Capítulo 44

O PROXÍMO CAPÍTULO SERÁ O ÚLTIMO, ENTÃO ATÉ PESSOAL. 


— Moça, moça... A senhora está bem?

Por que consigo ouvir apenas murmúrios de pessoas falando, e a voz de uma pessoa ao fundo indagando em preocupação. É como se a minha mente não raciocinasse, como se o meu ser não compreendesse os fatos ao meu redor.

Do que consigo me lembrar? Recordo-me que estava no shopping com Alice, havíamos acabado de sair do trabalho, pois tínhamos ficado presas na loja na noite anterior. Hoje seria a minha entrevista para o meu tão sonhado emprego, mas não conseguiria chegar a tempo, graças ao horário que a loja Malibu Butique foi aberta. Como não tinha mais o que fazer, resolvi acompanhar Alice a sua ida em uma biblioteca/antiquário místico no shopping. Onde acabei ganhando um livro estranho de presente, já que Alice não conseguiu o dinheiro de volta pela sua relíquia assustadora. Saí do lugar, me despedi da minha amiga e em um corredor do shopping de repente escorreguei em algo, acabando por bater a cabeça no chão terminando com um livro pesado em minha cara, ainda com fedor de mofo, algo muito relevante que certamente atiçou a minha rinite alérgica.

— Moça, moça...

Mas estranhamente, vejo como se estivesse vivido algo que não consigo compreender. É demais para a minha mente nublada. Mesmo assim consigo me lembrar de Mark, Alda, Nora, Colin... Pessoas que nunca vi antes, mas que no momento sinto uma forte conexão. Além de lembrar da minha irmã Camélia de uma forma que nunca imaginei. Fora a minha família sendo como sempre foram, como a dona Fiona, mas autêntica impossível. Além, das vagas lembranças de Oliver, como se estivesse me apegado ao menino que vi poucas vezes na minha vida. Tudo dentro de mim parece tão estranho que não consigo compreender, na verdade me sinto muito estranha para falar a verdade. Como se esse eu não fosse realmente a Rosa verdadeira, mas uma versão completamente diferente de mim.

— Moça, por favor... — Sinto alguém tirar o livro do meu rosto e passar a mão em minha testa, de forma calma, como se estivesse tentando me acordar com toda a paz do mundo.

Em meio a confusões e delírios da minha parte, abro os olhos lentamente. Contemplando uma mulher ruiva à minha frente. Os seus olhos transmitem inquietação, como se estivesse realmente preocupada. Mas ao me ver acordar seu rosto se ilumina como se estivesse aliviada. Um sorriso casto aparece em seus lábios rosados, em meio as sardas seus olhos sorriem feliz. Sendo a minha única visão, no corredor praticamente deserto do shopping, com lojas que provavelmente ainda seriam ocupadas.

— Graças ao céu você está bem, estava realmente preocupada. — Disse me oferecendo a mão para me ajudar a levantar.

Aceito o seu gesto e me levanto calmamente, ainda com uma forte dor de cabeça. Coloco a mão em minha testa e olho ao redor, reparando que não tinha ninguém, além da ruiva alta à minha frente. Porém, repentinamente, ainda com a visão turva, vejo uma loira com um emaranhado de cachos volumosos, correr em minha direção.

— Graças a Deus você voltou... quer dizer, você acordou. Vi a sua queda nada elegante, e devo admitir que fiquei bastante preocupada. Venha comigo, tenho gelo no antiquário, vai te ajudar com o provável galo que deve ter ficado em sua cabeça. — Disse cada palavra rapidamente, não me permitindo pensar direito e saiu me puxando.

— Melhoras moça. — A ruiva que tinha esquecido gritou acenando.

— Você também venha me ajudar. — Disse a loira em um tom bem alto, correndo para puxar a ruiva também consigo.

Mais tarde, quando chegamos ao antiquário místico ou biblioteca, tanto faz. A mesma que visitei quando estava com Alice. Tanto que só agora recordo-me que a loira é a mesma moça que me entregou o livro minutos antes. Ela me entrega um copo com água e um comprimido, certamente para a dor de cabeça que devo estar demonstrando no semblante.

— Obrigada, Nora — digo assim que recebo o comprimido.

No primeiro momento parece que o rosto da mulher empalidece, mas depois de algum tempo ela se acalma e volta a falar:

— Então, você lembra de tudo? — Pergunta focando a sua atenção em mim, esquecendo a ruiva totalmente atenta às nossas reações.

— Deveria lembrar de quê? Apenas sinto que seu nome é Nora, por isso a chamei assim — falo um pouco aérea, enquanto bebo a água rapidamente, para me livrar da dor. — Assim como sei que o nome dela é Alda. — Apontei para a ruiva que nos encarava.

No primeiro momento ela empalidece, mas logo após o seu rosto toma um semblante assustado, como se não estivesse entendendo o que acabara de suceder.

