01


Karina's pov: 

"Está ouvindo isso? Claro que não. É o silêncio da minha arte. Porque você não está mais aqui."

Vir ao Jardim Memorial de Seul nunca fica mais fácil. Nunca parece insignificante nem sem sentido ter que pegar o carro e dirigir por alguns minutos até ali. Um lugar ao qual eu desejei nunca ter que comparecer, um lugar onde eu tranquei 4 anos de lembranças, incluindo todas as relacionadas com minha namorada.

Ela morreu há um ano, tempo suficiente para que eu não me sinta péssima toda vez que falo nela. Mas ainda é pouco tempo para eu aceitar que tenho que seguir em frente. Que tenho que aprender a lidar com o que aconteceu. 

Sento-me no último banco. Odeio cerimônias de homenagem. Por mais que reconheça que esse é um gesto de amor e respeito, eu não canso de pensar que não estaria aqui hoje se as coisas fossem diferentes. 

É engraçado como mesmo depois de tanto tempo sempre que alguém passa por mim, reage com hesitação, pensando que eu vou desmoronar a qualquer momento.

Seus pais se sentam na primeira fila — onde eu também deveria estar. Nós não nos falamos muito desde que Somi morreu. Eu nunca me dei muito bem com seu pai, mas sua mãe sempre gostou muito de mim. Não era segredo. A sra. Jeon gostava das coisas que eu gostava, como música e arte. Sempre que eu ia na casa deles passávamos horas conversando sobre meu estágio na galeria de arte da minha família.

Um sonho distante hoje em dia.

Eu sabia que nosso relacionamento ia mudar depois do que aconteceu, mas não os culpo. Eles ainda me respeitam o suficiente, mas com certeza não gostam mais tanto assim de mim. Por mim, tudo bem, porque continuo gostando deles. 

Com um aperto no peito, suspiro. Um dos amigos da família Jeon fala de Somi como se a tivesse conhecido. Ele não a conheceu. Somi nunca foi muito ligada ao círculo social ao qual pertencia, por isso o fato de aquela pessoa estar ali agora parece um pouco forçado. E não sou eu quem vai ficar aqui dentro assistindo esse teatro. Para um lugar de acolhimento e paz, o ambiente propaga uma sensação de asfixia.

Levantando-me do banco, ando até o lado de fora, sentindo o frio do inverno resvalar contra minha pele. Está mais frio do que nos anos anteriores. Preciso puxar meu cachecol para me aquecer antes mesmo de eu chegar aos degraus.

Com as mãos nos bolsos do casaco, caminho pelo gramado bem cuidado até um pequeno lago que ainda não congelou. Fico ali parada diante das suas margens, olhando para minha imagem refletida nas águas cristalinas. Meus olhos estão cansados, e eu não consegui dormir nada nos últimos dias. Fiquei acordando durante a madrugada, sempre atormentada pelo remorso e pela culpa.

Eu estava no tribunal no dia que o assassino foi condenado. Fiquei lá sentada enquanto a mãe dele chorava, angustiada. Vi quando ele começou a lamentar e quando seu pai ficou sem reação ao ouvir a sentença: prisão perpétua, sem direito a condicional.

Ele vai passar a vida inteira atrás das grades pelo assassinato de Somi, e o mundo chamou aquilo de justiça.

Mas não há justiça quando um inocente morre pelas mãos de outra pessoa. Há apenas o vazio que cresce dentro de cada pessoa obrigada a se despedir antes do tempo.

Sim, aquele desgraçado vai passar a vida trancafiado, mas isso não me traz nenhuma paz de espírito. Nunca haverá paz, porque minha namorada ainda está morta, e tudo aconteceu em uma fração de segundos.

Fico de cabeça baixa enquanto estudo meu reflexo, tentando encontrar algo naquele olhar vazio pelo qual valha a pena lutar. 

— Estou interrompendo? — Pergunta uma voz atrás de mim. A voz de Jungkook, irmão de Somi.

Eu sei que ele se aproxima, mas não falo com ele. Na verdade, não falei com ninguém hoje. As palavras agora parecem não ter sentido algum. Estar aqui parece não ter sentido. Nada tem sentido, na verdade.

