𝟬𝟭𝟲. PAIS E FILHOS
O SANGUE DOS JOGADORES MORTOS estava impregnado permanentemente nas solas dos tênis daqueles que sobreviveram. As gotas espalhadas no par de tênis de cor branca e alguns pingos presentes em suas roupas eram ainda mais deprimentes. Enquanto uns sentavam silenciosamente nas arquibancadas baixas entre as camas, abalados por cada morte que presenciaram, outros jogadores conversavam uns como os outros como se nada tivesse acontecido. O dormitório estava finalmente divido, como era de se esperar pelo próprio líder do jogo. Quem havia votado no xis estava com aqueles que votaram no xis, assim como os que votaram no círculo, ficaram próximos dos círculos.
Eram raras as exceções... já que alguns deles provavelmente mudariam de voto na próxima votação.
Infelizmente, pelo que eles haviam contabilizado, para se ter mais ou menos uma ideia de quantos de cada lado tinha, identificaram que mais pessoas que votaram no xis, morreram.
Ou seja, se eles não conseguissem mudar alguns dos votos ou torcer para que alguns jogadores tivessem criado noção o suficiente, teriam que jogar o próximo jogo. Era 56 círculos versus 44 xis... precisando de pelo menos doze votos para empatar e treze para ganhar.
A sorte não estava a favor deles... novamente.
O grupo maior, formado no jogo anterior e composto por doze pessoas ─ contando com Gyeong-seok, já que Young-mi tragicamente havia morrido, tinha se juntado no mesmo lugar. Eles apresentaram-se um para o outro brevemente, agradecendo pela ajuda no jogo passado e lamentaram profundamente pela morte da mais jovem do grupo. Apesar de não terem ideia de como funcionaria o próximo jogo, já estava tentando planejar como se ajudariam.
Calado, Jun-ho olhava fixamente para as próprias mãos. Ele estava assim desde que voltou do terceiro jogo e só pela expressão que tinha no rosto, com os olhos fundos e cabisbaixo, Jun-yu sabia que ele se sentia mal pelo que fez. Ela sabia o quão agressivo e cruel ele deveria ter se mostrado ao mantar uma pessoa estrangulada para poder sobreviver. Selvageria. Estava envergonhado e se sentindo mal por ter feito uma coisa tão terrível na frente de Junyu. Só de pensar em seu filho descobrindo as barbaridades que ele teria feito... isso o deixava constrangido.
Não era culpa dele, claro, mas antes de ser racional, Hwang Junho não conseguia ser indiferente. Um homem com mais de um metro e oitenta de altura que sentia medo de parecer cruel ou injusto de acordo com seus princípios. Tudo bem, Junho não riria passar o resto dos dias sentindo pena de si mesmo por ter feito algo que ele não gostaria de fazer, mas ele precisava daqueles minutos de reflexão.
Só de pensar que fez isso e seu irmão estava por trás de tudo aquilo... o deixava ainda pior.
Cho Junyu segurou a mão de Junho e sorriu para o marido quando ele finalmente desviou o olhar do vazio e encontrou seu verdadeiro ao encarar sua esposa. Ela suspirou, agarrando o resto do braço dele e se aproximando ainda mais do Hwang. O braço dele era forte e musculoso, então Junnie adorava ficar apertando ou abraçando. Apoiando a cabeça no ombro e descansando a mente, fechou os olhos momentaneamente para sentir seu momento de paz.
─ Você é uma pessoa maravilhosa, então não deixe que algo que você fez para sobreviver, te resuma como pessoa. ─ A Cho sentiu o cheiro dele de perto no pescoço. O mesmo de quando ele chegava em casa cansado e suado do trabalho, mas com um aroma de leve do resto do perfume. ─ Eu sei que você fez isso para que eu não precisasse fazer. Salvou nossas vidas.
─ Eu sei, só estou cansado... ─ A pressão mental era um pior do que a ansiedade que sentia todas às vezes que iria jogar um novo jogo. De longe, bem mais cruel. ─ Pelo visto, não vamos embora daqui nem tão cedo.
─ Precisamos confrontar seu irmão de alguma maneira... ─ Eles não gostavam muito de falar sobre aquele assunto, mas estava na hora de agir. O próximo jogo era muito pior e indefinido. ─ O Jaesang, o tenente Kim ou o Wooseok não deram nenhum sinal... não podemos esperar por eles.
─ Você acha que ele está mentindo? ─ Perguntou Junho, mesmo que já soubesse a resposta da esposa.
─ Infelizmente, sim.
Junyu também não queria que In-ho estivesse mentindo, mas como eles acreditariam em alguém que como ele? Como poderiam confiar novamente em alguém que sumiu por anos e que, quando voltou, mostrou tanta maldade? Alguém que brincava com a vida das pessoas e não apresentava em nenhum momento o arrependimento.
