Espere.
Era esperado que homens como aquele morressem logo após o término do próprio trabalho. Até mesmo eles esperavam que isso acontecesse.
E parecia que por principalmente saberem que morriam assim que o trabalho estivesse concluído, o trabalho se tornava mais fácil de suportar — não de fazer.
Não se sabe, mesmo assim, se tentavam evitá-lo ou cumpri-lo. Seria esperado ou evidente que um homem ordenado a fazer tal trabalho se recusasse a fazê-lo. Mas a primeira coisa que faziam era falar mal de quem não o fazia. “Eles estão cometendo um erro”, dizia quem olhava por fora, mas tudo o que precisavam fazer para entender era olhar por dentro.
Desmatavam. Escavavam. Cavavam uma rocha sólida e extremamente dura. Abriam caminho para a civilização. Abriam caminho para uma estrada de ferro sobre pedras. Era esse o trabalho de homens como aquele.
“Nessa pedra eu vou construir o meu caminho”, disse um deles uma vez.
E outro riu às suas custas:
“Nada é ou será seu além do sacrifício, poupe-se da ilusão. O caminho é deles.”
O outro não achou engraçado, porém também não ofensivo. Era irrelevante, apenas uma outra desilusão de um outro cara.
Uma árvore caiu ali perto dos dois, que se mal encaravam. Ninguém levou um susto, estavam acostumados.
Um pedaço grande de uma rocha sólida caiu ali perto dos dois. Ninguém, de novo, levou um susto; estavam acostumados.
Um cara caiu morto ali perto. Era natural, mas conquanto viviam, assustavam-se. Olharam para baixo e fizeram um gesto religioso.
O morto não tinha nome, e seria esquecido por todos, ou melhor, odiado; já que não fez sua devida parte do trabalho.
O que riu faria a sua, mas de mau gosto.
O que não se ofendera também faria, e sem se importar, sem pensar o suficiente para poder de fato se importar.
O cadáver ia apodrecer nas ruas de ferro e poluir a visão, ninguém o tiraria de lá, e lá ele degradaria. Ninguém ousaria tocar o corpo do homem que não fez sua devida parte do trabalho.
Os outros continuaram seu caminho. O que ria fez uma piada sarcástica do morto e o não-ofendido apenas ignorou, continuou cavando e quebrando pedras.
Arrvushh, caiu outra árvore. Caiu outra árvore em cima de um outro homem. Morreu-se. O lenhador apenas se sentiu culpado por ter como culpa o trabalho de ter que cavar outra cova e enterrar aquele sujeito idiota e lerdo!
Largou o machado e buscou uma pá. Ao lado da árvore começou a cavar.
Passou por perto o que ria e nem desviou de caminho. Cuspiu no chão do outro lado do recém-morto e adiantou-se a andar mais depressa com sua picareta. Começou a fragmentar as pedras e bifurcar caminhos.
O assassino que não queria matar terminou seu buraco e jogou o corpo lá dentro, que bateu de um lado da parede do buraco e se torceu todo, caindo todo errado, como se com ossos quebrados, além das feridas da árvore e dos buracos no corpo causados pelos galhos que fizeram dele quase uma peneira. O homem que ainda vivia terminou de jogar terra sobre o corpo e voltou a picotar pinheiros enormes com o machado, xingando todo mundo que se aproximasse do raio de queda da planta.
O que não se ofendera cansara de cavoucar o chão. Achava que já estava na hora de descansar. O problema é que aquela era uma decisão que se fazia apenas uma vez na vida. Mas... ele estava certo daquilo, não estava?
Foi para o lado da estrada e começou a cavar, fora do caminho, como se na calçada. Cavou e cavou.
E quando terminou, se jogou lá dentro com um pulo e então se deitou. Em seguida, gritou, o último dos gritos, o mais violento e o mais cheio de alma, de vida, a última gota, o último resquício, de vida, de energia. Fora completamente sugado por todo aquele trabalho, inclusive o de cavar o último dos buracos.
O que ria apareceu. Revirou os olhos e sentiu um aperto no coração. Caiu uma gota de água — suor ou lágrima, não se sabe. Olhava o homem lá embaixo, sentia pena. Buscou uma pá. Começou a enterrar. Terminado o serviço, foi-se embora desmatar.
Ouvia as plantas gritarem consigo.
“Bruxa!, bruxa!, bruxa!, bruxa!...”
Apenas... quem eram essas tais dessas bruxas?
“Está na hora!”
“Venha dormir!”
“Vem servir de adubo!”
Mas ele apenas desmatava. Não dava ouvidos, só tinha uma orelha mesmo — a outra fora acertada por um machado uma vez e caído ensanguentada, ele a guardara no bolso e continuara seu caminho, sem voz, sem orelha, sem som, sem voz para se fazer ouvir, talvez algum olho para ver, e continuara a desmatar.
Enquanto arrancava grama do chão, entretanto, e um pedaço de mato voou em seu olho, ele chorou. Uma lágrima leve e sucinta de dor, bem brilhante e transparente, escorrendo à imagem do resto de um regato de água que parava de correr, cansava-se e se interrompia. Uma única lágrima.
Ele olhou para cima: estava ensolarado, ainda que com várias nuvens que corriam e se apertavam, apenas esperando para cair, para recomeçar o ciclo novamente, para refazer de novo as mesmas coisas, para reviverem como condenadas e sentenciadas a uma coisa não decidida por elas. Ele projetava seus problemas no que via. Provavelmente as nuvens se derreteriam antes de continuar com o ciclo, porque ele já logo se encerraria e não as veria continuar, apenas descuidado, há muito devendo ter se entregado de volta aos confins da natureza humana e universal, a própria Terra; devolver o que tomara emprestado.
O que ria não comia carne, mas era um devoto à fagocitose; não plantava sementes, mas nunca contrário à vida; um ordenado, mas ordenado à seguir seu próprio caminho.
E seu caminho era simples, era apenas seguir a ordem das coisas já bem pré-estabelecidas pelos outros, era apenas seguir adiante, em direção à estrada, ao caminho de ferro, e então para fora dele. O máximo de tempo que conseguisse aguentar, então diante da menor questão, da menor dúvida ou hesitação, sair da frente. Porque a máquina precisava rodar, e ele não fazia parte da máquina. Pelo menos não da parte importante.
Simplesmente seguiu com seu caminho adiante, para fora dos trilhos, para seu próprio buraco recém-escavado, e gritou por alguém, bem ao inverso de como foi quando chegara ao mundo. E esperou.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top