NEGRUM
Texto de Montezuma3691
Conto selecionado no "Concurso 17: Multiverso"
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Sinopse: Um misterioso paciente, em estado grave, chega ao hospital. Apresenta-se como um jovem rapaz em delírio, que apenas pronuncia, incessantemente, a palavra "Nadir". De onde veio, ninguém sabe. A sua identidade é desconhecida. A sua missão, uma incógnita.
Quando as Leis da Física são desafiadas, corre-se o risco de revolucionar o mundo científico e contactar com uma realidade impensável.
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I.| Paciente Misterioso
- Já colocaram adrenalina no aerossol?
- Já. Dificilmente sobreviverá.
- O melhor é chamar a Doutora.
Duas enfermeiras, de bata de um branco impecavelmente imaculado, discutiam o tratamento de um misterioso utente às portas da morte. Quem era, ninguém sabia. De onde viera, todos desconheciam. O que lhe acontecera, era um enigma.
- Nadir... - Repetia o doente em delírio.
- Vou chamar a Doutora. - Informou uma das funcionárias do hospital, saindo do quarto onde se encontrava o paciente.
- Nadir... Nadir... - Continuava o ser em agonia, enquanto se contorcia e gritava num terrível desespero pela desvantagem da vida na luta contra a sua antagonista, a odiada morte.
Momentos depois, uma mulher, já de alguma idade, entrou na divisão. Tinha um ar firme e uma postura inspiradora de algum respeito.
- Ele piorou? - Perguntou à enfermeira que ficara a velar pelo miserável.
- Não tem grandes hipóteses. Perdeu muito sangue e tem múltiplas fraturas.
- Já contactaram a Polícia?
- Sim. Não sabem nada sobre ele. Analisaram o documento de que era portador, mas a fotografia não coincide com a de nenhum cidadão registado. Além disso, aqueles caracteres, aqueles hieroglifos, não são de nenhuma língua atual ou passada conhecida.
- Nadir... - Dizia, uma vez mais, o doente.
A Doutora olhou-o com desdém. Na sua cabeça, aquele era um criminoso implacável que agora roubava-lhe o tempo necessário para tratar dos inúmeros semi-mortos que se acumulavam na enfermaria. Além disso, ocupava um quarto individual ao qual só se devia recorrer em casos extremos. Era uma medida de precaução, dir-lhe-ia o responsável pela triagem.
- Se ele sobreviver, assim que melhorar, vai direto para a ala psiquiátrica. - Declarou num tom um quanto ríspido e agressivo.
- Sim, senhora. - Assentiu a enfermeira.
- E veja se trata de saber mais sobre essa infame criatura. Não quero assassinos ao meu cuidado. E não tirei o curso de Medicina para tratar de esquizofrénicos nem de psicopatas, isso é com eles lá do piso de cima.
- Com certeza. Por isso é que o isolámos nesta sala: para diminuir os riscos para os outros utentes.
A mulher mais velha limitou-se a voltar as costas, para se dirigir à enfermaria. Tinha muito trabalho a fazer. Dezenas de almas esperavam a sua ajuda para recuperar a sanidade dos seus corpos moribundos.
A outra deixou-se permanecer no cubículo. Verificou o soro e o oxigénio administrados ao seu paciente. Ao contrário da sua superior, considerava que todos deveriam receber tratamento médico adequado, independentemente das ações que levaram ao estado de sofrimento e a possível culpa que poderiam ter.
Contemplou o indivíduo que tratava. Aparentava uns vinte e cinco anos. O seu cabelo era extremamente invulgar: de um azul-cobalto, exibia mechas arroxeadas. Os olhos, de um castanho-chocolate profundo, entreabriam-se ocasionalmente, enquanto aquela palavra era pronunciada novamente em gritos aflitivos. O rosto, perfeitamente oval, revelava o sofrimento causado pelo tormento físico da iminência da morte. O fio que sustentava a vida estava prestes a se quebrar. "Nadir... Nadir... Nadir...", era esta a repetição que consumia as últimas energias do ser moribundo. A sua necessidade, inexplicável.