— Como você sabe o meu nome? Não nos conhecemos. — Os seus olhos se arregalaram em surpresa, ao perguntar.

— Não sei, mas sei o nome de cada uma de vocês. Lembro que Nora é uma pessoa divertida e alto-astral, totalmente espontânea, sem nenhum juízo na mente, que ama a enfermagem, pois a sua paixão é cuidar das pessoas. Já Alda é a mais racional de nós três, vendo o mundo sempre pela lógica e razão. A sua paixão é a psicologia, mesmo tendo grandes problemas em se abrir para o amor, algo que não é fácil para você, por causa da sua personalidade. Lembro que somos amigas há bastante tempo, quase como se fossemos inseparáveis, mas também, recordo-me que nunca as vi antes, mesmo assim tenho essas lembranças. Parece estranho, sim? — Falei ainda em completa confusão mental.

— Não consigo entender. — Disse Alda sentando-se no sofá ao meu lado. — Você descreveu toda a minha personalidade, mas tenho certeza de que nunca a vi antes. Sou chefe da assistência social de um grande hospital na cidade, formada em psicologia e assistente social. Praticamente você descreveu a minha personalidade e profissão, mesmo sem nunca ter me visto antes. Como isso é possível?

— Também não estou conseguindo entender. Nunca vi nenhuma das duas antes, por isso não entendo como sei de tudo isso. — Coloquei as duas mãos na cabeça para tentar me acalmar, mas parece que a cada segundo tudo se torna mais confuso. Encaro Nora, a única que aparentemente parece normal com toda descoberta. — E você, por que é a única que parece normal com toda a descoberta?

— Droga, não era para isso acontecer. Era para você ter esquecido de tudo. — Nora suspirou e disse, nos deixando ainda mais confusas. — Tudo que você falou está correto, minha personalidade é espontânea como você descreveu, sou formada em enfermagem e amo cuidar das pessoas. Mas estou nesse emprego por causa de uma burrada que não vem ao caso nesse momento. — Revelou e não revelou, pois não explicou nada.

— E? — disse Alda.

— O livro que Rosa segura em mãos é uma relíquia, onde existem poucos exemplares no mundo. Ele que tem o poder de realizar os nossos maiores desejos, ou seja, esse livro cria uma realidade fantasiosa reunindo os seus maiores desejos e sonhos, mas esse caldeirão sempre termina em um enorme desastre. Você teve sorte que saiu bem, ou quase bem dessa história toda. Mas não era pra você lembrar de ninguém e de nenhum fato dessa realidade. A maioria das pessoas que vão para esse mundo não conseguem retornar ou se lembrar de algo que aconteceu nesse mundo fictício. Mas parece que você conseguiu sair a tempo de acontecer um desastre maior com você lá, e isso é uma ótima sorte. É melhor do que morrer naquele mundo onde mais cedo ou tarde, iria transformar seus sonhos em pesadelos. É dessa forma que esse livro trabalha, por esse motivo ele não costuma ficar exposto na rede das nossas lojas. — Disse normalmente, tanto que no final da fala sorriu, como se fosse algo completamente normal de dizer.

— E você fala isso assim? — Gritei exasperada. — Foi você que me deu o livro, estava querendo me matar? Pior, não sei porquê estou dando crédito a você. Essas coisas não existem. — Suspirei, me sentindo tonta pelo baque que acabara de receber.

— Te dei o livro, pois percebi que você estava precisando. No entanto, você saiu do livro, então você aprendeu a lição que era para ser aprendida com o livro. É assim que funciona, as pessoas que conseguem sair são aquelas que aprendem a lição que precisavam ao entrar no mundo que o livro criou. Fiquei feliz, a maioria das pessoas não conseguem sair, pois não aprenderam nada, e terminam por findar os seus dias em um inferno total por causa dos seus próprios desejos. Por isso, cuidado com o que você deseja, um dia ele pode se realizar, mas nem sempre será da forma que você planejou.

— Espere, mas o livro não realizou os meus desejos. Não pedi para a minha irmã morrer, nunca quis isso. Mas nesse mundo ela e o marido morreram e tive que cuidar do filho deles. Sempre quis coisas simples como me casar com alguém que me amasse por quem sou, ter uma família, trabalhar em uma biblioteca por ser o emprego dos meus sonhos e, por fim, me livrar da minha família. Mas não consegui nada do que pedi. Nunca desejei matar a minha irmã.

— Sério, não lembra das vezes que você sentiu raiva por sua irmã ficar com a pessoa que você amava, ainda construir uma família com ele, algo que deveria ser seu? — Nora falou com o olhar misterioso, como se estivesse desvendando os meus desejos mais secretos.

Dessa forma, cai na real que todos os meus desejos eram ter tudo o que minha irmã teve, mas isso se tornou uma bola de neve na minha vida, que caiu sobre mim para me destruir com uma avalanche.

