Quem Matou Rosa? com Álvaro

Texto de 000vitor

Sinopse: Uma história. Um crime narrado em um diário por Álvaro, um policial sem muita experiência, porém com grandes ambições na profissão.

*

O céu escureceu mais rápido naquela tarde. Saí de frente da janela depois de conferir o movimento na rua da frente e me encaminhei para o outro lado do cômodo para conferir a parte de trás da casa. Não havia ninguém naquela região também. Após ter o trabalho de atrair o assassino até aquela casa, não poderia me descuidar e acabar sendo pego de surpresa.

Depois de alugar o imóvel e deixar pistas de que finalmente tinha descoberto quem era o responsável por crime tão terrível, suspeitei que a pessoa acabaria tentando me silenciar e assim fazer com que sua identidade e resolução do caso morressem comigo, sendo assim na minha cabeça essa seria a oportunidade perfeita para capturar a pessoa responsável por tudo isso.

Me adiantei subindo a escada e parando próximo a uma janela no corredor superior, de onde estava conseguiria olhar para os fundos ao passo em que a pessoa que passasse pela porta da frente estaria exatamente na minha mira.

Rosa, a filha do prefeito, fora encontrada pela madrasta, a garota estava jogada no chão do porão da casa onde ela guardava suas coisas pessoais como bichos de pelúcia e caixas repletas de lembranças de sua infância que mantinham a memória de sua falecida mãe firme dentro dela.

Seu casaco azul estava manchado pelo sangue que saía através das duas regiões da barriga onde ela tinha sido esfaqueada, o chão grudava e o cheiro de sangue dominava o lugar. Depois de analisar o corpo, fazer o interrogatório e a investigação, concluí que o assassino tinha acesso à casa, e que seria alguém próximo da garota uma vez que ela não iria mostrar coisas tão pessoais para qualquer um.

A vítima era bastante conhecida, mas mantinha boas relações com a maioria das pessoas. Entre ela e sua madrastra haviam atritos uma vez que a mais nova não aprovava a maneira como a relação da mais velha e seu pai ocorria, na verdade nunca aprovou desde o primeiro dia. No fim considerei que não passava de implicância de adolescente afinal, segundo o próprio pai, a garota podia ser bastante mimada quando não gostava de algo. Marta, a quem Rosa definia como sua melhor amiga, foi retirada da minha lista de suspeitos já que não me pareceu estar escondendo qualquer coisa relevante para o caso.

Então percebi que sobravam apenas o atual namorado, considerado por todos ao redor ser bastante ciumento, e o ex-namorado insistente. Segundo relatos, Rosa não deu sorte em seus relacionamentos já que o primeiro namorado era um tanto agressivo e não aceitou de nenhuma forma o fim da relação. Ouvi que ele inventou mentiras a respeito da garota que iam desde ela tê-lo traído até a acusações de ela usar drogas, ambas sendo ótimas bases para dar a ele a "permissão" para terminar o namoro. Marta me disse que praticamente a cidadezinha inteira comprou pelo menos a primeira mentira, a da traição, e que a amiga passou a ser mal vista em vários lugares já que o ex era de uma família bastante conhecida. No entanto, pela proximidade, apenas Marta tinha conhecimento dessa situação de criação de boatos falsos e calúnias já que Rosa se recusava a conversar sobre isso com o pai, e em nenhuma hipótese falaria disso com a madrasta.

Já o namorado atual, apesar de ser uma pessoa melhor tinha um ciúme doentio que, segundo a amiga, tornava a convivência dos dois muito complicada e desconfortável. Ele tentava controlar suas roupas, os lugares que frequentava e ultimamente, Marta me disse, que se lembra de a amiga ter comentado com ela sobre a suspeita de alguém estar colocando na cabeça dele que Rosa estava de olho em outra pessoa, o que acabou deixando o ciúme e agressividade nas palavras e ações dele muito mais visíveis. Inclusive, a vítima também suspeitava de que o namorado estivesse saindo com alguém.

Ao que parece tudo iria ter um fim, a garota iria terminar esse namoro também, mais aí o ex reapareceu depois de um tempo sumido e para se proteger Rosa acabou atrasando o fim do atual namoro já que o rapaz não iria permitir que o outro se aproximasse dela, dessa forma ela se sentia mais protegida.

