02. Regress two steps

"Poderia estar errado, poderia estar errado
Precisamos apagar rápido
Poderia estar errado, poderia estar errado
Mas poderia estar certo."

— Resistance; Muse


É estranho estar no escritório do meu avô.

Ainda mais ao estar do outro lado da mesa, enquanto ele me encara como se estivesse seriamente pensando o que fazer comigo, como se fosse uma incógnita que ele está tentando decifrar, mas não consegue achar uma boa resolução.

— O que estou fazendo aqui?

Vou direto ao ponto finalmente quebrando o silêncio. Minhas costas estão apoiadas no encosto da cadeira, mas meus músculos doem devido a tensão que a situação causa. Nunca tive problemas sérios o suficiente ao ponto de ser tratado dessa forma pelo meu avô. É uma sensação estranha.

— Emma voltou para Thunder Bay.

Pronto, essas cinco palavras são o suficiente para quebrar qualquer ponto de equilíbrio que poderia existir no meu interior. Eu o encaro como se estivesse dito o maior absurdo do mundo e, caralho, é a porra de um absurdo.

— O que?

Meu cérebro não processa bem a informação, como se tivesse dado um pane e não conseguisse entender direito o que ele disse. Eu tenho quase certeza de que ouvi errado e é apenas um pesadelo. Porque isso é impossível. E apenas um delírio ou algo criado pela minha cabeça me faria escutar as palavras que saíram de sua boca.

— Emma García, minha afilhada, está de volta a Thunder Bay.

Repete a frase sem um pingo de diversão em seu tom. Pisco os olhos atônitos e respiro fundo, tentando entender o seu objetivo com isso.

— Certo, e o que eu tenho a ver com isso? — Pergunto de maneira defensiva tentando diminuir o meu choque.

— Não venha com essa merda para cima de mim garoto, eu estava lá desde que a conheceu e disse que queria casar com ela. — Ele responde sem paciência.

Desvio o olhar por causa do modo como fala e mordo o interior da minha bochecha tentando pensar direito. Seu pedido para me encontrar e conversar pareceu bem diferente do que está acontecendo agora. Eu esperava algumas histórias da sua época, orientações ou apenas um tempo com ele. Não uma informação jogada de repente no meu colo.

— Quero você e seus amigos longe dela.

Novamente pisco os olhos diante suas palavras. Que porra de pedido é esse?

— Sei bem como costumam agir e as besteiras que estão acostumados a fazer, mas isso vai ser a última coisa que vai passar pela cabeça de vocês ao sequer encará-la. Não estou aberto ou flexível sobre as merdas que podem fazer contra ela. Qualquer gracinha e eu estarei transformando a vida de vocês em um inferno, entendido?

— Isso não é algo que está no meu controle. — Mantenho meus braços cruzados e os aperto contra meu corpo.

— Nós dois sabemos que você é mais do que se dá crédito. Mesmo que não admita, existe uma influência que exerce nos cavaleiros, Will.

Essa é a primeira vez durante a conversa que usa meu nome e, pelo seu tom sei que está sendo sincero em cada palavra. Respiro fundo e relaxo um pouco, observando os quadros que estão espalhados pelas paredes de seu escritório.

— Qual o motivo da ordem? Sei que tem mais do que o fato dela ser sua afilhada.

Meu avô desfaz sua postura autoritária e solta um suspiro, mostrando para mim o quanto a situação que a envolve o afeta. Ele olha para os papéis em sua mesa por alguns instantes antes de me responder.

— Não posso dar todos os detalhes a respeito, mas ela passou pelo inferno na Terra até chegar aqui. Tudo o que você lembra dela... Desapareceu. Emma não é mais aquela garotinha de cinco anos que te enfrentou no batizado. Acho que essa criança desapareceu antes do que suponho.

— Como assim?

Franzo o cenho. Algo em sua postura ao falar, as palavras escolhidas ao se referir a ela... Faz meu coração doer. Independente de quanto tempo faz desde que nos vimos, ela significa mais do que imagina, mais do que qualquer um possa supor.

— William...

Meu nome completo, não o apelido, não garoto ou qualquer sinônimo. A escolha de usar o meu nome ao me chamar a atenção é significativa. Sinto meus ombros ficarem tensos e finalmente entendo que seu pedido não é apenas uma proteção de sua parte, tem algo por trás. E é ruim o suficiente para fazê-lo intervir antes de algo realmente acontecer.

