Vingança Diabólica - com Detetive James
Texto de JoeFather
*
Sinopse: Até aonde a maldade humana vai?
O detetive Jaime, com toda a sua experiência, ainda não sabia responder a esta pergunta, até que um novo caso surgiu.
Um homem desaparecido, nenhuma evidência de crime e um diário que surge, escrito com suor e sangue, e que pode apontar o caminho para a solução do mistério.
Até que ponto alguém pode chegar para elaborar uma vingança? Descubra isso ao embarcar nesta Vingança Diabólica e se surpreenda com o final.
*
I
Até aonde vai a maldade humana?
Eu, trabalhando como detetive há muitos anos, ainda não tinha me questionado sobre este assunto, apesar de me deparar com a maldade por diversas vezes durante a vida.
Sou Jaime, 54 anos, ex-policial civil do Estado de São Paulo. Atuei por alguns anos na capital e depois fui transferido para o interior, em Itatiba.
Depois que me aposentei, resolvi abrir um escritório de investigação, para dar uma ajuda no orçamento. No início foram poucos clientes, mas estava me divertindo muito com os casos que consegui, até o dia em que dona Geralda apareceu em meu escritório e conseguiu me fazer perder o sono.
*Meu esposo sumiu, faz muitos meses. Deixou contas atrasadas e tive que me virar com meu emprego, pra colocar tudo em dia. O imprestável já não valia nada enquanto trabalhava, após aposentar, ele piorou. Só ficava jogando baralho no bar e voltava pra casa com bafo de pinga, pensando em comer e dormir. Aquele miserável!
*E a senhora deu parte do desaparecimento dele?
*Não fiz nada na época, foi um alívio me ver livre daquele encosto. Só quando recebi uma carta do INSS falando sobre uma atualização do cadastro dele, onde Armandico tinha que comparecer pessoalmente, que percebi que o vagabundo podia me dar algum lucro.
*Então a senhora...
*Sim! Perdi meu precioso tempo e fui ao INSS, levei todos os documentos que tinha dele e contei sobre o seu sumiço. Fui informada que ele não sacava o benefício fazia algum tempo, desde quando desapareceu. Meus olhos cresceram sobre este dinheiro, pois dava pra viajar até a Itália, um sonho que sempre tive, mas que o imbecil nunca me ajudou a realizar.
"Tive que fazer um registro na delegacia, pra confirmar que ele estava desaparecido e, após um tempo, meti a mão na grana. Foi uma compensação por tudo que ele me fez passar.
*A senhora acha que ele está morto?
*Ah, já deve estar fedendo faz tempo, só pode...
*Então, no que posso ajudá-la?
*Estes dias fui olhar na caixa do correio e achei este embrulho, endereçado para o meu marido.
"Comecei a abrir o embrulho e vi que tinha manchas de sangue. Larguei o bendito na hora e pus a mão no peito, que acelerou. Então resolvi procurar o senhor.
*Por que não procurou a polícia?
Ela cochichou, apesar de estarmos sozinhos no escritório.
*Já gastei a aposentadoria acumulada dele que, graças a Deus, sumiu. Não quero correr o risco de perder esta boquinha, acho que o senhor entende, mas também não quero fazer nada ilegal.
*A senhora não mexeu no pacote?
*Só comecei a abrir e larguei do jeito que o senhor tá vendo. Não quero nem saber o que tem aí dentro, por isso trouxe o pacote. Quero que o senhor abra e dê uma investigada, depois jogue fora.
*Não está curiosa em saber o que pode ter acontecido ao seu marido?
*Desde que ele esteja bem morto, pra mim tanto faz. Só quero me ver livre disso aí.
*A senhora sabe que pode haver complicações e que a polícia tenha que ser acionada?
*Sei, mas quando isso acontecer já espero estar bem longe. Sabe aquela sonhada viagem pra Itália? Pois é, comprei a passagem. Só de ida. Passe bem, seu investigador.
Percebi na hora as complicações nas quais estava me envolvendo, mas, vou ser sincero, estava curioso.
Peguei meu kit de detetive no armário e tirei de lá um par de luvas. Já estava anoitecendo, então acendi a luz da escrivaninha e me debrucei sobre o pacote.
Ao abri-lo senti um cheiro azedo, de coisa velha, invadindo meu nariz. Se tratava de um diário comum, destes comprados em papelaria, com a capa marcada por várias manchas de sangue.
Apesar da curiosidade, meu instinto profissional falou mais alto e na manhã seguinte enviei o diário, ainda dentro do embrulho, para um escrivão amigo meu, o Gilberto.
