Capítulo 36

— Por que você tem a mania de confundir os meus pensamentos?

Sou recepcionada por uma pergunta de Mark assim que ele abre a porta.

— Então você anda pensando muito em mim?

Não demorou muito para ele vim na minha direção, me umedecendo com seus lábios em um beijo envolvente. Meu coração parece que samba em meu peito, e logo lembro que ele estava chateado por eu não falar o que devia mais cedo, terminando por me ignorar o dia inteiro, não aparecendo nem para o trabalho. No mesmo instante que esses pensamentos pairam sobre mim o afasto milimetricamente.

— Então não está mais chateado? — Coloco a mão em seu peito, para o manter distante.

— Não conseguiria ficar bravo com você nem se eu quisesse. — Me puxou para si e fechou a porta logo depois.

Sem aviso ele me beijou outra vez, me envolvendo em seus braços como se eu estivesse em um ninho totalmente confortável. Coloco a minha mão em seu cabelo cacheado, que se encontra um pouco grande, o puxando levemente. Dessa forma ele agarra a minha cintura, me abraçando fortemente, os seus lábios dançam sobre os meus, como se fosse um bailar frenético e harmônico. Ao mesmo tempo que me encanto mais ainda com seus beijos, que agora estão em meu pescoço enquanto arfo.

No entanto, o nosso momento é interrompido por um choro, e nesse instante lembro da bebê. Afasto suavemente Mark de mim que nem percebe o choro da criança e apresso-me para o quarto dele, a pegando do berço.

Com seus olhos mel focados em mim, no mesmo instante ela cessa o choro e se encolhe em meus braços. Amo crianças, mas essa é totalmente diferente, é como se ansiamos uma pela presença da outra.

— Vocês são tão lindas juntas. — Ele fala da porta do quanto nos encarando.

— Ela que é linda, parece muito com você e seu tio. — Apertei levemente a bochecha rechonchuda da menina, enquanto ela brincava com a ponta da minha juba.

— Nem eu e minha filha temos semelhança com aquele homem. — Murmurou parecendo contrariado e saiu do quarto.

O seguir até a cozinha, o vendo preparar a mamadeira da filha.

— Mas ela é ou não sua filha? Ainda não entendo a relação de vocês — perguntei contrariada, ainda sem compreender a situação.

— Ela é minha filha, pois serei eu que a criá-la. No momento, minha irmã não tem condição de criar outra criança, por isso ela passou a guarda para mim. É uma maneira do nosso tio não atrapalhar ainda mais as nossas vidas, como se já não tivesse feito o suficiente. — Suspirou, aparentando estar realmente cansado.

— Por que sua irmã não pode criar a filha? Pelo que aparenta dinheiro não é um problema para a sua família. — Porcaria! Lá vai eu e minha boca grande.

— Exatamente, minha família tem dinheiro, não a minha irmã. — Aparentou irritação em suas palavras.

— Desculpe, não quis ser indelicada. Só estou querendo saber mais sobre você. — Nessas horas tenho vontade de me bater, por ser tão língua grande.

— Sei disso Rosa. Sabe, a sua maneira de falar sem pensar é o que mais gosto em você. — Suavizou suas expressões, fazendo um novo brilho chegar aos seus olhos. Enquanto olha para a rosinha em meus braços e, passeia o seu olhar novamente para mim.

— Seria tão bom se você gostasse de falar tudo o que sente para mim. Por que você aparenta ter tanto ódio do seu tio? — Mulher, até agora não entendo qual é o seu problema, você sabe realmente estragar um momento. Silêncio, não há momento que impeça a minha curiosidade.

Ao escutar minha pergunta Mark rir como se estivesse tentando acreditar na minha suposta fala. Como se eu não fosse normal e nem deste mundo. Mas logo voltou ao normal, e deu prosseguimento a sua fala.

— Se você soubesse o que ele fez também teria. — A sua fala soou pesada, mesmo ele fazendo de tudo para não refletir o que estava sentindo em seu semblante.

