Capítulo 24

Comando de Operações e Defesa Aeroespacial

Tempo transcorrido após o primeiro contato: 61 dias.

Erika entra apressada no laboratório do Setor 18. O som cadenciado de seus saltos batendo contra o piso de cimento queimado atrai a atenção de todos, que viram suas cabeças e a acompanham com seus olhos até a sua mesa. Ela larga um maço de pastas em seu escaninho e de pé mesmo, começa a fechar várias abas de navegação em seu notebook, ao mesmo tempo em que começa a desfazer seu login de acesso do sistema.

- Ei Terry, seu passaporte está dentro da validade? - A doutora mira o seu colega por cima da tela do notebook. Gesto que não é retribuído pelo Engenheiro Júnior.

- É claro. - Terrance se mantém concentrado nos seus afazeres.

- Beleza. E consegue arrumar uma mala em uma hora?

- É claro. - O jovem permanece estático, com sua cara de entediado fitando a tela à sua frente, enquanto que com a mão direita movimenta o mouse, com a esquerda ele cata uns amendoins de um saco e os joga na boca.

- Perfeito. Me acompanha até Hong Kong?

- É claro. - Nesse momento Terry se levanta, desliga seu monitor e começa a arrumar as suas coisas.

- Então se apresse. Em três horas temos que pegar o avião. Erika pendura a alça de sua pasta no ombro e se dirige de volta para o elevador de acesso.

- Avião? - Terrance parece despertar de seu torpor. - Tô fora!

O jovem que caminhava apressadamente para alcançar a sua chefe, para repentinamente e volta para sua mesa, jogando a mochila sobre ela e religando seu computador.

Surpresa com a atitude de seu companheiro de laboratório, Erika se vira para os outros membros da equipe, com os braços abertos em frente ao elevador, tentando entender o que acabou de acontecer e procurando por uma resposta em seus colegas de setor.

- Como assim, Terry? Qual o problema?

Nesse momento todos da Seção 18 param o que estavam fazendo. Curiosos, passam a prestar atenção no desenrolar da conversa.

- Não gosto de avião. - A calma e indiferença em seu rosto faz com que Erika fique mais indignada com a situação.

- Mas que história é essa? Quando te perguntei se viajaria comigo para Hong Kong, por que concordou então?

- Desculpe, chefe. Não sabia que era para te acompanhar até essa Hong Kong... Na China.

- E por acaso existe outra? - A indignação da engenheira gera inúmeros risos entre os presentes no Setor 18.

Um sorriso sem graça surge na face do Engenheiro Júnior. A supervisora do setor larga sua pasta no chão e respira fundo com os olhos fechados e uma mão no peito, tentando se acalmar. Provavelmente estava contando até dez.

- Esse garoto vai me causar um infarto. - Erika se aproxima de Terry, puxa uma cadeira e senta ao seu lado.

- Terry, que história é essa de você não gostar de avião? - Ela passa ambas as mãos pelos cabelos, ajeitando-os atrás das orelhas.

- Está bem. - Terrance termina de engolir mais um punhado de amendoins e se vira para Erika, bem sério. - Quando eu era mais jovem, sofri um acidente de avião. A aeronave em que eu estava caiu num lago congelado e eu fui o único sobrevivente. Fiquei submerso por quase dez minutos. É um milagre da medicina que eu esteja vivo hoje.

- Nossa. Uau. - Erika é pega de surpresa. De repente toda sua indignação passa. - Me desculpe, eu não fazia ideia.

- Está tudo bem. Poucas pessoas sabem disso. - O jovem retoma a sua posição desinteressada à frente do computador.

- Ahm, Terry?

- Sim, chefe?

- Você sabe que as aeronaves hoje em dia são muito mais seguras do que antigamente, não sabe?

- Ah sim. Com certeza. Nem se comparam.

- E mesmo assim você ainda não entra em um avião?

- Yeap.

- Terry, me escuta. O alienígena que estamos perseguindo há mais de dois meses acabou de ser capturado. O tripulante que foi atacado por esse mesmo alienígena, na plataforma Atlantis, saiu de seu coma e está sendo tratado em um hospital em Hong Kong. Se isso não bastasse, todas as Unidades Táticas da Liga Soviética estão prontas para terem o sistema DISCMEN implantados. Você tem que fazer um esforço e vir conosco até a China e depois, até a Sibéria.

O jovem, após olhar diretamente nos olhos da cientista esfrega o rosto com as duas mãos. Em seu interior, sentimentos conflitantes o consomem. Queria ajudar seus colegas e definitivamente queria viajar pela primeira vez para a China, mas o seu medo quase irracional já fazia seu coração disparar só de imaginar entrar em um avião e ver a porta se fechando, antes de levantar voo. Com um longo e pesado suspiro, ele toma sua decisão.

- Está bem. Eu vou com vocês. - Terrance finalmente sorri para Erika, concordando com a viagem.

Erika instintivamente se aproxima com sua cadeira de Terry e o abraça.

- Obrigada, Terry. Agora vamos, o pessoal da aeronáutica já está nos esperando.