— Eu sou um monstro, como pude desejar isso para a minha própria irmã. — Dobrei-me no sofá aos prantos, após perceber o quão terrível sou, por desejar o mal sem perceber, para alguém do meu próprio sangue.

Sinto a mão de Alda passear pela minha cabeça, como se tentasse me acalmar, depois senti o seu abraço no mesmo momento retribuir, me aconchegando nela. Como se necessitasse de alguém mais do que tudo, mesmo não merecendo isso.

— Você não é um monstro. Todo ser humano deseja aquilo que não tem consciência do quão ruim pode se tornar, isso te torna humana. O livro que foi o verdadeiro vilão ele manipulou os seus desejos e o jogou contra você. Como Nora disse, o livro inverte as coisas, os desejos nem sempre são o que você quer realmente. Desejos podem ser infrações no calor do momento, ânsia de experimentar algo novo que você não tem a ciência se pode ser ruim ou não. Ele a manipulou, nada daquilo foi real. O importante foi o que você aprendeu com tudo isso. — Alda disse tentando me confortar, suavemente, entendo que eu precisava disso.

— Alda tem razão Rosa, o livro misturou os seus desejos que você sentiu na hora da raiva e os colocou junto com os seus sonhos. Para no final tudo virar contra você. Mas qual foi a sua lição perante isso tudo? Não esqueça que 90% das pessoas que conhecem esse livro não conseguem retornar, você conseguiu esse feito. O livro também fez questão de te mostrar em algum momento da sua história no mundo que ele criou, os relatos das pessoas que não conseguiram retornar. A Partir daí você teve a sua escolha para aprender a lição ou não. Assim, você optou pela escolha certa, agora, qual foi a lição aprendida?

Nesse momento me vi pensar, depois de tudo que passei qual conclusão que tirei para realmente voltar ao meu mundo?

🕛 Parabéns, você ganhou uma nova oportunidade, agora estrague tudo como da outra vez. Não esqueça, vejo surpresas no seu futuro.

Essa frase, lembro-me de lê-la enquanto estava no outro mundo.

Não estrague tudo como da outra vez. É isso. Estava tão preocupada com o meu sofrimento que não percebi que estou cometendo o mesmo erro do passado. Fugir, esse foi o meu pecado. Nada disso teria acontecido se eu não tivesse fugido a minha vida toda. Fugir para não machucar o marido da minha irmã confessando que sempre o amei. Primeiro, nem teria ajudado ele a conquistar a minha irmã. Teria confessado no mesmo dia os meus sentimentos por ele, e se ele ainda sim preferisse Camélia, a culpa não seria minha por não vivermos um talvez romance, pois eu não teria fugido, e sim, confessado.

Fugir como todas as vezes que me martirizei sozinha pela preferência da mamãe sem cabimento por Camélia. Teria demonstrado os meus sentimentos, como eu me sentia. Quem sabe assim ela percebesse que isso me machucava. Fugir dos meus sonhos, em ser um sucesso como bibliotecária ou até mesmo escrever meu próprio livro. Fugir do amor da minha vida, mesmo com os seus pecados, defeitos, falhas ou qualquer que seja o nome, o amo. Sim, amo Mark Ortega. Algo que deveria ter dito quando estava no outro mundo, mas fui muito covarde para isso. Penso, que essa covardia em mim está mudando aos poucos, mesmo que não seja da hora para a outra, imagino que pode ser um começo.

É tão bom confessar isso para mim mesma. Foi isso que tentei fazer no livro, mas esqueci que esse nunca foi o meu desejo. Sempre me preocupei com o que as outras pessoas pensavam de mim, tanto que não agia por causa deles. Sempre fiquei com medo das represálias, mas isso não deveria acontecer. A lição que aprendi foi ser eu mesma. Isso sempre foi tão difícil para mim.

O livro usou as minhas memórias com Camélia para me mostrar isso o tempo todo. Por que é tão difícil para as pessoas serem elas mesmas? Qual é a dificuldade nisso? Acho que pessoas que têm problemas em ser elas mesmas têm medo do que as pessoas vão pensar, por isso a dificuldade. Mas isso não deveria existir. O mundo se torna tão bonito quando não nos prendermos aos achismos dos outros, e seguimos a nossa própria vida. Parece simples falar, mas é um grande problema para a maioria das pessoas da face da terra.

Não deveria fugir, de quem eu sou. Hoje o meu principal foco é parar de fugir e parar de me preocupar se estarei ou não agradando as pessoas. Isso não é importante, quem devo agradar além de mim? As pessoas não estão 100% comigo, 24h por dia, mas eu sim. Então por que devo me preocupar em agradar os outros. Essa sou eu, deveria estar contente por quem eu sou.

Fugindo, como pude viver tanto tempo assim. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top