Tenho a ciência que já perguntei demais, mas a minha curiosidade não cessa e término abrindo a boca na hora que não deveria.

— O que ele fez? — Deixei a criança brincar com meu cabelo e foquei minha atenção em Mark, a tempo de perceber que esse não foi o momento certo para perguntar.

— Você pergunta demais. — Seu tom foi seco, mesmo assim ele se aproximou de mim, entregou a mamadeira já pronta e saiu do cômodo em direção a sala.

Suspirei pressentindo que essa história estava longe de terminar. Amamento a bebê, aguardando a boa vontade de Mark em me procurar ao se acalmar.

Pouco tempo depois, quando estou brincando com Rosa no sofá da sala, Mark aparece com uma caixa de pizza e um refrigerante de um litro.

— É estranho que o meu nome e o dela seja Rosa. — Comentei quando percebi que ele se sentou junto a nós colocando a comida na mesinha de centro da sala.

— O nome dela é Rosa Branca. Conheci uma pessoa que gostava do conto dos irmãos Grimm onde a protagonista tinha esse nome. — Curvou-se para abrir a caixa da pizza enquanto falava.

— E qual era a sua relação com essa pessoa? — Criei coragem para perguntar, mesmo sabendo que ele poderia se chatear com a minha intromissão.

— Já falei que você faz muitas perguntas? — Ele riu e bagunçou meu cabelo estranhamente ouriçado, e segui-o em direção a cozinha.

— Ei!!! Não me ignore, isso é feio. — Rir, mas ele já tinha saído.

***

Cheguei em casa no dia seguinte no final da tarde, devido ao fato de ter dormido com Mark na noite passada e do seu apartamento seguimos para o trabalho.

Contudo, nem tudo são flores. Assim que entro em casa, me deparei com a carranca de Alda direcionada a minha pessoa. Ao qual expressa a seguinte frase: não adianta correr, hoje colocaremos a conversa em dia.

— Que surpresa vê-la por aqui? — Soltei tentando aliviar o clima, avaliando o tempo que preciso para saber se Nora está em casa para me ajudar nesse embate.

Discorro o meu olhar por todo o apartamento, pelo menos até as partes que meus olhos alcançam, e destaco que com toda a certeza Nora não se encontra nesse recinto. Dado a esse fato, infelizmente a conversa será apenas entre mim e Alda e posso afirmar se não soubemos medir as palavras esse diálogo pode não terminar bem. Estou falando isso, porque todas as vezes que conversamos sobre o meu passado, sempre uma de nós tem que ceder para não terminar em discussão, mas dessa vez não cederei. Preciso saber quem sou, e não são os segredos de Alda que me impediram disso.

— Sem ironias Rosa Vermelha. Você sabe... — Antes que ela concluísse a frase a cortei, pressentido suas palavras.

— Sei o quê Alda? Que você esconde coisas de mim, que não posso saber de maneira alguma. Por que Alda? Somos amigas, isso não era para acontecer, mas desde o dia que estive naquele hospital senti que as coisas seriam diferentes. Nós seríamos diferentes.

Porém, para a minha decepção, as minhas palavras não chegaram ao interior de Alda como esperado. Ao invés disso seus olhos continuaram imparciais, mas pouco depois pude perceber um suspiro apagado da sua pessoa. E dessa forma ela veio até mim, segurou o meu braço e me direcionou até o sofá para nos acomodarmos.

Estranhamente senti os seus dedos passarem suavemente pela minha bochecha, foi quando percebi que estava chorando. Me privei de qualquer sentimento nesses meses, tanto que não percebi que estava tão amarrotada de frustrações. É como se não conseguisse ser eu mesma, mas alguém que foi modelado para atuar de uma certa forma. O meu ser se entristece quando pela minha mente passa a imagem de Camélia, e lembro que poderia conhecer a minha irmã se não estivesse enrolando todo esse tempo, é como se eu estivesse rejeitando a minha família, minha mãe. Oh céus! Em que estou me tornando, essa não é a Rosa das poucas lembranças que possuo. Sou uma pessoa que se preocupa com a família e amigos a ponto de colocá-los acima das minhas opiniões e necessidades.