O jovem, após se desvencilhar dos braços de sua supervisora ainda demora um pouco para se levantar. Fazia tempo que ele não sentia o calor humano de outra pessoa, ou via uma demonstração de carinho e afeto para com sua pessoa. Isso acabou despertando uma profunda saudade de sua casa e de seus pais.

***

- NÃO! NÃO VOU! Sinto muito! Achei que poderia, mas não posso! - Terry se recusa a levantar de seu assento na sala de espera do hangar da Força Aérea. Abraçando sua mochila com todas as suas forças, o jovem se encontra inquieto, com sua camisa apresentando manchas de suor no peito, nas costas e embaixo dos braços. Estava em pânico. - Vocês terão que ir sem mim. Sinto muito.

O soldado parado na porta aguarda impacientemente para escoltar o grupo pelo hangar até o interior da aeronave, um avião de transporte tático de média capacidade, equipado com dois motores turboélice.

- Doutora Barnett, temos que ir. A aeronave já está pronta.

- Desculpe. Me dê só mais um segundo, ok? - Erika se volta para Terry, encarando-o com um olhar de desespero.

- Ei, não me olha com essa cara. Eu tentei! - Terry, mesmo com a cabeça afundada na mochila, consegue sentir o olhar inquisitivo de sua chefe.

- Erika, não podemos esperar mais. Fiz tudo que pude para ganhar mais tempo... - Janet White, Engenheira Assistente de Erika e amiga pessoal adentra a sala apressadamente, avançando em direção à sua mochila e já à colocando nas costas.

- Espere! - Terrance repentinamente se ergue em sua cadeira, entusiasmado com sua ideia. - E se vocês me drogassem? Deve existir algum remédio que eu possa tomar e apagar! Assim vocês poderiam me carregar inconsciente para dentro do avião.

- Essa é a maior besteira que você já falou! É uma péssima ideia! - Erika esbraveja.

- Na verdade, é uma ótima ideia. - Janet cochicha sobre o ombro de sua supervisora.

- Pensando bem, é uma ótima ideia, Terry! - A Dra. Barnett se vira em direção ao soldado, parado sobre o marco da porta. - Você se importaria de chamar o médico da base aqui soldado... - Rapidamente Erika procura pelo nome do recruta bordado em seu uniforme -, Soldado Andreas?

Após revirar os olhos e soltar uma longa e pesada expirada, Andreas concorda e vai chamar o médico plantonista.

***

- Como é que é? Vocês querem que eu drogue esse garoto? - O médico encara incrédulo a Engenheira a sua frente. Sobre o ombro de Erika, ele encara o rapaz, responsável por toda a confusão.

- Isso. Mas só por umas doze horas. Só até o avião aterrissar em Hong Kong. - Terry, mais calmo e confiante acena com a cabeça para o médico.

- Eu não posso fazer isso... Quer dizer... Eu... Nós nem temos medicamentos desse tipo aqui na base. Esses não são remédios que vocês compram em qualquer esquina... Não posso. Sinto muito.

- Ah, doutor. Qual é? Vai me dizer que nunca receitou esse tipo de remédio para um de seus pacientes? Talvez um soldado com transtornos psicológicos pós-guerra?- Erika muda seu tom de voz, adotando uma postura mais descontraída.

- Ela está tentando seduzir o oficial? - Janet pergunta ao pé do ouvido de Terry, que também não acredita no que está vendo.

- Eu acho que está.

Para Terry e Janice, aquela era a primeira vez que viam a Dra. Barnett falando de um jeito mais casual. Mas o que ela tinha de confiança como engenheira, lhe faltava poder de sedução. O que era para ser uma paquera inocente acabou se tornando um momento embaraçoso, onde tudo que Erika conseguiu arrancar do médico foi uma olhar de incredulidade.

- Não! - O oficial se afasta de Erika. Sou apenas um paramédico- O olhar de estranheza no rosto do paramédico se traduz em uma linguagem corporal acuada e, inconscientemente o médico começa a se posicionar em direção à porta, esperando apenas uma oportunidade para sair do meio daquela conversa.

Erika, Terry e Janet viram seus olhares para Andreas, como se tentando entender porque ele trouxera um brigadista à sala, quanto lhe foi solicitado que buscasse um médico. Ao perceber que se tornara o alvo da fúria do trio, o soldado recua alguns passos, levantando os braços assumindo semblante de desconfiança. - Ei, é o que tinha no momento.

A Engenheira Sênior e Supervisora do Setor 18 se jogam pesadamente sobre a cadeira, assumindo finalmente sua derrota.

- Está bem, Terry. Vamos somente Janice e eu. Volte para o C.O.D.A. e deixe tudo preparado. Você poderá nos auxiliar remotamente na implantação do DISCMEN nas tropas soviéticas.

Erika se levanta, apanha sua mochila e parte em direção ao avião que, a essas alturas já tinha taxiado e se encontrava aguardando por seus passageiros na cabeceira da pista. Janice parte logo atrás dela.

