdade. É claro que os imunossupressores as vezes me deixam enjoada. Mas posso aguentar um enjoozinho a toa se isso significar que minha vida não tem um prazo de validade. Então não precisa se preocupar.
— Tem certeza? — Ela pergunta, hesitante.
— Absoluta.
Ela parece extremamente aliviada.
— Que bom, mas só para você saber, eu liguei para sua mãe e pedi para que ela me enviasse por e-mail um relatório com todos os horários das suas medicações e as restrições necessárias. Confio em você, mas prefiro ficar bem informada sobre tudo.
— Minha heroína. — Dou uma risada, me servindo de uma das panquecas. — Mas, de verdade, tia, eu estou bem.
Ela sorri, mas então volta a ficar séria.
— Como sua mãe reagiu quando você disse que queria concluir a faculdade de artes aqui em Seul?
— Disse que eu não podia vir. Que ainda estava me recuperando e que era melhor permanecer em Busan. Então eu insisti. — Fecho os olhos e respiro fundo. — Insisti para que ela me deixasse seguir meu sonho. Eu disse para ela que estudar em Seul seria ótimo para o meu currículo.
— E o que ela falou?
Dou uma risada nervosa e mordo o lábio inferior.
— Ela falou que pensava que depois do que aconteceu eu iria desistir dessa ideia de ser artista e focar em algo que realmente desse resultados… — Solto o ar. Você recebe uma segunda chance e vai continuar a desperdiçá-la em algo sem futuro. As palavras dela ainda ecoam na minha mente, por mais que eu me esforce para afastá-las. — Ela disse que não apoiava minha decisão, mas não ia me impedir.
— Meu Deus — ela murmura. — Sinto muito.
— Tudo bem. Foi melhor assim.
— Mas eu sei o quanto você queria que sua mãe te apoiasse nisso. Sei como ela é irredutível e um tanto controladora. Lembro da situação desgastante que foi quando mudei para Seul. E isso que sou apenas irmã dela.
— Você sabe como minha mãe é. Durante muito tempo eu me esforcei para que nosso relacionamento melhorasse, mas não foi o suficiente. E já aceitei isso. Estou bem.
— Bom, só para você saber, eu sempre vou estar ao seu lado.
— Obrigada — digo baixinho.
Ficamos ali conversando enquanto nos deliciávamos com as panquecas e tomávamos nossas bebidas. A conversa flui fácil. Yongsun é uma dessas pessoas que deixam o clima confortável sem esforço algum. Uma das coisas que eu mais senti falta nesse tempo todo foi das nossas tardes no meu estúdio pessoal de pintura. Ela adorava me fazer companhia enquanto eu criava alguma tela e divaga sobre meu amor pela arte.
— Ah, esqueci de dizer uma coisa. Você tem um emprego.
Ergo uma sobrancelha.
— Como assim?
— Consegui um estágio para você em uma importante galeria de arte da cidade. Você vai trabalhar como restauradora e, quando conseguir finalizar seus quadros, podemos começar a pensar em planejar uma exposição.
Balanço a cabeça.
— Por que iam me contratar sem me conhecer? Eles nem avaliaram meu currículo técnico.
— Porque eu te conheço, e eles confiam em mim. Meu escritório é responsável pela administração financeira da galeria. Você vai amar. A dona se chama Bae Joohyun e é uma pessoa maravilhosa. Contei para ela que você é boa. Você tem uma reunião na segunda-feira.
— Você é incrível.
Ela ri e dá de ombros.
— Pode ter certeza disso. Só é chato que eu tenha que ir trabalhar em alguns minutos — ela se lamenta, enquanto coloca alguns utensílios na pia e limpa o balcão. — Tem algum lugar que você queira visitar enquanto isso?
— Bem…
[…]
— Você não mudou nada mesmo — minha tia, estacionando em frente à livraria Takashimaya. Sorrio, olhando para o edifício de arquitetura moderna e iluminação aconchegante. Yongsun ergue a mão e toca meu ombro. — A gente se encontra na hora do almoço. Só tente não comprar a livraria inteira até lá.
