v i n t e s e t e

Davi adormeceu no banco do carro assim que entrou no automóvel, em uma tentativa clara de escapar da nossa conversa. O choro inexplicado ainda martirizava o meu peito, uma criança tão jovem não deveria ter tantos problemas para lidar.

Ele me abraçou como se tivesse pedindo socorro.

Frustrado com a minha situação, bati fortemente o punho no volante em uma tentativa frustrada de me acalmar, porém quando olhei para o pequeno corpo adormecido do meu irmão, tudo sumiu em um passe de mágica.

Com cuidado o cobri com a minha jaqueta de couro, tentando evitar que acabasse doente pela friagem repentina da tarde úmida de São Paulo. Ainda conseguiria a guarda dele na justiça — prometi a mim mesmo — mas para isso preciso manter a minha concentração nos treinos e o controle da minha doença.

Interrompendo meus pensamentos, meu pai surgiu abrindo a porta do carro entrando calmamente, como se eu fosse a porra do seu motorista particular.

— Podemos seguir para o hotel mais próximo. — Informou sem nem me olhar no rosto, tive que me segurei para não dar uma resposta ácida. — Aquela advogada está me tirando do sério, recusou novamente meu pedido para integrar a equipe.

— Pelo menos alguém tem bom senso. — Resmunguei, me repreendendo por ter esquecido de ter pegado o contato de Jason, gostaria de agradecer a esposa dele por esse favor, se aguentar o meu pai em outra cidade já era um inferno, imagina a menos de duzentos quilômetros de distância.

— Sempre me questionando... — Meu pai resmungou em tom irritado. — Quando vai finalmente dar valor a tudo o que construí para vocês, todo o nosso império não surgiu do nada.

Império...até parece piada de mal gosto. Desde que ele surtou na sala do meu antigo psicólogo, desferindo xingamentos a todos meus ancestrais maternos por minha "deficiência" , que abdiquei dos meus direitos de filho.

Nunca chorei tanto como naquela tarde, nem mesmo os biscoitos de chocolate que a minha mãe preparou aliviou o sentimento de insuficiência que se apoderou de mim. Detalhe, com dez anos nem sabia direito o significado da porra dessa palavra.

— E você? Quando finalmente vai entender que o seu dinheiro não compra a felicidade dos seus filhos. — Retruquei tentando manter o meu tom de voz baixo, não quero que Davi presencie mais uma discussão entre nós. — Todo esse seu "prestígio" profissional não se aplica a sua vida familiar, há muito tempo que tudo está uma merda em casa e você não se toca.

Uma risada zombeteira saiu de sua boca, me irritado ainda mais.

— Sua mãe te ligou novamente para contar besteiras, ela anda bem histérica ultimamente, não ligue para o que...

— Encontrei Davi chorando na recepção do prédio, ele não me parecia muito bem. — O interrompi para não acabar me distraindo e batendo o carro em algum poste. — Estava bem decepcionado com algumas coisas que você falou para ele.

O machismo reverberava em todas frases e diálogos do meu pai, me enojando profundamente e aumentando a minha indignação de ser filho de alguém tão desgraçado.

Tenho medo de saber quantas vezes a histeria da minha mãe foi usada para esconder coisas ruins, principalmente de mim.

— É bobagem. Seu irmão anda muito mimado ultimamente, precisava ouvir algumas verdades para crescer como homem nesse meio profissional. — Meu pai explicou jogando a bolsa dele embaixo do banco, como se estivesse falando de algo banal. — A diretora me ligou informando que a média dele nas provas caiu muito nesse bimestre, isso não é normal.

É tanta hipocrisia.

— Assusta-lo a ponto dele entrar em pânico e chorar, não me parece muito educativo. — Retruquei deixando bem claro a minha opinião sobre o assunto, pelo visto nem mesmo sobre educação do meu irmão chegaríamos em consenso.

Davi ressonou no banco traseiro, indicando que estava alheio a toda confusão ao seu redor, provavelmente perdido em algum sonho doce envolvendo música e bolo de chocolate, melhor do que a sua verdadeira realidade.

