Capítulo 4
Bocejava enquanto esperava Chewie fazer suas necessidades. Acordei com ele latindo e arranhando a porta, sabia que ele queria sair. Deixei Henrique dormindo na cama e desci com o cachorro. Coletei seu cocô assim que ele terminou e joguei a sacola na lata de lixo. Retornei ao prédio caindo de sono e peguei o elevador. Saltei no andar e entrei no apartamento, sonolenta, indo direto para o quarto. Chewie voltou para seu tapete e fui lavar as mãos. Voltei para cama como um zumbi e me joguei nela. Henrique tateou pela cama e me puxou para si. Ele estava quente, parecendo uma bola de fogo. Virei-me para ele, escondendo o rosto em seu peito e a respiração calma e ritmada dele me fez cair no sono mais uma vez.
Acordei sozinha na cama ao soar de meu despertador. Levantei, trôpega, indo até o banheiro. Prendi meu cabelo em um coque e joguei um punhado de água gelada no rosto. Escovei os dentes e fiz meu xixizinho. Chewie ainda dormia com a barriga para cima e a língua para fora. Dei um risinho e me retirei do quarto. Andei pelo corredor, descalça. Senti o cheiro de café de longe e prendi a respiração. Odiava café.
Entrei na cozinha e encontrei Fernando e Henrique, cumprimentando-os com um bom dia. Eles me encararam, assustados, mas não dei muita importância e avancei até a geladeira. Vasculhei entre as prateleiras e não encontrei leite. Olhei por cima do ombro, encontrando-os com a mesma expressão assustada e franzi as sobrancelhas, confusa. Então, percebi que interrompi alguma conversa entre eles e agora eles estavam preocupados, pensando que ouvi alguma coisa.
— O que foi, gente? — indaguei.
Henrique foi o primeiro a sacudir a cabeça, abrindo um sorriso. Ele veio até mim e deu um beijo no alto da minha cabeça. Fechei a porta da geladeira e virei para ele, abraçando-o e senti o cheiro gostoso de sabonete em sua pele. Recuei e dei um beijo em seu queixo.
— Dormiu bem? - ele quis saber.
— Muito mais que bem — respondi. — Precisei levantar às 05h30 para levar o Chewie lá embaixo.
Ele fechou o semblante.
— Por que não me chamou?
— Ah, você estava dormindo tão gostosinho e fofo, que eu fiquei com peninha de te acordar.
Sua feição suavizou e um sorriso surgiu em seus lábios.
— Da próxima vez me chame, por favor. Eu sei que sou irresistível de qualquer maneira, mas é melhor do que você descer sozinha.
— Não é como se alguém fosse me sequestrar, Henrique.
— Mesmo assim...
Tampei sua boca, vendo seu olhar divertido.
— Não vamos brigar. Eu agradeço por você se preocupar comigo e eu te amo ainda mais por isso, tudo bem? — Ele anuiu, destampei sua boca. — Tem leite?
Ele pareceu pensar um pouco e notei sua expressão maliciosa. Demorei um pouco para entender, mas quando a ficha caiu, dei um beliscão em seu mamilo. Henrique se esquivou, rindo, enquanto eu sentia a cara pegando fogo.
— Palhaço!
— Eu estou brincando com você, pentelha.
— Isso não tem graça nenhuma.
— Para mim tem muita.
Saí de perto dele, enquanto ele ria e abria a geladeira. Procurei o achocolatado e peguei o pacote de pão. Coloquei sobre o balcão e percebi a sobrancelha de Fernando arqueada. Ele me encarava por cima de sua xícara fumegante. Usava apenas uma calça de moletom, o maldito relógio e um cordão militar repousava no meio de seu peito musculoso. Encarei a tatuagem de seu peito, era de engrenagens e descia pelo seu braço, misturando-se a flores e algumas caveiras. A da costela era uma data em números romanos. Ouvi seu pigarrear e o encarei, dando um sorriso inocente.
— Gosta do que vê?