Refletia a enfermeira sobre a expressão dita pelo doente quando sentiu um leve tremor no bolso da sua bata, seguido de um som agudo, estridente e irritante.
- Sim? - Disse, atendendo a chamada que acabara de receber.
- É do quarto do hospital para onde o "cabelo-azul" foi transportado? - Questionou uma voz masculina grossa.
- É, sim.
- Aqui fala a Polícia. Temos novas informações sobre o indivíduo. - Principiou o homem do outro lado do telefone. - Segundo populares, o indivíduo, juntamente com o animal que o acompanhava, ter-se-á lançado do cimo de um edifício. Nada aponta para a interferência de terceiros. Muito provavelmente, foi uma tentativa de suicídio, teoria que é reforçada pelo facto de nenhum dos moradores da zona conhecer o jovem. Ou seja, acreditamos que ele se deslocou a esta localidade para pôr termo à própria vida.
- Falou-me num animal. Que animal? - Perguntou a enfermeira, interessada.
- Ele encontrava-se com um canídeo, que foi levado para o canil. O veterinário responsável afirma ser muito estranho que também o cão se tenha lançado do prédio, uma vez que, regra geral, os animais não-humanos tendem a privilegiar a vida. Porém, poderá ter agido em coação pelo proprietário.
- O cãozinho está bem? - Quis saber a funcionária do hospital, que sentia compaixão por tudo o que fosse animal de estimação.
- O seu estado é muito crítico. Mas, retomando às informações que temos sobre o indivíduo, poderá tratar-se de um criminoso altamente perigoso. A sua biometria não coincide com a nossa base de dados, o que nos leva a suspeitar que terá falsificado o documento de que era portador, e, talvez, invadido o nosso sistema. Tinha também consigo dispositivos nunca antes vistos pelos nossos agentes, que poderão ser armas sofisticadas e muito avançadas. Qualquer comportamento suspeito que o indivíduo apresente, é favor contactar-nos.
- Certamente fá-lo-emos, se for esse o caso.
- Nadir! Nadir! - Gritou o doente, de repente.
- O que se passa aí? - Interrogou o polícia, surpreendido pelo berro.
- Nada de incomum. O paciente apenas está inconsciente e a delirar, devido aos graves ferimentos que sofreu.
- Registe todos os comportamentos do suspeito.
- Sim, senhor. - Limitou-se a enfermeira a dizer.
II.| Fragilidade
Três longos e intermináveis dias de muito sofrimento passaram-se para o paciente misterioso. Só quando a Lua surgiu nos céus pela terceira vez desde que o jovem flutuara no vazio, em direção ao caminho da morte, é que recuperou a consciência total.
Estava sozinho no pequeno quarto. Levantou as persianas que cobrem os globos oculares e contemplou demoradamente o ambiente que o envolvia. Uma máscara de aerossol embaciava-lhe a visão. Puxando-a com tanta força que os elásticos cederam, retirou-a.
Sentou-se na maca. Do seu braço saíam uns pequenos tubos por onde corria um fluído transparente. Ignorando a sua importância, provocou o fim da comunicação das agulhas com o meio intravenoso. No seu peito, encontravam-se uns círculos dos quais partiam uns fios coloridos para uma máquina que mostrava um gráfico inconstante, com altos e baixos, e uns números que se alteravam a cada segundo. Removeu aqueles autocolantes incomodativos, ao que se seguiu um som agudo proveniente do aparelho imparável, no qual agora se visualizavam apenas uma linha horizontal e zeros.
Solto de todos aqueles utensílios estranhos, o jovem pôs-se de pé. O seu corpo lamentava-se das inúmeras mazelas que sofrera. A sua pele clara estava salpicada com manchas roxas. Os hematomas eram extensos e fundos. Feridas preenchidas com sangue coagulado e trombócitos completavam a sua figura. Ligaduras e gesso eram a sua roupa, para além de uma bata de hospital com mau aspeto.