Virando-me, eu o vejo ali de pé, vestido um impecável terno preto e com um olhar tão perdido quanto o meu. As pessoas lá dentro estão provavelmente questionando o motivo da sua ausência, mas Jungkook não é do tipo que se importa com a opinião alheia. Ele só se preocupa em seguir aquilo que seu coração deseja. 

— Como você está? — Pergunta, pousando sua mão em meu ombro.

Seus olhos escuros encontram os meus castanhos, e ele sorri primeiro. No entanto, nós dois sabemos o sofrimento que se esconde por trás desse sorriso. Vê-lo assim me faz se sentir tão impotente.

— Sinto muito, Jungkook — digo, como se fosse a única coisa capaz de fazer. 

Ele balança a cabeça em negativa. 

— Me desculpe por isso, Jimin. A última coisa de que você precisa é ainda me ver desmoronando depois de tanto tempo. 

— Nunca peça desculpas para mim. — Respirando fundo, olho para o céu nublado. É engraçado como esse detalhe combina perfeitamente com nossa situação.

Jungkook inclina a cabeça na minha direção e me cutuca no ombro.

— Como você está? — Pergunta, dando-me o mesmo olhar de carinho que sempre dava. — Tem ido a fisioterapia? 

Somi teria ficado ainda mais orgulhosa dele pela forma como ainda se preocupa comigo.

— Estou bem, Jungkook. — Respondo. Nós dois sabemos que é mentira, mas tudo bem. Ele não vai me questionar sobre isso.

— Viu meus pais lá dentro? — Ele pergunta, virando por um instante para olhar as portas do local da cerimônia. 

— Vi, sim.

— Você falou com eles?

— Não. Achei melhor não causar nenhum constrangimento hoje — sussurro.

Ele franze o cenho.

— E porque sua presença causaria isso? 

Desvio o olhar. 

— Porque sou a namorada egoísta que continua viva. Talvez fosse melhor para todo mundo se eu tivesse morrido no lugar dela. 

Jungkook balança a cabeça e agarra o meu casaco, me fazendo olhar para ele.

— Se eu ouvir você falar isso outra vez, não respondo por mim. — Respiro fundo, enquanto ele olha sério para mim. — Você está entendendo? — Ele pergunta. Os olhos marejados. — Você entende que o que aconteceu não foi culpa sua?

— Eu entendo — minto, e mais uma vez ele sabe que eu estou mentindo.

Ele solta o meu casaco e me puxa para um abraço consolador.

— Não foi você que fez aquilo, Jimin. Nunca mais diga uma coisa dessas. 

— Desculpe por ser uma pessoa tão péssima.  — digo me afastando de Jungkook, que parece estar sofrendo bastante com minhas palavras. 

— Não — ele fala com autoridade. — Jimin, como pode dizer isso? Você é uma das melhores pessoas que eu já tive o prazer de conhecer.

— Como pode ter certeza?

— Bem… — Ele endireita-se e abre um sorriso bobo. — Sou professor. Então acho que consigo ler bem as pessoas. — Não posso evitar sorrir com seu comentário. — E, só para você saber, durante a última conversa que Somi e eu tivemos, ela não parava de repetir como estava feliz por ter você na vida dela. 

Mordo o lábio inferior, tentando conter as lágrimas que estão prestes a rolar.

— Obrigada, Jungkook.

— Disponha, Jimin. — Ele me abraça uma última vez antes de nos separarmos. 

Escuto seus passos enquanto ele se afasta, mas então o chamo. Não levanto o olhar, mas sei que ele está ali.

Respiro fundo e espero alguns instantes antes de falar.

— Eu ia pedir Somi em casamento, sabe?

As palavras pesam sobre meus ombros, e sinto o frio de inverno perfurando meu rosto, mostrando toda a sua intensidade contra minha pele. Sem olhar para mim, ele assente.

— Eu sei.

Uma expiração profunda sai de seus lábios quando ele se vira para entrar de novo no local da cerimônia.