Pisquei bem devagar e dei mais uma conferida nele antes de responder.
— Gosto sim.
Ele arregalou os olhos, corando. Achei graça e abri um sorriso meio cínico. Henrique trouxe o leite e o queijo mussarela. Ele pegou o pão e começou a montar meu sanduíche. Peguei o leite, encarando-o.
— Onde você achou isso?
— Na geladeira.
Semicerrei os olhos, desconfiada. Ele continuou montando o sanduíche, preparou a frigideira no fogão para fazer meu queijo quente e estendeu uma caneca para mim com a colher dentro. Enchi a caneca com o leite e usei a colher para preparar meu achocolatado. Lambi a colher e tomei um gole, limpei o bigode com o braço e encontrei o olhar espantado de Fernando.
— Por que está me olhando assim?
Ele sacudiu a cabeça.
— Por que ele está cozinhando para você?
— Porque eu não quero que minha casa pegue fogo — respondeu Henrique.
Dei um empurrão nele e ouvi sua risada. Olhei para Fernando, constrangida.
— Eu não sei cozinhar...
— Nem fazer um simples queijo quente?
Aquilo estava me irritando. Eu era obrigada a saber cozinhar, agora? Pelo amor!
— Não sei, Fernando. Alguma objeção?
— Nenhuma, apenas estou perguntando.
Tomei mais um gole do meu achocolatado.
— Quantos anos tem?
— Por que quer saber?
— Vai tomar achocolatado e comer queijo quente de café da manhã?
Pressionei os lábios, irritada. Fernando mantinha a pose esnobe, aguardando uma resposta.
— E qual o problema nisso?
— É que... Paladar meio infantil, não?
— E você é um velho ranzinza só porque toma café, por acaso?
Ele contraiu a mandíbula e seu olhar mudou para irritação. Henrique trouxe meu queijo quente num prato e deu um beijo no alto da minha cabeça. Fernando revirou os olhos.
— Deixe-a em paz, Fernando. Ela não gosta de café e não tem problema algum nisso.
— Tudo bem não gostar de café, mas achocolatado? Por que não chá?
— Você é a blitz do achocolatado agora, caralho? — Explodi. — Tomar isso na sua frente te dá algum tipo de gatilho? Impediram você de encher o rabo de Toddy e agora você está jogando sua frustração em mim? Vê se me erra, porra! — Peguei meu prato e já ia saindo da cozinha, mas lembrei do meu Toddy e voltei para pegá-lo. Encarei Fernando, que estava em um misto de surpresa e irritação. — Eu gosto de comer assistindo desenhos, então, me dê licença.
Caminhei até a sala a passos duros e resmungando. Ouvi as risadas de Henrique e senti vontade de ir até ele e lhe encher de socos, mas respirei fundo e me sentei no sofá. Liguei a televisão no canal de desenhos e me animei por estar passando Scooby- Doo. Fiz meu desjejum assistindo meu desenho sem ser incomodada e desliguei a televisão quando terminei de comer, levando as louças para a cozinha.
Fernando se engasgou com a torrada quando me viu entrar na cozinha. Olhei para ele, assustada. O que era, agora? Henrique levantou da banqueta e veio até mim, rindo. Ele passou o dedo ao redor dos meus lábios e o dedo à boca. Achei o ato um tanto obsceno, envergonhando-me.
— Estava com bigode de Toddy — explicou.
Dei um sorriso sem graça.
— Ah, era isso... Tem que parar de me olhar assim.
— Assim como?
Ele estava sustentando um sorriso cínico. Bufei e passei por ele, levando a louça até a pia, lavando-a. Henrique se colocou ao meu lado, encostando o quadril na pia. Seus braços cruzaram, aumentando um pouco mais seus músculos. Ele não era do tipo bombado, mas tinha os músculos marcados, bem bonitos. Coloquei a louça no escorredor, sequei as mãos na blusa e ele me encarou com censura. O seboso detestava isso.
— O que?
