Fazia muitos anos que Scarlett não ia para Cambridgeshire. Desde que sua mãe faleceu, seu pai evitava Harrison Abbey; nem mesmo no período de ir para o campo, ele saia de Londres. Sempre respeitou a decisão do pai, mas depois daqueles longos anos na capital, resolveu voltar para Cambridge sem ele, apesar do mesmo ter pestanejado para ela não ir sozinha.

Scarlett queria passar uma temporada afastada de Londres e de toda comoção que era os períodos de bailes e saraus. Toda vez que recebia um convite, pedia para Jasmine jogar fora ou nem lhe comunicar sobre a existência da chegada deles. Havia se conformado em ser solteira, e não podia imaginar vida pior. Todos os sonhos de ter um marido que a amasse e filhos que se parecessem com ela, morreram de maneira dolorosa para ela.

Mas ela encontrou felicidade nos sobrinhos que tanto amava e mimava. Charlotte tinha o pequeno Edward, enquanto Phoebe já havia tido gêmeos, Melanie e Robert, e estava grávida do terceiro filho, ou poderia ser gêmeos novamente. Sentia saudades das irmãs em casa, das pequenas discussões por motivos fúteis. Mas tudo aquilo havia acabado, suas irmãs estavam casadas e felizes.

Respirou fundo, sempre ficava pensando em sua vida quando não fazia nada para se distrair. Levantou-se do canapé verde e saiu do quarto. Andava por aqueles corredores onde passou um breve período da sua infância e sorria ao lembrar que sua mãe esteve ali em outra época.

— Srta. Harrison. — o mordomo a tirou dos seus devaneios. — Chegou uma carta para senhorita.

— Quem a enviou? — perguntou sem entusiasmo.

— Sua Majestade, sua irmã.

— Oh, Charlotte. — Scarlett deu um pequeno sorriso. — A carta está no escritório de papai?

— Sim, como a senhorita sempre pediu.

— Obrigada Houston. — Scarlett sorriu e colocou a mão sobre o ombro do mordomo. — Não sei o que seria de mim aqui em Harrison Abbey sem o senhor.

— Tenho uma convicção que a senhorita se daria muito bem.

— O senhor ter muita esperança em mim.

— Todos os empregados e colonos têm esperança na senhorita. — ele sorriu e saiu, deixando Scarlett emocionada.

Seu pai visitava a propriedade uma vez no ano, isso quando fazia. Ele mantinha todos os empregados, a manutenção da casa, visitas aos colonos - quando não ia, mandava presentes -, o que alegrava a todos. Quando ela chegou, teve uma grande surpresa ao perceber que tudo continuava da mesma forma da qual ainda se lembrava. Os empregados a recebeu com grande carinho e entusiasmo, e se sentiu em casa novamente. Jasmine havia insistido em ir com ela, mas pediu para que ficasse em Londres cuidando de tudo como sempre tinha feito.

Desceu as escadas devagar, ao contrário de quando era pequena, que descia aquilo tudo como um furacão. Tudo estava em silêncio, como sempre. Muitas vezes ela achava que vivia sozinha naquela casa, até o Sr. Houston lhe comunicar sobre algo, a Sra. Cooper lhe fazer companhia no jardim, Srta. Davies rir pelos corredores ao limpar os quartos, Sra. Green murmurando em espanhol ou o Sr. Hall passear com os cavalos todas as manhãs.

Dirigiu-se até o escritório do pai, abriu a porta, e se acomodou em frente à belíssima mesa de mogno. O envelope estava lacrado com o selo da família real, no qual Scarlett achava belíssimo e gostaria de usar em suas correspondências. Pegou uma pequena faca e rompeu o selo. Tirou a carta com cuidado do envelope e reconheceu a letra da irmã caçula.

Prezada irmã,

Sinto-me bastante triste sem suas visitas semanais. Não eu somente, mas o pequeno Edward também. Sabe o quão ele é apegado a você, pois o mima de mais. E sim, eu entendo todos os motivos do seu afastamento de Londres, mas não se demore muito por Cambridgeshire.

Tenho novidades para lhe contar: estou grávida novamente. Espero que seja uma menina, e se for, darei o nome de nossa mãe. Tenho certeza de que você vai aprovar minha escolha. Eu sei o quão ainda sofre com a perda de mamãe, apesar de nunca falar sobre isso em nossas conversas ou cartas. Você estar em nesse casarão, sozinha, bem, isso diz muita coisa.