- Boa sorte, pessoal. - O jovem Snider deixa sua cadeira e avança alguns passos em direção ao hangar. Janet que ia um pouco mais atrás de Erika se vira e faz um sinal de positivo para seu colega. Por um momento, ao perceber que sua supervisora não retornaria a saudação, Terry se sente culpado por deixar suas colegas na mão. Cabisbaixo ele parte em direção à saída do hangar. Não era um covarde, mas aquele medo irracional de voar era muito mais forte do que sua vontade de ajudar.

Terrance decide esperar para acompanhar a decolagem da aeronave que levará sua colega e sua chefe para Hong Kong. Ele sentia que a oportunidade de sua vida se esvaia por entre seus dedos.

Assim que as duas cientistas sobem pela escada retrátil e desaparecem no interior do avião, a escotilha de acesso é fechada. A aeronave, que já estava com seus motores ligados, começa a avançar pela pista e, rapidamente, vai ganhando mais velocidade até que, antes de chegar ao final dela, seus flaps são baixados e o veículo começa a deixar o solo e a ganhar altitude. Em poucos minutos o avião some em meio às nuvens no horizonte.

Terry, que assistira à decolagem encostado no portão do hangar pega sua mochila e começa sua caminhada de volta até a entrada da base, onde os três foram deixados por um carro do C.O.D.A. Ao chegar no local, Snider percebe que não há mais nenhum carro esperando por ele. "- É claro. Ninguém esperava que eu fosse amarelar."

Por aquela se tratar de uma base militar, o terreno em que estava localizada era bem distante e isolado, cercado por uma vegetação composta basicamente por manguezais e dunas litorâneas de areias brancas. Naquele momento não havia nenhum carro na estrada e, tampouco transitando pela estrada. Terry puxa seu smartphone do bolso e tenta chamar um Uber, mas estava sem sinal. "- Ô meu saco!".

Após desistir da ideia de chamar uma carona, Terry olha em volta e não acha nenhum ponto de táxi. Também não encontra ninguém ao seu redor para pedir informações. Aquela parecia uma base fantasma. Sem mais nenhum voo agendado para à tarde, os hangares estavam todos vazios e silenciosos.

"- Não é possível que não tenha mais ninguém numa base desse tamanho!"

Sem muita escolha, o Engenheiro Júnior se acomoda em um dos bancos à frente da entrada principal da base e pacientemente espera.

***

O relógio já marcava mais de 22h quando Terry abriu a porta de seu apartamento. Estava se sentindo muito mal por ter falhado com seus colegas. Queria muito ter ido junto com Erika e Janet, para ajudar, mas seu medo não o permitiu.

Terrance Snider nunca fora uma pessoa muito popular. Mesmo entre seu círculo de amigos. Amigos esses, muito raros. Depois de sofrer o fatídico acidente de avião, onde seu melhor amigo e seu pai perderam a vida, ele nunca mais tinha conseguido desenvolver uma relação de amizade verdadeira e confiança com ninguém. A maioria das pessoas com quem se relacionara tinha sido de colegas aproveitadores que o procuravam somente quando precisavam copiar algum trabalho, ou para jogar seus vídeo games. Mesmo tendo uma condição financeira muito boa, seus pais faziam questão de que ele frequentasse escolas tidas como "normais", para pessoas de classe média. Por isso, sempre despertava o interesse de seus colegas. Para se defender desse tipo de abuso, Terry acabou construindo um muro ao seu redor, de onde as pessoas só veriam sua versão super confiante e, por muitas vezes, arrogantes. Mal sabiam todos que, por baixo de toda aquela pompa, havia um garoto solitário e desconfiado, buscando incessantemente pela aceitação das pessoas e, principalmente, em busca de um propósito para a sua vida.

E quem diria que justamente no C.O.D.A., um órgão público-privado, durante uma invasão alienígena é que ele conheceria e experimentaria aquele sentimento de camaradagem e cumplicidade pela primeira vez? Agora, justamente na primeira oportunidade que surgia para retribuir Erika, Janet, Willian e aos outros, ele deixa todos na mão.

Um sentimento tóxico e corrosivo o consumia internamente. Não conseguia se concentrar no filme que assistia e, tampouco saborear a pizza requentada que comia. Como ele poderia ajudar suas colegas, mesmo a distância? Não sabia. Mas não desistiria. Conhecendo bem Erika, mesmo durante a longa viagem até Hong Kong ela provavelmente estaria trabalhando. Decidiu se logar em seu note para acessar os sistemas do C.O.D.A. para ver se a encontrava online.

- Mas que merda! - Após tentar logar três vezes, Terry percebera que tinha se esquecido de levar seu notebook para o pessoal do T.I. instalar todos os programas e firewalls necessários para acessar remotamente o servidor. Essa era só mais uma ocasião na qual sua preguiça e mania de deixar tudo para depois jogava contra ele.

Tão decidido quanto um garoto de 22 anos poderia estar, Terry resolve ir até o C.O.D.A. formatar seu notebook e acompanhar a missão de Erika, auxiliando-a no que fosse necessário. Após um rápido banho, o jovem veste uma roupa limpa e, com o computador previamente guardado na mochila, parte em direção ao Comando.

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