Diferente do habitual o condomínio estava bem silencioso quando cheguei, geralmente as festas noturnas estouravam noite adentro para o incômodo dos vizinhos mais velhos. Há muito tempo deixei me de importar, o cansaço por causa dos treinos nem me deixava pensar direito antes cair apagado na cama.

Logan e James mandaram mensagem logo depois que deixei meu pai e meu irmão em um hotel cinco estrelas da cidade, avisando que passariam a noite fora um grupo de amigos desconhecidos, pelo menos alguém estaria aproveitando bem a noite.

Antes que eu pudesse entrar em meu quarto, o alarme para meu remédio diário tocou, me lembrando de mais um dos meus problemas sem solução. Os comprimidos brancos por muito tempo foram minha única esperança de que talvez um dia pudesse ser totalmente normal, não funcionou, porém era melhor acreditar em algo do que em nada.

Dizendo para mim mesmo que era algo comum e que não era exagero de minha parte, puxei a barra de notificações do aparelho com esperança de haver alguma mensagem da Adela, mas não havia nada além de uma notificação da operadora.

Não devia ter aceitado os malditos termos daquela garota, por causa deles não posso nem mesmo perguntar o motivo do silêncio repentino.

Depois de senti-la tão próxima de mim, dos momentos que compartilhamos naquele quarto bagunçado — pelo menos o lado da Sam — pensei que ela me daria um pouco mais de atenção, pelo menos um pouco mais do que antes.

Com um suspiro de resignificando, joguei minha camisa em um canto qualquer do quarto, pronto para tomar uma boa ducha e dormir profundamente para esquecer esse dia de merda.

Não posso fazer nada, além de esperar.

Acordei em um sobressalto, com um barulho que parecia vir de um dos cômodos do apartamento, ao me mexer na cama em busca de mais espaço, topei com diversos cadernos e livros espalhados pelo colchão, em um sinal claro que dormi antes mesmo de concluir os trabalhos da faculdade.

O calmante que tomo para controlar o meu sono geralmente é muito forte, apesar do gosto horrível me ajuda a acordar cheio de energia para gastar nos treinos, o ruim disso é que estou começando a me viciar nessa droga.

Ainda meio zonzo, escutei outro barulho vindo da cozinha, ainda mais forte que o primeiro, como se alguém estivesse arrastando algo passado sob o assoalho do apartamento.

Com um resmungo irritado, me levantei pronto para dar um esporro em James, já está na hora dele ter responsabilidade e parar de chegar bêbado em casa. Por um momento em meio ao sono, cheguei a pensar que estávamos sendo alvos de um assalto em plena madrugada.

Quando entrei na cozinha não foi James que encontrei caído no chão como um bêbado abandonado, para a minha total surpresa e choque que estava nessa situação vergonhosa era John.

Porra, ele nunca bebia dessa forma, pelo menos não desde os dezesseis anos, quando ainda não sabia os perigos do álcool.

— O que você está fazendo? — Perguntei me aproximando do bêbado, que infelizmente costumo chamar de amigo. — Beber no meio da semana e quase me matar do coração, estão na lista de coisas proibidas do time.

John balbuciou algo que não entendi e se jogou como uma criança manhosa no chão da cozinha, visivelmente embriagado.

Cacete, eu não estou pronto para lidar com isso.

Geralmente quem lida com os nossos porres é o Logan, aliás onde diabos está o desgraçado quando precisamos deles?

Peguei uma garrafa de água com gás na geladeira e depois uns analgésicos no armário, a combinação potente  deve aliviar o efeito da bebida e ajudá-lo a falar um idiota compreensível.

— Eu sou um idiota. — John balbuciou me fazendo dar dois passos para trás, pelo cheiro da cachaça saindo de sua boca.

— Sim, você é. — Concordei enfiando o comprimido na boca dele, sem esperar a consentimento dele.

— Ela não me quer mais. — John continuou falando, como se eu não estivesse em sua frente, cuspindo o remédio na primeira oportunidade. — Foi tudo culpa minha, não devia ter deixado a fama me cegar.