Decorrente da fragilidade do seu corpo, no mesmo instante em que se pôs de pé, caiu no chão com um estrondo. Imediatamente surgiu uma enfermeira à porta do cubículo, em passo apressado. Ajudou o paciente a retornar à maca que, mal-agradecido, soltou-se das mãos da funcionária com um gesto brusco, e pronunciou toda uma frase de expressões incompreensíveis num tom zangado. De todo aquele discurso, a única palavra que não foi tão estranha para a mulher foi "Nadir".
Perante a ausência de uma resposta, o doente voltou a repetir o mesmo palavreado impronunciável, mas de uma maneira ainda mais furiosa. Quando a enfermeira, ignorando o linguajar esquisito do jovem, se preparava para repor o soro, foi empurrada com tal agressividade que se estatelou no pavimento impecavelmente limpo.
Quase que por impulso, agarrou no telefone e efetuou um telefonema. O rapaz continuava a sua expressão oral, cada vez mais fulo. Não demorou muito até que um homem, munido de uma seringa, entrasse de rompante pelo quarto e injetasse o líquido no refilão, que anestesiado ficou, entrando num sono leve e voltando à monótona repetição daquela palavra.
- Nadir... Nadir... Nadir...
III.| Melhoras
Uma semana se passou desde o episódio impulsivo do paciente. Aprendera que, se não quisesse permanecer num estado latente de dormência, teria de se deixar submeter aos tratamentos que os funcionários do hospital considerassem necessários.
A enfermeira que mais tempo passara com o estranho utente revelou, naquele dia, um comportamento diferente do habitual. Nas suas mãos, um tabuleiro com um utensílio concavado, preenchido com um líquido alaranjado, era transportado. Havia ainda um outro objeto, este metálico e de cor prateada, também ligeiramente concavado numa das extremidades. A mulher aproximou-se do doente e sentou-se numa das bordas da cama de hospital.
- Esperemos que já consiga ingerir alguma coisa. - Desejou a enfermeira.
- O que é isso? - Questionou o jovem, olhando desconfiado para a colher que lhe era levada à boca.
- É sopa. Pensei que não sabia falar. - Respondeu ela, surpreendida.
- Durante todo este tempo, o dispositivo implantado na minha laringe assimilou a vossa linguagem, através da escuta das vossas conversas. Agora, é me possível pensar na minha língua e expressar-me na vossa.
- Interessante. - Declarou a enfermeira, totalmente desinteressada nas maluquices daquele paciente. - Assim que estiver minimamente recuperado, será transferido para a ala psiquiátrica. A polícia também tem algumas perguntas para lhe fazer, mas pedi-lhes que aguardassem a cicatrização das feridas.
- Onde estou? - Perguntou o rapaz, olhando para o ambiente que o circundava.
- Num dos quartos da ala dos cuidados intensivos. - Esclareceu a mulher, enchendo novamente a colher de sopa.
- Onde está Nadir?
- Quem é Nadir? - A atenção da funcionária do hospital fora despertada perante uma possível resposta à sua maior pergunta sobre aquele misterioso utente.
- O meu irmão. Ele estava comigo quando desci do edifício.
- Não, não estava. Ninguém estava consigo.
- Ele é um antropozoo.
- Um "antro" quê?
- Antropozoo. Não me vá dizer que não sabe o que é um antropozoo. Toda a gente sabe o que é um antropozoo.
- Não sei nem quero saber. Poderá contar as suas fantasias ao médico psiquiatra que ficar responsável pelo seu caso. Infelizmente, parece que a Doutora tinha razão...
- Acho que quem está a precisar de um psiquiatra é a senhora, para tratar da sua amnésia. Onde está Nadir? - Interrogou o jovem, já a ficar furioso.
- Eu não faço a mínima ideia de quem é Nadir. É só fruto da sua imaginação, um amigo imaginário. Passou todo o seu delírio a gritar por esse tal de Nadir. Eu não sou psicóloga, mas vou dar-lhe um conselho: esqueça Nadir e foque-se em si mesmo. É uma sorte ter sobrevivido.
