Com minha cabeça latejando pelo excesso de bebida alcoólica na noite passada, estou tentando de alguma maneira revisar o conteúdo da minha prova prática de anatomia humana, com base nessa nota que a minha inscrição no concurso de estágio será validada ou no pior dos casos recusada.

Ethan me desejou boa sorte logo ao amanhecer e não pareceu se incomodar quando eu o expulsei do quarto para poder estudar. Depois da noite intensa que passamos ontem em um dos quartos do apartamento luxuoso de Alexia, ele praticamente implorou para dormir junto comigo, como se a menor menção de estarmos separados o afligisse tanto quanto a mim.

Pensei em recusar de início, não seria nada legal se o meu o irmão o flagrasse em minha cama, mas acabei permitindo quando não consegui resistir a sua carinha de cachorrinho carente implorando por atenção.

Sam acabou se assustando ao se deparar com ele em nosso banheiro às sete de manhã enrolado em uma das minhas toalhas, ela o encarou atônita por alguns segundos apontando em sua direção um abajur estranho que não tenho ideia de onde saiu, provavelmente achando que se tratava de algum invasor.

- Eu juro que não sei o que mais me assusta. - Sam comentou quando saiu do banheiro estarrecida. - Ele desfilando no meu banheiro com uma toalha da Hallo Kitty como se estivesse em sua própria casa ou você trazendo esse maluco para dormir aqui sabendo que fico a meio metro da sua cama. E se eu tivesse escutado algo?

Ela não esperou explicações, saiu indignada do apartamento como se não acreditasse no que tinha visto, levando consigo seus pertences de higiene pessoal e uma muda de roupa limpa.

Tendo como única companhia a minha playlist de músicas relaxantes passadas pela minha terapeuta e um copo enorme de café com leite, organizei minha lista de estudos em ordem de prioridade, colocando mais tempo para os assuntos mais difíceis, no meu caso principalmente os que envolvem exatas e contas no geral.

A minha ansiedade estava ficando cada vez mais evidente conforme o passar dos dias, com a caneta batucando entre os meus dedos apesar do meu esforço em evitar e os meus pensamentos vagando cada vez mais em situações ruins, montei uma pequena lista de objetivos a serem cumpridos até o final da tarde, uma tática até encontrei há muito tempo para driblar o meu problema.

Só larguei os cadernos no início da tarde, quando meu alarme tocou me alertando da minha reunião repentina com o diretor da faculdade. Enquanto me arrumava, repassei pela minha mente qualquer mísero detalhe desses últimos meses que pudesse ser o motivo desse encontro, desde que finalmente pude ler o envelope que o meu irmão me trouxe nesta manhã, que estou com a angústia de ter feito algo errado.

E o pior de tudo, é que a minha consciência pesada está me apontando todas as loucuras e inconstâncias que andei cometendo nesses últimos meses. As mentiras que ando contando para o meu irmão e a pressão de estar concorrendo a um estágio renomado, estão esmagando a minha saúde mental e antes que eu acabe entrando em pane novamente, tenho que resolver uma das duas situações.

O diretor apesar de ser um completo de um imbecil, não costumava perder o seu "precioso" tempo com assuntos bobos, geralmente só marcava reuniões com os alunos da universidade quando se tratava de algo extremamente grave ou extremamente importante para reputação do corpo docente como um todo.

Só espero não me encaixar em nenhuma dessas categorias.

A sala ornamentada de troféus do diretor Michael, nunca me pareceu tão aterrorizante como agora, exibindo longas cortinas azuis escuras com pequenos detalhes em dourado bordado em suas extremidades. As cores imponentes da universidade pareciam me julgar pelos meus delitos românticos, como se não fosse digna de usá-las apenas por divertir um pouco.

"Nosce te ipsum"(Conheça a ti mesmo.)

O lema saltou ameaçadoramente do brasão, me deixando mais apreensiva com o que estava prestes a acontecer, afinal mesmo depois de vários anos estudando neste lugar, ainda não consegui conhecer quem realmente sou e ser lembrada disso diariamente não é algo legal.

