Ao pôr do sol...
Dedicado á Carol_paiva_1
Certa vez, o sol estava se pondo quando percebeu que a semana fora bastante tranqüila e decidiu conferir o que se passava. Por sorte, ele tinha uma visão tão boa que de lá podia contar os detalhes dourados do vestido vermelho de uma princesa que apoiava sua cabecinha no ombro de um cavaleiro alto e robusto de cabelos castanho-avermelhados enquanto chegavam ao coreto que se destacava no centro dos jardins do palácio real. Segundo as minhas contas, faziam exatamente trinta dias em que suas sombras formavam um bicho de duas cabeças, mas estes que a compunham não tinham nada de assustador.
"Hoje celebramos trinta dias... Será que viverei o suficiente para celebrar trinta anos?" Sabe-se lá porquê, este era o mais novo receio de D. Alexandre Fuas Nolasco. Por mais que tivesse acumulado vitórias, aprendizados e façanhas com tão pouca idade, certas ocasiões, falhas machucados lhe renderam surpresas que moldaram seu caráter enquanto bagunçava os cachos castanho-claros de daquela princesa. "Ah Berenice, se tu soubesses o quanto fui podado, mexido e permiti que me arrancassem certas coisas... Talvez estas coisas fossem necessárias para que eu estivesse pronto para estar ao seu lado..."
- Alexandre... - Murmurava uma voz doce e bem querida que tentava despertar seu acompanhante do modo pensativo, mas logo sentiu que seria uma tarefa difícil.
"Estar ao seu lado..."
- Alexandre... Alexandre hu-hu!
-Hã... Pois não? - Ele respondia enquanto Sua Alteza Real, a princesa Maria Berenice de Serruya o encarava de modo questionador.
-Alexandre, é a terceira vez que lhe chamo e não me responde... Algo me diz que você não está muito bem...
-Ah, ultimamente tenho pensado tanto e de tanto pensar, preciso amarrar os pés no chão para não voar! - Ele brincava enquanto ajudava nossa princesinha a subir os degraus do coreto e a fazia sorrir. Construído em tons de azul, branco e dourado para presentear a família real, ele sabia proteger de chuvas inesperadas, destacar apresentações de sonetos musicais e acolher quem precisava descansar.
-Engraçado, estamos juntos há trinta dias e tudo me parece como se fosse o primeiro, inclusive você...
-Ah, sabia que eu estava falhando em alguma coisa! Eu devia ser mais brincalhão, andar mais rápido contigo, mas tenho medo de exagerar e estragar as coisas...
-Ora, você não imaginava que viveria tanta coisa em pouco tempo ou que estaria do meu lado. Nem aquela princesa Berenice de cinco anos imaginava... - Respondia ela enquanto seus olhos contemplavam o jardim e reencontravam os seus pais colocando-a para descansar num antigo berço aos pés de um carvalho enquanto realizavam um piquenique. Recordar sob a ótica da alegria era uma novidade tão deliciosa que Berenice nem sabia o que era mais divertido, imaginar o passado ou sonhar consigo mesma e o noivo daqui a trinta anos...
-Berenice, veja aquele garotinho batendo os pés! O pai dele deve sofrer um bocado, não?
-Querendo ou não, qualquer pessoa tem esse jeitinho quando tem cinco anos. Seu pai Domingos brincava que você valia por vinte aspirantes rebeldes!
-Ah papai eu não quero, não quero! Ela tem cara de quem não gosta de mim! - Gritava o garotinho com mais força enquanto o pai começava a perder a paciência e o casal tentava disfarçar, mas por algum motivo aquele escândalo infantil os atraia...
-Meu filho, o que tem de errado fazer uma visita para nossos reis? Sabia que é uma desfeita agir desse jeito como se fosse um bezerrinho desmamado?
-Ela tem cara de quem não gosta de mim e vai me beliscar de novo!
-Alexandre, você conhece esse senhor? - Indagava a princesa Berenice. - Pelas roupas, me parece ser alguém da Cavalaria Real, mas não entendo o que faz por aqui se meu pai não agendou nenhuma reunião!
-Tenho a impressão de conhecê-lo, mas nunca o vi entre os veteranos...
-Maria Berenice ainda tem seis meses, não espere que ela entenda o que acontece ao seu redor... Mas se você for bonzinho, te garanto que ela se agradará bastante e todos sairão ganhando, entendeu? - Aconselhava o fidalgo enquanto o garotinho assentia com a cabeça e finalmente sorria. - Pronto, assim que um Fuas Nolasco deve ser!
-Fuas Nolasco?! - Exclamava Alexandre enquanto Berenice percebia que pai e filho citavam seu nome como se ela mesma ainda fosse um bebê enquanto desapareciam aos poucos. - Meu pai e eu somos os únicos em Angustura que podem deter esse sobrenome, meus parentes moram longe daqui e minha mãe... A vida inteira ela só podia contar com meu irmão lá em Rio Adentro!
-Alexandre, estou ligando os pontos... Será que nós voltamos ao passado?!
-Deve ser impressão, coisa da nossa cabeça. Vamos ficar aqui e aguardar, vai que... E se for como você diz?
-Talvez isso tenha um propósito. Antes de chegarmos ao coreto nós estávamos conversando sobre o passado, não? Seja o que for, por alguma razão fomos escolhidos para rever nosso passado, tudo que vivemos até agora!
