t r i n t a e d o i s

O cheiro de livro novo invadiu meu nariz, me trazendo uma sensação incrível de paz momentânea, um ritual indispensável que sempre efetuo antes de ler uma história nova. Posso não ser especialista no assunto, mas esse aroma devia ser catalogado e considerado a oitava maravilha do mundo.

A livraria que Ethan me trouxe possui uma decoração linda e extremamente planejada para agradar, trazendo uma sensação de aconchego aos leitores com sons ambiente de chuva e com deliciosos doces de todos os sabores possíveis, até mesmo os mais exóticos como graviola.

Acabamos perdendo um sarau incrível de cordéis nordestinos que ocorrera mais cedo na hora do almoço, como chegamos perto do anoitecer perdemos boa parte da programação interativa que a livraria estava oferecendo gratuitamente, mas não me arrependo nenhum pouco.

Boa parte do nosso atraso foi decorrente de termos voltado para o meu apartamento para tomarmos banho, estávamos molhados de suor, desalinhados e fedendo a sexo (de acordo com Ethan).

— Não estremecemos as montanhas, amor, mas chegamos perto. — Brincou enquanto me ajudava a vestir minhas roupas, algo que ficou difícil de se fazer sozinha em um carro apertado.

— Você realmente leu o livro? — Indaguei surpresa, erguendo o meu cabelo para o alto para que ele conseguisse fechar o meu sutiã.

— Não, aquilo é um tijolo de mais de quinhentas páginas. — Ethan negou rapidamente soltando uma risada irônica. — Li apenas as partes mais interessantes, ou seja, somente as que continha cenas de putaria. — Respondeu, me fazendo revirar os olhos pela sua resposta óbvia e nada inovadora.

Minhas pernas ainda estão bambas como gelatina pelo orgasmo recente, as sensações que Ethan me proporcionou foram bem mais intensas do que a noite em que ele dormiu em meu quarto, aliás tudo com ele está se tornando mais intenso.

Algo mudou entre nós — pelo menos em mim mudou — um sentimento estranho nasceu em mim impregnando minha mente e meu coração, um sentimento que tenho medo que futuramente me cause um coração partido e muitas lágrimas por estar ignorando agora o meu lado racional.

Ah, merda.

Desde quando minha vida se tornou tão complexa?

"No Reino das Fadas, não há palitinhos de peixe empanado, ketchup ou televisão." — Ethan narrou chamando minha atenção. Ele está segurando em suas mãos um exemplar de o Príncipe Cruel, o primeiro volume de uma das minhas trilogias de fantasia favorita e pelo modo como o seu cenho está franzido, não está aprovando o modo de vida dos féericos. — Não é à toa que esse povo resolve tudo com morte, sem televisão não há como haver paz em uma sociedade.

Gargalhei com sua afirmação.

— Não posso discordar.

Ethan não me respondeu de imediato, creio que nem notou que estava tentando falar com ele, parecia muito entretido tentando desvendar os mistérios do mundo das fadas, com um sorriso bobo no rosto por vê-lo tão submerso na leitura me afastei para tentar escolher mais um livro para levar.

— Vou te esperar aqui. — Ethan falou ao notar meu distanciamento, como um bom folgado se sentou em um dos puffs fofinhos de bichinhos que havia disponível perto da seção infantil, ao lado de uma garotinha linda de pele escura que aparentava ter doze anos de idade. — Não tenha pressa, pode escolher à vontade que eu te espero aqui, só não se esquece que dois são presentes meus.

Surpresa com a sua atitude repentina sorri feito uma boba apaixonada. Ethan estava indo pelo caminho certo ao tentar me conquistar, os livros sempre serão o meu ponto fraco e o meio mais fácil de me convencer sobre algo.

O modo como ele está conseguindo ganhar a minha confiança tão rapidamente me assusta, só espero não estar enganada em acreditar tão facilmente em suas palavras.

"Eu não sei. Mas vou enfrentar o que for para que continue."

Droga, como quero que isso seja verdade.