Isso não era novidade para ninguém, metade da faculdade sabia ou pelo menos imaginava que tinha acontecido algo entre ele e Samantha. Nenhum dos dois nunca confirmou, porém os olhares trocados e os xingamentos sem motivo aparente, não enganavam mais ninguém.

Procurei por um momento em minha mente, as palavras certas para tirá-lo dessa fossa romântica que estava o matando pouco a pouco.

John estava apaixonado. E para qualquer um que experimente esse sentimento, a pior maneira de se descobri-lo é perdendo a pessoa amada de alguma forma.

— Ás vezes não estamos prontos para assumir algumas responsabilidades e cometemos grandes erros. — Comecei a falar, ainda sem saber direito de onde estava tirando essas palavras. — Quando você estiver mais calmo, procure por ela. Se não tiver como reatar o relacionamento, pelo menos peça perdão.

John pareceu refletir sobre as minhas palavras, se acalmou e tomou novamente os remédios sem reclamar. Sem ter que enfrentar o esforço físico de um homem de mais de setenta quilos, consegui arrasta-lo até o seu quarto e jogá-lo na cama sem nenhum pingo de cuidado, provavelmente sentiria dores nas costas pela manhã.

Ele não acordaria tão cedo, diferente de mim que perdi o sono em meio há tanta confusão. Quando cheguei ao quarto, meu celular vibrava em cima da escrivaninha.

Logan estava me ligando.

— John chegou em casa? — Indagou assim que atendi a ligação, soando bastante preocupado. — Ele saiu daqui da boate transtornado.

— Chegou totalmente embriagado. — Expliquei. — Não entendi quase nada do que ele me falou, a língua estava toda embolada.

Logan suspirou.

— Saímos os três juntos para uma boate aqui do centro cidade, apenas para nos divertimos um pouco antes da volta dos treinos. — Logan continuou parecendo pensar nas palavras que estava usando. — Por um momento tudo estava indo bem, mas mudou da água para o vinho quando a Sam e Adela chegaram por aqui acompanhas.

Senti o meu sangue gelar, como se alguém tivesse me jogado um balde de água fria. Não tínhamos nada formalizado, só ficamos juntos uma única vez, Adela era livre para ficar com quem quisesse.

Então, por que me incomodava tanto?

— John surtou de ciúmes e partiu para cima do cara que estava com a Samantha. — Logan continuou, interpretando o meu silêncio como uma afirmativa para que prosseguisse. — Para completar fomos todos expulsos da boate, no meio da confusão acabamos perdendo ele de vista.

Era bem típico dele.

— E a irmã dele? — Perguntei tentando soar indiferente. — Deve ter ficado bem assustada com a confusão.

A linha ficou muda por alguns segundos, ouvi de fundo apenas alguns resmungos incompreensíveis, provavelmente estava dando uns esporos em James, como sempre.

— Comigo não precisa fingir, seu canalha. — Logan disparou arrancando uma risada minha, nunca consegui mentir para ele. — John mal notou a irmã, estava cego para todo o resto ao seu redor. Adela acabou indo embora com o garoto da biblioteca, eles vieram juntos.

Após me despedir e desligar a chamada em seguida, percebi que nem todos os calmantes do mundo poderiam me fazer dormir de novo. O incômodo que se instalou em meu peito ao saber que ela estava com outro, me assustou profundamente.

E saber que talvez o que vivemos não teve a mesma importância para ela, pesou mais do que qualquer derrota em campo.

Olá, meus amados leitores! Muito obrigada por termos chegado a 15k de leituras, isso me deixa muito feliz e me inspira a cada dia a continuar com o projeto. ❤️

Já estou preparando a história para futuramente ir para a Amazon quando for concluída, mas não se preocupem, irei continuar publicando aqui na plataforma até o final.

Espero que tenham gostado! Até o próximo capítulo!

Se você gostou vote na estrelinha por favor para ajudar no crescimento da história.

E S T R E L I N H A ⭐️

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