Ele transcreveu todo o conteúdo e me enviou por e-mail uma semana depois, tendo o cuidado de enviar uma mensagem de áudio com uma explicação.
"Milton, meu chapa, que material, hein! Pra que você entenda, existem muitos recortes datilografados que foram colados no diário. Eu deixei o conteúdo destes recortes em letras maiúsculas."
"Aproveitei e mandei o diário para verificação das digitais. Daqui uns dias ele volta pra você e, pelas datas que eu vi, você precisa se apressar, pois são deste ano de 2019."
Após ouvir a explicação, li o conteúdo sem pressa. O Gilberto foi muito cuidadoso e, além da transcrição, fotografou páginas do diário e anexou no e-mail.
Agora chegou a hora de lhe repetir a pergunta: até aonde vai a maldade humana?
Vou lhe adiantar o seguinte: não encontrei a resposta no diário.
Esta revelação eu só tive ao prosseguir na investigação e ver até aonde o ser humano pode chegar para fazer alguém sofrer.
II
20 DE ABRIL
ESCREVA O QUE TÁ SENTINDO
***
21 DE ABRIL
ESCREVA O QUE TÁ SENTINDO SE QUISER ÁGUA
Vão se ferrar!
***
22 DE ABRIL
ESCREVA O QUE TÁ SENTINDO
Estou me sentindo a merda de um rato, neste lugar sujo e fedorento. Estou com fome e sede. Já quebrei tudo aqui embaixo. Era isso que queria, pô?
***
23 DE ABRIL
PEÇA DESCULPAS SE QUISER COMER
Não vou pedir desculpa merda nenhuma.
***
24 DE ABRIL
PEÇA DESCULPA
Tá bom! Desculpa, desculpa, merda, merda! Estou morrendo aqui, sou velho, preciso de um médico.
***
25 DE ABRIL
O que vocês querem de mim? Não tenho dinheiro, não tenho nada.
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26 DE ABRIL
***
27 DE ABRIL
ESCREVA TODOS OS DIAS
Pão de novo? Preciso de algo diferente. Quero cachaça.
***
28 DE ABRIL
PEÇA POR FAVOR
O que vocês querem de mim? Me deixe sair desta merda. Por favor! Manda a merda da cachaça também, por favor. Estou ficando louco aqui.
***
29 DE ABRIL
Já pediram o resgate. Ela não vai pagar, ela não tá nem aí comigo.
***
30 DE ABRIL
Não sei mais o que escrever. Não gosto de escrever.
***
1 DE MAIO
Vão me tirar daqui ou não? O vaso entupiu, vou pegar uma doença aqui, tem rato andando nesta merda de buraco.
***
2 DE MAIO
DESENTUPA O VASO
Vocês tão de brincadeira. Não vou enfiar o braço nesta merda. Não vou, morro, mas não vou!
***
3 DE MAIO
DESENTUPA O VASO SE QUISER COMER
Isso de novo. Não vou! Vou morrer, não tô nem aí.
***
4 DE MAIO
DESENTUPA O VASO SE QUISER ÁGUA
Vão se ferrar. Tô com fome. Merda! Meu braço está todo sujo. De merda! Vou morrer nesta merda. Vocês são loucos.
***
5 DE MAIO
Tô queimando. Acho que não passo desta noite. Vocês vão me ver no inferno, ah vão.
***
6 DE MAIO
Continuo queimando. Por favor, manda remédio.
***
7 DE MAIO
Por favor, me deixem ir embora. Preciso de um médico, nem consigo me levantar mais, hoje nem sei como estou conseguindo escrever nesta merda.
***
8 DE MAIO
O que vocês querem de mim? Falem? Faço qualquer coisa. Não quero morrer neste buraco.
***
9 DE MAIO
ECONOMIZE COMIDA
O que vocês querem dizer com isso? Vão me abandonar nesta merda? Não façam isso! Vocês vão queimar no inferno comigo se fizerem isso. O que querem de mim? Respondam, por favor.
***
10 DE MAIO
MORRA
Por quê? Por favor, por que? Eu não vou desistir, vocês não vão conseguir, não vão, seus merdas...
III
Entendi a pressa que o Gilberto mencionou. Era dia 20 de maio e se aquele diário não fosse uma brincadeira de mau gosto, teria pouco tempo para encontrar Armandico.
Um telefonema do meu colega me apressou mais ainda.
*As digitais conferem com o marido sumido. Ele consta no sistema, foi fichado em 2005 por uma briga em bar que resultou em lesão corporal. Agora é contigo, Milton, o que pretende fazer?