─ Tudo bem, vamos fazer isso. ─ Concordo Junho. Estava na hora de parar de sentir pena de seu irmão. Ele não queria que In-ho morresse, mas não deixaria que Junyu sofresse as consequências no lugar dele. ─ Vamos tentar pensar em alguma coisa até a votação.
Junyu olhou para cima, encostando a ponta do nariz na dele como de costume. Os dois estavam mais separados do grupo, conversando intimamente, então não precisavam sentir vergonha na frente dos outros ─ ou deixa-los de vela.
Enquanto Junho foi falar com os outros jogadores de seu grupo, a Cho resolveu ir no banheiro ver como Jun-hee estava. Taemin, o outro jogador mais próximo, havia dito que ela havia ido no banheiro sozinha, para não incomodar ninguém, então Junyu foi lá para ver como ela estava.
Uma última pessoa saiu do ambiente assim que Junnie entrou. As portas estavam todas encostadas e aparentemente, não tinha mais ninguém. Ela olhou por de baixo das portas, apenas para confirmar que não tinha mais ninguém em um dos sanitários e coçou a cabeça. Kim Junhee deveria está ali, mas não estava.
─ Junhee? ─ Ela a chamou, sem respostas.
Um murmúrio vindo de um dos sanitários chamou sua atenção. Junyu andou na ponta dos pés até a porta, encostou o ouvido e tentou escutar. Choro. Alguém estava chorando dentro do banheiro e por estar tão abafado, com certeza tentava cobrir a boca com as mãos para abafar os soluços. Imaginando o pior, Junyu nem pensou duas vezes antes de abrir a porta com tudo e dar de cara com Kim Junhee sentada em cima da tampa da bacia, chorando sem parar.
─ O que aconteceu? ─ Perguntou desesperada, procurando qualquer ferimento ou sinal de preocupação no corpo da mais jovem. ─ Está tendo o bebê? ─ Se fosse, era a primeira vez que Junnie presenciava uma cena como essa. ─ Fala comigo, Junhee!
─ Eu... ─ Choramingou, soluçando sem conseguir falar. ─ Eu não sei mais o que fazer! ─ Lágrimas caiam pesadamente pelas bochechas rosadas da garota. Ela baixou a cabeça, no meio de uma crise de pânico. ─ Eu quero ir embora, Junyu... se eu ficar, eu vou acabar morrendo! Nós vamos acabar morrendo...
A Kim segurou por baixo da barriga que, pelo tempo, já deveria estar em seu penúltimo mês. Por isso, tanta preocupação. Junhee não queria mais saber do dinheiro ou de como iria se virar depois para conseguir pagar as coisas do bebê... só queria ir sobreviver e ir embora. Junyu puxou Junhee para um abraço e deixou que a grávida apoiasse a cabeça em seu ombro. Como uma irmã mais velha, acariciou com carinho as costas de Junhee, descendo até a lombar para tentar aliviar a dor que ela poderia estar sentindo no local. Como Sangwoo fazia com ela quando era pequena, a militar balançou levemente Junhee em seus braços, de um lado para o outro, a acalmando.
Junyu era muito boa em acalmar as pessoas.
O choro foi diminuindo, mas Junhee não soltou Junyu. Era a primeira vez que as duas tinham um contato tão íntimo com outra mulher. Ambas não tinham irmãos e nem desenvolveram amizades femininas na vida, então... era como, pela primeira, terem não apenas uma amiga presente, mas também uma relação parecida com a de irmãs.
─ Tudo bem, você vai ficar bem.
─ Eu não quero morrer, Junyu.
─ Eu não vou deixar isso acontecer. ─ A Cho garantiu que cuidaria dela até o último segundo quando a chamou para fazer parte do grupo deles, então estaria com Junhee dentro ou fora daquela prisão.
─ Eu sei que estou sendo egoísta... você está aqui com seu marido e deve estar sofrendo também... ─ Não tinha como comparar, eram situações, dores e sentimentos diferentes vindo das duas, mas dava para entender o que ela queria dizer. ─ Mas obrigado por me ajudar novamente. Eu... ─ A garota enxugou as lágrimas com a barra do casado, antes de olhar para ela. ─ Eu nunca tive amigos ou irmãos, mas... acho que essa deve ser a sensação de ter alguém com você.
─ Podemos não ser irmãs biológicas, mas isso é besteira... posso ser sua irmã de coração. ─ Respondeu a Cho, segurando o rosto de Junhee com as mãos. Elas até poderiam ter se conhecido em apenas alguns dias, mas tinham passado por coisas que jamais outros passariam. ─ Certo?