Fico parada ali por mais algum tempo, em silêncio, pedindo ao inverno que me congele junto ao lago. Pessoas transitam por ali, mas ninguém para para olhar. Estão ocupados demais vivendo suas vidas para notar que a minha de alguma forma chegou a um impasse.

[…]

Havia se passado uma semana desde a cerimônia, e eu passei a maior parte desse tempo na casa da minha mãe. Para ser sincera, gostaria de ficar apenas no meu apartamento. Mas desde que o incidente aconteceu, minha mãe insiste para que eu passe alguns dias com ela. 

A boa notícia, tenho uma biblioteca particular na qual posso me aventurar por várias horas do dia. O que é uma grande vitória.

Depois de algumas horas mergulhada em um mundo de ficção, escuto a porta da frente se abrir devagar, e vejo minha mãe em pé na sala de estar, verificando alguma coisa no celular. Coloco o livro de volta na estante. Saindo da biblioteca, paro diante dela, e ela olha para mim por um longo tempo.

Fico me perguntando o motivo dela estar em casa nesse horário. Não é todo dia que a ilustre diretora de arte Bae Joohyun abandona a galeria nas mãos de outra pessoa. Ela não fala nada, mas se senta em um dos sofás na sala — um convite silencioso para que faça o mesmo. 

— Jisoo me ligou — minha mãe começa, passando a mãos nos cabelos negros. — Disse que deseja conversar comigo. 

Ah, claro. Só podia ser esse o motivo.

Por um breve momento, penso em me levantar e voltar para a biblioteca. Mas antes que eu possa me mexer, ela continua:

— Isso não é bom, Jimin. Posso saber porque não tem comparecido as sessões de fisioterapia?

Respiro fundo. Meu coração bate forte no peito enquanto tento controlar minhas emoções. 

— Você não acha que é uma perda de tempo e dinheiro investir nisso? — Digo, evitando o seu olhar. — Quer dizer, a dra. Kim já deixou claro que meu braço é um caso perdido. 

Ela abre a boca como se fosse me dizer alguma coisa, mas então para. Seus ombros sobem e descem, deixando nada além de silêncio. Parece irritada com o meu comentário, mas eu sei que não vai se alterar. Minha mãe nunca faz isso. Acho que ela prefere extravasar suas emoções mais intensas através do trabalho e não através das palavras. 

— Você sabe que isso não é verdade, Jimin. E considerando que a fisioterapia pode te dar uma qualidade de vida melhor, acho que sim, é um investimento válido. 

Dou uma risada, repleta de sarcasmo.

— Não sei se admiro ou se acho tola essa sua esperança, mãe. Sejamos realistas, meus dias como pintora acabaram. Talvez fosse melhor focar toda essa atenção em alguém que de fato possa dar resultados. 

Minha mãe respira fundo, sem falar nada. Já tivemos essa mesma conversa várias vezes nos últimos meses, mas, ela sair do trabalho para vir aqui, logo hoje, parece um pouco dramático.

Só que de alguma forma, eu entendo. Do ponto de vista dela, estou agindo como uma adolescente mimada presa no corpo de uma jovem de 24 anos. Mas é melhor que ela me veja assim do que deixá-la descobrir a verdade… E a verdade é que eu não me importo com nada há um bom tempo. 

Ficamos sentadas, em silêncio por um bom tempo, o suficiente para que eu me sinta mal pela maneira como falei com ela.

— Desculpe — murmuro, olhando para ela. — Não quis dizer isso. — Eu não tenho nem certeza do porquê estou agindo assim. Acho que às vezes é mais fácil ser fria do que magoar as pessoas que amo. 

— Eu entendo tudo pelo que tem passado no último ano, Jimin. A morte de Somi, a lesão em seu braço… — Ela olha para o chão, com uma postura mais curvada. — Eu sei que não está sendo fácil, mas não posso ficar de braços cruzados enquanto vejo você se afundar assim. 

Ao me virar para ela, vejo o olhar de preocupação enchendo seus olhos castanhos; o mesmo tom de castanho dos meus. Meu peito se comprime. Meus olhos ficam marejados.