Com duas sacolas brancas enormes em cada lado dos braços, eu parecia uma menininha de dez anos de idade que acabou de ganhar um presente de aniversário, pode parecer exagero, mas faz muito tempo que não me sinto tão leve ao lado de outra pessoa.

Ethan me fez baixar qualquer escudo e retirar qualquer filtro, com ele posso assumir minha verdadeira identidade sem me preocupar com comentários maldosos ou com o fim da minha carreira na medicina, por algumas horas posso aproveitar a vida de uma jovem adulta livre e sem tantas amarras.

Depois de passarmos um bom tempo na livraria, Ethan me trouxe a uma sorveteria perto de um centro comercial bem simpático. Com duas bolas bem generosas de sorvete de chocolate e com uma vista limpa e bonita do céu noturno da cidade, eu não podia pedir um fim de noite melhor.

— Se eu soubesse que para conseguir um encontro com você, só bastava um conjunto de livros e um pote de sorvete de chocolate, já teria comprado um caminhão lotado há muito tempo. — Ethan brincou se aproximando de mim, segurando um pote enorme de sorvete de limão, me fazendo franzir o cenho pelo sabor exótico que ele escolheu. — O que foi? — Perguntou apertando meu nariz com os dedos me fazendo rir.

— Limão? — Indaguei ainda risonha. — Não tinha um sabor mais estranho? Tipo cenoura?

— Sou dado as sabores exóticos. — Retrucou com um sorriso ladino, já me deixando de sobreaviso do que viria a seguir. — Por exemplo, experimentei um sabor muito melhor do que esse sorvete em meu caro mais cedo, um sabor que daria de tudo para ter em minha língua novamente.

— Ethan! — Exclamei sentindo o meu rosto ruborizar igual a uma adolescente em seu primeiro encontro. — Você não pode falar essas coisas em público, as pessoas podem ouvir.

Ethan sorriu e deu de ombros, não se importando com a minha reclamação. Parecia bem distante para o mesmo homem galanteador que conheci no início do ano, pela primeira ele estava me mostrando o seu verdadeiro lado e não aquela máscara orgulhosa e insuportável que usa para se esconder.

É notório em seus olhos que assim como a maioria das pessoas, está passando por um problema sério que o aflige, o que me perturba é não saber se ele está sabendo lidar bem com isso.

Problemas são inevitáveis, é uma consequência de se estar vivo, eles vem e passam após um período variável de luta e sofrimento, o que ninguém nos avisa é como lidar com as sequelas que ficam.

— Você está bem? — Perguntei após alguns minutos de silêncio, por algum motivo não conseguia vê-lo assim tão melancólico, quieto que ele volte a sorrir mesmo que isso signifique o fim da minha tão amada paz. — Ficou tenso de repente, nem mesmo suas provocações sujas estão sendo como antes.

Ethan sem responder pegou a minha mão e me guiou entre a multidão até uma das mesas com guarda sol amarelo em frente a uma fonte de água enorme, que ficava um pouco afastada da multidão.

Ao se sentar ao meu lado, Ethan depositou o sorvete intacto em cima da mesa e fincou seu olhar no horizonte, sem saber como lidar com os próprios sentimentos.

Por um momento pensei em me desculpar por ser tão evasiva, estamos saindo juntos e mantendo uma relação estranha, mas isso em nenhum momento me dava o direito de me meter na sua vida particular desse modo.

— Quando estava lá dentro recebi uma ligação do meu irmão, ele estava chorando. — Ethan explicou, cerrando os punhos fortemente tentando controlar o seu temperamento. — Por um momento pensei que poderia ter acontecido alguma coisa com a minha mãe, mas logo descobri a verdade, meu pai quebrou a guitarra que eu havia dado a ele em seu aniversário no ano passado, pelo fato dele não ter tirado dez em matemática.

Horrorizada sem saber o que dizer, o encarei atônita sem ao menos conseguir esconder a minha expressão de surpresa.

— O meu pai é um homem horrível. — Declarou com a voz rouca, como se as palavras estivessem sendo arrancadas de sua garganta a força. — Sei que é algo muito duro para dizer do próprio pai, muitas pessoas dizem que é exagero da minha parte, mas só eu sei o quão difícil foi crescer com a minha dislexia ouvindo o tempo inteiro que sou incapaz de ser alguém na vida.

