Prólogo

Uma coisa que ninguém te fala sobre arrumar malas: é chato pra caramba. Decidir o que levar e o que deixar para trás - afinal, eu não estava dizendo “Adeus Japão, nos vemos na outra vida" - consumiu a minha paciência em apenas uma hora. Saindo do universo paralelo de roupas, sapatos e acessórios que julguei dignos de estarem comigo na minha jornada em Londres, alcancei aos tropeços o celular que tocava insistentemente, me fazendo lembrar que ainda existia uma vida em meio a todo o caos da mudança.

— Você sabia que existem mensagens instantâneas? — Atendi, me ocupando entre segurar o celular de forma correta na orelha, e retirar uma calcinha que estava presa em meus pés. Ao encarar o tecido, coloquei mais uma nota mental no meio de todas que me deixavam à ponto de exalar fumaça pelas narinas: precisava de peças íntimas novas.

— Estou com saudades também, smurfette. — A voz do outro lado fingia uma chateação provocativa. Ino sabia que eu não era adepta a ligações, mas isso não significava que ela deixaria de me ligar todas as vezes que sentisse vontade. E para o meu desespero, estamos falando de uma pessoa que alterna entre ficar 2 horas em uma ligação, ou transformar o assunto em áudios tão longos quanto um audiobook. As duas opções eram sofríveis. — Eu não estaria ligando se a bonita olhasse as 500 mensagens que eu mandei. Você esqueceu da sua própria festa de despedida??
Não, não havia esquecido. Tampouco entendi inicialmente o motivo para aquela cobrança, ainda faltavam algumas horas até que eu começasse o rito de embelezamento obrigatório para sair. Tirei o celular de perto do ouvido, tentando convencer a loira que ainda tinha motivo suficiente e todo aquele surto era desnecessário, porém, ao olhar os números dispostos na tela, empalideci. O relógio mal marcava 18:00h quando comecei a jogar todas as roupas para fora do armário, como pode aquela ação ridícula tomar quase duas horas do meu tempo? O encontro com as meninas estava marcado para às 22h, o que significava duas horas para escolher algo decente para sair e uma maquiagem que fizesse jus à última noitada que eu teria no país asiático. Ao menos, a última noitada como uma pré-universitária prestes a fazer a ponte Japão-Inglaterra. Pensar que daqui a 3 dias tudo o que eu conhecia como casa, estaria a milhares de quilômetros de distância, fazia a minha barriga reagir de um jeito não tão agradável ao bolo de chocolate  que havia ingerido no final da tarde.

As roupas já estavam todas jogadas em cima da cama, então, era só escolher a mais agradável, certo?
Errado. Estava em um dilema tão real, que não seria louco de minha parte imaginar que todas aquelas peças criavam vida e estavam a ponto de me arrastar para todo o emaranhado de cores e formas. Podia jurar que havia um vestido dizendo “me escolha, me escolha", se calando apenas quando foi abatido por uma calça que eu achava ter saído do meu armário a 3 anos atrás. Pisquei os olhos, saindo do meu transe alucinógeno e finalmente me atrevi a inspecionar os modelos. Enquanto procurava a melhor combinação, lembrei-me da voz da mamãe, dizendo que eu tinha tanta roupa quanto uma loja de departamento. Quando penso em colocar tudo aquilo em uma mala, vejo que ela tinha razão.

A vencedora escorregava ligeiramente pelo meu corpo, parando entre as minhas coxas. Nem tão longo para esconder aquela curvinha que eu tanto gostava no formato das minhas pernas, nem tão curto para que um vento atrevido fosse ameaçador. Os morangos que me arrebataram ao ver aquela peça na loja, combinavam com a minha maquiagem disposta em tons de vermelho e rosê. E os babados, que caiam graciosos pelo o meu braço, combinavam com o sapato com fitinhas que escolhi. Como a mamãe dizia quando ela queria que eu fizesse uma pose para uma foto, eu estava uma bonequinha.