— Eu estou bem, mãe — Minha voz falha, mas contenho as lágrimas

— Você não está bem, Jimin — ela retruca. — É por isso que não pode abandonar o tratamento. 

O problema é que ela realmente acredita que ter alguém dedicando seu tempo para tentar recuperar a firmeza total do meu braço de alguma forma vai fazer com que eu volte a pintar. Só não sei como fazer com que ela entenda que o motivo de eu ter abandonado as telas está mais relacionada ao emocional do que ao físico.

— Eu só não quero iludir ninguém com algo que está fora do alcance. Então acho que durante sua conversa com Jisoo, você pode dizer a ela que seus serviços não são mais necessários. 

— Nós duas sabemos que isso não vai acontecer — ela afirma, assentindo com a cabeça uma única vez. — E para que saiba, não foi esse o único motivo da minha vinda aqui. 

Fico surpresa ao ouvir o que minha mãe disse.

— Espera. Do que você está falando?

Em pouco tempo, ela revela o verdadeiro motivo por ter voltado para casa mais cedo. 

— Falei com sua prima. Ela também está preocupada com você. — Sem comentários de minha parte. É claro que Aeri está preocupada comigo. Ela é a pessoa que melhor me conhece nesse mundo. Ela continua: — Achamos que seria melhor se você voltasse a trabalhar na galeria. 

Desta vez, rio de verdade.

— Ah, tá, mãe. — Pelo menos ela tem senso de humor. Um senso de humor estranho, mas ainda assim engraçado. Ao me virar para ela, no entendo, vejo que sua expressão está séria. — Você está falando sério? 

— Bem, sim… — Ela hesita, procurando as palavras certas, sem querer me machucar. — Quero que você assuma o cargo de curadora de arte da galeria. 

— Como é? — Pergunto.

— Como você sabe, Lee é o principal responsável por esse setor. No entanto, estamos com uma demanda extra de trabalho nesse bimestre, e ele não vai conseguir se desdobrar entre tantas equipes. Quero que você supra essa vaga durante esse período. 

Ela me olha com uma certa expectativa, como se pensasse que vou concordar de imediato com a proposta. E parte de mim se sente pressionada a fazer isso, porque não quero desapontá-la mais uma vez.

— Você sabe que essa não é bem minha área de formação — digo, soando tranquila. — Acho que seria melhor se contratasse um profissional devidamente qualificado. 

Ela estreita os olhos.

— Você é qualificada, Jimin. Se formou com mérito na KArts, e eu sei que o currículo deles é extremamente abrangente. Além disso, acho que o melhor para você não é se afastar desse mundo, mas sim resignificá-lo.

— O que você quer com tudo isso, afinal? — Pergunto bruscamente, encarando-a.

Ela solta o ar devagar.

— Quero que tente, Jimin. Que tente recuperar sua vida, se adaptar diante das mudanças físicas. Entendo por que no começo você quis se manter reclusa, mas já se passou um ano. Você tem que se recompor.

Sinto um aperto no peito. Por um segundo acho que é raiva e tenho vontade de gritar com minha mãe por não me entender. Mas não digo nada, porque no fundo sei que ela tem sua razão. Só não é tão fácil para mim colocar em prática aquilo que me dizem desde que o incidente aconteceu. 

As dores no braço e não mão direita estão de volta, e eu me odeio por sentir o quanto elas me afetam. Não posso mostrar desconforto na frente de Joohyun. Não na frente dela.

— Tudo bem — digo. Por minha mente passa um turbilhão de pensamentos desesperados sobre o que está por vir. — Só não crie muita expectativa em cima disso, ok?

Ela me encara, e pela primeira vez desde que chegou esboça um sorriso. 

— Tudo bem. Agora preciso ir. — Ela diz, levantando-se. — Tenho uma reunião com o Park sobre o programa de estágio da galeria. Temos alguns candidatos bem interessantes esse ano. Se tudo der certo, estou de volta para o jantar.

E, com isso, ela me deixa ali, mais uma vez, sozinha.

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E , galera.

Esse projeto estava na gaveta algum tempo, mas enfim resolvi começar a desenvolvê-lo.

Espero que aproveitem a leitura e posto atualização em breve. ;)

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