ARGEU ESPERA

Me vejo sozinho encarando o espelho e contemplando meu eterno tédio na minha vida tediosa, na verdade, não tem nada no espelho para encarar, mas minha cadeira continua parada na frente dele, a luz do dia que entra pela janela é parca e vejo as colunas de poeira subindo pelos raios onde eu deveria estar. Penso em mandar uma carta a algum amigo, mas ninguém manda mais cartas e eu não tenho mais amigos. Tem Bianca, mas ela não tem caixa postal e eu nunca sei onde ela está, some e reaparece a cada dois anos, diz que eu não posso me apaixonar por hambúrgueres, então se apaixona por hambúrgueres, os come ou transforma em estátuas.

Talvez eu devesse me apaixonar por hambúrgueres ou fazer se apaixonarem por mim, só que toda a sistemática envolvida me cansa e eu prefiro hot dogs. Das 20 às 22 não tenho nada para fazer, os drogados só chegam às 23 e os jovens às 2 de sexta-feira para curtir sua música eletrônica e tinta néon o que dá no mesmo. É tudo drogado. No resto do dia eu durmo no sótão, o gato do vizinho mais próximo vem e chia pra mim, às vezes ele traz outros gatos e vira uma suruba de gatos, não tenho nada contra, mas de dia eu tô dormindo e incomoda. Peguei o gato e devolvi de noite, o vizinho tinha wi-fi, ordenei que me desse a senha e o celular do filho dele, que pelo cheiro das glândulas, é drogado também. Três horas depois voltei para pegar o carregador.

A internet é absurda, mais que as cortes francesas e bem menos que as festas gregas, tem tudo que precisar, menos a parte do cartão de crédito, peguei do vizinho também. Por um tempo, meu tédio eterno passou, até que fui bloqueado no Twitter pelo Eddie Murphy, um absurdo ele não me reconhecer daquela festa de estreia de Pluto Nash! Acabou comigo. Um dia vou bater na porta dele e quando ele me convidar para entrar, farei com que ele realmente acredite que é o Professor Aloprado. Será divertido, bem mais do que o Grande Joe.

Penso no meu tédio infinito, em como eu aparentaria no espelho com meu novo jeans; penso em Veneza nas noites em que não fedia, na Rússia gélida de ruas castas e casas sórdidas, em Van Gogh, no meu quarto, a febre tifóide me matando, súditos chorando, uma sombra inclinada na janela e um beijo afiado. Acabou o agora e começou o sempre. Solidão ou castigo, um presente. Meus colegas têm tendências à autodestruição, se abominam, nunca tentei me matar, só uma vez: estava bêbado de um drogado que morreria de overdose no meu chão, ele já estava ali mesmo, achei melhor não desperdiçar. Me joguei de uma ponte brasileira, não lembro o motivo, acho que apenas caí. Acordei três dias depois dentro d'água e estava tudo bem, então sem preocupações.

Eu sei quem me deu isso e o porquê, nunca serei um deus ou um rei, jamais eterno dessa forma, mas no seu coração tão estático quanto o meu, sou imortal. Sou História, vida e arte, sou rei e imperador, passado e presente, pois futuro sou agora, somos, não o petróleo escasso ou a água no ciclo renovável, sou perene, sou eterno. E a minhas solidão e tédio são nada, não há problema em esperar, tempo é um conceito a mim não-aplicável. Ele vai voltar. A vida é um complexo de... A campainha toca.

Olho para o celular.

Foda-se a divagação!

Minhas compras na Amazon acabaram de chegar!

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