— Nada... Preciso perguntar e tem que ser sincera comigo — Concordei com um aceno. — Você está desconfortável comigo?
Franzi as sobrancelhas e neguei.
— Por causa de ontem? Claro que não! — Ele parecia aliviado. Dei um sorriso e agarrei seus braços, descruzando-os para poder abraçá-lo. Henrique me apertou contra si, suspirando. — Achou que ia se livrar de mim, mas não vai, não.
— Eu estava bastante preocupado, sendo sincero — confessou. — Achei que iria ficar um clima estranho e você iria se afastar.
— Jamais!— Recuei alguns passos para poder encarar o seu rosto. — Não vou mentir e dizer que quando vejo a sua boca não lembro de... Certas coisinhas. — Ele gargalhou.— Mas você continua sendo meu melhor amigo e eu te quero perto sempre. — Henrique me encarou com intensidade e dei um meio sorriso, afastando-me dele por completo. Fernando nos assistia como se fôssemos seu programa de TV favorito. — Eu preciso me arrumar para ir trabalhar. Você pode deixar o bebê e minha bolsa lá em casa?
— Claro!
— Obrigada, meu amor. — Soprei um beijo. — Eu vou deixar a chave com você, aproveita para colocar água para e ração para ele. Você sabe onde encontrar tudo, né? —Ele acenou em concordância. — Quando eu sair do trabalho, eu passo aqui para pegar minha chave, beleza? Nunca sei quando Breno está em casa.
— Tudo bem, pentelha.
Deixei-os na cozinha e fui direto tomar um banho para poder me arrumar. O jato de água quente em meu corpo revigorou minhas forças. Henrique entrou no banheiro e escovou os dentes. Fiquei um pouco envergonhada, mas ele nem olhou na minha direção e deixou o banheiro depressa. Terminei meu banho e saí do banheiro enrolada na toalha. Henrique mexia no celular e estava com uma toalha no ombro. Seu olhar me analisou por alguns segundos e voltou para a tela do celular.
Caminhei até a cama e peguei minha calcinha. Olhei por cima do ombro e o vi deixando o quarto, deixando-me relaxada. Vesti minha roupa íntima e um vestidinho de alças finas florido e leve. Calcei minhas sapatilhas e peguei minha pequena bolsa, colocando o celular dentro, minha carteira já estava lá. Peguei minha bolsinha de maquiagem e fui até o banheiro. Soltei os cabelos e eles caíram em ondas pelos meus ombros, parando na minha cintura. Passei um pouquinho de corretivo, base, pó, blush, iluminador. Um batom vinho, olhos com um delineado gatinho e máscara de cílios. Borrifei um pouquinho do meu perfume, que sempre levo em um frasco na minha necessaire. Saí do banheiro guardando minhas coisas e levei um susto ao erguer o rosto e dar de cara com Fernando plantado no meio do quarto. Ele estava arrumado. Calça jeans escura, botina, blusa preta com uma jaqueta de couro por cima e uma mochila nas costas. Espalmei a mão no peito.
— Que susto!
Ele riu.
— Desculpe por isso, mas eu bati antes de entrar.
Terminei de fechar a necessaire, nervosa com seu olhar e fui guardá-la na bolsa que Henrique levaria para minha casa. Peguei minha bolsa e ao virar, o encontrei do mesmo jeito.
— Quer alguma coisa?
— Eu estou indo trabalhar agora e o quartel fica a caminho da casa de repouso. Você quer carona?
— Sério?! Me adiantaria muito, Fernando.
Saímos do quarto e encontrei Henrique dentro de um terno, tentando colocar a guia em Chewie. Achei graça e liberei uma risada fraca. Seu olhar levantou para mim aos poucos e mais uma vez me senti envergonhada, lembrando da noite anterior. Ele se pôs de pé e o abracei apertado. — Tenha um bom dia no trabalho.
— Você também tenha um bom dia, pentelha.
— Podemos ir logo? Vocês vão se ver mais tarde, meu Deus.