Também tenho um convite para lhe oferecer, e espero do fundo do meu coração que a senhorita aceite. Bem, George resolveu fazer uma viagem para Escócia, andam surgindo boatos sobre o rei Adam Crawford, ele não vai muito bem. Na verdade, os boatos vêm ficando cada vez maiores de que a sogra dele está governando mais do que ele. Creio que ele esteja dessa maneira por causa da morte precoce da esposa. Sabe Scarlett, eu o entendo perfeitamente, assim como você também deve entender. As situações são meio semelhantes, não concorda?

Bem, George e a comitiva real pretende ir próxima semana, então preciso da sua resposta o mais rápido possível para confirmar sua presença. Eu gostaria muito da sua companhia, espero que saiba disso. Venha fazer sua irmã mais feliz. Dê-me a honra de desfrutar de ótimos momentos ao seu lado, amada irmã.

Também podemos festejar ao lado de Phoebe, vejo apenas benefícios com o seu "sim".

Com carinho, amor e afeto,

Charlotte.

Scarlett encostou-se na cadeira sorrindo e começou a tamborilar os dedos pela mesa. Era um costume dela quando pensava sobre algum assunto. A proposta de Charlotte era bastante tentadora. Ir para Escócia seria uma grande oportunidade de distração também, e poderia ver Phoebe e seus amados sobrinhos. E ela sentia uma grande falta de Charlotte e Edward, e já estava ansiosa pela chegada do novo sobrinho ou sobrinha. Decidiu que aceitaria o convite de Charlotte.

Ela iria para a Escócia.

Scarlett tocou a campainha e Houston chegou ao escritório com um sorriso no rosto.

— O que deseja senhorita?

— Preciso que me ajude a organizar minhas coisas.

— Vai partir? — seu sorriso de desfaz.

— Oh, não fique triste. — Scarlett o tranquilizou. — Minha irmã pediu na carta que eu viaje com ela para a Escócia. Vejo isso como oportunidade de ver minha irmã Phoebe e me divertir um pouco.

— Todos nós sentiremos sua falta, senhorita.

— Também sentirei falta de todos vocês, mas eu preciso ir. Meu coração diz que devo ir.

— Então o siga. — ele sorriu, revelando as rugas no rosto. — Começarei a arrumar suas coisas. Precisa de mais alguma coisa?

— Por enquanto, somente isso. Obrigada.

Houston fez uma pequena vênia e saiu do escritório. Scarlett pegou uma folha para responder Charlotte o mais breve possível, como ela havia pedido. Pegou a pena e mergulhou no tinteiro.

Minha irmã,

Fico bastante honrada em saber que teve consideração em me comunicar que está grávida novamente, será mais um para eu mimar muito. Espero que Edward não fique com ciúmes. Estou torcendo para ser menina, quero que ela tenha o nome da nossa mãe. Quero poder chamá-la o tempo todo de Sophie.

Lottie, você diz que me compreende, mas eu sei que muitas vezes não. Oh, irmã, por que é tão teimosa? Essa sua mania de teimosia chega a ser irritante diversas vezes. Juro, se não estivesse grávida, eu agrediria você, e sabe do que sou capaz.

Eu pensei muito pouco sobre sua proposta, não nego. Resolvi aceitar. Aceitei por sua causa, em parte, por causa da Phoebe também. Não posso negar-lhe que meu coração disse que eu deveria ir com você e respirar o ar escocês que tanto gosto.

Lamento muito a situação na qual o rei Adam esteja passando. E sim, achei semelhante com a situação do papai. Acho tão cruel quando uma pessoa amada é tirada da outra tão precocemente. Todos que se amam deveriam morrer depois que tivessem aproveitado tudo o bastante. Mas eu não sou Deus, não comando nem a minha própria vida, quanto mais de outras pessoas pelo mundo.

Digo-lhe mais irmã, o sofrimento e a perda são inevitáveis em nossas vidas. Apenas não nos acostumamos com isso, e nunca vamos nos acostumar. Nós, seres humanos, fomos feitos para o amor, e não para a morte.

Estou chegando a Londres amanhã, não se preocupe com minha demora.

Carinhosamente e amavelmente,

Scarlett Harrison.

Ela esperou a tinta secar para colocar a carta em um envelope e enviar para Charlotte. Olhou para a janela, que tinha uma vista privilegiada do jardim, e lágrimas começaram a brotar em seus olhos involuntariamente.

Lembrou-se do passado, lembrou-se da sua mãe e lembrou-se do dia em que ela morreu. Se ela pudesse ter um desejo, desejaria a mãe de volta. Mas, como isso não era possível, era preciso seguir em frente.

Scarlett sabia e sentia que Sophie estava olhando para ela de algum lugar.