— Ela não voltou a Thunder Bay porque sentiu saudades ou vontade de morar com o pai. Esse lugar é um refúgio, um recomeço para tudo o que passou. Por isso quero vocês longe. Sem joguinhos ou qualquer merda assim, entende?

Eu aceno com a cabeça enquanto absorvo o peso de suas palavras. Minha mente começa a imaginar os mais diversos cenários para o que aconteceu. Um acidente? Uma perda? Algum babaca que estava a ameaçando? Como se estivesse lendo meus pensamentos, meu avô fala:

— Emma é uma sobrevivente Will. Isso é tudo o que você precisa saber.

Meu coração dói com a afirmação. Desvio o olhar para a sua mesa e vejo um de seus porta-retratos com uma imagem conhecida, a lembrança surge rapidamente na minha mente como um estalo.

Saímos da igreja assim que termina o batizado, a menina de vestido cor de rosa, quase branco, sai correndo na frente como se estivesse desesperada procurando por alguém, observo até ela sumir de vista. Estou segurando a mão do vovô enquanto ele se levanta e começa a andar para a saída.

O que ela está fazendo? — Pergunto curioso olhando para ele.

Emma foi ver se a mãe dela chegou. Por favor, seja gentil.

Não entendo o seu pedido, mas aceno concordando. Quando chegamos ao lado de fora da igreja, vejo a garota olhando para todos os lados e a animação que estava demonstrando aos poucos é substituída por uma cara triste, isso me deixa mal. Solto a mão do meu avô e ando até ficar perto dela.

Ela não veio.... — Sua voz é um sussurro. Porque ela não veio?

Seus ombros começam a tremer e logo as lágrimas começam a cair pelo seu rosto. Vou até ela e a puxo para um abraço, apertando meus braços ao seu redor e fazendo carinho em seu cabelo de maneira gentil, sem desfazer o penteado ou os cachos que a fazem parecer uma princesa.

Por favor, não chore. É para ser um dia feliz, lembra? O seu dia. — Falo baixinho para ela.

Minha mamãe não veio, Will. Era para ela estar aqui... — Emma fala entre o choro, apertando seus braços ao meu redor. — Eu avisei o dia, era para...

O soluço interrompe sua fala e mantenho o abraço, fazendo carinho em suas costas.

Está tudo bem. Sei que está chateada, mas não deixa seu dia ser ruim por causa disso, tá bom? Meu vovô e minha vovó estão aqui, seu pai está aqui e eu também. Você gostou não foi? — Ela concorda com a cabeça. — Então é isso que importa! — Eu me afasto e dou um sorriso.

Emma dá um sorriso entre o choro e vejo que sua animação volta um pouco.

Obrigada, Willy.

Meu coração acelera por causa do apelido e meu sorriso aumenta, uma sensação desconhecida começa a surgir em meu peito.

Por nada, Emmy.

Abro um sorriso enquanto observo a foto. É engraçado como um comportamento que iniciou com uma briga causada por ciúmes terminou em uma sorveteria para consolá-la e um aviso para meu avô de que iria casar com ela quando crescesse.

— Essa é uma das suas fotos favoritas, não é?

Volto minha atenção para meu avô e percebo que ele seguiu meu olhar. Concordo com a cabeça e dou um leve sorriso enquanto a nostalgia ainda está fazendo efeito em mim.

— Sei que seu pedido é sério e, se Emma sobreviveu ao que passou é algo que tenho que levar em consideração... Mas não posso dar garantias de algo que vai ser difícil cumprir.

— Eu sei que não, por isso estou o alertando: qualquer gracinha que os cavaleiros fizerem contra ela, irei intervir. E será tudo, menos amigável.

Aceno com a cabeça e logo me levanto dando mais uma olhada pelo escritório antes de respondê-lo. Vê-lo desse lado da moeda, o que é avisado, é totalmente diferente de quando sou eu a ser protegido. É intimidante.

— Você vive sendo encoberto nas besteiras que faz, mas dessa vez será o contrário. Irá sofrer as consequências por cada ato decidido. Não serei leviano Will.

— Sei bem.

Já tinha visto meu avô agir antes. Conheço o quanto ele pode ser engenhoso em cada passo que dá e, bem... Tive a quem puxar afinal de contas.

— Tentarei manter as besteiras longe de Emma, mas não garantirei o mesmo da minha presença. — Falo sério.

— Eu sei que não. Você é meu neto.

Dou um sorriso e saio de seu escritório sentindo o peso em meus ombros. É uma situação que me coloca em um campo perigoso e qualquer decisão errada pode fazer tudo desabar. Tanto em mim, quanto nos meus amigos... E, principalmente, nela.