Fernando passou por nós, resmungando, saindo porta afora. Henrique apenas sacudiu a cabeça em negação quando lhe lancei um olhar questionador. Ele me deu um beijo no nariz e deixou que eu fosse embora. Saí do apartamento fechando a porta atrás de mim e encontrei o emburrado do lado de fora. Ele descruzou os braços e caminhou até o elevador.
Fiquei quieta enquanto descíamos pela caixa de metal, mas me incomodava o fato de ele estar tão irritado. Eu quem deveria estar assim, não? Cara louco, eu hein.
Descemos na garagem e caminhei ao seu lado até uma moto gigante. Olhei em volta, procurando o carro, mas o desespero se apossou de mim quando o vi tirar as chaves do bolso e colocar na moto. Ele foi o primeiro a montar, colocando o capacete, estendendo o outro para mim. Ele percebeu que continuei estática e vi suas sobrancelhas franzir.
— O que foi?
— Eu não vou subir nessa coisa.
— Primeiramente, não fale assim da Marie — exigiu. — Você tem medo de andar de moto?
— Nessa monstruosidade, sim — respondi. — Não quero ofender sua Marie nem nada, mas né...?
— Deixa disso, America. Eu não vou deixar você cair.
Encarei-o desconfiada, mas aceitei o capacete. Coloquei-o e precisei apoiar em seu ombro para conseguir subir na moto, surgindo outro problema.
— Minha calcinha vai aparecer.
Ele retirou a jaqueta e me entregou. Vesti por cima da minha bolsa mesmo e senti o cheiro amadeirado fazer cócegas em meu nariz. Ela batia no meio da minha coxa.
— Melhorou agora?
— Sim, obrigada.
— Então, segura.
Envolvi meus braços em sua cintura, sentindo os músculos de seu abdômen. Fernando deu partida na moto, passamos pela guarita e ao chegar na pista, senti meu coração subir até a garganta e voltar para seu lugar. Ele corria muito, eu o apertava ainda mais contra mim. Em cada curva, eu sentia minha alma deixar o corpo e dar uma passeada por aí. Meu coração estava aos pulos e quanto mais eu pedia para ir devagar, mais ele corria.
Ele me deixou em frente a casa de repouso e desci da moto com as pernas bambas. O infeliz ria da minha cara de espanto. Tirei o capacete, jogando nele. Ajeitei os cabelos e tirei a maldita jaqueta, também jogando em cima dele. Ele gargalhou, vestindo-a.
— Ordinário.
— Tenha um bom dia também, docinho.
— Vá à merda, Fernando!— Ele soprou um beijo, eu lhe mostrei o dedo do meio. — Quase me matou, arrombado.
— Não tenho tanta sorte.
Apertei as mãos em punhos e franzi os lábios. Fernando mantinha o olhar provocante em mim.
— Melhor não aparecer na minha frente, ordinário!
Ele saiu com a moto, gargalhando e também me mostrou o dedo do meio. Gritei, mandando-o socar o dedo no rabo. Fernando acelerou e soltei um gritinho irritado. Olhei em volta e encontrei alguns olhares assustados. Dei um bom dia sem graça e passei pelo portão, cumprimentando o porteiro. Respirei fundo e rezei para que o dia de hoje fosse bom.
Soube que era o assunto do momento assim que pus meus pés no prédio do meu trabalho. A recepcionista mal me olhou, apenas informando que Leila queria me ver em sua sala. Fui alvo de cochichos e olhares até chegar à sala e entrei quando fui autorizada.
A loira estava sentada em sua cadeira e não parecia estar satisfeita. Sua mesa estava arrumada, sem nenhum objeto fora de lugar. Tudo estava muito limpo e sabia que poderia lamber o chão sem qualquer risco de pegar alguma infecção. Ela apontou para a cadeira à sua frente e esbarrei em sua mesa antes de me sentar.