Infelizmente, o tempo atual não permitia que o meu look milimetricamente pensado fosse visto nas ruas movimentadas de Shinjuku. Apertando o casaco contra o meu corpo, xingava o motorista mentalmente pelo ar condicionado ligado ao mesmo tempo que tudo ao redor gritava “gelo, inverno, frio, frozen” e todos os derivados. Era de consenso geral que o inverno tinha vida própria no Japão, mas pelo visto, aquele ali tinha uma armadura pesada contra a friaca que estava dentro daquele carro.
Nunca sai de um carro tão rápido quanto naquele momento. Despejei um rápido “obrigada”, e agradeci aos céus por ter saído daquele frigobar volante. A temperatura do lado de fora não se diferenciava muito daquilo que fui submetida pelos 20 minutos da corrida, mas pelo menos, ali eu não precisava ficar por muito tempo. 
Entrei no bar agradecendo mais uma vez pela benevolência dos deuses em proporcionar um ambiente que prezava pelos clientes. O ar quentinho que corria até mim era como o Toddy, o ursão de pelúcia que servia para esquentar os meus pés e ultimamente, o coração. Suspirei com o breve pensamento sobre o motivo que fez o pobre do urso ganhar uma marca de maquiagem borrada, e também pelo fato de que agora em diante, eu teria que usar meus próprios braços para me abraçar quando estivesse chorando.

— Ei, o que tá fazendo aí parada? Tá pensando na morte da bezerra? — Não estava me vendo, mas as minhas feições e postura devem ser idênticas à de um robô. Não havia movido meus pés mais que dois passos, quando a voz de Ino jogou para o lado qualquer pensamento que fosse a causa principal da minha paralisação. As outras me olhavam em um misto de preocupação e festejo, e não precisei olhar duas vezes para ver que Tenten já estava bebendo a algum tempo. Ela se tornava extremamente grudenta quando passava de 3 copos.

— Amigaaa.. — A morena começou, se aninhando em meus braços. Sua expressão risonha aos poucos se transformava em lágrimas que denunciavam cair — Eu não acredito que você vai deixar a gente. Mas não pense que eu não quero que você vá, não. — Uma pausa para mais um gole do que quer que seja o que ela está mandando para dentro do estômago. Ao mesmo tempo, uma lágrima manchada de rímel trilhou um caminho até parar em sua bochecha. — Se você não for, eu vou te arrastar e te enfiar naquele avião. A estudante de medicina mais gata de Londres, imagina? Ai amiga, eu vou sentir tanto a sua falta! Tanto tanto tanto. — A cada vez que a palavra “tanto” era mencionada, Tenten estalava a minha bochecha com um beijo babado. Também sentiria falta de toda aquela espontaneidade. Só não sabia como ser tão enfática quanto a morena.

— É maldade todo esse clima melancólico na frente de uma grávida, sabiam? — Hinata, que apenas observava a rápida mudança de ares, limpava as lágrimas que corriam soltas pelas bochechas parcialmente rubras. Diferente de Tenten, que só era grudenta quando estava com uma dose de álcool no corpo, Hinata trazia toda a doçura em seu ser e tudo foi potencializado quando ela passou a dividir o seu corpo com um outro ser que a fazia ser uma manteiga derretida em tempo integral. Ainda me lembro do dia em que todas nós descobrimos que iríamos ser madrinhas - Sim, madrinhas. Hinata não queria nos magoar escolhendo apenas uma para herdar esse papel, então, nosso querido Borutinho teria 4 madrinhas para mimá-lo à nossa vontade. Um problema para ela e Naruto resolverem, porque já deixei claro que esse menino vai ser o meu xodó do tipo “Me peça tudo o que você quiser que a dinda compra.” - Naquele dia, Hinata chorou tanto que pensamos mil coisas antes que ela mostrasse o teste. Desde então, ela chora com qualquer coisa. Literalmente qualquer coisa. Um dia a gente estava vendo um meme no Tiktok de uma vaca cantando Single Ladies. Mesmo que eu explicasse para ela que aquilo era obra da inteligência artificial, Hinata chorou por mais ou menos meia hora, achando que a humanidade já havia chegado a um ponto que mudava geneticamente os animais de modo que eles pudessem falar.