— Sabe Alda, você é a minha melhor amiga e sempre será. — Encarei os seus olhos castanhos que agora contém um brilho estranho, como se estivesse arrependida.

— Rosa, para sempre é muito tempo... e o tempo muda as coisas. — Pela primeira vez desde que a conheci vi Alda chorar, mas rapidamente ela limpou os resquícios que restaram no rosto. — Gostaria que tudo fosse diferente, bom... isso não é possível. — Levantou-se focando sua atenção em mim.

— Diferente o quê? Não entendo. — Ouvi-me dizer algo que me escapou dos pensamentos.

— Posso lhe contar uma história? — Ela não aguardou uma resposta minha e logo continuou a sua fala. — Um dia conheci uma mulher que mais parecia uma menina de quinze anos, que sonhava com príncipes encantados e contos de fadas. Porém, ela era muito insegura, colocava as pessoas acima de si, esqueceu que primeiro tem que se amar para amar alguém. Mesmo assim ela era incrível, sabe... um tipo de pessoa que você quer ter como amiga. Apesar das dores e frustrações que eram postos pelos outros ela não perdia o brilho nos olhos, e cria que o amanhã reservava para ela o seu felizes para sempre. Contudo, o destino não foi bondoso com ela e em uma noite ele tirou tudo o que dizia e pensava odiar, sério... ela falava com todas as letras que a desprezava e não a suportava, mas ela não sabia que isso era amor reprimido. Ela jamais conseguiu odiar a pessoa que sempre esteve ao seu lado e cuidou dela, mesmo a criticando, pois sabia que a irmã merecia o melhor. Bom, na visão da irmã que partiu ela não sabia a forma certa de ajudar a caçula, essa foi a maneira que ela encontrou... pode ser questionável? Com certeza, mas ninguém pode afirmar que ela não fez o seu melhor...

— Não estou entendo, e pior, não estou gostando dessa história. — Mesmo em meios aos meus protestos, Alda continuou:

Não consigo entender essa história da Alda, irmã? Então, eu sou a caçula? Me ajudar, como? Não consigo entender essas indagações sem sentido. Céus, são tantas perguntas que propositalmente não são respondidas pela mulher à minha frente.

— E essa flor que tanto a protegeu se foi, mas ela deixou... — Quando Alda estava prestes a dizer algo, seu semblante mudou drasticamente e ao invés do tom gentil que era acrescido em suas palavras elas se tornaram secas, e no minuto seguinte pude ouvir a verdade que jamais esperei de sua boca. — Se o motivo que você deseja tanto voltar ao passado é para rever a sua irmã, esqueça... ela não vai voltar. Ela se foi para sempre, e falo com todas as letras, ela era a única pessoa que te mantinha viva na sua outra vida. Por isso, esqueça essa procura descabida e viva, você precisa disso.

As suas palavras foram como choque perante a minha face. Não poderia acreditar que isso tinha acontecido, e para piorar, não consegui entender por que essas palavras saíram tão friamente dos lábios de Alda. Meus pensamentos paralisaram e em um momento só, pude escutar a voz de Camélia dizendo:

— Se ficar pensando no que perdeu, nunca conseguirá ver o que está por vir.

Não sei qual foi o contexto destas palavras, mas de uma coisa é certa, elas cravaram como estaca em meu coração, despedaçando o único lado inteiro que me restava e com ele se foi o fio de esperança que trazia fé em encontrá-la. Não sei se tivemos uma convivência boa, a maioria das lembranças que tenho com Camélia é em meio aos nossos momentos de aconselhamento, onde eu podia ver com todas as letras a sua intenção de me ter bem. Mesmo que os nossos conflitos não fossem muito agradáveis, ainda mais quando se tratava do seu esposo e nossa mãe.