*Chame o delegado, precisamos agir.
*E a esposa?
*Vou visitá-la agora mesmo, encontro vocês lá.
Saí do meu escritório no centro e em 10 minutos já estava batendo palmas na casa da dona Geralda.
*Não tem ninguém aí não, moço - me alertou um senhor, da casa em frente.
Atravessei a rua e o cumprimentei.
*Boa tarde! Sou o detetive Jaime. Conhece o casal que mora na casa? É urgente.
Pra confirmar minha pressa, uma viatura da polícia civil estacionou próxima a nós.
O delegado, dr. Raul, saiu da viatura com seus 2 metros de altura e se colocou do nosso lado.
*Milton, como é que tu arranja estas encrencas, mano?
Dei um abraço nele e o apresentei para o vizinho, que contou tudo que sabia.
*Só vi a senhora nos últimos tempos. O marido só saía para o bar e voltava a noite, quando voltava. Vi a dona saindo ontem a tarde num carro preto, com várias malas. Acho que foi viajar.
Deixei o vizinho aos cuidados do delegado e rumei para a casa, cujo portão estava sendo aberto pelo Gilberto.
*O doutor já ligou para o juiz, que enviou o mandado de busca pra delegacia pela rede. Vamos entrar?
Fui logo atrás dele.
A casa era simples e antiga, com um quintal amplo e uma edícula no fundo. Gilberto colocou luvas, eu imitei seu gesto, depois ele abriu a porta da frente da residência.
Olhamos todos os cômodos, investigando principalmente o assoalho, buscando algum acesso para algum tipo de porão, seguindo uma interpretação do descrito no diário, a única pista que tínhamos.
Ao terminarmos a busca, dr. Raul nos encontrou no corredor do lado de fora.
*Pressionei o vizinho, Mário. Parece que ele teve ou queria ter algum rolo com dona Geralda.
Gravei aquela informação e seguimos para o fundo da casa.
*Segundo o Mário - continuou o delegado - esta edícula serve como depósito de ferramentas do Armandico. Ele era pedreiro, dos bons, antes de se aposentar.
Aguardamos o Gilberto, que com suas habilidades na micha, em instantes destrancou a porta.
O depósito estava muito bagunçado, como se houvesse movimentação recente no local. Dr. Raul confirmou o fato com um olhar astuto para mim e começamos a vasculhar.
Em pouco tempo, já que o local era pequeno, encontramos uma falha no assoalho. Se revelou uma porta quadrada, pela qual poderia passar uma pessoa e estava trancada.
Reparei que a fechadura era do tipo usado em portas de segurança, que travavam sem a necessidade de chave. Devido ao tipo de tranca, Gilberto demorou quase um minuto para abrir.
Minha adrenalina foi a mil na hora em que ele levantou a porta. Um cheiro horrível de morte saiu do buraco. Tinha uma escada lateral e devia ter uns três metros de profundidade.
O delegado iluminou o fundo do buraco e lá estava um corpo inerte, deitado de lado.
Imediatamente ele acionou o resgate e fez mais uma ligação para a delegacia.
Em alguns minutos os bombeiros apareceram e retiraram Armandico numa maca. Ele estava numa situação lamentável, imundo, mas, milagrosamente, vivo.
Neste instante eu pensei que tinha finalmente conhecido o limite da maldade humana.
Estava enganado...
IV
Seguindo as orientações do delegado, uma equipe da polícia civil foi designada para prender dona Geralda.
Seu voo partiu as 18 horas do dia anterior, de Campinas para a Itália, mas ela não embarcou. Foi feito contato com a empresa de transporte por aplicativo, mas nenhuma corrida foi registrada para o seu endereço, chegando-se a conclusão que poderia ser um transporte clandestino ou operando fora do sistema, como era comum e pouco fiscalizado pelos órgãos públicos das pequenas cidades.
Dona Geralda conseguiu desaparecer.
Armandico se recuperava na Santa Casa de Itatiba e no dia seguinte, eu e o dr. Raul lhe fizemos uma visita.
O que ele nos contou bateu com as informações do diário. Armandico ainda estava muito fraco e falava devagar.
*Muito obrigado! Foram os senhores que me encontraram, né?
Confirmei com um gesto.
*Do que se lembra?
*É tudo muito confuso, doutor. Um dia acordei naquela merda de buraco. Tinha uma lâmpada, que era ligada por uma hora, eu acho, todos os dias. Vi vários sacos de pão embalados, algumas garrafas de cachaça, um vaso sanitário e uma torneira.