Porém, não adiantou. Alguém esfaqueou a garota duas vezes, alguém que a odiava demais. Alguém que talvez sentisse rancor, ou alguém que tivesse descoberto algo, talvez alguém que queria ela fora do caminho, ou então que quisesse ela de boca fechada. Independente disso a riva era o que dominava a pessoa que cometeu aquele crime. Um crime de ódio.

Me ajeitei mais para o lado para me esconder, estava agachado podendo olhar pela janela de trás e com a mira apontada na direção da porta de entrada. Ao menor barulho da maçaneta se virando ou dobradiças rangendo eu estaria pronto.

A noite chegou trazendo consigo o frio característico da região Sul. Quem quer que tivesse feito aquilo estaria para chegar a qualquer momento, com certeza viria durante a noite para usar a escuridão como camuflagem.

Inspirei fundo esperando a porta se abrir, apertei novamente a arma em minha mão e suspirei por um momento, mas no segundo seguinte minhas vistas escureceram. Alguém tinha cortado a luz. Depois de levar uma bronca enorme do meu superior (horas mais tarde depois de tudo resolvido) entendi que não deveria ter feito o que fiz, mas na hora acabei descendo a escada. Assim que pisei no último degrau, uma bala cruzou a janela lateral estilhaçando o vidro e acertando a parede menos de um metro atrás da minha cabeça.

Me agachei instintivamente, posicionei minha arma e mirei na direção da escuridão. Não via muita coisa, apenas o outro lado da rua iluminado através do vidro perfurado da janela. Um chute foi desferido na porta, e o baque surdo foi seguido por um silêncio duvidoso. A pessoa não entrou imediatamente, acredito eu, por pensar que eu poderia atirar contra ela, o que significa que não era um qualquer, a pessoa sabia o que estava fazendo.

Percebi que estava muito exposto ficando de frente para a porta, então corri pela abertura à minha esquerda e adentrei a cozinha deslizando pelo chão até chegar atrás do balcão de pedra, no movimento acabei derrubando uma vasilha com talheres e repreendi a mim mesmo em pensamento por não ter prestado mais atenção, depois torci sem muita esperança para que a pessoa não tivesse escutado, o que seria difícil de acontecer.

Já aposto e preparado, me arrastei para a extremidade dos pilares colocando uma parte da cabeça para o lado e visualizando a entrada, mas não havia ninguém. A porta dos fundos!, pensei, então levantei o tronco indo em sua direção mas paralisei no meio do movimento assim que passos ecoaram pelo piso.

Voltei ficando mais ou menos no meio do móvel, apertei minha arma (é, eu tenho essa mania) e olhei novamente, dessa vez por cima. A luz que vinha dos postes de iluminação da rua clareavam bem pouco mas foi o suficiente para contornar a figura encapusada que adentrou ao lugar. Era um homem. Só não tinha como saber quem era pois seu rosto estava coberto, ele apontava a arma a segurando firme e mirava em todas as direções me procurando na escuridão. Vendo que ainda não tinha sido descoberto, fui para o lado da mesa, me agachei e posicionei a arma mirando na perna do outro, iria só imobilizá-lo, então me inclinei para frente e pressionei o gatilho, mas antes de terminar, meu pé escorregou me derrubando enquanto minha arma saía voando da minha mão. Meu ombro se arrebentou contra o piso e entrei em desespero agarrando o objeto o mais rápido que pude, estava ofegante, meu coração parecia acelerar cada vez mais e só depois de olhar bem percebi que enquanto estava agachado meu pé de apoio principal estava por cima do cabo de uma colher, e estando de tênis e focado em outra coisa mal pude reparar nesse detalhe.

Um baque chamou minha atenção e ao olhar novamente percebi o homem caído de joelhos, a arma despencou de sua mão e por fim seu peito bateu contra o piso. No momento seguinte, uma enorme quantidade de sangue começou a se espalhar ao redor de sua cabeça. Merda. Que droga!

Quando ameacei me levantar para revistar o corpo uma fumaça branca começou a subir de trás do mesmo passando a tomar conta do ambiente, vendo isso voltei imediatamente para meu esconderijo. Aquela situação só ficava pior e agarrando minha arma contra o peito me peguei pensando se não tinha alguma coisa sobrenatural acontecendo, algum fantasma ou maldição vindo me pegar. Percebendo a maluquice dessa ideia me dei conta de que a paranóia não iria me ajudar em nada naquele momento. Respirei fundo e quando olhei para a arma em meu peito no mesmo momento minha respiração cortou e meu coração errou as batidas.