Leila arrumou tudo como se sua vida dependesse daquilo e me encarou com mais desprezo do que antes. Suas mãos se juntaram e seus dedos se entrelaçaram um no outro.
— O neto da senhora Elenice Rodrigues veio até mim ontem. Ele disse que você teve um surto e o agrediu no meio da recepção.
Fodeu!
É hoje que eu vou ficar na rua da amargura. Eu precisava me explicar.
— Leila...
Ela levantou a mão, impedindo minha fala. Eu queria gritar e me explicar mesmo assim, mas só pioraria as coisas.
— Eu não me importo com relações pessoais fora do trabalho, mas se torna um problema quando elas começam a desnivelar o ambiente. Ele iria prestar queixa não só contra você, mas contra a instituição também. Precisei argumentar bastante para que ele mudasse de ideia.
Então era isso que o filho da puta se segurou a noite toda para me dizer... Ordinário! Engoli a seco, vendo a expressão insatisfeita de minha chefe.
— Eu sinto muito.
— Eu estou cheia de problemas nas minhas costas e você ainda diz que sente muito? Garota, você quase arruinou tudo! – exasperou-se. – Eu poderia te mandar embora agora mesmo, mas vou considerar o belo trabalho que tem feito nos últimos três anos. Os internos te amam, todo mundo elogia seu trabalho.
Suspirei aliviada, mas com uma pontinha de raiva. Eu iria matar aquele desgraçado.
— Ele não quer mais que você se aproxime dele, ou da avó dele — informou. — A senhora Nice vai ser paciente da Carla a partir de hoje e você vai ter que manter a distância de pelo menos dois metros dela. Não pode olhar, nem mesmo falar com ela. Precisei mudá-la de alojamento ontem mesmo para que o neto ficasse satisfeito.
Baixei a cabeça, nem tinha como argumentar. A loira teve um trabalhão por causa da minha impulsividade e daquele cretino. Estava com o coração partido por não poder mais ter contato com Nice, mas estava aliviada por não ter uma punição pior do que esta.
— Você também vai precisar fazer um discurso de desculpas publicamente — emendou. — Tem alguns dias para organizar tudo. Eu não quero mais dramas aqui, entendeu bem?
Senti o gosto amargo da raiva em minha boca e precisei engolir todo meu ódio.
— Sim, senhora — murmurei.
— Ótimo! Você pode ir se trocar e começar o seu trabalho.
Ela gesticulou com a mão e me expulsou como se eu fosse uma mosca chata. Saí da sala com o resto da minha dignidade e fui direto para o vestiário. Encontrei com Carla e Diana e elas vieram me abraçar.
— Eu soube de tudo — disse Diana. — Sinto muito por tudo isso, America. Eu sei bem o quanto você ama seus pacientes.
— Obrigada, amiga — sussurrei. — Eu vou matar aquela xérox do satanás.
Ela se afastou com os olhos arregalados.
— Como assim, amiga?
— Acredita que ele teve a noite toda para me contar que fez essa palhaçada comigo e não me disse nada?
Diana sacudiu a cabeça, confusa.
— Espera, estou perdida... Você passou a noite com ele?
— Não, eu passei a noite na casa do Henrique — expliquei. — Ele está morando lá.
— Nossa...
— Ele ficou todo irritadinho com o Chewie, brigamos, eu transei com Henrique, depois o ordinário me pediu desculpas por ter sido um babaca, e hoje de manhã brigamos mais uma vez.
Diana arfou e faltou colocar os olhos para fora.
— Você transou com o Henrique?! Não pode jogar isso com tanta naturalidade em cima de mim, garota. Explica isso direito.
Comecei a narrar tudo, escondendo os detalhes sórdidos e via os olhos verdes de minha amiga aumentarem a cada palavra dita. Carla estava tão estupefata quanto Diana.
— Foi só isso...
— Você ainda diz que é "só isso", vagabunda? Que babado!
Soltei uma risada.
— Vai continuar transando com Henrique? — Carla quis saber.