Merda de auto julgamento.

- Espero que tenha gostado da nova decoração. - O diretor falou chamando minha atenção para sua presença a minha frente. Fiquei tão distraída com os meus conflitos internos que não notei quando ele entrou na sala. - Em breve receberemos em nossa sede os benfeitores que estão ofertando o estágio a nossa universidade, não quero causar uma má impressão.

- O senhor tem razão, uma boa impressão é fundamental.

O diretor sorriu, soando bastante satisfeito com a minha resposta.

- Que bom que a senhorita concorda, afinal estamos aqui para conversar sobre a sua imagem perante o conselho estudantil. - Falou de forma descontraída, jogando sobre a cadeira o seu paletó de cor negra. - Apesar de seu bom comportamento durante todo esse tempo, um fato está me incomodando.

Arquei as sobrancelha incrédula.

- Qual fato? Sempre respeitei as regras da instituição.

- Sim, mas a sua imagem fora da faculdade também é importante e a sua frequente presença em festas universitárias não está contribuindo para o bem dela. Temo que isso tire o seu foco da prova qualificatória e resulte na sua desclassificação.

Arfei surpresa.

Não acredito que fui chamada apenas para ser ainda mais pressionada, como se eu já não soubesse que estou carregando praticamente o mundo inteiro nas costas.

- Não acho que a minha vida particular diga a respeito a banca de jurados do vestibular ou ao senhor. - Retruquei me levantando abruptamente. - Aliás, não creio que um pouco de diversão interfira nos meus estudos de anos. Com todo respeito, se preocupe apenas em recebê-los, que eu cuido da minha imagem pessoal.

O Sr. Michel me encarou sem conseguir formular uma frase concreta, surpreso pelo meu súbito ataque de rebeldia ou talvez pelo fato da sua infalível tática de manipulação ter falhado pela primeira vez.

- Sua vida particular talvez não, mas os seus rendimentos acadêmicos interessam a todos nós. - Retrucou de maneira ácida. - Toda a universidade está contando com a sua aprovação, afinal estamos investindo todo o nosso tempo e dinheiro na senhorita.

Um leve aperto em minha garganta me deixou sem fala, ouvi em silêncio toda aquela idiotice que eu já sabia de cor desde o meu ingresso no concurso, afinal o que todo bolsista escuta desde a primeira aula nesta faculdade é o quanto somos agraciados por não termos que pagar por nada para estarmos estudando aqui, como se as noites mal dormidas e rotinas de estudo exaustivas não fossem motivo o suficiente para a nossa aprovação.

Bom, isso é o ensino existente no Brasil.

- Espero que a senhorita tenha entendido o meu ponto de vista, não quero ter que lidar futuramente com...

- Como não temos nada de importante para tratar, vou voltar para as minhas aulas práticas. - Declarei o interrompendo me levantando abruptamente da cadeira e andando em direção a porta do escritório. - Tenha uma boa tarde.

Com o som da porta se fechando atrás de mim, senti um aperto forte e conhecido em meu peito quase que sugando todo o meu ar, me impedindo até mesmo de dar os primeiros passos para a saída da secretaria. Me apoiei em uma das paredes do corredor e me sentei no chão gelado torcendo para que ninguém me notasse em uma situação tão constrangedora. Respirei fundo por cinco minutos e apertei e relaxei os meus punhos lentamente, tentando controlar de alguma maneira a minha respiração descompassada, assim como a minha terapeuta me ensinou anos atrás durante a adolescência como uma maneira de superar as crises de ansiedade.

Um pouco mais controlada, me levantei ainda ofegante e consegui seguir o meu caminho em direção ao meu apartamento, onde poderia me deitar em minha cama e passar o resto da tarde deitada sem que ninguém me incomodasse, onde poderia chorar até que o aperto em meu peito fosse embora de vez.

Bom, pelo menos por um tempo.

Infelizmente, as crises de ansiedade nunca iam embora de vez, pelo menos não comigo.

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