- Sabe o que é "Negrum"? Por acaso, já ouviu falar? - Inquiriu o paciente, desviando a conversa de motivacional e de autoajuda.
- Não, não sei. Jamais ouvi essa palavra. - Disse a enfermeira, saindo do quarto com o tabuleiro e a tijela vazia.
IV.| Ala Psiquiátrica
- Sente-se, por favor. - Ordenou um homem de bata branca e ar carrancudo para o jovem de cabelo cor-de-cobalto, que se encontrava um pouco coxo e de braço engessado.
O rapaz obedeceu imediatamente. Contemplou todo o cenário da nova sala em que se encontrava. Era a primeira vez que deixava o pequeno e acolhedor quarto no qual estava internado. Havia uma secretária forrada com alguns montes de papéis desorganizados e uma máquina estranha ao paciente. Atrás da mesa, um médico cansado, de cobertura do couro cabeludo acinzentada e óculos pendurados na ponta do nariz preparava-se para iniciar a consulta.
- Como se chama? - Perguntou o médico, parando de analisar uns documentos.
- Zénite. - Informou o utente.
- "Zé" quê? Como se escreve isso?
- Zénite, como o ponto imaginário vertical superior, usado em Astronomia.
- Muito bem, Zénite. - Aquela palavra ainda custava dizer ao médico. - Tem família próxima?
- Apenas o meu irmão gémeo.
- E qual o nome dele?
- Nadir.
- E esse nome... Também está relacionado com Astronomia?
- É o ponto imaginário vertical inferior.
- Muito bem. Nadir... - Sussurrou o homem mais velho, tomando apontamentos. - Quantos anos tem? - Interrogou numa voz mais audível.
- Anos? O que é um ano? - Interrogou o jovem, confuso com aquela expressão.
- "Ano" é quando um planeta completa uma volta ao redor da sua estrela. Mas adiante. O que aconteceu com os seus pais?
- Desapareceram. Não está a entrar um bocadinho de mais no que diz respeito à privacidade da minha vida pessoal? - Ripostou Zénite, incomodado com a referência aos seus progenitores. - Além disso, o nosso planeta não orbita nenhuma estrela. Todos sabem que a energia dos planetas habitáveis é proveniente de cometas.
- Negar a existência do Sol? Essa é nova. - Disse, para si, o psiquiatra. - Zénite, estou aqui para o conhecer melhor e ajudá-lo.
- Ajudar? Se me quer ajudar, diga-me onde está Nadir.
- Eu não sei onde está o seu irmão, mas certamente a Polícia empenhar-se-á no seu caso. Preciso de saber uma coisa, meu jovem. O que o fez atirar-se do prédio?
- Eu não me "atirei" do cimo do edifício. Eu apenas desci.
- E colocou a sua própria vida em risco. Para quê, Zénite?
- Eu não pus a minha vida em perigo. Eu e Nadir apenas descemos do cimo do edifício, como tantas vezes fazemos.
- Ai sim? Esteve mais de uma semana em cuidados intensivos.
- Não sei o que se passou, deve ter sido algum fenómeno estranho da Física. - Retorquiu o rapaz, encolhendo os ombros.
- Fenómeno da Física? Um fenómeno seria se não se estatelasse no chão. - Afirmou, com toda a convicção, o médico. - Disse-me que estava com Nadir quando saltou do prédio, mas os vídeos confirmam que estava sozinho. Apenas se encontrava consigo um cão, que jamais poderia ser o seu irmão. Como explica este facto, Zénite?
- Nadir é um antropozoo. E aqui ninguém sabe o que é um antropozoo, pelo que já percebi. - Disse o outro, encolhendo os ombros.
- Pois eu também não sei. Podia fazer o favor de me explicar, meu jovem?
- Depois de inúmeros casos de crimes graves cujo autor ficou para sempre no desconhecimento, por ser impossível identificar o criminoso através de vestígios biológicos sem acusar um inocente, foi instaurada a Lei dos Antropozoos, que determina que, no caso do nascimento de dois gémeos monozigóticos que tenham o mesmo material genético, um dos indivíduos tenha de ser transformado num antropozoo.