─ Certo.
─ E olha... eu não acho que só eu gosto de você. ─ Claro, o grupo deles havia "adotado" o bebê de Junhee como seu amuleto da sorte, mas não era bem dos outros que ela se referia. ─ Também te outras pessoas.
─ Como assim? ─ Questionou a garota, sem entender.
─ Ah, não se faz de boba... o Taemin tá sempre do seu lado! ─ Alguém precisava falar e bom, tinha que ser a bocuda da Cho Junyu. ─ Ele pode parecer bem amigável e tudo mais, mas ele não confia em todo mundo. ─ A militar sabia que seu amigo só se comunicava com facilidade, mas na maioria das vezes, ele se fingia de bobo para ver até onde os outros iam. ─ O Ko não está te ajudando só porque tem pena de você..
─ Não, claro que não, ele só está tentando me ajudar! ─ Negou Junhee. A última coisa que ela iria imaginar é ser vista por Ko Taemin... principalmente grávida e sem um futuro. Ele tinha uma vida, ela, não. ─ Além do mais, ele é seu ex namorado, Junyu, você não se importa em achar isso?
─ Claro que não... é exatamente por conhecê-lo, que eu sei que ele seria uma ótima pessoa para você! ─ Junyu não pressionaria nada entre os dois, mas via ali a possibilidade de juntar duas pessoas maravilhosas. ─ E eu sou casada com o Jun-ho... eu amo muito ele, não deu pra notar?
É, quase não deu para notar o quanto eles se amam.
─ Nem um pouco. ─ Disse Junhee ironicamente, tirando uma risada de Junyu.
Kim Junhee levantou da privada e acabou de enxugar as lágrimas no rosto, se sentindo muito melhor após a breve conversa com sua nova melhor amiga, Cho Junyu. No entanto, o cheiro forte de produto de limpeza que exalava no banheiro chamou atenção de Junyu.
Seu estômago começou a revirar involuntariamente e o nariz, coçar. Uma péssima sensação de enjôo tomou conta do corpo, causando arrepios por todos os pelos dos braços. Junyu pôs a mão em cima do estômago, sentindo uma dor insuportável subir por todo o trato digestório, causando uma forte sensação de ardência. A mulher levantou a tampa da privada imediatamente ao sentir toda a comida que havia se alimentado, querer sair pela boca. Junhee segurou o cabelo de Junyu quando a mesma apoiou as duas mãos no assento da privada. O conteúdo estomacal saiu todo pela boca, caindo diretamente dentro da privada, seguindo assim por mais alguns segundos antes que finalmente parasse.
Junhee olhou para Junyu com uma expressão assustada, sabendo exatamente do que se tratava esse tipo de reação. As dores repentinas por causa de um cheiro diferente, o vômito que demorava para parar e a expressão cansada de tanto forçar o abdômen: Cho Junyu deveria estar grávida.
A militar pôs a mão na barriga e encostou a cabeça na divisão da porta por alguns segundos, recuperando o fôlego. Era a primeira vez que ela sentia uma sensação tão angustiante como aquela. Ao olhar para Junhee, a expressão surpresa e acanhada de Junhee significava apenas uma coisa... uma coisa que não deveria ter acontecido naquele exato momento. Uma coisa que deveria acontecer apenas quando eles saíssem dali. Longe dela desejar que nunca tivesse acontecido, mas... Junyu sabia que, se isso fosse verdade, todo o plano que eles tinham poderia ir por água abaixo se Hwang Jun-ho soubesse do que elas achavam ser verdade.
Um barulho muito alto soou do lado de fora do banheiro, indo diretamente para o dormitório. As duas entreolharam-se e correram para fora do banheiro, deixando aquele assunto para comentar em algum momento em que elas estivessem sozinhas novamente.
Ao chegar no dormitório, os lados dos xis e dos círculos estavam discutindo uns com os outros. Separados apenas por uma linha, eles apontavam um para a cara o outro, defendendo quais seriam suas escolhas. Com certeza, aquilo iria dar merda.
─ Vocês estão nos atrapalhando! ─ Gritou um jogador com o símbolo do círculo no casaco.
─ Vocês que são doentes! ─ Retrucou um dos jogadores que havia alertado xis. ─ Nós só queremos ir embora! Não queremos mais jogar!
No segundo em que um dos jogadores iria atacar o outro, os guardas mascarados entraram no dormitório para uma nova votação. Junhee olhou para Junyu, esperando que a mais velha falasse alguma coisa, mas a Cho não sabia o que dizer.
Agora, irá começar a votação! Por favor, peço que não interfiram no jogo. Tentar fazer outro jogador mudar de ideia na hora da votação está proibido.