Camélia, o que farei agora? Lembro que você sempre tomou as decisões por mim, será que estou realmente pronta para andar com as minhas próprias pernas sem você aqui. Ou sou apenas uma garotinha assustada brincando de ser gente grande.

A vida é inconclusiva, uns nascem por um motivo, outros morrem por outra circunstância, e assim segue o ciclo da vida. É realmente triste quando vemos a vida passar diante dos nossos olhos, sem ao menos poder agarrá-la com todas as nossas forças. Será que esse foi o pensamento de Camélia quando nos deixou, ou ela tinha algo maior para se preocupar que ainda não compreendo?

Sem conseguir digerir a bomba que Alda acabara de jogar em minha cara, enquanto finas lágrimas descem pela minha bochecha, partindo o restante do meu coração que já estava em ruínas. Alda diz a seguinte frase:

— Um dia fui como você, mas arrancaram de mim qualquer espírito sonhador. E de verdade Rosa, espero que consiga mantê-lo. Não quero que você se torne quem eu sou hoje... — Logo após as suas palavras, enquanto eu encarava o chão ainda sem conseguir acreditar no que acabara de suceder, ouvir a porta da sala bater. Sinal de que essa noite seria apenas eu e as minhas lembranças nesta casa.

Sem conseguir colocar os meus pensamentos em ordem olho o visor do meu celular destacando um número desconhecido. Atendo com o pressentimento que essa noite promete, e com toda a certeza, dormir hoje não será uma palavra no meu vocabulário.

— Rosa vermelha? — Um homem fala do outro lado da linha.

— Sim. — Engoli o choro e tentei focar na pessoa que estava falando.

— Sou detetive que o delegado Gaiolo pediu para cuidar do caso da sua família, estou ligando para informar que os encontramos.

E em meio a essas palavras não consigo raciocinar mais nada, ouço apenas algo apitar em meu ouvido e o barulho de um acidente me tirar completamente do eixo normal. Ao som de buzinas e relâmpagos, aquele dia que eu mais temia chegou em minha mente, devastando por completo a minha consciência e consistência racional. Neste momento não me considero mais eu, mas sim outra pessoa. Com a luz que tenho agora, do meu passado lembro que tudo que mais sonhei e desejei me afastar está voltando como cascatas para os meus braços. O meu peito se aperta com o romper da solidão e minhas lágrimas se esvaem ao imaginar que não serei bem acolhida.

Encontraram... encontraram, ainda não consigo acreditar que posso realmente pensar nessas palavras. O medo me invadiu, da rejeição, do diferente... Mas a minha curiosidade e necessidade é maior que toda covardia. Ainda mais quando lembro que não poderei ver o rosto sereno de Camélia, ou ouvir as suas afrontas quando eu cometia alguma loucura impensada, como ser melodramática demais, sonhadora ao extremo, carente em greves profundidades, ou seja, emocionalmente instável. Isso me causou sérios problemas, e sinto a dor em meu coração, mesmo assim preciso olhar para frente. Camélia afirmou que eu precisava parar de me apegar ao passado, mas com a amnésia isso era para ter mudado, tecnicamente eu deveria me tornar uma nova pessoa, porém, pelo visto isso não aconteceu. Tanto que sinto o meu peito latejar, mas não devo partir do pressuposto da lamentação, não mais, chegou a hora de tomar as rédeas e fazer escolhas diferentes. Bom, agora só preciso encontrar a forma certa de fazer.

Em meio ao momento de questionamentos mentais, um pensamento invade a minha mente. Projetei tanto encontrá-los e agora que consegui como será? Será que realmente foi uma boa ideia, ou deveria ter dado atenção aos concelhos de Alda? Dúvidas e mais dúvidas, são tudo o que me resta agora.

ESPERO QUE TENHAM GOSTADO DESTE CAPÍTULO. ATÉ...

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