Meu irmão já havia me dito que Ethan tinha problemas de aprendizagem por conta da dislexia e que enfrentava alguns problemas em casa por conta disso, mas nunca imaginei que seria tão grave assim. Sem saber o que dizer para fazê-lo se sentir melhor, apoiei minha cabeça em seu ombro e o abracei com toda minhas forças, tentando demonstrar que ele não estava mais sozinho.

— Mesmo depois de estar morando longe dele, suas atitudes ainda me afetam depois de anos de tratamento psicológico. Principalmente pelo fato dele estar fazendo o mesmo com o meu irmão mais novo. — Ethan continuou interpretando o meu silêncio como um incentivo para continuar. — O grande advogado nem imagina que gastou o seu amado dinheiro em um psicólogo atoa, em vez de me ajudar a superar somente a dislexia, o doutor Alexiandre me ajudou e ainda tenta me ajudar a entender que não sou fracassado e que muito menos vim ao mundo com defeito.

— Ethan, não posso opinar em um assunto que não conheço, porém posso afirmar com clareza que você é uma pessoa maravilhosa. — Puxei seu rosto delicadamente com as minhas mãos, para que ele enxergasse a verdade através dos meus olhos. — Todos nós temos problemas Ethan, mas o modo como lidamos com eles é o que nos define como vencedor ou perdedor. Mesmo com esse pai horrível, você conseguiu superar todas as dificuldades e está próximo à realizar o seu sonho de jogar profissionalmente, não deixe que ele apague o brilho de suas conquistas apenas por que não condizem com os planos dele.

Ethan abriu um leve sorriso tocado por minhas palavras e antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa ele me beijou.

— Obrigada, você não imagina o quão importante é para mim que você me entenda, amor. — Ethan falou em tom aliviado, dando um leve carinho em meus cabelos. — Agora coma o seu sorvete, que em breve tenho que te levar para casa, não acabar levando um esporro da Samantha por estar te levando para o mal caminho.

Contive uma pequena risada, Ethan estava tentando melhorar o clima pesado que havia se instalado pelo assunto da conversa. Mesmo ainda estando assustada com o que descobri, me senti honrada por ele ter me escolhido para contar toda a sua história, afinal nem mesmo o irmão que é melhor amigo dele sabe de toda a história por trás de pressão que ele coloca no time.

Ethan quer no futuro salvar o irmão dele do pai, para que ele possa ainda ter uma infância saudável.

Comovida com a sua história, contei para ele o motivo de eu ser tão retraída em iniciar qualquer tipo de relacionamento com outra pessoa, contei como foi meu romance com Daniel e as consequências que acabei enfrentando ao descobrir que ele é um canalha abusador. Ethan cerrou os punhos conforme ouvia em silêncio a minha narrativa, quando terminei ele me abraçou em sinal de apoio assim como fiz com ele e beijou o topo de minha cabeça murmurando palavras de conforto em meu ouvido.

Ao também ser sincera com ele, espero que Ethan entenda que ele não está mais sozinho nessa jornada, agora que eu o conheço de verdade e me tornei sua amiga, posso afirmar que ele merece ser feliz de verdade nessa vida e se livrar desse peso enorme que carrega em suas costas

Quando naquela noite pousei minha cabeça no travesseiro, soube que havíamos cruzado um caminho sem volta, nunca havia me sentindo tão conectada e próxima a ele como estava me sentindo agora e logo um medo repentino se apoderou de mim levando consigo o meu sono.

De algum maldito modo, Ethan estava começando a se infiltrar rapidamente meu coração, rompendo qualquer barreira que havia erguido ao redor dele durante anos, roubando os meus sentidos e os meus pensamentos, me deixando inebriada com apenas um toque.

E o pior de tudo: Eu não estou nem um pouco assustada com isso. 

Olá, meus amados leitores! Voltei com mais um capítulo especial para vocês e como presente de Natal vou liberar  outro capítulo amanhã bem cedo.
Muito obrigada por tudo e até o próximo capítulo.
Feliz Natal!♥️

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