Abri meu armário, dando de cara com uma foto minha e de Henrique. Dei um meio sorriso, guardei minha bolsa e peguei meu uniforme.
— Eu amo aquele seboso, vocês sabem, então, não — respondi. — Não quero correr o risco de perdê-lo.
Carla concordou comigo e vi Diana com um sorriso malicioso.
— Ele transa bem?
Soltei uma risada fraca, tirando meu vestido e coloquei o uniforme. Enquanto Carla estava envergonhada, Diana me encarava em expectativa.
— Bem é apelido.
— Eu sabia! — Diana deu um gritinho. — Aquele jeitão cortês dele nunca me enganou. Sempre soube que deveria ser um safado na cama.
Envergonhei-me.
— Meu Deus, Di — reclamou Carla.
— Ah, nem vem que eu sei que você também pensa a mesma coisa. A única diferença é que eu chego junto.
Carla tampou o rosto, envergonhada e Diana agarrou meus ombros.
— Entendo seu medo, amiga — disse ela. — Mas tesão não tem nada a ver com os outros sentimentos. Se rolar clima, agarre aquele gostoso.
Soprei uma risada divertida e me afastei. Coloquei meu jaleco, dobrei meu vestido e abri o armário mais uma vez para guardá-lo. Olhei aquela foto por tempo demais antes de pegar meus aparelhos de enfermagem e meu celular. Bati a porta do armário e voltei meu olhar para minhas amigas e encontrei o olhar sugestivo de Diana.
— O que foi?
— Você pode até não admitir, mas está doida para dar para ele mais uma vez.
— Quero não.
— Sei bem.
A noite passada veio com tudo e a cena daquela cuspida me atingiu. Senti não só minha face esquentar e precisei baixar a cabeça. Ouvi a risada de Diana e tive vontade de estapeá-la por colocar coisas na minha cabeça.
— Que tal darmos uma passadinha no bar quando sairmos daqui? - propôs.
— Hoje?
— Por que não?
— Por que hoje ainda é terça-feira? — rebateu Carla.
— É para nos distrairmos — argumentou. — Aconteceram coisas demais em um espaço curto de tempo. Prometo que iremos embora cedo, vocês nem precisam beber.
Carla e eu nos entreolhamos e depois encaramos a ruiva. Ela estava em expectativa e sabia que era impossível negar alguma coisa para ela e ficar por isso mesmo.
— Tudo bem, eu topo.
Ela deu um gritinho animado e me abraçou, dando pulinhos.
— Eu também vou.
Diana deu outro gritinho e a juntou em nosso abraço. Carla era mais introvertida e sempre ficava meio envergonhada com as estripulias de nossa amiga.
Despedimo-nos na enfermaria e parti para mais um dia no trabalho. Joguei Henrique, a cópia ordinária e qualquer outra coisa que me tirassem do eixo para longe e me foquei no que era realmente importante: meus pacientes.
[...]
Não sabia dizer como cheguei até o apartamento de Henrique, mas quando dei por mim, apertava sua campainha. Estava um pouco zonza e alegrinha demais por conta das muitas doses de tequila que tomei. Passava das 22h e nem sabia se o seboso estava em casa. Ouvi o barulho da trinca e escorei as mãos no batente. Uma loira vestindo apenas uma camisa, que ia até suas coxas, abriu a porta. Qualquer resquício de bebida evaporou do meu corpo e a encarei, surpresa. Ela me analisou com certa cautela e deu um sorriso gentil.
— Você deve ser America — supôs. — Eu sou Fabiana.
Ela estendeu a mão para mim, sorrindo com simpatia. Apertei sua mão.
— Muito prazer, Fabiana. O Henrique está aí?
— Ele está lá dentro — respondeu. — Vem, entre.
A loira abriu passagem e entrei no apartamento, zonza. Sentia meu estômago embrulhado e um gosto ruim na boca. Ela me acompanhou até a sala.
— Bibi, sua gostosa safada, cadê você?