Enquanto Ino achava graça de todo aquele chororô coletivo, me vi emocionada em um ponto que quase me juntei à elas na choradeira. Felizmente, antes que eu transformasse toda a maquiagem em um borrão enigmático, Temari interrompeu aquele clima dramático com um estalar de lábios típicos da loira rebelde:

— Quem morreu? — Esperou uma resposta de Ino, a única que estava com uma expressão de quem esperava que tudo aquilo acabasse. Recebendo apenas um dar de ombros da loira, a mais velha do grupo logo tratou de colocar ordem naquela bagunça. — Anda, se recompõe. — Entregando um molho de guardanapos para Tenten, Temari se voltou para o grupo todo, como uma mãe quando volta do mercado e vê que nenhuma tarefa fora feita pelos filhos — Me atraso um pouquinho e isso aqui vira um filme triste de orçamento duvidoso!?

Um pouquinho, era ser muito generosa. Mas como era Temari, todo mundo meio que esperava que hora marcada e ela não fizessem um par perfeito. Em todos os nossos rolês, a gente sempre marcava com uma hora de antecedência, que para a loira, era o tempo bônus que ela tinha para se atrasar.
Atrás dela, de pé como um cão de guarda, Shikamaru observava a cena, segurando em uma das mãos os capacetes e na outra o casaco aveludado de Temari. Seus lábios estavam puxados para baixo , e as sobrancelhas agrupadas como se fossem uma linha única. Não era uma expert da mente masculina, mas a sua expressão era um claro sinônimo à “é sério que um encontro feminino é assim?”. Quando estávamos todos juntos, não lembro de já ter rolado algo parecido com os garotos. Nem mesmo quando o próprio se acidentou e precisou passar alguns dias no hospital. Tudo o que a parte masculina do grupo dizia era “relaxa, cara, daqui a pouco já tá pronto para outra” e usaram o resto do tempo de recuperação para desenhar figuras impossíveis de serem descritas no gesso que fez parte de seu braço por um tempo. As reações também foram diferentes na notícia do baby NaruHina. Enquanto a gente passava horas no Google pesquisando o significado de cada nome que uma de nós achava que combinaria com o bebê, - quando ainda nem sabíamos o sexo - eles comemoraram com cerveja e trocação de socos gratuita. E quanto à questão do padrinho, Naruto não pestanejou em escolher Shikamaru, seu melhor amigo desde que nos conhecemos, tão rápido como quem escolhe o que vai comer no café da manhã. E mais uma vez, diferente da gente, não houve chateação entre o restante do grupo, que recepcionou o novo padrinho com tapas e gritos de “é campeão”.

— Já tá entregue, Shika. Pode ir. — Ino chamou a atenção do garoto de cabelos espetados, o tirando do transe momentâneo. Ele assentiu, dando a volta antes de sair e foi até a mim para bagunçar algumas mechas do meu cabelo. Antes que eu pudesse xingar por aquilo, ele murmurou algo como “Boa sorte na sua estadia em Londres, pirralha”, e saiu, chacoalhando a porta de entrada. — Esses garotos não aprendem, não é?

Após um uníssono silencioso, Temari ergueu a garrafa que repousava na mesa desde que o garçom entregou os nossos pedidos. — Agora, à nós. E a essa noite que está apenas começando. — Sendo recebida pelas nossas garrafas, e pelo refrigerante de Hinata, o barulho de vidro tilintando ecoou pelo recinto, se perdendo no mar de conversas e cochichos que preenchia o local. Um final de semana, mesmo gelado, é como o pote de ouro no fim do arco íris para os residentes de Shinjuku.

.
.
.

Oi, corações! Gostaram do prólogo? Essa é a primeira fic que estou escrevendo e espero muito que vocês tenham gostado e que continuem acompanhando as próximas atualizações! Ao final dos capítulos, vou deixar um card com os agradecimentos e a minha rede social, que é onde eu vou postar alguns trechos dos capítulos, aesthetics dos personagens e mais algumas coisinhas. No mais, até a próxima!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top