Os números começaram a ser chamados em ordem numérica, do maior para o menos, sendo Hwang Inho mais uma vez, o último a apertar o botão.
Desta vez a votação foi realmente calma. As pessoas iam votando de acordo com a ordem que eram chamados, sendo possível ouvir as comemorações de ambos os lados quando algum dos jogadores votava para ficar ou ir embora. Os números foram passando aos poucos, aumentando ainda mais a tensão. Quando o placar chegou a ficar 48 x 48, tudo estava indo conforme os jogadores do lado do xis desejavam. Falta apenas mais quatro pessoas para votar: uma que votou no xis na rodada passada e outros três que votaram no círculo.
A probabilidade estava do lado do círculo.
Os dois jogadores seguintes continuaram com os círculos, votando para ficar. Porém, quando todos acharam que tudo estava perdido, a jogadora de número três foi até a plataforma e votou no xis, trocando de lado. O grupo que queria ir embora comemorou, pulando uns com os outros e tendo certeza que agora conseguiriam empatar. In-ho foi o último. Apesar do suspense e da demora para votar no xis, apenas para causar mais pânico entre os outros jogadores e quem sabe, se divertir com isso, ele votou no xis, empatando o jogo.
Jogadores, a votação está encerrada.
─ Tá bom, deu empate, e como é que vai ficar agora? ─ O jogador de número 100, que sempre começava as confusões, perguntou.
Artigo três do termo de consentimento: em caso de empate, os jogadores votarão novamente. Para que todos os jogadores tenham tempo de pensar, a nova votação acontecerá amanhã. E até lá, pensem muito bem no que querem para o futuro de vocês.
Após a votação terminar em empate e ser adiada para o dia seguinte em uma nova votação, a comida foi distribuída. Os mais próximos se agruparam novamente no mesmo lugar em que costumavam ficar, comendo e bebendo enquanto conversavam sobre as possibilidades da próxima votação. Milagrosamente, entre eles, Junyu, que estava em pé na frente deles, foi a única que ficou calada por tempo suficiente para que qualquer um achasse estranho, já que a mulher estava sempre falando.
─ Tá pensando em que, Junyu? ─ Indagou Taemin, arqueando a sobrancelha. Ela e Junhee estavam estranhas desde que voltaram do banheiro.
─ A gente precisa sair daqui. ─ Respondeu.
─ O prêmio já está em um valor bem alto, então eu quero sair daqui... e vivo. ─ Falou Hwang In-ho de boca cheia, mastigando o gimbap.
─ Será que nessa votação a gente consegue ganhar? ─ Gyeong-seok questionou, também preocupado. Ele tinha uma filha pequena e doente, então queria voltar para casa e ficar com ela.
─ A gente precisa convencer alguém do outro lado. ─ Completou o 007. ─ Ei, pessoal! Vocês não querem ficar comendo só isso, não é? Porque não vem pra cá e acabamos com isso.
─ Pois é, precisamos de uma pessoa! ─ Gritou Daeho.
─ Se vocês idiotas morrerem, nós vamos ter pelo menos um 800 milhões de wons! ─ O velho do jogador de número 100 retrucou. Definitivamente, de todos eles, o político era o que mais influenciava naquele grupo de círculos. ─ Isso dá pra gente fazer muita coisa!
Outra discussão generalizada começou entre os dois lados, mas não se atreveram a passar da linha e agredir alguém ─ não naquele momento. Junyu ignorou a briga e sentou-se entre Gi-hun e In-ho, abrindo sua comida. Eles havia dado para os jogadores uma garrafa de vidro com Coca-Cola dentro e oito rodelas de gimbap, acompanhado de um garfo na lateral do papel alumínio.
─ Porquê eles mandariam um garfo, se dá pra comer com a mão? ─ Resmungou Junyu, olhando para o objeto.
Gi-hun abriu sua comida enrolada no alumínio e fechou a cara, pegando o garfo na mão direta e colocando na frente do rosto. Sua expressão passou de indiferente, para assustado. Ele olhou para Cho Junyu e abriu a boca, sem conseguir falar direito.
─ O que foi? ─ Perguntou sem entender.
─ O garfo... ─ Seong Gihun engoliu seco, mostrando o utensílio. ─ É esta noite... a noite que eu falei que aconteceria.
OBSERVAÇÃO: Pessoal, o Wattpad não está notificando pra mim e para outros leitores que falaram comigo, absolutamente NADA meu. Não faço ideia porque. Já mandei pra o suporte e até agora eles não responderam nada. Peço que, aos leitores de Armageddon, fiquem sempre olhando meu perfil para confirmar seu eu postei capítulo ou não por enquanto que isso não volta. Sempre que eu posto capítulo novo eu aviso aos meus seguidores, assim, os deixo avisado.
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