Ouvi a voz de Henrique vir do corredor e arregalei os olhos. Fabiana pareceu não se envergonhar e abriu um sorriso malicioso.
— Estou aqui, meu amor.
— Quando eu te pegar, eu vou... — Sua fala morreu assim que me viu no meio da sala. Ele estava apenas de cueca e ficou muito envergonhado ao me ver. — O que faz aqui, pentelha?
— Desculpa vir sem avisar, mas eu preciso da minha chave.
Ele elevou as sobrancelhas.
— Eu pensei que uma hora dessas você já estivesse em casa.
Dei um meio sorriso.
— Eu saí para beber com minhas amigas do trabalho, acabou que nem vi a hora passar — expliquei. — Não quero atrapalhar vocês. Pode me entregar a chave, que eu sumo em dois segundos.
Henrique apertou os lábios em uma linha fina. Ele não gostou nada daquilo, eu sabia bem, mas eu não estava com a menor vontade de começar uma discussão agora.
— Você está muito louca se acha que eu vou deixar você ir embora assim desse jeito.
— Eu não estou te pedindo autorização — rebati com um pouco mais de grosseria que o normal. — Dá logo a porcaria da minha chave.
Ele fechou a feição e notei o quanto estava irritado. O fato de ele estar se controlando ao máximo era notório. Não queria brigar com ele, mas também não queria causar incômodos. Henrique suavizou a expressão e suspirou.
— Eu me preocupo de verdade com você. Sei que você sabe se cuidar bem, mas está tarde e você está sozinha — argumentou. — Você pode decidir ficar essa noite aqui, ou vou colocar uma roupa e a levarei até sua casa. Ficarei mais tranquilo assim.
Examinei seu rosto por um pouco mais de tempo, tentada a ser malcriada e lhe dar uma boa resposta, mas via em seus olhos castanhos que ele se importava demais comigo para me deixar sozinha e eu o agradecia por isso. Esfreguei o rosto, rendida.
— Tudo bem, eu fico... Eu não quero incomodar e nem atrapalhar vocês.
Ele expandiu o sorriso e seu olhar era puro alívio.
— Eu já disse, você não me atrapalha nunca.
Dei um sorriso tímido e ele veio até mim, jogou o braço em cima de meus ombros e beijou o topo da minha cabeça. Henrique estava praticamente pelado, quente e muito perto de mim. Ouvi um pigarro e encarei Fabiana. Ela estava de braços cruzados e sobrancelha arqueada.
— Agora que resolveram tudo, será que podemos... ?!
— Ah sim, claro — respondeu Henrique, encabulado. — Pode ir que eu já vou.
Acompanhei seu andar sexy, saindo de nossas vistas. Ouvi o barulho da porta do quarto bater e dei um sorriso malicioso. Henrique me virou para ele com brusquidão e seu olhar era um tanto desesperado.
— Você está confortável com isso?
Eu sabia que ele falava a respeito de ele estar com uma mulher horas depois de ter estado comigo e pensei um pouco na melhor resposta. Eu estava meio enciumada, mas Henrique era meu melhor amigo e eu jurei que nada do que acontecesse entre nós influenciaria em nosso relacionamento. Seus olhos analisavam meu rosto minuciosamente e após um tempo analisando a melhor maneira de responder, resolvi rebater sua pergunta.
— Por que pergunta isso?
Ele desviou o olhar, pensativo. Senti meu coração começar a aumentar o ritmo de suas batidas. Henrique me encarou mais uma vez e enxerguei seu medo.
— Eu não quero te magoar...
— Você não está me magoando, Rique — assegurei. — Sou crescida e entendi muito bem o conceito de "o que aconteceu não vai influenciar em nossa amizade" que você disse para mim. Somos amigos, você não me fez promessas e eu não estou te cobrando nada.
— Eu vi o seu olhar quando cheguei aqui na sala. Parecia decepcionada comigo, não sei.
Soprei uma risada.