Dou uma risada enquanto saio do carro.
— Não precisa se preocupar, eu só pretendo fazer isso quando for comprar meu material de trabalho.
Ela balança a cabeça e depois me chama:
— Minjeong?
— O quê?
— Você está em Seul, uma cidade completamente nova. Use essa oportunidade se redescobrir. Vá encontrar o seu mundo particular. Vá reencontrar a sua arte e a sua alma.
Ao entrar na livraria, me deparo com dezenas de livros. As prateleiras chegam ao teto, e há escadas para permitir que você alcance o livro que nem sabe que quer. Também há mesas espalhadas pelo lugar e as pessoas podem se acomodar nelas para ler.
Logo estou focada na minha busca. Quando encontro o que estou procurando, um movimento chama minha atenção e vejo uma garota folheando exatamente o mesmo livro que está em minhas mãos. Ela se afasta, sentado a uma das mesas na área reservada para leitura.
Fico parada ali, olhando em sua direção. Não é sempre que vejo uma pessoa bonita, mas ela é linda. Com a cabeça curvada, os cabelos castanho-escuros dela parecem quase claros. O casaco preto cai sobre o corpo de forma impecável, e seus lábios não sorriem, mas os olhos…
Esses olhos intensos, tristes e castanhos… me causam uma sensação de familiaridade, mesmo que eu não faça ideia de quem ela seja.
— Você precisa de ajuda? — Pergunta uma garota, parando ao meu lado.
— Bem, na verdade…
— Posso te recomendar alguns títulos bem interessantes? — Ela oferece, colocando a mão no meu ombro. Seu longo cabelo loiro está solto e meio bagunçado. O casaco de lã que ela usa parece bem caro, como se essa garota tivesse saído de um desfile de moda.
— Não precisa. Obrigada — respondo, me esforçando para manter a calma enquanto me desvencilho do seu toque da forma mais gentil que consigo.
— Ah, por favor — ela implora, juntando as mãos na frente do corpo. — Prometo que não tenho um gosto literário questionável.
Abro a boca para falar, mas paro quando outra voz diz:
— Ningning, pare de incomodar a garota. — Olho para a mesa do canto, onde a garota de antes ainda está folheando o livro enquanto fala.
Ningning se recosta na estante e geme.
— Vamos, Karina. Não seja tão…
— Ningning — Ela repete com um tom mais sério, sem tirar os olhos do livro. — Pare de incomodar a garota.
Ningning resmunga, mas pega um livro qualquer e se afasta.
— Obrigada — eu lhe agradeço.
Ela assente, ainda olhando para o livro.
— Ningning é uma boa pessoa. Ela só está passando por muita coisa.
— Acho que todos nós já passamos por uma situação assim ao menos uma vez na vida — comento.
Por um instante, ela olha para mim, mas seu olhar logo volta às páginas do livro.
Então ela para. Semicerra os olhos castanhos e fecha o livro. Quando levanta a cabeça e gira o corpo na minha direção, meu coração acelera dentro do peito, sem saber ao certo o que está acontecendo.
Ela se levanta, e eu dou um passo para trás, apertando o livro em minhas mãos.
— Por acaso eu… — ela começa, mas sua voz falha.
Seus olhos demostram que está confusa e ela coloca a mão direita no bolso do casaco. Meus olhos passeiam pelo seu rosto, absorvendo cada detalhe, tentando assimilar a terrível sensação de familiaridade que faz meu peito doer e minhas mãos tremerem.
— Desculpe… — Ela diz, desviando o olhar para nada em específico. — Por um minuto pensei que você fosse uma pessoa que conheço.
Ela dá um passo para trás e, quando nossos olhares se encontram de novo, seu semblante está confuso. Então, a cada segundo que passa, seu olhar fica mais sombrio… indiferente… frio.
Ela pega o livro sobre a mesa e se afasta, seguindo o corredor para a saída da livraria. Meu coração está acelerado no peito, e minha cabeça, completamente confusa.
Fico me perguntando se eu não inventei tudo isso, como se nossa interação tivesse sido simplesmente imaginação da minha mente cansada.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top