-Você teria coragem de sair daqui, reencontrar a si mesma e consertar alguma coisa no passado?
-Hum... Proposta tentadora, não? Em todo caso, melhor permanecermos aqui e respeitar o que vivemos. Muitos aprendizados e presentes se devem a certos tropeços. Mais do que qualquer pessoa, nós sabemos que Angustura é uma terra mágica...
-E disso somos testemunhas...
Sem dúvida, Angustura tinha várias evidências para provar sua magia. Nascida e criada entre rios, florestas, pássaros e bichos, ela concedia a sua gente o dom de vivenciar, conceber e narrar histórias que pudessem se espalhar como folhas ao vento e enfeitar o tempo. Tempo que apresentava uma avó Oriana, tão apaixonada por seu marido e rei Claudeonor de Serruya que não suportava perdê-lo e o acompanhava, contando as estrelas que no céu despontavam como no primeiro daqueles trinta dias. De repente, o pequeno Alexandre retornava crescidinho e batia palmas para seu cavalinho Corre-Campo que finalmente estava pronto para cavalgar mundo afora enquanto a jovem rainha Verônica trazia em seus braços uma menininha de vestido rendado que de tanto chorar estava com dor de cabeça...
- Veja Berenice! Lá está sua mãe Verônica, ela deve ter te aconselhando depois de alguma briga...
- Alexandre, você sabe que nunca fui de brigar... Eu era tão triste que nem forças para revidar uma brincadeira maldosa eu tinha! - Ela respondia enquanto observava mãe e filha a dialogar. Ah, se D. Alexandre não lhe avisasse, custaria a acreditar que um dia fora aquela garotinha que todos se preocupavam por jamais sorrir.
- Berenice minha filha, precisava beliscar Alexandre e sair correndo? Por favor, deixe de lado esse costume...
- Não sei como deixar, é que... Só consigo chegar perto dele se for desse jeito e sair correndo!
- Um beliscão para celebrar os onze anos dele, que presente não? - Respondia Verônica enquanto a pequena princesinha chorava novamente em seus braços. No coreto, D. Alexandre ria por se recordar de quando Berenice lhe explicou o verdadeiro motivo das beliscadas.
- Ah Berenice, aquele foi um presente e tanto, não? Até hoje me lembro, hehehe...
- Como se não bastasse minha incapacidade de sorrir, ainda contava com manias estranhas... Uma garotinha de cinco anos achando um menino tão bonito que mal sabia se expressar a não ser com esses beliscões é uma piada!
-Mas nada supera um pirralhinho acreditar que um bebê nunca gostaria de ninguém...
Outras lembranças surgiam, pessoas apareciam e desapareciam, alegrias e dores eram revividas e os dois presenciavam seu crescimento até chegar ao primeiro daqueles trinta dias. Era de noite, o cavalo Corre-Campo surgia para se alimentar discretamente da grama e D. Alexandre contemplava a princesa Berenice que se via vestida como no dia que coincidiu com o próprio aniversário e a cura de sua antiga enfermidade. Instantes depois, ambos regressavam ao estado anterior á subida no coreto e se davam conta do quanto a atmosfera se animava por eles estarem ali; era o trigésimo dia, por fim voltavam ao presente!
-Interessante. Sinto que já não devia me preocupar tanto em como me expressar ou brincar pois você sempre vai me amar acima de meus defeitos... Deles eu posso cuidar sem me cobrar tanto!
-E suas qualidades, porque não? E digo mais, faltam poucas folhas para concluir minha história... Nossa história, já que decidimos o final através de nosso querer!
-... Enquanto o futuro não chega, me resta repetir a pergunta que lhe fiz no primeiro de nossos trinta dias. Depois deles, ainda queres? De verdade?
-Assim eu quero, assim eu quero! - Exclamava Berenice ao ser rodopiada por Alexandre enquanto Corre-Campo cansava de se alimentar e bebia de uma fonte próxima; de mãos dadas, o rei Hildegardo Camilo e a rainha Verônica interrompiam seu passeio noturno para observar os dois. Bem que eles estavam acostumados a presenciar cenas românticas e divertidas no jardim, mas naquela ocasião estavam mais repletos de ansiedade do que outra coisa...
- O tempo tem suas surpresas... Quando a gente pensa que já viveu o bastante, ele vem e confirma que ainda existe muito pela frente!
-Eu que o diga Camilo, eu que o diga...
-Que há contigo Verônica, o vestido está desconfortável?
-Não como os sapatos que preciso tirar, de vez em quando me fazem tropeçar! - Respondia a rainha, cujo semblante sereno se tornava mais arteiro como uma garotinha travessa. - Por D. Carlos Maria, como nossa filha vai reagir quando souber do irmãozinho ou da irmãzinha?
-Talvez ela caia para trás ou fique mais contente do que já está... Assim Deus quer, assim se faz!
FIM
Mais uma vez, quero agradecer as pessoinhas do Projeto Autores ajudam Autores que me motivaram a escrever novamente. Realmente, vocês me ajudam, me inspiram a reencontrar os lugares por onde passei e amar cada vez mais os meus personagens. Espero não ter decepcionado, hehehe!
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