"Passei uns dias gritando por ajuda e fui sobrevivendo. Perdi totalmente a noção do tempo. Um dia, já desesperado, pois não saia mais água da torneira e o pão havia acabado, me deparei com um arame pendurado, com um caderno amarrado na ponta. Li a data e a instrução, depois fiquei louco de raiva. Quebrei tudo que eu podia lá embaixo, uma burrice da minha parte, pois me cortei e sangrei que nem um porco. Achei que ia morrer, mas seria um alívio.
"Aí fui fazendo o que diário mandava, até que um dia ele não apareceu mais. Fui economizando pão e acho que teria morrido de fome se não tivessem me encontrado. Muito obrigado.
A enfermeira apareceu, dizendo que ele precisava descansar, mas consegui fazer uma última pergunta naquele dia.
*Quem poderia lhe querer fazer mal?
Armandico balançou a cabeça de forma negativa.
*Meu Deus, não sei não, doutor. Só tive umas encrencas no bar, mais nada durante a minha vida...
O vizinho Mário foi levado para ser interrogado por nós. Ele contou tudo que sabia, mas não me convenceu, pois senti que escondia alguma coisa.
*Não cheguei a ter um caso com a dona, mas ela bem queria. Dizia que o marido era um traste bêbado que não ligava mais pra ela. Geralda falou que não via o dia em que ele batesse as botas, mas não acredito que ela faria este tipo de coisa com Armandico.
Nem eu acredito - pensei em concordância com ele.
Alguns dias depois, quando Armandico foi liberado do hospital, ele me procurou no meu escritório e isso acendeu uma nova luz sobre o caso.
*Doutor, fiquei sabendo do sumiço da minha esposa e da suspeita sobre ela. É impossível, minha Geralda não judiaria de um gato, ela só xingava, era o máximo, mas sempre foi uma boa pessoa.
*Então o que acha que aconteceu? Onde ela pode estar?
*Não sei! Mas se o doutor encontrar quem me fez mal, vai encontrar quem sumiu com ela também. Eu acho isso.
E não é que o Armandico tinha razão...
V
10 DE JUNHO
ESCREVA O QUE TÁ SENTINDO
Pelo amor de Deus, que brincadeira é essa? Tô morrendo de fome, de medo, me tira daqui, pelo amor de Deus...
VI
No final de junho eu encerrei o caso mais terrível da minha vida.
Lembro quando dona Geralda me procurou, dois meses atrás, levando um diário num pacote. Agora temos no inquérito dois diários, o primeiro preenchido por Armandico e o segundo por ela.
Infelizmente dona Geralda não teve a mesma sorte que o marido. Quando a encontramos ela já se encontrava morta.
A causa mortis indicou um infarto. Seu coração não aguentou a pressão.
O seu diário foi preenchido até o dia 15 de junho, depois disso só apareciam os recortes colados pelo sequestrador.
Armandico me ajudou muito na solução do caso, quando me disse que aquele quem o tinha feito como refém, provavelmente era o mesmo que sumira com sua esposa.
Seguimos nesta linha de investigação, primeiro enumerando quem poderia querer fazer mal a ela.
A investigação resultou naquilo que eu já tinha em mente: dona Geralda não tinha inimigos, nenhum. Nem no bairro, nem na família, na igreja, entre os amigos e conhecidos. A opinião era unânime: tirando alguns palavrões que ela costumava dizer, era uma alma caridosa, uma mulher que não tinha medo de trabalhar, uma pessoa que não merecia morrer de forma tão bárbara.
O seu velório confirmou isso, pois a cidade inteira parou numa triste tarde chuvosa, para acompanhar seu enterro no cemitério das Acácias. Até o governador esteve presente, aproveitando para fazer campanha para reeleição, é claro.
Com base nestes fatos, só existia uma pessoa no mundo que poderia ter algo contra ela, mas que tinha um álibi praticamente incontestável.
Eu e o dr. Raul apertamos novamente o vizinho Mário, até que ele abriu o jogo, chorando feito uma criança.
*Eu cheguei a sair com a Geralda, mas foram só duas vezes. O Armandico estava desmaiado na cachaça, como sempre, e nem viu.
Essa conversa se passou no início de junho, então um veículo descaracterizado da polícia foi colocado para vigiar o marido, dia e noite, mas os relatórios apontavam que ele só ia ao mercado e no bar, depois passava a noite toda em casa.
Eu parecia ter voltado para a ativa, não saía da delegacia, até que o delegado resolveu parar com a vigilância e me comunicou.