Um antropozoo não é nada mais, nada menos, do que um humano com forma animal. É feito um upload da sua consciência e alterados os genes que codificam a espécie.
A grande maioria dos antropozoos são cães. Os humanos partilham oitenta e oito por cento da sua codificação genética com estes canídeos, o que torna o processo de substituição das bases azotadas do ácido desoxirribonucleico específicas menos complexo. E Nadir é um antropozoo canino.
- Interessante, interessante... - Murmurava o homem de mais idade, tomando apontamentos para chegar a um diagnóstico.
- Vai-me dizer para onde levaram Nadir ou não? - Questionou Zénite, num tom inquisidor.
- A Polícia levou-o para o canil, obviamente.
- Onde fica esse tal de "canil"?
- Só um bocadinho. Já lhe dou a morada, embora saiba que não vai poder vê-lo durante uns tempos, enquanto não tiver alta.
O psiquiatra digitou algo no computador e iniciou a pesquisa pela informação solicitada.
- Já ouviu, alguma vez, falar em "Negrum"? Sabe o que é? - Foi a pergunta inesperada que o médico ouviu.
- Negrum? Não sei o que é, mas já me falaram nessa coisa. - O homem mais velho tinha uma expressão despreocupada, e entregou um pequeno post-it com a morada do canil ao utente.
- Quem?
- Um outro paciente que se encontra aqui internado, no quarto 121, já há uns dois meses, sensivelmente. Tentou-se afogar num rio, mas nunca reconheceu como uma tentativa de suicídio. Diz ter vindo de um outro planeta, de uma outra dimensão, sei lá, onde afirma poder "andar" sobre a água, apenas afundando ligeiramente os pés. Foi da boca dele que ouvi, pela primeira vez, o termo "Negrum": pelo que fui percebendo, é algo correspondente à Matéria Negra, que permite viajar entre dimensões. Apenas um fanático das teorias da conspiração... Ainda que o caso dele tenha muitas semelhanças com o seu. Talvez possam compartilhar ideias e conversar um pouco. Possivelmente, eu estou em vias de descobrir um novo síndroma. Vou designá-lo de "Síndroma de Negrum"...
- Como se chama esse paciente? - Perguntou o rapaz, interrompendo os sonhos de investigação e fama do psiquiatra.
- Um nome esquisito. Tal como o seu, parece ter uma origem astronómica: Afélio.
- Afélio! - Gritou o jovem, enraivecido.
Dito isto, levantou-se bruscamente da cadeira onde estava sentado, ignorando as mazelas, os hematomas e as feridas, e dirigiu-se para a porta do consultório.
- Aonde vai, rapaz?
- Libertar Nadir. Zénite e Nadir são dois pontos em linha que jamais podem ser separados. Não existe Nadir sem Zénite, nem Zénite sem Nadir. Ah, e diga ao Afélio que eu certamente terei uma conversa com ele muito em breve.
V.| Cientista Sombrio
Um rapaz de cabelos cor-de-cobalto e um cão com traços de Border Collie, pelo azul-merle e orelhas arrebitadas seguiam em passo apressado e firme pelos corredores da ala psiquiátrica. Traziam uma expressão determinada, de fúria, raiva e vingança. Que nada lhes atravessasse no seu caminho, porque, quer o humano, quer o canídeo, tinham de necessariamente cumprir a sua missão, como se programados para tal tivessem sido.
- Ei! Não são permitidos animais no interior do hospital, jovem. - Avisou um funcionário.
Imediatamente, Zénite agarrou o indivíduo pelos ombros, empurrando-o contra uma parede, caindo o homem inconsciente no chão. Impávido e sereno, juntamente com o seu companheiro canino, continuou o seu caminho e repetiu este procedimento mais umas quantas vezes, sem nunca se perturbar.
Os dois irmãos chegaram finalmente a uma porta onde havia uma pequena placa de plástico ao lado, que exibia orgulhosamente o número "121". O bípede rodou a maçaneta, entrando numa divisão com uma cama e um homem, de cobertura cabeluda lilás, nela sentado, aparentando este uns quarenta anos de idade.