Assim que chego no lado de fora, acendo o cigarro e dou um trago, sentindo que só a nicotina pode aliviar um pouco dessa besteira. Bagunço meu cabelo e vou em direção ao carro, imaginando onde posso ir para tentar pensar com mais tranquilidade.

Quando entro no banco do motorista, deito minha cabeça no encosto e fecho os olhos, torcendo para que toda essa merda seja uma alucinação ou um sonho fodido que tive em um momento de cansaço. Não quero ter que lidar com isso agora e, de preferência, nem depois.

Giro a chave e o motor da picape ganha vida, então dou marcha ré e dirijo para St. Killian, a antiga catedral. Aproveito a viagem e encaro as pessoas andando pelas ruas de Thunder Bay, como se mágicamente fosse encontrar Emma no meio delas e, de alguma forma fosse capaz de a reconhecer, já que, se me lembro bem, faz mais de dez anos desde a última vez que nos vimos.

Percebendo que não tem nenhuma novidade, volto a prestar atenção no trajeto. A cidade é uma comunidade na Costa Leste, cheia de casas ostensivas e gente que usa do dinheiro para esconder a podridão que os envolve. Sei disso, pois sou uma dessas pessoas, mas diferente dos demais, eu me entrego a minha pior parte.

Não é à toa que todos temem estar no radar de Will Grayson III. Afinal, além de ser um dos cavaleiros, sou neto do Senador. Posso ter a imagem de alguém acessível, só que ao mesmo tempo posso ser a pior coisa a qual você encontrará.

Estaciono a picape em uma área vazia e desço do carro. Ainda é tarde, portanto a catedral não carrega o mesmo clima de mistério que tem à noite, mas mantém as pessoas distantes o suficiente para que seja um bom lugar para pensar. Ou, quem sabe, uma festa durante a Devil 's Night.

Desço os degraus de pedra que dão acesso às catacumbas, sentindo a familiaridade que exala e todas as lembranças obscenas que existem no lugar. Poderia escolher um dos meus lugares favoritos, mas preferi recorrer a algo de fácil acesso e rápido.

— Agora que estou sozinho, como vou resolver essa merda fodida?

Falo em voz alta para mim mesmo. A frustração cai lentamente, uma sensação pegajosa e pesada. Respiro fundo como se isso fosse me trazer ideias ou acalmar o tumulto que minha mente está agora.

— Emma, Emory... Porque tudo só acontece comigo com mulheres que começam com a letra 'e'? Que porra.

Encaro a parede de pedra irritado, como se ela tivesse feito algo contra mim e estou decidindo entre tomar uma atitude ou simplesmente remoer a sensação internamente. Caralho, qual tipo de pecado eu cometi para ter me enfiado nessa situação?

Nem religioso eu sou, mas só um milagre resolveria toda essa merda. Amo meu avô, ele é a pessoa que mais amo nesse mundo, mas cacete. Que tipo de aviso foi aquele? Como posso tomar controle de algo que não está ao meu alcance e fazer dar certo?

Eu sou um causador de problemas, não quem os resolve. E, sei que repassar esse aviso aos meus amigos é o mesmo que colocar um pedaço de carne na frente de um cachorro e falar para ele não comer. Ou seja, impossível e idiota para caralho.

— Prefiro fazer a merda de uma prova de francês daquela insuportável do que me meter nisso. Inferno, prefiro mil vezes elogiar Martin Scott do que ter que me enfiar nessa situação.

Reclamo enquanto ando em círculos. Meus passos, assim como minha voz, ecoam pelo espaço vazio e abandonado das catacumbas.

— Sei lá, até uma cirurgia sem anestesia parece melhor do que estar no meio disso e, olha que deve ser doloroso pra caralho.

Pego outro cigarro dentro do meu bolso, mas dessa vez, não é o de nicotina.

— Eu pedi muito pela sua volta, Emmy. Só não esperava que seria tão complicado assim. Mas nunca disse que gosto das coisas fáceis.

༘୧゚🖌

⊹ ₊ᜰ 01. E a partir daqui já começam as mudanças definitivas na história! Peço desculpas pela demora em publicar, mas as últimas semana foram corridas e não conseguia revisar o capítulo.

⊹ ₊ᜰ 02. Agradeço todas as mensagens e carinho com Ápeiron, como sempre digo: posso demorar a postar, mas nunca vou abanadonar essa fic antes de concluí-la.

⊹ ₊ᜰ 03. E como sempre: um beijo e até o próximo capítulo. Amo vocês, dreamies! 🥰❤️

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