A coisa mais aterrorizante de toda aquela situação não era nem a fumaça surgindo do nada, e muito menos o fato de eu ter errado a mira e acertado a cabeça ao invés da perna, o que realmente me aterrorizou foi perceber que eu não tinha retirado a trava de seguraça da minha arma pois ela continuava exatamente do mesmo jeito, ou seja, eu poderia ter morrido sem saber porque, o que também significava que não tinha sido eu a matar o rapaz.

Outra pessoa fez isso.

Um arrepio subiu pela minha coluna ao me dar conta desse fato e dessa vez retirei a trava de segurança, tendo certeza de que funcionaria.

A coisa tinha acabado de ficar mais séria e mais perigosa. Um bandido qualquer teria se aproveitado da oportunidade e esperado que ou eu ou o rapaz morressemos, para só depois entrar e terminar o serviço caso fosse necessário, mas independente de quem fosse o perigo maior, essa pessoa preferia fazer as coisas por si própria, não deixava serviços importantes na mãos de qualquer um, o que significava: nada de conversa, nada de barganha, a única forma de sobreviver seria matar ou morrer, para ambos os lados.

Uma luz se acendeu na minha cabeça. Era minha chance, resolver esse crime tão chocante me daria muito mais destaque e talvez até recebesse uma promoção, seria um atalho para subir na hierarquia da profissão. Resolveria o crime, a parte mais importante, e, quem sabe, vai que a gratidão do prefeito me desse esse agrado.

Um som mais fino soou contra contra o piso, afastando meus pensamentos e meu coração acelerou pela oportunidade, era um som mais seco e firme, não era um tênis.

Uma silhueta despontou de dentro da névoa e se aproximou a passos calmos, aproveitei a cortina de fumaça e me levantei abruptamente apontando a arma na sua direção, a figura fez o mesmo, a fumaça começou a se esvair, meus batimentos aumentaram. Ao contrário do rapaz que estava caído, a figura que apareceu era extremamente confiante já que seu rosto descoberto denunciava o quanto subestimava meu trabalho ao ponto de não se incomodar de me deixar saber logo de cara que a pessoa culpada pelo assassinato de Rosa era..

- E-DU-AR-DO! - a mulher gritou ao empurrar a porta com força a abrindo. A madeira arrebentou contra a parede fazendo um barulho altíssimo. Ela já estava cansada depois de dizer mais de sete vezes para ele ir jogar o lixo fora e ser ignorada.

O garoto que estava sentado deu um sorriso sem graça e a olhou de baixo para cima e antes que pudesse reagir, a mulher tomou o caderno de sua mão.

- Quantas vezes já não te falei que você não pode ler esse tipo de coisa?! É o diário de seu avô, não é para sua idade.

- Mas mãe...

- MAS NADA! Vai fazer o que eu te pedi - a ordem foi seca e direta, sem chance para argumentação. Percebendo o ultimato ele se levantou, mas antes de começar a andar ele fez uma pausa.

- Eu já 'tava' no fim, me fala quem matou a menina.

A mulher o olhou assustada com a curiosidade dele, depois pragejou mentalmente por não ter chegado antes, então suspirou se rendendo, não teria problemas em dizer já que ele já tinha chegado no fim da história. Então ela olhou para o caderno e um sorriso leve surgiu se lembrando de já ter lido o primeiro caso de seu pai várias vezes, era estranho e hilário saber o quanto o detetive mais conhecido do país era irresponsável e descuidado no começo. Por fim ela olhou para o garoto que esperava ansiosamente pela resposta. Então ela começou a reler a última parte:

- ...menosprezava meu trabalho ao ponto de não se incomodar de me deixar saber que a pessoa culpada pelo assassinato de Rosa era na verdade sua m...

- MÃE! SOCORRO! CORTEI MEU DEDO! 'TÁ' SAINDO MUITO SANGUE! EU VOU MORRER!

A mulher girou seus pés e saiu desesperada pela porta em direção ao grito dado pela filha que tinha ficado na cozinha cortando os legumes do jantar.

O garoto até tentou novamente saber a resposta naquela noite, mas a mãe o ignorou e escondeu o diário. O único momento onde ela tinha abaixado a guarda fora desperdiçado.

Ele nunca soube a resposta.


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