— Eu não estou decepcionada, meu amor. — Seus ombros estavam caídos, seu olhar perdido e precisei pegar em seu rosto para que ele pudesse ver a sinceridade em meus olhos. — Não precisa criar um monte de especulação na sua cabeça e estragar a sua noite, eu estou bem.
— Tem certeza?
— Absoluta — Ele procurou qualquer resquício de mentira em meu rosto e quando percebeu que eu falava sério, suspirou. Sorri e recuei uns passos, inspecionando o ambiente. — Eu vou dormir por aqui pela sala mesmo.
— O quê?! Por quê? — O encarei, carregada de ironia. — Tudo bem, desculpe. Eu pensei que ficaria no quarto de Fernando, ele não está em casa...
— Eu prefiro morrer a ficar no quarto dele — interrompi. — É bom mesmo ele não estar aqui, ou acabaria perdendo meu réu primário.
— O que quer dizer com isso?
Olhei para meu amigo, percebendo que ele esperava uma resposta, mas bufei e neguei. Eu não iria estragar sua noite com meus problemas.
— Deixa isso pra lá, Henrique. Não vou te importunar com meus problemas — Ele franziu as sobrancelhas, irritado. — Amanhã eu te conto tudo, okay? Eu preciso mesmo dormir um pouco. Pode me arranjar uma blusa e um lençol?
Mesmo contrariado, acatou minha decisão. Fui deixada na sala sozinha e depois de deixar a bolsa na poltrona, ajeitei o sofá para que eu pudesse dormir. Tirei as almofadas, jogando-as pelo chão mesmo. Sentei-me, tirei meu salto e eu soltei um gemido de satisfação ao tocar o tapete felpudo com meus pés. Henrique voltou com um travesseiro, lençóis e uma blusa sua. Ele colocou em cima da mesinha de centro e sentou ao meu lado. Agora, já vestia uma calça moletom e parecia desconfortável com alguma coisa. Empurrei seu ombro com o meu e recebi seu olhar.
— Tudo bem?
— Eu estou me sentindo um filho da puta — respondeu. — Não quero que pense que eu me aproveitei de você e...
Liberei uma risada debochada e ele me encarou com as sobrancelhas elevadas.
— Não estrague sua noite por causa dessas coisas, eu já disse que estou bem. Outra coisa, passou pela sua cabeça que eu quem poderia estar me aproveitando de você?
Ele fez uma cara engraçada, que foi impossível não rir. Henrique estava com a boca aberta, olhos esbugalhados, nitidamente espantado com minha fala. Ele demorou um pouco para se recuperar, precisando limpar a garganta diversas vezes.
— Você entendeu bem o que eu quis dizer...
— Eu sei, meu amor. Quero apenas que você pare de se preocupar tanto com isso, tudo bem? Eu estou ótima. Ninguém se aproveitou de ninguém. Você queria transar, eu também queria, juntamos o útil ao agradável.
Henrique estava entre abismado e encantado comigo. Dei um meio sorriso e me inclinei um pouco, dando um beijo em seu rosto. Ele se empertigou. Olhei bem no fundo de seus olhos, intercalando em cada íris.
— Tenha uma boa noite, Rique.
Ele liberou a respiração aos poucos.
— Você também, pentelha.
Henrique se levantou do sofá e se foi. Eu sentia um aperto no peito, um gosto amargo na boca. Eu sabia ser uma boa atriz quando necessário. Não menti por completo, mas estava longe de como eu estava me sentindo. Eu só não queria preocupá-lo nem estragar a nossa amizade. Tudo estaria bem pela manhã.
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NOTAS DA AUTORA
Olá, meus amoreeeeesss!! Tudo bem com vocês?
EITA, EITA, EITAAAAAAA!!! Agora o bagulho vai ficar doido, gente! Eu estou ansiosaaaaaa hahahahahahahahahahahaha O que acharam do capítulo? Eu estou morta de ciúmes, não nego. Não esqueçam de votar e deixar seu comentário, viu?
Até semana que vem, bebês.
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