*Este senhor já comeu o pão que o diabo amassou. Foi algum maluco, um traficante, a gente nunca sabe de tudo. Tenho outros casos em andamento, não posso mais deixar um homem vigiando por 24 horas o nosso suspeito. Sinto muito.
Eu sabia como a rotina policial funcionava, sempre com o orçamento apertado, contando com muita ajuda da Guarda Municipal, tanto para serviço administrativo quanto operacional, com a utilização de investigadores ad hoc.
Era dia 9 de junho. Resolvi dar uma passadinha na casa do Armandico pra conversar com ele. O que queria mesmo era amarrar ele numa cadeira e o torturar, até ele abrir a boca, mas decidi ser mais inteligente que isso.
Ele me convidou para entrar. Estava mais corado, não parecia ter bebido e me ouviu com atenção.
*Estamos fazendo todo o possível para encontrar sua esposa, mas não conseguimos nenhuma pista até agora.
*O doutor não tem nenhum suspeito?
Comprimi os lábios e balancei a cabeça, confirmando.
Ele soltou um suspiro. Pra mim foi de alívio.
*Então vamos deixar na mão de Deus, doutor. Ele sabe o que faz.
Apesar da minha fé, eu não ia deixar só por conta do Altíssimo. A partir daquele mesmo dia eu comecei a montar vigilância nas imediações da sua casa, com um carro alugado.
Fiquei 6 dias nessa campana, chegando a dormir no carro, quando algo me chamou a atenção, num dia em que ele voltou do mercadinho do bairro. Para alguém que morava sozinho, ela trazia sacolas demais nas mãos.
Fui ao mercado, me identifiquei e descobri que ele comprara muitas sacolas de pão.
Pão!
Um estalo me veio a mente. Podia não ser nada, mas não podia arriscar.
Fiquei na espreita.
Mais tarde ele voltou com as mesmas sacolas e foi para o bar. Não tive dúvidas.
Liguei para o delegado e lhe falei das minhas suspeitas. Tive que me impor aos gritos para que ele cedesse.
Algumas horas depois a viatura chegou, com um mandado de busca.
Era uma atitude arriscada, poderíamos por tudo a perder, mas eu queria seguir meu instinto.
Invadimos o bar. Armandico estava deitado de cueca, num cômodo do fundo, desmaiado na cama de tão bêbado.
Gilberto, como na vez anterior, abriu a porta do outro alçapão, que encontramos no solo. Lá no fundo do buraco, um corpo jazia imóvel. Era dona Geralda.
Armandico foi preso, respondendo por homicídio qualificado com requintes de crueldade, tortura e sequestro.
O dono do bar informou que alugava o cômodo para ele, quando Armandico não queria voltar pra casa e brigar com a patroa. Alegou também que ele ficou morando um bom tempo ali, só saindo pra beber.
O assassino da dona Geralda, como os jornais noticiaram, resolveu cooperar com a justiça, fazendo um acordo para diminuir sua pena, dando detalhes de como praticou o crime.
Eu ouvi a gravação, com ódio de mim mesmo. Se tivesse agido antes, dona Geralda ainda estaria viva.
"Ela era uma vagabunda, me traiu com o vizinho, merecia morrer. Não só morrer, merecia sofrer.
"Construí com calma, sem ela saber, o cativeiro na minha edícula. Depois um dia sumi, fiquei vigiando e ela nem se importou. Aí construí o segundo buraco no fundo do bar e planejei tudo. Voltei e me escondi no buraco e comecei a executar meu plano. Sofri bastante, passei fome mesmo, mas enganei todo mundo.
"Deixei o falso diário pra ela encontrar e voltei para o buraco. Fiz meus cálculos e deu tudo certinho: a egoísta pensava em se mandar pra Itália, eu vi as passagens, com a data e horário marcados.
"Fiquei esperando a maldita no aeroporto e a trouxe de volta, alegando que tinha uma surpresa pra ela e a idiota acreditou. A levei no cômodo do bar, coloquei uma droga num copo de vinho que ela bebeu e depois que desmaiou, a coloquei no buraco.
"Acho que ela sofreu bastante. Espero isso de todo coração e não me arrependo de nada do que eu fiz, a não ser de não ter colocado o Mário com ela, pra morrerem juntinhos.
Qual o limite da maldade humana? Até que ponto alguém pode ir pra fazer alguém sofrer?
Eu conheci o ápice da maldade na confissão do Armandico. Espero que ele mofe na prisão pelo resto da vida. Espero também que exista um inferno e que uma vaga lhe esteja reservada, pra quando ele partir desta pra pior.
Assim, pra mim, a justiça divina será feita, pois a dos homens, na qual participei, já está concluída.
FIM
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