- Afélio! - Anunciou o mais novo.
- Sim, esse é o meu nome. - Retorquiu, ironicamente, o outro. - Cabelo interessante. Nunca tinha visto esse tom por aqui.
- Porque eu não sou daqui. Eu sou do seu mundo. - Informou o jovem.
- E o que querem?
- Fortemente indicado pelos crimes de sequestro, rapto e utilização de seres vivos conscientes para atividades científicas sem o seu devido consentimento, o senhor terá de responder pelos seus atos e sofrer as consequências.
- Sofrer as consequências? Já não estou a sofrer as consequências? E quem pensam que são para me acusarem tão diretamente dos inúmeros atos "malévolos" que cometi? - O homem deixou escapar um sorriso trocista.
- Somos os agentes Nadir e Zénite. - Esclareceu o cão.
- Eles tiraram-nos os cartões de identificação. - Completou o humano.
- Todos os males fossem esses. Muito bem, chegaram até mim. E agora? Que vão fazer? É completamente impossível sair deste mundo.
- Se entrou, também consegue sair. - Declarou Nadir.
- Através da manipulação do "Negrum", é possível viajar para esta dimensão. Porém, sair implicaria o processo inverso. Não havendo "Negrum" neste Universo, estamos condenados a perecer nesta realidade. A minha presença aqui foi um mero acidente. Um mau funcionamento dos equipamentos de laboratório e uma fuga desta substância determinaram-me a passar o resto da minha existência neste maldito mundo. Um cientista renomeado tratado como um "ninguém".
- Pois nós viemos aqui parar por sua culpa. Se soubesse trabalhar em conformidade com a Lei, jamais teria invadido o seu laboratório e tocado nas suas máquinas detestáveis. Onde estão todas os desaparecidos, Afélio?
- Descansa, Zénite. Estão na mesma situação que nós os três, trancados neste Universo.
- Afélio, o momento mais sombrio de todo o curso do nosso cometa, em que mais se afasta do nosso planeta, trazendo frio, sofrimento e dor. Que bem posto está o seu nome, cientista maligno. - Deixou sair o agente humano.
- Se a sua presença foi um erro, os desaparecidos eram as cobaias da sua experiência. Entre esses desaparecidos, estão os nossos pais. Não foi capaz de percecionar os danos que nos causaria, jovens e desamparados? Porque acha que seguimos ambos a área da investigação criminal? Não, não precisa de responder. - Disse o cão, vendo a boca do acusado a abrir-se. - Foi para encontrar os nossos pais.
- E parece que a nossa missão foi bem-sucedida. - Acrescentou Zénite. - Sabemos agora onde procurar os nossos progenitores e, além disso, ao contrário do senhor, temos conhecimento suficiente para regressar ao nosso mundo.
Pondo fim à conversa, Zénite e Nadir principiaram a abandonar a divisão.
- Como assim, sabem como regressar?
- Apenas uma expressão equivalente ao seu "Negrum": Matéria Negra. Mas não se aflija, Afélio: isto não é um "adeus". É um "até breve". Ainda nos veremos, quando estiver a ser julgado pelas suas atrocidades. Por enquanto, permanecerá neste cubículo abafado.
VI.| Multiverso
Num escritório de um edifício alto, uma luz azulada raiava através da enorme janela, enquanto era contemplada por um homem de meia-idade, um jovem e um cão.
- Quais os resultados das investigações, agentes Zénite e Nadir?
- Revolucionários, tanto para o mundo criminal, como para o mundo científico. - Declarou o rapaz.
- Expliquem, por favor.
- Para lá da nossa dimensão, existe um outro Universo cujos habitantes não têm nomes astronómicos, a água afunda e descer do cimo de um prédio é fatal. Os antropozoos são inexistentes. A luz brilha vinda de uma estrela, não de um cometa. As Leis da Física que conhecemos, lá, têm valor nulo. Negrum, para Afélio, ou Matéria Negra, para eles, é a substância que permitirá o contacto e união do Multiverso.
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